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Processo nº 1016/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em
que é recorrente A., Lda. e são recorridos B. e outros, foi proferida decisão
sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«1. Da descrição do percurso processual acima relatado resulta que o recorrente
não interpôs recurso do despacho que, deferindo pedido nesse sentido formulado
pelos requerentes, determinou o prosseguimento da providência cautelar sem
prévia audiência da requerida. Foi, porém, esta decisão, de 20 de Setembro de
2004, transcrita sob o ponto 2. do Relatório que antecede, que aplicou os
artigos 385º, nº 1, e 412º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), referidos
pela recorrente no presente recurso.
Estabelece o primeiro dos preceitos, integrado em Secção intitulada
“Procedimento cautelar comum” e aplicável aos procedimentos cautelares
nominados, como o embargo de obra nova (artigo 392º, nº 1, do CPC), que “O
tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o
fim ou a eficácia da providência”. Por seu turno, o nº 1 do artigo 412º do mesmo
Código, que inicia a Subsecção dedicada ao Embargo de obra nova, estabelece que
“Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum,
em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em
consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar
prejuízo, pode requerer, dentro de trinta dias, a contar do conhecimento do
facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
Considerado o objecto do presente recurso, tal como é definido pela recorrente –
inconstitucionalidade da norma extraída por interpretação do nº 1 do artigo
385º, conjugada com o nº 1 do artigo 412º, ambos do Código de Processo Civil, e
aplicada pelo tribunal a quo, enquanto entendida no sentido de o tribunal poder
dispensar a citação prévia da requerida em caso de o requerente do embargo de
obra nova saber dos factos em cuja ocorrência fundamenta a violação do direito
alegado (servidão de vistas) trinta dias antes da apresentação, no tribunal
judicial, do pedido do embargo e em caso em que a obra a levar a cabo se traduz
na construção de um hotel que se encontra administrativamente licenciada e tal
aprovação constitui facto público – resulta que a decisão visada é o referido
despacho de 20 de Setembro e não a decisão que veio a decretar a providência,
proferida quando a primeira questão (audiência prévia ou não da requerida)
estava já ultrapassada (refere-se à distinção entre as duas decisões o acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Julho de 1996, www.dgsi.pt).
Por outro lado, tão pouco suscita dúvidas a possibilidade de impugnação de tal
despacho. A propósito desta decisão de dispensa do contraditório nos
procedimentos cautelares, escreveu Abrantes Geraldes:
“(…) como ocorre com qualquer decisão judicial que não seja de puro expediente
(e esta não se enquadra nesta categoria de actos, devido aos efeitos negativos
que qualquer opção pode determinar na esfera jurídica do requerente ou do
requerido), também esta deve ser fundamentada.
Quer o juiz se pronuncie no sentido da dispensa do contraditório, quer conclua
pelo indeferimento de pretensão contrária deduzida pelo requerente, estamos na
presença de uma decisão que é passível de ser impugnada, nos termos gerais, com
base na sua ilegalidade ou falta de fundamentação” (Temas da Reforma do Processo
Civil, Almedina, vol. III, 2ª edição, p. 171; itálico aditado).
Porém, a recorrente não interpôs recurso da decisão que dispensou o
contraditório. Estando em causa decisão que admite recurso ordinário, era
necessário que a recorrente tivesse interposto recurso do despacho de 20 de
Setembro de 2004 – o que dispensou o contraditório –, esgotando os recursos no
caso cabidos (artigo 70º, nº 2, da LTC), para que a questão de
inconstitucionalidade identificada pudesse vir a ser objecto do recurso previsto
no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC.
Como decorre do teor do Relatório que antecede, tal não foi o percurso da
recorrente. A recorrente deduziu oposição à providência decretada e,
subsequentemente, interpôs recurso da decisão que a manteve, decisão que
constitui complemento e parte integrante daquela que decretou anteriormente a
providência (artigo 388º, nº 2, do CPC) e que foi depois confirmada pelo acórdão
do Tribunal da Relação.
2. É certo que a decisão de primeira instância e, depois, a do Tribunal da
Relação (ponto 6. do Relatório) mencionam os artigos 385º, nº 1, e 412º, nº 1,
do CPC, já que a recorrente os referiu, do ponto de vista
jurídico-constitucional, na oposição e no recurso. Não pode, porém,
considerar-se que tal menção integra o conteúdo decisório.
No que se refere à decisão do tribunal de comarca, considerados os limites e
fundamentos da oposição (artigo 388º, nº 1, alínea b), do CPC), é evidente que
nunca poderia estar em causa uma alteração do despacho que dispensou o
contraditório. As considerações tecidas quanto à não audição da requerida, não
têm, pois, conteúdo decisório. Consequentemente, interposto recurso para o
Tribunal da Relação, tão-pouco a dispensa do contraditório integra o conteúdo
das questões a decidir por este tribunal superior.
Estas decisões, referindo embora os artigos 385º, nº 1, e 412º, nº 1, do CPC não
fazem deles uma efectiva aplicação, em termos de os utilizarem para decidirem
uma questão que lhes tenha sido colocada. Os preceitos são mencionados sem deles
serem extraídas consequências decisórias. Aliás, nem tais consequências poderiam
ser extraídas, face à problemática a decidir – a manutenção ou não da
providência.
No caso presente, o conhecimento da questão de constitucionalidade formulada
pela recorrente sempre se traduziria numa absoluta inutilidade: “Sendo a
referência à norma questionada mero obiter dictum, ou versando a decisão sobre
outra questão, a intervenção do Tribunal Constitucional na apreciação da
conformidade constitucional da norma impugnada e não aplicada não se poderá
reflectir utilmente no processo – sempre a decisão recorrida seria a mesma,
ainda que a norma questionada seja declarada inconstitucional” (Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 496/99, não publicado)».
2. Desta decisão reclamou a recorrente para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«(…) São dois, em síntese, os pressupostos de direito sobre os quais a decisão
reclamada se encontra construída: de um lado, a afirmação de que não foram
esgotados os recursos ordinários previstos no Código de Processo Civil para a
providência cautelar em causa (embargo de obra nova); do outro, a asserção de
que a norma constitucionalmente impugnada pela recorrente não constituiu
verdadeira ratio decidendi.
4°
Ora, qualquer destes dois juízos está, salvo sempre o devido respeito, errado.
5°
Na verdade, ao contrário do sustentado na fundamentação da decisão reclamada,
foram esgotados os meios, de recurso ordinários.
6°
Relativamente a esta matéria, impõe-se-nos fazer, desde já, uma distinção: se é
verdade que o Tribunal Constitucional não está vinculado pela decisão do
tribunal recorrido quanto à admissão do recurso (art.º 76°, n.º 3, da Lei do
Tribunal Constitucional – LTC), também não é menos certo que o Tribunal
Constitucional se encontra vinculado aos termos como o tribunal recorrido
entendeu a lei processual de que fez aplicação nos autos.
7°
É que o Tribunal Constitucional não pode controlar a correcção da interpretação
e da aplicação que o tribunal recorrido fez do direito infraconstitucional.
8°
Ora, ao contrário do pressuposto pela decisão reclamada, é por demais evidente
que a agora reclamante interpôs recurso do despacho do juiz que dispensou a
audiência prévia da requerida (agora recorrente) e ordenou a inquirição das
testemunhas oferecidas pelos requerentes do embargo de obra nova sem qualquer
contraditório, em coerência lógico-consequente com a dispensa de prévio
contraditório.
9°
O recurso – como dizem todos os processualistas – é um meio processual de
impugnação das decisões judiciais para o tribunal superior da respectiva
hierarquia.
10°
Ora, a ora reclamante impugnou expressamente no recurso interposto para a
Relação de Coimbra a decisão do tribunal de comarca de dispensar a audiência
prévia da requerida e a consequente produção da prova testemunhal sem o
contraditório da mesma requerida, depois de, primeiro, ter confrontado o
tribunal de 1ª instância com as ilegalidades e inconstitucionalidades cometidas
numa fase anterior ao do conhecimento da existência do processo, efectuado
através da sua notificação da decisão que decretou os embargos.
11°
E fê-lo convertendo essa questão numa questão central do recurso, como se colhe,
de uma forma lapidar, do discurso da alínea a) das respectivas Conclusões de
recurso (Aí se diz: a) A norma extraída por interpretação do n.º 7 do art.º
385°, conjugada com o n.º 1 do art.º 412°, ambos do CPC, e aplicada pelo
tribunal a quo, enquanto entendida no sentido de o tribunal poder dispensar a
citação prévia da requerida no caso de o requerente do embargo de obra nova ter
sabido dos factos em cuja ocorrência fundamenta a violação do direito alegado de
servidão de vistas trinta dias antes da apresentação do pedido do embargo e em
que a obra a levar a cabo se trata de um hotel com 44 quartos e se encontra
administrativamente licenciada e essa aprovação constitui facto público, é
inconstitucional por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais
na sua dimensão de direito ao contraditório antecipado ínsito no direito
fundamental do acesso aos tribunais consagrado no art.º 20° da Constituição, por
ofensa, além do mais, dos princípios da necessidade, adequação e
proporcionalidade, a que o direito de acesso aos tribunais está sujeito, de
acordo com o estabelecido nos n.ºs 2 e 3 do art.º 18° da Constituição).
12°
E mais importante do que isso – sendo tal aspecto decisivo – é que o próprio
Tribunal da Relação de Coimbra assim o entendeu como a ora reclamante.
13°
Na verdade, o acórdão agora recorrido conheceu expressamente dessa questão no
item 2 da respectiva fundamentação (sob o epíteto “A inconstitucionalidade das
normas dos artigos 385° e 412°, n.º 1 doCPC”), cuja consideração se requer
(dispensando-se a reclamante de transcrever o discurso do acórdão recorrido para
não afectar a clareza e concisão da reclamação).
14°
É, pois claro, que o acórdão da Relação de Coimbra entendeu como estando
impugnada por via do recurso para ele a decisão do tribunal recorrido de
dispensar o contraditório.
15°
Ora, a actuação do Tribunal da Relação de Coimbra na apreciação desse fundamento
do recurso da recorrente repousa, de forma claríssima – se bem que implícita –
em um determinado entendimento do direito processual relativo ao procedimento
cautelar, na situação em que não é efectuada a audiência prévia da requerida e
em que esta entende usar, primeiramente, do direito de deduzir oposição nos
termos do art.º 388° do CPC, quanto ao tempo e ao momento em que a decisão que
dispensa a audiência prévia do requerido pode ser atacado por via de recurso.
16°
Entendimento esse que o Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado.
17°
E esse entendimento é o de que, tendo o requerido usado do direito de deduzir
oposição nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 388° do CPC (intentando com
isso “alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal
e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua
redução...”) e não podendo, simultaneamente recorrer do despacho que decretou a
providência, como decorre expressamente do mesmo artigo (e, a fortiori dos
despachos interlocutórios que, com tal recurso haveriam de subir – cf. art. 734°
e 735° do CPC), a decisão do juiz que dispensou a audiência prévia do requerido
e a inquirição das testemunhas sem contraditório deve ser impugnada por via de
recurso da decisão final que julgar a oposição ao procedimento cautelar dos
embargos.
18°
A entender o direito relativo ao modo e ao tempo de interpor recurso do despacho
do tribunal de 1ª instância, que dispensou a audiência prévia da requerida dos
embargos, nos termos em que o faz a decisão sumária do Tribunal Constitucional,
o acórdão da Relação de Coimbra nunca teria conhecido da impugnação material
feita no recurso a tal despacho de 1ª instância com o fundamento da
inconstitucionalidade da norma, aplicada à situação concreta em que o requerente
dos embargos soube 30 dias antes da existência da lesão ao seu direito e da sua
extensão, mas ter-se-ia antes quedado pela afirmação da existência de uma de
questão prévia ou questão preliminar, traduzida na lógica da decisão sumária, na
não interposição de um recurso interlocutório do despacho que dispensou a
audiência prévia no momento anterior ao interposto da decisão que decidiu a
oposição aos embargos e no esgotamento do prazo para interpor esse recurso com o
interposto da decisão que julgou a oposição aos embargos.
19°
A decisão sumária do Tribunal Constitucional apenas conclui pelo modo como
concluiu – o de que a recorrente não interpôs recurso do despacho que dispensou
a audiência prévia da requerida – pelo facto de partir dos princípios de que a
recorrente estava obrigada a manifestar a vontade de recorrer seguindo um
determinado ritualismo como se a impugnação desse despacho ou do seu resultado
não correspondesse a uma interposição de recurso e de que essa vontade não
poderá ser feita a quando da impugnação da decisão que decida a oposição aos
embargos.
20°
Ora, não foi esse o entendimento em que se suporta o conhecimento, por parte da
Relação de Coimbra, da questão relativa à dispensa de audiência da requerida do
procedimento cautelar.
21°
Mas mesmo que a Relação tivesse pressuposto uma tal leitura da lei processual
civil, não poderia agora o Tribunal Constitucional extrair da errada aplicação
que a Relação teria efectuado as consequências que tirou.
22°
Na verdade, tal entendimento apenas poderia postular que a impugnação feita pela
recorrente do despacho que dispensou a audiência prévia da requerida
conjuntamente com a impugnação da decisão que julgou a oposição seria
intempestiva e o recurso com tal fundamento não poderia ser conhecido.
23°
Mas, então, o Tribunal Constitucional estaria a controlar a correcção da
aplicação feita pelo acórdão recorrido e isso está-lhe vedado....
24°
Mas, independentemente, de a recorrente não ter o entendimento da Senhora Juíza
Relatora, no Tribunal Constitucional, relativo ao momento e modo de impugnar o
despacho que dispensa a audiência prévia do requerido dos embargos, e de ter o
acórdão da Relação de Coimbra como perfilhando o da recorrente, sempre é de
dizer que aquela interpretação da lei não é a que se afigura como sendo a mais
correcta perante a nova regulamentação dada ao artigo 388° do CPC e outras
disposições relativas aos procedimentos cautelares, quer na reforma de
1995/1996, quer, mais recentemente, no Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de
Setembro, aplicável ao caso
25°
E daí que o acórdão da relação de Coimbra a não tivesse perfilhado.
26°
Segundo o disposto no art.º 388° do CPC, na redacção emergente do último
diploma, o requerido, no caso de não ser ouvido antes do decretamento da
providência cautelar, uma vez notificado para os termos do processo apenas
depois de decretada a providência (art.º 385°, n.º 5, do CPC), não pode,
exercer, conjuntamente, em tal momento, o direito de recorrer nos termos gerais
e o de deduzir oposição.
27°
A lei apenas lhe permite, em tal momento, usar em alternativa um dos meios: ou
exerce o recurso ou exerce a oposição.
28°
Mas o exercício do direito de oposição não implica, nem podia implicar sob pena
de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais
constante do art.º 20° da CRP, ao impor uma limitação desproporcionada às suas
dimensões de direito ao recurso e ao uso dos meios processuais adequados de
defesa dos seus direitos e interesses legítimos, que o requerido não possa
deduzir oposição e, depois, recorrer, então, de todas as decisões proferidas até
à decisão da oposição.
29°
A inadmissibilidade de recurso imediato quando se deduza oposição fundamenta-se
em várias razões: a celeridade processual (aqui mais acentuada atenta a natureza
do meio processual); a eventualidade de as decisões “recorríveis” poderem ficar
prejudicadas perante a decisão da oposição e, finalmente, a adopção de um
princípio de impugnação unitária, por via de um único recurso, das decisões
proferidas no processo cautelar até e incluindo a decisão que decida a oposição,
este fundado na razão de especial celeridade demandada no processo em causa.
30°
Dentro desta linha a oposição surge, nas questões que pudessem ser recorridas em
termos gerais, como uma reclamação para o juiz em termos deste poder reparar o
agravo:
31°
Compreende-se assim perfeitamente – ao contrário do que sustenta a decisão
sumária – que a requerida não deva ter-se por obrigada a interpor imediatamente
recurso para o tribunal superior do despacho que dispensa a audiência prévia da
requerida e a audição das testemunhas sem contraditório.
31°
Seriam actos cuja prática poderá ser simplesmente inúteis e a lei impede a
prática de actos inúteis (cf. art.º 137° do CPC).
32°
E nem sequer se compreende o obstáculo invocado pela decisão sumária: ao
contrário do que defende, a alegação, na oposição, da inconstitucionalidade da
norma tem sentido processual útil, mesmo ao nível da 1ª instância, na medida em
que esta pode decidir novamente sobre a matéria e reparar o erro cometido.
33°
Na verdade, a inconstitucionalidade da norma, na acepção suscitada, tem como
efeito que o despacho do juiz será ilegal e gerará uma situação de nulidade
processual por autorizar a dispensa de um acto cuja prática a lei imporá – a
audiência prévia da requerida e a audição das testemunhas com contraditório.
34°
Ora, como se sabe, o juiz pode conhecer da nulidade processual da falta de
citação para o procedimento cautelar (“audiência prévia da requerida”) e da
audição das testemunhas sem contraditório, nos termos dos art. 201°, 202°, 203°
e 204° e 483° do CPC e ordenar a sua reparação, além de que, tendo a oposição,
também, a natureza de um recurso próprio para o juiz de 1ª instância, por não
poder recorrer nos termos gerais, sempre se poderá convocar a aplicação, por
analogia, do disposto nos art. 668°, n.º 4, e 744°, n.º 3, do CPC.
35°
Aliás, foi isso exactamente o que se passou: a sentença de 1ª instância
reapreciou exactamente a sua anterior decisão, decidindo – ainda que mal – a
questão da dispensa da audiência prévia, da requerida dos embargos, nos termos
contrários aos defendidos pela ora reclamante.
36°
Finalmente, não cabe no conceito de esgotamento dos recursos ordinários, erigido
a pressuposto específico de recorribilidade constitucional no art.º 70°, n.º 2,
da LTC, a apreciação das questões por parte do tribunal a quem a lei processual
(art.º 387°-A do CPC) reserva a última palavra sobre a concreta questão de
constitucionalidade com eventual violação das regras estabelecidas na mesma rei
processual para que o mesmo delas pudesse conhecer.
37°
O que o pressuposto de recurso quer garantir é que a questão de
constitucionalidade cujo conhecimento se pede ao Tribunal Constitucional seja
apreciada, dentro de um sistema de confronto difuso de constitucionalidade, por
parte dos restantes tribunais e de modo definitivo nesses tribunais (daí que a
LTC faça equivaler a esgotamento a renúncia ao recurso ordinário – n.º 4 do
art.º 70° da LTC).
38°
E no caso concreto, o acórdão da Relação de Coimbra conheceu da questão de
constitucionalidade suscitada nas respectivas conclusões de recurso (mau grado,
segundo a decisão sumária, não o devesse ter feito por, segundo o seu ponto de
vista, não haver sido antes, em momento e tempo oportuno, interposto recurso e
tal só tenha acontecido a quando da decisão da oposição).
39°
Da asserção da decisão reclamada de que a norma constitucionalmente impugnada
pela recorrente não constituiu verdadeira ratio decidendi:
40°
A qualificação da decisão sumária assenta em uma antecipação errada dos efeitos
que são susceptíveis de decorrer do julgamento de inconstitucionalidade, ao
sustentar que o julgamento de inconstitucionalidade “não se poderá reflectir
utilmente no processo”.
41°
Em primeiro lugar, importa repetir que o acórdão recorrido conheceu – mas de
modo errado – da questão de inconstitucionalidade suscitada pela ora reclamante
na alínea a) das suas Conclusões do recurso para a Relação.
42°
Fê-lo de modo bem claro no item 2. da sua fundamentação para cujo discurso se
remete, por simplificação.
43°
Ora, a proceder o julgamento de inconstitucionalidade, a Relação, na reforma da
decisão recorrida, terá, forçosamente, de revogar o despacho do juiz que
dispensou a audiência prévia da requerida e a audição das testemunhas sem
contraditório, bem como anular todo o processado subsequente à omissão da
audiência prévia da requerida, caindo também a inquirição sem contraditório das
testemunhas dos requerentes dos embargos, como acima já se deixou alegado.
44°
Evidentemente que uma tal pronúncia da Relação sobre a questão de
constitucionalidade não tem a natureza de um obter dictum!
45°
Por último, cabe dizer que, na dúvida, o Tribunal Constitucional não poderá
deixar de tomar a posição que mais favoreça o recurso de constitucionalidade,
por força do princípio do favor actionis ou do favorecimento do carácter
constitucionalmente prescritivo dos direitos fundamentais, aplicado ao direito
de acesso aos tribunais.
46°
E isso é tanto mais reclamado quanto a decisão de 1ª instância, que a Relação
confirmou, atenta contra um dos mais sagrados princípios do direito: o direito
ao contraditório antes da condenação, ainda que cautelar que teve como efeito
que o processo se tivesse tramitado em segredo até à notificação da decisão dos
embargos à requerida, nesse segredo se incluindo a audição das testemunhas dos
requerentes sem contraditório e sem, sequer, a sua gravação, como é notado no
acórdão da Relação (final do ponto 1.3. da fundamentação)».
3. Notificados do requerimento de reclamação para a conferência, os recorridos
não responderam.
4. Em cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo
Civil (CPC), aplicável por força do artigo 69º da LTC, o recorrente e os
recorridos foram notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a
possibilidade de o Tribunal vir, em conferência, a decidir não tomar
conhecimento do objecto do recurso, pelas seguintes razões:
«Por um lado, o modo como a recorrente formula a questão de constitucionalidade,
no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – pretende a
apreciação da “inconstitucionalidade da norma extraída por interpretação do n.º
1 do art.º 385º, conjugada com o nº 1 do artigo 412º, ambos do Código de
Processo Civil, e aplicada pelo tribunal a quo, enquanto entendida no sentido de
o tribunal poder dispensar a citação prévia da requerida em caso de o requerente
do embargo de obra nova saber dos factos em cuja ocorrência fundamenta a
violação do direito alegado (servidão de vistas) trinta dias antes da
apresentação, no tribunal judicial, do pedido do embargo e em caso em que a obra
a levar a cabo se traduz na construção de um hotel que se encontra
administrativamente licenciada e tal aprovação constitui facto público,
adoptando para aferir da dispensa do contraditório o critério de urgência usado
para avaliar da procedência do procedimento cautelar”, por violação dos artigos
20º e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição –, é significativo de que a recorrente
pretende, afinal, questionar a constitucionalidade do despacho que dispensou o
contraditório da requerida (artigo 385º do Código de Processo Civil).
Ora, o recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pese embora caiba de
decisões dos tribunais, é um recurso normativo, ou seja, visa a apreciação da
conformidade constitucional de normas e não das próprias decisões judiciais: o
“Tribunal Constitucional português é concebido essencialmente como um órgão
jurisdicional de controlo normativo” e não de controlo das decisões (Cardoso da
Costa, “A jurisdição constitucional em Portugal”, Estudos em Homenagem ao Prof.
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, p. 223; e, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs
178/95, 20/96, Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 e de 16 de
Maio de 1996).
Por outro lado, ainda que o recurso interposto tenha como objecto uma norma –
considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa
interpretação – sempre se poderá vir a concluir pelo não conhecimento do mesmo,
atenta a instrumentalidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea
b) do nº 1 do artigo 70º da LTC. No caso presente, a recorrente já exerceu o
contraditório através da dedução de oposição (artigo 388º, nº 1, alínea b), do
Código de Processo Civil) e o Tribunal da Relação de Coimbra já confirmou a
decisão que manteve, após o exercício do contraditório, a providência decretada
(artigo 388º, nº 2, daquele Código). Assim sendo, ainda que o Tribunal
Constitucional se pronunciasse pela inconstitucionalidade da norma questionada,
tal pronúncia não teria a virtualidade de se reflectir utilmente no processo.
Como se conclui no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 366/96, “não visando os
recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou
inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o
uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a
averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do
próprio recurso” (Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996)».
5. Respondeu apenas a recorrente, sustentando que:
«(…) no despacho em que se suscita a questão prévia, sustenta-se,
contraditoriamente – acentue-se a mudança de agulha sem que o Tribunal tenha
justificado essa oposta leitura – que o que “a recorrente pretende, afinal
questionar é a constitucionalidade do despacho que dispensou o contraditório da
requerida”.
8.°
Mas este juízo está tão errado como estava o anterior. Senão vejamos.
9.°
O Tribunal Constitucional não é livre de interpretar os articulados das partes e
o afirmado por elas.
10.º
Os articulados das partes no processo são declarações formais feitas com um
sentido jurídico que têm como destinatários todos os intervenientes no processo:
as partes e o tribunal. Enquanto declarações formais com um sentido jurídico, a
sua interpretação deve seguir, na medida do correspondente, as regras próprias
da interpretação da lei, expressas no artigo 9.° do Código Civil.
11.º
Por outro lado, enquanto declarações feitas com um sentido jurídico e judiciário
por pessoas com capacidade para tanto, os articulados só podem ser interpretados
de acordo com a teoria objectivista na modalidade da denominada teoria da
impressão do destinatário ou seja, no caso, de acordo com o sentido que lhe dará
alguém medianamente capaz, diligente e prudente colocado na posição de qualquer
dos referidos intervenientes do processo (a contraparte, outros sujeitos
processuais e o tribunal), pois são estes os destinatários delas, valendo também
aqui a regra do art.° 236.° do Código Civil.
12.°
É assim que tem sido entendido – e bem – por toda a jurisprudência dos nossos
Altos Tribunais (cf. quanto aos actos administrativos, o Ac. do STA, de 29/9/92,
in BMJ 419.°, p. 529, e os Acórdãos do STJ, de 94/06/28, in CJ-STJ, 1994, tomo
II, p. 15; de 28/01/97, in CJ-STJ, 1997, tomo 1, p. 83) relativamente aos actos
processuais praticados no processo ou objecto do processo, nada autorizando que
possa ser entendido de modo diferente quando estão em causa os actos processuais
das partes.
13.º
Já se disse que, segundo a economia do procedimento cautelar em causa resultante
da reforma de 1995 do processo civil, apenas é permitido ao requerido da
providência cautelar que não tenha sido previamente ouvido antes do seu
decretamento tomar uma de duas posições em alternativa: ou “recorrer nos termos
gerais do despacho que decretou a diligência quando entenda que, face aos
elementos apurados, ela não devia ter sido deferida” ou “deduzir oposição quando
pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo
tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência...” (art.° 388.° do
CPC).
14.°
Ora, na oposição deduzida, que a decisão recorrida para a Relação julgou
improcedente, a ora recorrente não controverteu qualquer errado juízo que o
tribunal de 1ª instância houvesse feito sobre quaisquer circunstâncias de facto
do caso que num juízo de subsunção a realizar perante o quadro jurídico
abstractamente aplicável pudessem ter determinado uma diferente solução do
despacho que dispensou a audiência prévia da requerida.
15.º
E tão pouco – ao contrário do que é afirmado pelo parecer da senhora relatora –
a recorrente impugnou a correcção do juízo jurídico de subsunção das
circunstâncias concretas ao quadro normativo aplicado ou aplicável, jamais tendo
confrontado com quaisquer normas ou princípios constitucionais as específicas
circunstâncias do caso concreto, com qualquer intuito de demonstrar que perante
esse confronto o resultado deveria ser diferente.
16.°
Não e claramente que não! Quer no articulado da oposição deduzida à decisão que
decretou a providência dos embargos, quer nas alegações de recurso para a
Relação e, finalmente, quer no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade, o confronto que a recorrente estabeleceu foi sempre entre
“a norma extraída por interpretação do n.° 1 do art° 385°, conjugada com o, n.°
1 do art.° 412°,ambos do CPC, e aplicada pelo tribunal a quo, enquanto entendida
no sentido de o tribunal poder dispensar a citação prévia da requerida no caso
de o requerente do embargo de obra nova ter sabido dos factos em cuja ocorrência
fundamenta a violação do direito alegado de servidão de vistas trinta dias antes
da apresentação do pedido do embargo, sendo que a obra a levar a cabo se trata
de um hotel com 44 quartos e se encontra administrativamente licenciada e essa
aprovação constituí facto público” e o direito fundamental do acesso aos
tribunais consagrado no art.° 20º e o princípio da proporcionalidade
estabelecido no art.° 18.°, n.°s 2 e 3, ambos os artigos da CRP.
17.º
Uma determinação do sentido desta alegação, feita de acordo com os mencionados
princípios de interpretação dos articulados, só poderá, lealmente, levar o
destinatário (partes e tribunal) a entender que o confronto que se estabelece é
entre uma norma obtida por interpretação conjugada de dois preceitos legais e
certos preceitos constitucionais, sendo que essa norma está corporizada em uma
certa dimensão normativa desses preceitos infraconstitucionais e que esta
dimensão normativa se encontra expressa, por um lado, através da referência aos
elementos jurídicos que se limitam a reproduzir a estatuição jurídica definida
nos próprios preceitos legais (“... poder dispensar a citação prévia...”), e,
por outro lado, através da indicação, cumulativa, de dois tipos de situações de
facto que correspondem a uma mera densificação ou concretização de todos os
tipos susceptíveis de integrar a hipótese (mais) geral a que a norma se refere.
18.°
Veja-se bem. Quando na definição da hipótese da concreta dimensão normativa se
utilizam tipos abstractos de factos, como é o caso, está-se ainda e tão só a
determinar a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada e não a
pretender-se que o tribunal diga qual é a solução que para os factos que em
concreto preencham esses tipos há-de decorrer de outras normas, ainda que estas
tenham natureza constitucional.
19.º
O teste decisivo de que não se está a pretender questionar a constitucionalidade
do despacho, no que diz respeito à definição da hipótese normativa construída
nesses termos, é dado pelo facto de, na hipótese de a decisão de
constitucionalidade ser favorável, o tribunal a quo, para efectuar a reforma da
decisão recorrida, ter forçosamente de formar um juízo de prognose e de
ponderação sobre se os concretos factos constantes dos autos se ajustam aos
tipos abstractos de factos considerados na definição da dimensão normativa.
20.°
Mas existem outras razões no sentido de que nunca a recorrente questionou a
constitucionalidade do despacho que dispensou a audiência da requerida, mas
antes a constitucionalidade de uma norma, enunciada desde a alegação da oposição
à decisão de decretamento dos embargos, sempre da mesma maneira.
21.°
É que a alegação da recorrente sempre foi entendida quer pelo tribunal de 1ª
instância, quer pela Relação como uma questão de validade constitucional da
norma extraída do preceito do n.° 1 do art.° 385°, conjugada com o n.° 1 do
art.° 412°, ambos do CPC, e como questão de constitucionalidade da norma
enunciada, sempre, exactamente apreciada e decidida.
22.°
É, pois, evidente que o sentido das alegações da ora reclamante, feitas em todos
os seus articulados, e mormente, no requerimento de interposição de recurso, a
extrair de acordo com as referidas regras de interpretação dos articulados, não
é aquele que o parecer aponta mas o de que se está perante uma questão de
inconstitucionalidade normativa.
23.°
De resto, mesmo a entender-se que a dimensão normativa conteria, na construção
da sua hipótese, alguma coisa mais do que tipos de factos, abstractamente
configurados, não se vê que esse mínimo a mais seja mais impressivo e decisivo
do que o que se passa nas designadas leis-medida cuja apreciação de
constitucionalidade o tribunal sempre efectuou.
24°
Em todo o caso, não pode deixar de entender-se, como, aliás, o fez o Tribunal da
Relação quando sindicou, expressis verbis, a constitucionalidade de tal norma,
que a questão nuclear radica em saber se “a norma extraída por interpretação do
n.° 1 do art° 385°, conjugada com o n.° 1 do art.° 412°,ambos do CPC, e aplicada
pelo tribunal a quo, enquanto entendida no sentido de o tribunal poder dispensar
a citação prévia da requerida no caso de o requerente do embargo de obra nova
ter sabido dos factos em cuja ocorrência fundamenta a violação do direito
alegado de servidão de vistas trinta dias antes da apresentação do pedido do
embargo” é ou não é inconstitucional, sendo que, como é patente e assim foi
assumido pelo tribunal a quo, a individualização deste critério normativo é
ilustrada com uma referência ad ostentationem – que “a obra a levar a cabo se
trata de um hotel com 44 quartos e se encontra administrativamente licenciada e
essa aprovação constitui facto público” – comprovadora de que o critério
normativo mobilizado pelo tribunal de 1.ª instância fundou-se, exactamente, na
aplicação dos referidos preceitos com a interpretação de que o tribunal podia
dispensar a citação prévia da requerida no caso de o requerente do embargo de
obra nova ter sabido dos factos em cuja ocorrência fundamenta a violação do
direito alegado de servidão de vistas trinta dias antes da apresentação do
pedido do embargo.
Não se vislumbra, pois, como pode esse Alto Tribunal chegar a conclusão diversa,
descurando a específica questão de constitucionalidade normativa efectivamente
apreciada pelo Tribunal a quo.
Contudo, caso assim não se entenda, e para que não se faça qualquer
interpretação inusitada e “correctora” da norma sindicanda, deve o objecto do
recurso entender-se delimitado nos termos supra referidos, pois não é outra a
questão normativa que sempre se colocou à apreciação judicial e que foi
apreciada por um tribunal, que não é um “Tribunal Constitucional”, sem quaisquer
reservas, enquanto questão de constitucionalidade normativa.
Vejamos agora a questão da instrumentalidade do recurso de constitucionalidade,
invocada no parecer como constituindo um outro fundamento para não conhecer do
recurso de constitucionalidade.
25.°
Na óptica do parecer, a decisão de constitucionalidade nada poderia modificar na
decisão recorrida, em sede de reforma da decisão, por a recorrente já ter
exercido o contraditório.
26.°
Mas tal conclusão está errada.
27.°
É que a falta de audiência do requerido dos embargos, consentida pela norma em
causa, determina ipso jure não só o deferimento do contraditório contra os
fundamentos alegados pelo requerente da diligência para um momento posterior à
decisão, como já se disse, mas ainda a produção da prova em que essa decisão se
há-de basear sem qualquer contraditório da requerida.
28.°
Ora, se é verdade que a requerida da diligência pôde contraditar os fundamentos
em que o requerente da diligência apoiou o pedido nesse outro momento futuro, já
o mesmo não pôde passar-se, ex natura, relativamente às provas produzidas antes
desse momento,
29.°
E entre elas se contando a prova por depoimento de testemunhas, pelo que estas
puderam dizer tudo o que quiseram... mesmo inventando, já que a requerida não as
pôde contradizer, evidenciar a falta de fundamento do que afirmaram ou acentuar
os aspectos que afectavam, nesse acto, a sua credibilidade.
30.°
E as coisas tornaram-se, ainda, mais graves quando, como acontece no caso, não
há resquícios de a prova testemunhal ter sido gravada, como anota o acórdão da
Relação, e se chega ao “fenómeno” jurídico de se considerar como pública, com
base nessa prova produzida sem contraditório, a posse de uma servidão de vistas
relativa a construções feitas sem licença administrativa e apenas visíveis dos
telhados dos prédios vizinhos, como emerge da decisão recorrida!
31.º
Se aqui se considera ter sido exercido o contraditório relativamente ao acto de
produção de prova das testemunhas, é permitir a existência de juízos destes
completamente desadequados da realidade de um Estado de direito, com base em
depoimentos produzidos sem possibilidade da existência de qualquer controlo da
contraparte.
32.º
A procedência da questão de constitucionalidade implicará, pelo menos, em
reforma da decisão, a anulação desses depoimentos prestados secretamente e a
adequação do processo aos termos do contraditório, tendo essas pessoas de ser
novamente inquiridas na frente e com o contraditório da requerida, como
aconteceu com as provas que ofereceu na oposição...
33.º
Só assim, o Tribunal Constitucional poderá surgir como garante dos direitos e
garantias constitucionais, como é o direito de acesso aos tribunais em condições
de um processo equitativo e justo!
34.º
E obviar a decisões injustas.
35.º
É, de resto, a existência de uma injustiça tão grave que justifica que, não
obstante, a providência do embargo tenha sido substituída por caução (art.°
419.° do CPC), a recorrente queira ver respeitados os seus direitos fundamentais
e venha até ao Tribunal Constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária proferida nos autos concluiu pelo não conhecimento do objecto
do recurso, interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º
da LTC, para apreciação da «inconstitucionalidade da norma extraída por
interpretação do n.º 1 do art.º 385º, conjugada com o n.º 1 do art.º 412º, ambos
do Código de Processo Civil, e aplicada pelo tribunal a quo, enquanto entendida
no sentido de o tribunal poder dispensar a citação prévia da requerida em caso
de o requerente do embargo de obra nova saber dos factos em cuja ocorrência
fundamenta a violação do direito alegado (servidão de vistas) trinta dias antes
da apresentação, no tribunal judicial, do pedido do embargo e em caso em que a
obra a levar a cabo se traduz na construção de um hotel que se encontra
administrativamente licenciada e tal aprovação constitui facto público».
Deduzida reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC,
entende o Tribunal que importa manter a decisão de não conhecimento do objecto
do recurso, pelas razões que passam a expor-se e que se reconduzem ao que ficou
expresso no despacho da relatora de fl. 359 e ss. (cf. ponto 4. do Relatório).
1. Decorre da leitura do que se acabou de reproduzir do requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal que a recorrente não identificou
nesta peça processual – que delimita o respectivo objecto (artigo 684º, nº 2, do
Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69º da LTC)
– uma norma susceptível de apreciação pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do
recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Nas palavras de Lopes do Rego, “a interpretação normativa sindicável pelo
Tribunal Constitucional pressupõe uma vocação de generalidade e abstracção na
enunciação do critério normativo que lhe está subjacente – de modo a
autonomizá-lo claramente da pura actividade subsuntiva, ligada irremediavelmente
a particularidades específicas do caso concreto” (“O objecto idóneo dos recursos
de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3,
p. 7). Ora, o que resulta daquela parte do requerimento de interposição de
recurso é que a recorrente pretende que o Tribunal aprecie, justamente, essa
irremediável ligação ao caso concreto. Que aprecie a decisão de dispensar o
contraditório numa situação em que os requerentes souberam dos factos trinta
dias antes da apresentação do pedido do embargo e em que a obra a levar a cabo
se traduz na construção de um hotel que se encontra administrativamente
licenciada e tal aprovação constitui facto público. A recorrente não identifica,
pois, uma norma “em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar
inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respectivos
destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma
não pode ser aplicada com tal sentido” (loc. cit., p. 8).
Mais importa precisar, como se escreveu no acórdão nº 310/00, deste Tribunal
(Diário da República, II Série, de 17 de Outubro de 2000) que «(…) não pode
inviamente reconduzir-se a questão de interpretação normativa aquela que se
consubstancia numa aplicação (controvertida) do direito aos factos». Tal como
nesta decisão, também nos presentes autos o que o recorrente faz é enunciar a
factualidade que entende provada e que é pertinente para a decisão sobre
dispensa do contraditório e, por discordar da aplicação feita das regras sobre a
dispensa do contraditório, converter essa aplicação em “entendimento” ou
“interpretação” das normas respectivas. «A “decisão judicial” está assim,
directa e substancialmente, em causa, no recurso interposto, contra o que
resulta, entre outros, do artigo 70º nº. 1 da LTC».
2. No que respeita à utilidade do recurso, mais não resta senão reafirmar o que
ficou dito no despacho de fl. 359 e ss. (cf. ponto 4. do Relatório): ainda que o
Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade da norma
questionada – admitindo que o recurso interposto tem como objecto uma norma – é
manifesto que tal pronúncia não teria a virtualidade de se reflectir utilmente
no processo: a recorrente já exerceu o contraditório através da dedução de
oposição (artigo 388º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil) e o
Tribunal da Relação de Coimbra já confirmou a decisão que manteve a providência
decretada (artigo 388º, nº 2, deste Código).
O sustentado pela reclamante nos artigos 25º a 35º do articulado não considera,
como se impõe, o momento processual a que diz respeito a questão colocada no
requerimento de interposição de recurso (artigo 385º, nº 1, do Código de
Processo Civil); a circunstância de a decisão que manteve a providência
anteriormente decretada constituir complemento e parte integrante da
inicialmente proferida com dispensa de contraditório (artigo 388º, nº 2, do
Código de Processo Civil); e, ainda, o facto de o Tribunal da Relação de Coimbra
ter confirmado a decisão que manteve a providência decretada, a qual foi
proferida depois de ter sido exercido o contraditório (artigo 388º, nº 1, alínea
b), do Código de Processo Civil).
Importa pois, embora por razões diversas das que fundaram a decisão reclamada,
concluir pelo não conhecimento do objecto do presente recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (VINTE) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Julho de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício