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Processo n.º 634/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76º da Lei
28/82 de 25 de Novembro (LTC), contra o despacho que, no Supremo Tribunal de
Justiça, lhe não admitiu o recurso que pretendia interpor, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da citada Lei, para o Tribunal Constitucional.
Diz, em conclusão:
1 - Por despacho de 19ABR06 do Ex.mo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça indeferiu-se a reclamação que o arguido apresentou do despacho de
16FEV06, por se ter entendido, em síntese, que da decisão proferida sobre o
pedido de correcção do acórdão de 22JUN05 não cabia recurso nos termos do art.
670º, n.º 2, do CPC e que da decisão que rejeitou a arguição de falsidade,
proferida tal como a anterior no acórdão de 11JAN06, não cabia recurso nos
termos do art. 400º, nº 1, alínea e), do CPPenal.
2 - O despacho de 19ABR06 foi a primeira decisão em que se invocaram os art.
670º, nº 2, do CPC, e 400°, n.º 1, alínea e), do CPPenal, como fundamento da
irrecorribilidade do acórdão de 11JAN06.
3 - Por requerimento de 2MAI06 o arguido pediu a reforma do despacho de 19ABR06,
alegando, em síntese, que esses art. 670°, n°2, do CPC, e 400°, nº 1, alínea e),
do CPenal, na interpretação que deles nela se fez nesse despacho, eram
inconstitucionais, por ofensa ao disposto no nº 1 do art. 32° da CRP, ao
disposto no art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ao disposto
no n°5 do art. 14° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
cujos consagram um duplo grau de jurisdição, e que esse despacho enfermava de
erro e contradição.
4 - Por despacho de 17MAI06 indeferiu-se esse pedido de reforma por se ter
entendido, em síntese, que o despacho de 19ABR06 não enfermava de lapso e que a
alegação da inconstitucionalidade era inadequada no pedido de reforma.
5 - Por requerimento de 1JUN06 o arguido, ao abrigo do disposto no art. 70°/lb
da Lei do Tribunal Constitucional, interpôs recurso para este Tribunal
Constitucional do douto despacho de 19ABR06, complementado e aclarado pelo douto
despacho de 17MAI06, por entender, em síntese, que os art. 670º, nº 2, do CPC, e
400º, n° 1, alínea e) do CPPenal, na interpretação que deles se ele fez nesse
despacho, são inconstitucionais.
6 - Por despacho de 7JUN06 não se admitiu esse recurso por se ter entendido, em
síntese, que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade dos art°s
670°, n°2, do CPC, e 400°, nº 1, alínea e), do CPP, por violação dos art°s 32°,
n° 1, da CRP, 11º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o n°5 do art°
14° do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no requerimento em
que pedia a reforma do despacho de 17MAI06; que o pedido de reforma era
inadequado para suscitar questões de inconstitucionalidade; e que a qualificação
interpretativa dada àquelas normas no despacho que indeferiu a reclamação não
apresenta qualquer surpresa, dada a previsibilidade da sua aplicação ao caso dos
autos.
7 - No entanto, tendo-se estribado a irrecorribilidade do acórdão de 11JAN06 do
Tribunal da Relação do Porto nos art°s 670°, n° 2, do CPC, e 400°, nº l, alínea
e), do CPPenal, apenas no douto despacho de 19ABR06, o arguido, antes deste ter
sido ferido não tinha nem podia suscitar a questão da inconstitucionalidade
desses normativos legais, na interpretação que deles nele – e apenas nele – se
fez.
8 - Atento o princípio da economia processual, o pedido de reforma de uma
decisão não é inadequado para suscitar questões de inconstitucionalidade
relativas à mesma.
9 - Estando em causa nos presentes autos, essencialmente, a condenação imposta
ao arguido no acórdão de 22JUN05, no qual, deixando-se de lado o tão propalado
princípio da imediação das provas e desdizendo-se até factos que a respectiva
M.ma Juíza plasmara na sentença de 30JUN04, se alterou a matéria de facto nela
dada como provada e se condenou o arguido com fundamento numa transcrição das
provas oralmente produzidas em julgamento eivada de erros e de lacunas,
previsível era que tudo se fizesse, quer no douto despacho de 19ABR06, quer nos
doutos despachos subsequentes, até oficiosamente, para a sanar a injustiça que
se está a cometer naquele outro acórdão, por assim o imporem os mais singelos
ditames da boa fé e da justiça.
10 - Os art.s 670°, n°2, do CPC, e 400°, nº 1, alínea e), do CPenal, na
interpretação que deles nela se fez no despacho de 29ABR06, ou seja, no sentido
de que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um
acórdão do Tribunal da Relação proferido ex novo, ainda que num recurso, são
inconstitucionais, por ofensa ao disposto no n.º 1 do art. 32° da CRP, ao
disposto no art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ao disposto
no n°5 do art. 14° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
cujos consagram um duplo grau de jurisdição.
11 - E assim sendo, no despacho de 7JUN06 deveria ter-se admitido o recurso que
o arguido interpôs em 1JUN06.
Na sua resposta diz o representante do Ministério Público neste Tribunal:
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, o reclamante não suscitou, durante o processo e em termos
processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
susceptível de servir de base ao recurso de fiscalização concreta interposto nos
termos da alínea b) do n.º 1 do artº 70º da Lei n.º 28/82 – sendo inquestionável
que dispôs de plena oportunidade processual para o fazer, no âmbito da
reclamação que deduziu, perante o Presidente do STJ, ao ser confrontado com a
não admissão do recurso ordinário que endereçou àquele Tribunal.
2. Para melhor compreensão da questão que nos ocupa, é útil recordar
que na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – visando o
despacho que, na Relação do Porto, não admitira o recurso que pretendia interpor
para o Supremo Tribunal de Justiça – concluía o interessado:
1 - O arguido deduziu em 8JUL05 no Tribunal da Relação do Porto o incidente da
falsidade do auto de transcrição das provas oralmente produzidas em audiência na
1ª instância.
2 - Esse incidente foi rejeitado por douto acórdão de 11JAN06 do Tribunal da
Relação do Porto.
3 - Tendo-se conhecido ex novo desse incidente no douto acórdão de 11JAN06, dele
cabe recurso para este Colendo Tribunal.
4 - Com efeito, não sendo caso de aplicação do n° 2 do art° 400º do CPPenal, a
decisão que incidiu sobre esse incidente, não sendo um despacho de mero
expediente, nem nela se ordenando actos dependentes de livre resolução do
Tribunal, não foi proferida em recurso.
5 - Para efeitos de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, decisão proferida em recurso é aquela que reaprecia uma decisão
prolatada por Tribunal pertencente a um patamar inferior da respectiva
hierarquia, e não simplesmente a decisão proferida ex novo por um Tribunal
Superior, mesmo que num recurso.
6 - E assim sendo, ao não se admitir o recurso que o arguido interpôs a fls. 330
da decisão que rejeitou o aludido incidente de falsidade, deduzido pelo arguido
em 8JUL07, no despacho reclamado violou-se o disposto nos art°s 399º e 400° do
CPPenal.
7 - O arguido requereu em 14JUL05 no Tribunal da Relação do Porto a rectificação
e correcção do acórdão de 22JUN06.
8 - Esse requerimento foi indeferido por douto acórdão de 11JAN06 do Tribunal da
Relação do Porto.
9 - Tendo-se conhecido ex novo desse requerimento no douto acórdão de 11JAN06,
dele cabe recurso para este Colendo Tribunal.
10 - Com efeito, não se estipulando no art° 400 do CPPenal (como se estipula no
art° 670°, nº 2, do CPC) que do despacho que indeferir o requerimento de
rectificação, esclarecimento ou reforma não cabe recurso e não sendo caso de
aplicação do seu n.º 2, a decisão que incidiu sobre esse requerimento, não sendo
um despacho de mero expediente, nem nela se ordenando actos dependentes de livre
resolução do Tribunal, não foi proferida em recurso.
11 - E assim sendo, ao não se admitir o recurso que o arguido interpôs a fls.
330 da decisão que indeferiu o aludido requerimento do arguido de 14JUL05, no
despacho reclamado violou-se o disposto nos art°s 399° e 400° do CPPenal.
Termos em que, com o douto provimento de V.Exa, deverá revogar-se o douto
despacho reclamado e substituir-se o mesmo por outro que admita o recurso
interposto pelo arguido a fls. 330 do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
11JAN06, que rejeitou o incidente de falsidade do auto de transcrição das provas
oralmente produzidas em audiência na 1ª instância, deduzido pelo arguido em
8JUL05, e indeferiu o pedido de rectificação e correcção do acórdão de 22JUN05,
requerido pelo arguido em l4JUL05.
A reclamação foi indeferida pelo seguinte despacho do Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça:
1. O arguido A. interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que rejeitou, por
extemporânea a arguição de falsidade aí suscitada pelo ora reclamante e
indeferiu a correcção do acórdão condenatório, também por ele requerida.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido face
ao disposto no art. 400° do CPP.
Desse despacho reclama o recorrente sustentando, além do mais, que o acórdão da
Relação conheceu ex novo tanto do incidente de falsidade como do indeferimento
da correcção do acórdão; acrescenta que o despacho reclamado violou os arts.
399.° e 400.° do CPP.
II. Cumpre apreciar e decidir.
No respeitante à parte do acórdão que indeferiu a correcção do acórdão
condenatório, não cabe recurso para este Supremo Tribunal, nos termos do art.
670.°, n.° 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.° do CPP, onde se dispõe que “do
despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma
não cabe recurso…”
No que concerne ao segmento do acórdão que rejeitou, por extemporânea, a
arguição de falsidade suscitada pelo arguido, apesar de ser uma decisão
proferida ex novo pelo Tribunal da Relação, como sustenta o ora reclamante, para
que o recurso fosse admissível era necessário que a situação dos autos não fosse
abrangida por nenhuma das alíneas do art. 400.° do CPP, o que não sucede.
Com efeito, como resulta do disposto no art. 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP,
para que seja admissível recurso é necessário que o acórdão proferido, em
recurso, pelas relações, respeite a processo por crime a que seja aplicável pena
de prisão superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
E, no caso em apreço, o arguido foi condenado nestes autos (acórdão da Relação
de 22.06.2005) como autor material de dois crimes de injúria agravada.
Assim sendo, correspondendo a esse crime pena inferior a cinco anos, não é
admissível o recurso para este Supremo Tribunal, nos termos do citado art.
400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
O reclamante ainda requereu a reforma da decisão, argumentando:
A., arguido nos autos em epígrafe, notificado do, aliás douto, despacho de 19 de
Abril de 2006, que decidiu a sua reclamação do despacho de fls. 340, que não
admitiu o recurso que interpôs a fls. 330, dele vem pedir a sua reforma nos
termos e pelos fundamentos que seguem:
1 - Consoante se expôs na referida reclamação, por requerimento de 8JUL07 o
arguido deduziu no Tribunal da Relação do Porto um incidente de falsidade do
auto de transcrição das provas oralmente produzidas na audiência de julgamento
na 1ª instância e, por requerimento de 14JUL05, requereu a rectificação e
correcção do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22JUN05 que revogou a
decisão da 1ª instância que o absolvera.
2 - Inconformado com a decisão que rejeitou o aludido incidente de falsidade,
bem como com a decisão que indeferiu a requerida rectificação e correcção do
acórdão de 22JUN05, o arguido interpôs recurso a fls. 330 para este Colendo
Supremo Tribunal, cujo não foi admitido pelo despacho de fls. 340, no qual se
escreveu o seguinte:
“A decisão de que o recorrente pretende interpor recurso não é recorrível ( art.
400° do C.P.P.).
Assim não se admite o recurso interposto, a fls. 330 e sgts, pelo arguido A. “
3 - Inconformado com tal despacho, onde se referiu genericamente o art. 400° do
CPPenal sem se precisar ou mencionar qualquer um dos seus números ou alíneas,
pelo que nenhuma questão de constitucionalidade se podia suscitar quanto a eles,
o arguido dela reclamou, concluindo em síntese, o seguinte:
3.1 - No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11JAN06 conheceu-se ex novo
do incidente de falsidade suscitado pelo arguido em 8JUL07,
3.2 - Como tal, esse acórdão não foi proferido em recurso, pois nele não se
apreciou qualquer decisão proferida num tribunal inferior.
3.3 - Com efeito, consoante se decidiu em douto acórdão do Venerando Supremo
Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 2005 (proc. 04P4740 de que foi relator
o Ex.mo Conselheiro Simas Santos), “para efeitos de admissibilidade de recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça, decisão proferida em recurso é aquela que
reaprecia uma decisão prolatada por Tribunal pertencente a um patamar inferior
da respectiva hierarquia, e não simplesmente a decisão proferida ex novo por um
Tribunal Superior, mesmo que num recurso”.
3.4 - E assim sendo, atento o consignado no art° 399º do CPPenal, onde se
estipula o princípio geral de que “é permitido recorrer dos acórdãos, das
sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei” do
seu art° 400º não resulta a irrecorribilidade de tal decisão, pelo que,
contrariamente ao decidido no douto despacho reclamado, da decisão de 11JAN06
que rejeitou o incidente de falsidade deduzido pelo arguido em 8JUL05 cabe
recurso para este Colendo Tribunal
De igual sorte,
3.5 - No acórdão de 1IJAN06 conheceu-se ex novo do pedido formulado pelo arguido
em I4JUL05 de rectificação e correcção do referido acórdão de 22JUN05.
3.6 - E assim sendo, não se estipulando no art° 400° do CPPenal, como se
estipula no art° 670°, n°2, do CPC, que “do despacho que indeferir o
requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma não cabe recurso”, da
decisão do Tribunal da Relação do Porto de I1JAN06 que indeferiu esse pedido de
rectificação e correcção cabe recurso para este Colendo Tribunal
4 - Decidindo essa reclamação, no despacho em apreço, escreveu-se, entre o mais
e com invocação do disposto no n° 2 do art° 670º do CPC, no art. 4º do CPP e na
alínea e) do n.º 1 do art. 400º do CPP, o seguinte:
“No respeitante à parte do acórdão que indeferiu a correcção do acórdão
condenatório, não cabe recurso para este Supremo Tribunal, nos termos do art°
670°, n°2, do CPC, aplicável ex vi do art° 4° do CPP, onde se dispõe que “ do
despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma
não cabe recurso...”
No que concerne ao segmento do acórdão que rejeitou, por extemporânea, a
arguição de falsidade suscitada pelo arguido, apesar de ser uma decisão
proferida ex novo pelo Tribunal da Relação, como sustenta o ora reclamante, para
que o recurso fosse admissível era necessário que a situação dos autos não fosse
abrangida por nenhuma das alíneas do art° 400º do CPP, o que não sucede.
Com efeito, como resulta do disposto no do CPP, para que seja admissível recurso
é necessário que o acórdão proferido, em recurso, pelas relações respeite a
processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a cinco anos,
mesmo em caso de concurso de infracções.
E, no caso em apreço, o arguido foi condenado (acórdão da Relação de 26.22005)
como autor de dois crimes de injúria agravada.
Assim sendo, correspondendo a esse crime pena inferior a cinco anos, não é
admissível o recurso para esse Supremo Tribunal, nos termos do citado art° 4000,
n°1, alínea e), do CPP ‘
Assim sendo, salvo o devido respeito, que muito é,
5 - E sendo certo que esses dispositivos legais, na interpretação que deles nele
se fez, são inconstitucionais, por vedarem ao arguido o seu direito de defesa
mediante recurso, por ofensa ao disposto no n.º 1 do art° 32° da CRP, ao
disposto no art° 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e ao
disposto no n° 5 do art° 14° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, cujos consagram um duplo grau de jurisdição, pois, consoante se
escreveu, vg, no acórdão n° 49/2003 do Tribunal Constitucional, “o direito ao
recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do
arguido em processo penal”,,
6 - O douto despacho ora em apreço enferma de manifesto erro e contradição que
impõem a sua reforma.
Com efeito,
7 - Tendo-se reconhecido no douto despacho em apreço que o segmento do acórdão
que rejeitou, por extemporânea, a arguição de falsidade suscitada pelo arguido
foi “uma decisão proferida ex novo pelo Tribunal da Relação “,
8 - Nesse mesmo douto despacho não se poderia ter defendido, depois, que desse
acórdão não cabia recurso porquanto “como resulta do disposto no art. 400º, n.º
1, alínea e) do CPP para que seja admissível recurso é necessário que o acórdão
proferido, em recurso, pelas relações respeite a processo por crime a que seja
aplicável pena de prisão superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de
infracções”,
9 - Pois, a entender-se que a decisão que decidiu o referido incidente de
falsidade foi proferida ex novo, não se poderia entender depois que dela não
cabia recurso como se a mesma tivesse sido proferida, não ex novo mas em
recurso, ou seja, em reapreciação de uma decisão que tivesse sido proferida
anteriormente por um tribunal inferior que tivesse conhecido desse incidente.
10 - Pedido de reforma este que é admissível na medida em que quando se diz no
art° 405º, n°4, do CPPenal que “ a decisão do presidente do tribunal superior é
definitiva, quando confirmar o despacho de indeferimento”, tal “significa tão-só
que contra ela não pode usar-se qualquer recurso ordinário” – neste sentido Ac.
n°316/85 do Tribunal Constitucional, de 18DEZ85, BMJ, 360º-863, Supl.,
11 - E cujo deferimento se impõe pois a manter-se a condenação que foi imposta
ao arguido pelo Tribunal da Relação do Porto tal representará uma clamorosa
injustiça por assentar em factos que foram extraídos duma errada e insuficiente
transcrição das provas e que resultam desmentidos da respectiva gravação.
Termos em que, com a consequente admissão do recurso interposto pelo arguido a
fls. 330, se requer a reforma do douto despacho em apreço.
O pedido de reforma foi, também, indeferido, nos seguintes termos:
I. O arguido A. veio requerer a reforma da decisão que indeferiu a reclamação,
por no seu entender enfermar de manifesto erro e contradição.
Aproveita para dizer que a interpretação dada aos arts. 670º, n.º 2, do COC, 4º
e 400º, n.º 1, alínea e), ambos do CPP no despacho de que se pede a reforma é
inconstitucional, por violação dos arts. 32º, n.º 1, da CRP, 11º, da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e o n.º 5 do art. 14º do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos.
II. Cumpre decidir.
A reforma da sentença ou da decisão de mérito, ora permitida pelo n.° 2 do art.
669.° do CPC, aplicável ex vi do art. 4.° do CPP, tem como pressuposto a
existência de manifesto lapso do julgador (como claramente referem as duas
alíneas desse número).
Ora, não há qualquer lapso, que, aliás, nunca seria manifesto.
Na decisão questionada entendemos, apesar do segmento do acórdão que rejeitou
por extemporânea a arguição de falsidade ter sido proferido ex novo, não admitir
o recurso ao abrigo do art. 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP.
Com efeito, o incidente de falsidade do auto de transcrição das provas oralmente
produzidas em audiência de julgamento foi suscitado no Tribunal da Relação, após
a notificação do acórdão condenatório aí proferido; assim, apesar de a decisão
que considerou esse incidente extemporâneo ter sido proferida ex novo respeita a
acórdão proferido sobre recurso vindo da lª instância, uma vez que só com o
conhecimento daquele acórdão se suscitou o incidente de falsidade, logo
enquadrável na citada alínea e) do n.° 1 do art. 400.° do CPP.
No respeitante à alegação de que a interpretação dada pelo despacho em crise aos
arts. 670.°, n.° 2, do CPC, 4.° e 400°, n.° 1, alínea e), ambos do CPP é
inconstitucional, por violação dos arts. 32.°, n.° 1, da CRP, 11º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e o n.° 5 do art. 14.° do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos, refere-se ser inadequada a referida alegação por
ultrapassar o âmbito de um pedido de reforma de decisão, nos termos em que se
encontra legalmente consagrado.
III. Termos em que se indefere o pedido de reforma.
Pretendeu, então, o reclamante interpor o recurso de constitucionalidade, que
formalizou nos seguintes termos:
A., arguido nos autos em epígrafe, notificado do, aliás douto, despacho de 17 de
Maio de 2006, que indeferiu o seu requerimento de 2 de Maio de 2006, vem
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e pelos fundamentos
que seguem:
1 - Por sentença de 30JUN04 o arguido foi absolvido dos 2 crimes de que vinha
pronunciado.
2 - Inconformado com tal decisão, em 15SET04 dela recorreu o M°P° para o
Tribunal da Relação do Porto.
3 - Decidindo esse recurso, por acórdão de 22JUN05 o Tribunal da Relação do
Porto alterou a matéria de facto e condenou o arguido pela prática desses 2
crimes.
4 - Notificado desse acórdão, o arguido (1) em 7JUL05 deduziu um incidente de
falsidade do auto de transcrição das provas oralmente produzidas em julgamento –
auto esse com base no qual (com a consequente condenação do arguido) se alterou
nesse acórdão a matéria de facto mas que padece de imensas lacunas e erros como
de imediato se poderá ver da respectiva gravação, um dos quais levou a que se
dissesse nesse acórdão que uma das testemunhas não dissera o que a Ex.ma S.ra
Juíza da 1ª instância disse (e muito bem) que ela dissera – e (2) em 14JUL05
pediu a rectificação e correcção desse acórdão de 22JUN05.
5 - Decidindo, por acórdão de 11JAN06, (1) rejeitou-se, por extemporânea, a
arguição de falsidade desse auto de transcrição, com fundamento nos art°s 544° e
546° do CPC, e (2) indeferiu-se, com fundamento no art° 380°/lb do CPPenal, a
requerida correcção do acórdão de 22JUN05
6 - Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso em 3IJAN06
para o Supremo Tribunal de Justiça alegando, entre o mais e no que ora
interessa, que os art° 544°, n.º 1, do CPC, e 380°/b1 do CPPenal, na
interpretação que dele se fez nesse acórdão de 11JAN06 violavam o art° 32° da
CRP.
7 - Tal recurso não foi admitido por despacho do Ex.mo Relator de 16JAN06 por
entender que a decisão de que o recorrente pretendia interpor recurso não era
recorrível.
8 - Inconformado com tal despacho de 16JAN06, no qual não se referiu qualquer
número ou alínea do art° 400º do CPPenal, pelo que deles não se suscitou então
qualquer questão de inconstitucionalidade, o arguido dele reclamou para o Ex.mo
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 6MAR06.
9 - Decidindo-se tal reclamação, foi a mesma indeferida por despacho de 1 9ABR06
por se ter entendido (1) que da decisão sobre o pedido de correcção do acórdão
não cabe recurso nos termos do art° 670°, n° 2, do CPC, e (2) que da decisão que
rejeitou a arguição de falsidade não cabe recurso nos termos do art° 400°, n° 1,
alínea e), do CPPenal, dispositivos legais estes que — salienta-se — só então
foram invocados.
10 - Inconformado com essa decisão de 19ABR06, o arguido em 2MAI06 pediu a sua
reforma com a consequente admissão do recurso que interpôs em 31JAN06, para o
que alegou que (1) esses art°s 670°. n° 2. do CPC. e 400°. n.º 1. alínea e). do
CPenal. na interpretação que deles nela se fez, eram inconstitucionais, por
ofensa ao disposto no n° 1 do art° 32° da CRP, ao disposto no art° 11º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e ao disposto no n° 5 do art° 14° do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, cujos consagram um duplo
grau de jurisdição, pois, consoante se escreveu, vg, no acórdão n° 49/2003 do
Tribunal Constitucional, “o direito ao recurso constitui uma das mais
importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal”, e
que (2) essa decisão enfermava de contradição.
11 - Decidindo-se o pedido atrás referido, foi o mesmo indeferido por douto
despacho de 17MAI06 por se entender (1) que o despacho de 19ABR06 não enfermava
de lapso, por se ter entendido, como se aclarou no douto despacho de 17MAI06,
que “apesar de a decisão que considerou esse incidente extemporâneo ter sido
proferida ex novo respeita a acórdão proferido sobre recurso vindo da 1ª
instância, uma vez que só com o conhecimento daquele acórdão se suscitou o
incidente de falsidade”, e (2) que a alegação da inconstitucionalidade era
inadequada no pedido de reforma.
Vem, pois, o presente recurso interposto, ao abrigo do disposto no art° 70°/1b
da Lei do Tribunal Constitucional, do douto despacho de 19ABR06, complementado
pelo douto despacho de 17MAI06, por se entender, com todo o devido respeito, que
os art°s 670°, n° 2, do CPC, e 400º, n° 1, alínea e) do CPPenal, na
interpretação que deles naquele se fez, são inconstitucionais, por ofensa ao
disposto no n° 1 do art° 32° da CRP, ao disposto no art° 11º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e ao disposto no n° 5 do art° 14° do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, cujos consagram um duplo grau de
jurisdição, inconstitucionalidade essa que foi suscitada pelo arguido no seu
requerimento de 2MA106 por tais normativos só terem sido invocado naquele douto
despacho de 1 9ABRO9.
Termos em que requer a V.Exa que se digne admitir o recurso ora interposto,
seguindo-se os ulteriores termos a final.
Porém, o requerimento foi indeferido por despacho do seguinte teor:
Face ao disposto no n.° 2 do art.° 72° da LTC, o recurso previsto na alínea b)
do n.° 1 do art.° 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer”.
O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade dos arts. 670.°, n.° 2,
do CPC, e 400°, n.° 1, alínea e), do CPP, por violação dos arts. 32.°, n.° 1, da
CRP, 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o n.° 5 do art. 14.° do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no requerimento em que pedia
a reforma do nosso despacho que indeferiu a reclamação, por segundo alega, no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, só aí
essas normas foram invocadas.
Ora, apesar de assim ser, além do pedido de reforma ser inadequado para suscitar
questões de inconstitucionalidade, como já se disse, também a qualificação
interpretativa dada àquelas normas no despacho que indeferiu a reclamação não
apresenta qualquer surpresa, dada a previsibilidade da sua aplicação ao caso dos
autos.
Por todo o exposto, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Cumpre decidir.
A admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC depende, além de outros requisitos, da aplicação na decisão
recorrida de uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada pelo
recorrente durante o processo, de modo processualmente adequado perante o
Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (n.º 2 do artigo 72º da citada Lei).
Acontece que o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade de modo
processualmente adequado, pois não invocou a desconformidade constitucional das
normas questionadas na reclamação que dirigiu ao Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça; não deu, portanto, oportunidade para que a questão fosse apreciada.
Na verdade, o recorrente optou por só levantar essa questão no pedido de reforma
do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas não pode alegar
ter sido surpreendido com aplicação daquelas normas naquela decisão: em causa
estava a admissibilidade do recurso, sendo logo de prever a aplicação das normas
questionadas. Isto é: a aplicação das normas na decisão recorrida não tem
carácter surpreendente, anómalo ou excepcional que justifique a dispensa do ónus
da suscitação prévia da constitucionalidade.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o pedido de reforma de uma decisão
não é o meio processualmente adequado de suscitar uma questão de
constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional
não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a
torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz quer na
determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem
desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem
necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida (cfr. Acórdão n.º
93/2006).
4. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando
a decisão de não recebimento do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a
taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 21 de Julho de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos