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Processo nº 604/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é
reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar,
conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele
Tribunal, em 27 de Abril de 2006, que decidiu não admitir, por extemporaneidade,
recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Por acórdão, de 23 de Janeiro de 2006, o Tribunal da Relação de Guimarães
concedeu provimento parcial a recurso interposto pelo ora reclamante,
condenando-o pela prática de dois crimes, previstos e punidos nos artigos 107º e
105º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, conjugados com os artigos 61º, nº 1, e
62º da Lei nº 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 18º do Decreto-Lei nº 140/86, de
14 de Junho, e artigos 3º e 10º do Decreto-Lei nº 199/99, de 8 de Junho.
3. O arguido interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual
não foi admitido, por despacho do desembargador relator, de 20 de Fevereiro de
2006, com fundamento no preceituado na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do
Código de Processo Penal. Por carta expedida em 21 de Fevereiro de 2006, o ora
reclamante foi notificado deste despacho.
4. Em 16 de Março de 2006, deu entrada no Tribunal da Relação de Guimarães
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, cujo
teor aqui se transcreve:
«1. O arguido/recorrente não se conforma com o Douto Acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães, de 23 de Janeiro de 2006, nos presentes autos, que esgotou
os recursos ordinários, condenando o arguido na pena de dois anos e seis meses
de prisão, suspensa na condição de efectuar o pagamento das prestações
tributárias em falta.
2. Assim, nos termos do artigo 70.° da L. T. C., nomeadamente nas suas alíneas
b) e f), vem recorrer daquela decisão, sendo certo que é recorrente legítimo
(artigo 72.°, n.° 1 b) e n.° 2 da L. T. C.) e está em tempo (artigo 75.° da L.
T. C.).
3. Por outro lado, respeitando o preceituado no artigo 75.° - A daquela mesma
Lei, deve o recorrente indicar neste requerimento, porque o faz ao abrigo das
alíneas b) e f) do artigo 70.° da L. T. C., qual a norma ou princípio
constitucional ou legal que considera violado, bem como a peça processual em que
suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade, o que passa a fazer:
· O recorrente considera violados os artigos 13.º e 59.° da
Constituição da República Portuguesa, nomeadamente porque a decisão viola o
Princípio da Igualdade, ao diferenciar o arguido pelas suas condições
económicas, quando suspendeu a aplicação da pena de prisão na condição de pagar,
mesmo sabendo que ele não tem quaisquer possibilidades de o fazer, e porque
desconsiderou o direito dos trabalhadores à retribuição, ao entender que o dever
de lhes pagar, que impendia sobre o arguido, seria um dever menor do que o
pagamento das contribuições fiscais.
· Consciente disso, o recorrente alegou humildemente estas violações
no recurso supra citado, mais especificamente nas suas conclusões de recurso n.°
73 e n.° 54.
· Além do mais, o recorrente considera ilegal a aplicação que foi
dada ao artigo 107.º, n.° 1 do R.G.I.T., aqui aplicado porque se considera mais
favorável ao arguido que o 27° – B do R.J.I.F.N.A., estando este último em vigor
à data dos factos, porque, não obstante prever uma moldura penal mais favorável,
torna-se mais penalizante para o arguido, porque deixa de prever a “apropriação”
como elemento do tipo de crime, factor decisivo para a sua condenação – conforme
alegado em conclusão n.° 58 das alegações de recurso perante o douto tribunal da
Relação.
Complementando, a desconsideração do elemento subjectivo do crime (apropriação),
previsto na lei penal em vigor à data dos factos, penaliza o arguido, ou seja,
estamos perante uma condenação onde se reconhece que o arguido não teve culpa,
transformando o crime em causa num crime objectivo».
5. Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:
«Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional por extemporaneidade (o
prazo terminou em 6/3/06 sem multa e em 9/3/06 com multa)».
6. O arguido reclama agora desta decisão, com a fundamentação que aqui se
transcreve:
«1. O arguido foi condenado no âmbito do processo criminal n.° 10004/02.3TBPVL -
Secção Única do Tribunal da Póvoa do Lanhoso.
2. Dessa condenação interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães,
tendo esse Tribunal mantido, em boa parte, aquela condenação.
3. Pelo que, o arguido interpôs recurso do Acórdão da Relação paro o Supremo
Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 2006.
4. Acontece que esse recurso de lhe foi recusado por despacho de 20 de Fevereiro
de 2006 do Tribunal da Relação de Guimarães, que lhe foi notificado por carta
registada no dia 21 de Fevereiro de 2006.
5. Por conseguinte, sendo certo que a carta foi registada em 21 de Fevereiro de
2006, presumindo-se que a notificação foi feita no terceiro dia posterior ao do
registo (artigo 113°, n.° 2 do C.P.P.), temos por exacto que o arguido se
considera notificado daquela recusa em 24 de Fevereiro de 2006.
6. Não valendo esse dia em termos de contagem do prazo subsequente - artigo
279.° do C.C..
7. No entanto, daquele despacho do Tribunal da Relação de Guimarães, que recusou
o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, caberia reclamação nos termos do
artigo 405.° do C.P.P..
8. Essa reclamação, dirigida ao tribunal ao qual se pretendia recorrer, haveria
de ser efectuada no prazo de dez dias - artigo 405.°, n.° 2, do C.P.P..
Logo,
9. Estando o arguido notificado no dia 24 de Fevereiro de 2006, aquele prazo de
10 dias começaria a correr no dia 25 de Fevereiro de 2006, dando-se por findo em
6 de Março de 2006.
10. Isto se não se usasse o expediente previsto no artigo 145.°, n.° 5, do C.C.,
que prevê a entrega das peças processuais até três dias úteis após o terminus do
prazo, mediante o pagamento de multa.
11. Sendo certo que, por via dessa regra, o prazo para reclamar do despacho do
Tribunal da Relação de Guimarães só acabaria em 9 de Março de 2006
Não obstante,
12. O arguido, tendo inicialmente optado por efectuar aquela reclamação, decidiu
posteriormente não a fazer.
13. O que é um direito que lhe assiste; o de escolher quais as atitudes
processuais a tomar, de entre as que a lei lhe disponibiliza.
14. Portanto, ele poderia ou não reclamar daquele despacho, cabendo-lhe fazer
essa escolha no prazo de 10 dias que a lei prevê para a entrega da reclamação.
15. O arguido decidiu não a fazer, como poderia, por hipótese, ter decidido
fazê-la.
Sem prescindir,
16. Findo o prazo para reclamar, isto no dia 6 de Março de 2006 (ou 9 de Março
de 2006, com multa), o arguido decidiu apresentar recurso para o Tribunal
Constitucional.
17. O que veio efectivamente a fazer no dia 16 de Março de 2006.
18. Dia em que entregou no Tribunal da Relação de Guimarães o seu requerimento
de recurso.
Ora,
19. Entre os recursos previstos na legislação aplicável, o arguido decidiu-se
por um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, referido nos
artigos 69.° e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional.
20. Cujo prazo de interposição nos é indicado no artigo 75º da mesma Lei - 10
dias.
21. Havendo que os contar a partir da data em que terminam todos os recursos
ordinários ou, como nos ensina o n.° 2 daquele artigo 75.°, “do momento em que
se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.”
22. Esse dia, esse momento, só pode ser o dia 6 de Março, nunca o dia 24 de
Fevereiro de 2006.
23. Tão só porque do dia 25 de Fevereiro de 2006 ao dia 6 de Março de 2006, o
arguido poderia ter reclamado do despacho que não admitiu o recurso.
24. Direito que poderia ou não usar, conforme entendesse útil ou não à defesa
dos seus interesses.
Portanto,
25. Iniciado o prazo para recurso para o Tribunal Constitucional naquele dia 6
de Março, o seu terminus só ocorreria no dia 16 de Março de 2006.
26. Data em que o arguido entregou o seu requerimento de recurso Junto do
Tribunal recorrido.
27. Pelo que é forçoso concluir que não foi extemporânea aquela entrega.
Aliás,
28. Não parece haver outro entendimento plausível da situação descrita.
Senão vejamos,
29. O arguido recorreu ao Tribunal Constitucional nos termos previstos no artigo
70.°, n.°1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional.
30. Atente-se no n.° 2 desse artigo: “Os recursos previstos nas alíneas b) e f)
do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário,
por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso
cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.”
31. Ou seja, nos casos daquelas alíneas, só cabe recurso para o Tribunal
Constitucional quando estejam esgotados os recursos ordinários.
32. O que, in casu, é o mesmo que dizer que só se poderia recorrer para o
Tribunal Constitucional quando o despacho que não admitiu recurso se
consolidasse, ou seja, se tornasse definitivo.
33. E não se diga que uma reclamação para o tribunal superior, neste caso uma
reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, não equivale a um recurso
ordinário, nomeadamente para os efeitos aqui pretendidos.
34. Situação prevista no n.° 3 do mesmo artigo 75.°: “São equiparadas a recursos
ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos
casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos
despachos dos juízes relatores para a conferência.”
Bem entendido,
35. Se o arguido tivesse reclamado para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto
essa reclamação não estivesse decidida, o arguido não poderia sequer recorrer
para o Tribunal Constitucional.
36. Os recursos nos termos das alíneas b) e f) do artigo 70.° da Lei do Tribunal
Constitucional, só podem ser feitos quando essa for a única/última via
processual.
37. O que nos é concretizado pelo n.° 4 desse artigo: “Entende-se que se acham
esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.° 2, quando tenha havido
renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os
recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual.”
Em conformidade,
38. Não tendo o arguido renunciado nem à reclamação para o Supremo Tribunal de
Justiça, nem ao prazo em que a poderia fazer, só pode aferir-se do momento em
que os recursos ordinários se encontram esgotados, pelo decurso do prazo sem a
sua interposição.
Em conclusão,
39. Notificado no dia 24 de Fevereiro de 2006 da não admissão do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, o arguido tinha 10 dias para reclamar daquele
despacho.
40. Embora não tenha usado esse instituto da reclamação, a verdade é que o
poderia ter feito até ao dia 6 de Março de 2006.
41. Não tendo feito, após aquele dia, o dia em que se esgotam todos os recursos
ordinários, a lei prevê o prazo de 10 dias para recorrer para o Tribunal
Constitucional.
42. Prazo que terminou no dia 16 de Março de 2006, ou seja, exactamente no dia
em o arguido entregou o recurso.
43. Donde se conclui que o recurso foi apresentado dentro do prazo.
De modo que,
44. Não se justifica o despacho de 27 de Abril de 2006 do Tribunal de Relação de
Guimarães, que recusou o recurso com base na sua extemporaneidade.
45. Porque, conforme se explicou, o recurso foi entregue no último dia do prazo,
e portanto dentro dele.
46. Razão pela qual aqui se reclama.
47. Destarte, deverá o despacho de não admitiu o recurso para o Tribunal
Constitucional ser revogado, admitindo-se o recurso conforme peticionado».
7. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou pela forma seguinte:
«O recurso de constitucionalidade interposto é, a nosso ver, tempestivo, nos
termos do disposto no n.º 2 do art. 75.º da Lei n.º 28/82, já que o foi nos 10
dias subsequentes à definitividade do despacho que não admitiu o recurso
ordinário que se pretendia interpor para o S.T.J..
Não se verificam, porém, os respectivos pressupostos de admissibilidade, já que:
– não se mostra suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
enquadrável na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, limitando-se o
recorrente a imputar as pretensas inconstitucionalidades cometidas directamente
à decisão condenatória, e não a qualquer norma por ela aplicada.
– não foi suscitada qualquer questão de ilegalidade “qualificada”, enquadrável
nos poderes cognitivos deste Tribunal e susceptível de fundar o recurso
tipificado na alínea f) do n.º 1 daquele art. 70.º.
Nestes termos, somos de parecer que a presente reclamação deverá improceder,
embora por motivo diverso do apontado na decisão reclamada».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Vem a presente reclamação deduzida contra o despacho do Tribunal da Relação
de Guimarães que não admitiu, por extemporaneidade, os recursos interpostos para
o Tribunal Constitucional.
Face aos elementos factuais a ter em conta – os relatados nos pontos 3. e 4. do
Relatório – e ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º da LTC – se for interposto
recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da
decisão, o prazo de 10 dias para recorrer para o Tribunal Constitucional
conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso
– não é de acompanhar este fundamento de não admissão dos recursos. Como bem
assinala o Ministério Público, os recursos em causa foram interpostos “nos 10
dias subsequentes à definitividade do despacho que não admitiu o recurso
ordinário que se pretendia interpor para o S.T.J.”.
2. Apesar da tempestividade da interposição dos recursos, há que indeferir a
presente reclamação.
Da análise dos autos decorre, designadamente do requerimento de interposição dos
recursos (ponto 4. do Relatório) e da presente reclamação (ponto 6. do
Relatório), que não foi satisfeito um dos requisitos do nº 1 do artigo 75º-A da
LTC – a indicação da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende
que o Tribunal aprecie –, não podendo o recorrente ser convidado a suprir a
assinalada omissão em autos de reclamação.
Como este Tribunal tem vindo a entender, “o cumprimento destes ónus [os
consagrados nos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 75º-A] não representa simples
observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes,
o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do
recurso” (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e, entre outros, o Acórdão nº
462/94, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1994, o Acórdão nº
243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, p. 609, os Acórdãos nºs
137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados).
2.1. Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC, é de concluir que não foi indicada a norma cuja
inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. O ora
reclamante limita-se a questionar a constitucionalidade da decisão recorrida,
por referência aos artigos 13º e 59º da Constituição da República Portuguesa.
2.2. No que se refere ao recurso previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da
LTC, é de concluir também que não há a indicação da norma cuja ilegalidade se
pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. O recorrente questiona apenas a
ilegalidade da aplicação do artigo 107º, nº 1, do R.G.I.T.
Diga-se, ainda, que o recorrente não indica a norma ou princípio legal que
considera violado, não satisfazendo um dos requisitos do nº 2 do artigo 75º-A da
LTC.
Assim, embora por razões diferentes das que fundamentaram o despacho reclamado,
é de concluir que o recurso não pode ser admitido.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 19 de Julho de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício