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Processo n.º 480/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A. e B. apresentaram na Relação de Lisboa, no âmbito do processo
relativo à providência cautelar que requereram contra C. SA, para suspensão das
deliberações sociais que os destituíram das funções de administradores da
requerida, o seguinte requerimento:
[...] deve ser admitido recurso para o Tribunal Constitucional, que desde já se
interpõe nos termos e com os fundamentos seguintes:
A. Os recorrentes foram notificados em 23/01/2006 do despacho proferido em 12 do
mesmo mês.
B. Desde a primeira hora que aos ora recorrentes foi dado perceber que a
“decisão do Tribunal da Relação” fora proferida por um só desembargador, o
recorrente suscitou a inconstitucionalidade da interpretação efectuada do
disposto nos art.°s 700.° n.º 3, 687. ° n.º 3, 705. ° do Código de Processo
Civil, face ao disposto no artigo 20. ° da Constituição.
C. É fundamento do presente recurso o constante do artigo 70. ° n.º 1 b), o
recorrente tem legitimidade nos termos do artigo 72. ° n.º 1 b) e está em tempo
– 75º n.º 1, devendo o mesmo subir nos próprios autos com efeito suspensivo -
art. 78. ° n.º 4, todos da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
O recurso não foi, porém, admitido por despacho do Relator do seguinte teor:
1. O recurso interposto para o Tribunal Constitucional incide sobre o acórdão de
12-1-2006 (fls 968) que confirmou a decisão do juiz-relator de fls. 948/953 que
indeferiu o requerimento que lhe fora apresentado solicitando-lhe que convolasse
o requerimento de interposição de recurso de despacho liminar proferido nos
termos do artigo 705º do CPC em reclamação para a conferência.
2. O pedido de convolação não foi atendido com o fundamento de que o
juiz-relator já tinha decidido (ver fls. 931) no sentido da inadmissibilidade da
convolação estando assim esgotado o seu poder jurisdicional (artigo 666º/1 do
CPC) estando precludida a possibilidade de a conferência se pronunciar sobre
essa decisão (de fls. 931).
3. E, de facto, pelas apontadas razões, a conferência não tratou dessa questão.
4. Se a decisão que adoptou a interpretação havida por inconstitucional é a
decisão de fls. 931 não parece que o recurso seja admissível visto que os
recorrentes dela não reclamaram para a conferência (artigo 70º/2 da LTC).
5. Se a decisão é a de 12-1-2006, que foi a invocada pelos recorrentes, então o
recurso é tempestivo; suscita-se, no entanto, outra questão que é a de saber que
norma foi aplicada nessa decisão de 12-1-2006 cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo de modo processualmente adequado nos termos do
artigo 72º/2 da LTC.
6. Não, seguramente, as indicadas pelos recorrentes (700º/3, 687º/3 e 705º do
CPC/61) visto que, na aludida decisão de 12-1-2006, não tratou a conferência,
nem tinha de tratar, da questão de saber se houve violação de duplo grau de
jurisdição ou do princípio do acesso ao direito com a decisão de fls. 931.
7. Os recorrentes, quando reclamaram para a conferência da decisão de fls. 948 –
não questionaram que o tribunal não podia apreciar o pedido de convolação do
requerimento de interposição de recurso em reclamação para a conferência por tal
questão estar precludida por estar esgotado o poder jurisdicional do juiz
relator.
8. Por outras palavras: a apreciação pela conferência do pedido de convolação
efectuado de fls. 934 a 936 pressupunha decisão favorável que considerasse que a
conferência dele podia conhecer por não estar esgotado o poder jurisdicional do
juiz relator e, por conseguinte, precludida a possibilidade do seu conhecimento.
9. Ora no que toca à decisão sob recurso – a de 12 Jan. 2006 (fls. 967/969) –
não é apontado, no requerimento de interposição de recurso, nenhum vício que a
faça incorrer em inconstitucionalidade, inesperado, de tal sorte que não pudesse
ter sido suscitado anteriormente porque gerado pela decisão em si mesma.
10. Por outro lado, o entendimento do juiz relator no despacho de fls. 948/953,
objecto de reclamação para a conferência, não foi criticado por alguma
interpretação de norma que pudesse ferir preceito constitucional.
11. Não foi, portanto, suscitada no processo inconstitucionalidade de modo
processualmente adequado que impusesse em momento algum a sua apreciação pela
conferência dos juízes da Relação.
12. Não houve, assim, no acórdão proferido em conferência a 12 Jan. 2006 (ver
fls. 967 a 969) aplicação de norma, ou de uma sua interpretação jurisdicional,
cuja inconstitucionalidade suscitada de forma processualmente adequada impusesse
o seu conhecimento visto que nenhuma inconstitucionalidade foi suscitada na
reclamação para a conferência quanto ao entendimento da decisão do relator de
fls. 948/953.
13. E não houve, no tocante à que foi suscitada anteriormente, no requerimento
de fls. 934/936, porque tal requerimento não foi atendido pela decisão do juiz
relator de fls. 948/953 e as razões da inatendibilidade não foram questionadas.
14. Pelas razões expostas afigura-se-nos que o presente recurso não é admissível
por não se verificar o pressuposto constante do artigo 72º/2 da Lei do Tribunal
Constitucional.
É contra esta decisão que reclamam os interessados, através da reclamação
prevista no n.º 4 do artigo 76º da Lei 28/82 de 25 de Novembro (LTC), formulada
nos seguintes termos:
[…] Permita-se-nos lamentar liminarmente que sucessiva e complexamente a simples
apreciação de reclamação de retenção de recurso junto do Tribunal da Relação ou
de apreciação em conferência de decisão de relator tenha originado, além do
mais, a delonga que resulta dos seguintes factos:
1. A 25 de Agosto, foram os recorrentes notificados, como do próprio texto dessa
notificação consta expressamente de um: 'acórdão proferido'.
2. Inconformadas com o teor do douto acórdão, os ora reclamantes interpuseram
recurso.
3. Em 22/09/2005, por despacho de fls. 931, outro meritíssimo relator do
processo, no qual consignou em síntese que:
A) Não se tratava de um acórdão, mas antes de uma decisão individual do relator
precedente ao abrigo do art. 705.° do CPC;
B) Não se pode fazer convolação do recurso interposto para reclamação nos termos
do art.° 688/1 e 5 do CPC;
C) Por outro lado o recurso interposto seria inadmissível (art.° 387-A e 754/1
do CPC).
4. Perante tal decisão do relator os ora reclamantes impetraram:
a) Que ficaram surpreendidos não só por entenderem que a matéria em causa é
suficientemente complexa, mas também porque analisado tal acórdão, em momento
algum se faz referência ao facto de que tal matéria tenha sido objecto de
decisão nos termos previstos no artigo 705° do C.P.C., não podendo sequer
afirmar-se que estejamos perante uma decisão sumária (que, inclusive poderia ter
sido tomada por simples remissão para decisões precedentes).
b) Que se tivessem sido notificados de tal “decisão” (e não de acórdão) como o
foram, de imediato, teriam, ao abrigo do disposto no artigo 700°, nº 3 do
C.P.C., reclamado para a conferência, para que sobre a sua reclamação recaísse
um acórdão.
c) Porém, como foram notificados de um acórdão não puderam reclamar para a
conferência, sendo lhes assim negado um direito que lhes assiste.
d) Que não tendo os recorrentes reclamado para a conferência pelo facto de
desconhecerem em absoluto que não estavam perante um acórdão proferido por esse
Tribunal, deve aproveitar-se o já processado como reclamação para a conferência,
invocando precedente jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça
e) Que caso assim não se entendesse, estar-se a violar o princípio do duplo grau
de jurisdição que, in casu, era atribuído aos recorrentes, de verem a sua
pretensão apreciada por conferência e a eventual rejeição do recurso apreciada
pela mesma ou pelo Presidente do Tribunal Superior.
f) Que entendimento contrário seria negar aos recorrentes o direito
constitucionalmente consagrado de acesso ao direito, violando-se assim a norma
vertida no artigo 20º da CRP.
Concluíram peticionando, nesse seu requerimento de 26/10/2005, que fosse
convolado o recurso para reclamação para a conferência.
5. Sobre tal requerimento recaiu despacho no qual após inúmeras considerações se
concluiu que “ ... os requerentes não apresentaram nenhuma reclamação para a
conferência da aludida decisão do relator .. E não apresentaram porque seguiram
o já referido caminho da convolação (pontos 24 e 25 a fls. 952, salientado do
próprio Sr. Juiz Desembargador Relator)
6. Mais referindo a propósito da pretensão dos ora reclamantes que “Isto já não
é conceitualismo, mas, a nosso ver, pura e simples substituição pelo tribunal
das partes no que toca à formulação de pretensões, substituição escamoteada sob
uma aparência correctiva.” (ponto 26 a fls. 952, salientado do próprio Sr. Juiz
Desembargador Relator, desta feita expressando, permita-se-nos registar:
Quanto ao vocábulo substituição uma visão retrógrada e desadequada ao actual
regime do direito processual civil;
Quanto ao segundo vocábulo – aparência –, uma menção desagradável, senão mesmo
ofensiva, da signatária enquanto operadora judiciária e cooperante na boa
administração da justiça; Esta referência sendo tanto mais injusta quanto é
certo, apesar de parecer esquecido, que tudo foi originado em lapso na
notificação feita em plenas férias judiciais, referindo a secretaria ser um
acórdão e não um mero despacho, no qual de resto se usava o plural não
majestático e em lugar algum se referia a simplicidade do assunto ou o recurso
ao poder conferido ao relator de proferir simples despacho.
7. Inconformados com este despacho do Sr. Juiz Relator, de novo reclamaram para
a conferência, desde logo requerendo subsidiariamente que a manter-se o
indeferimento decretado, se reclamava para o Presidente com os mesmos
fundamentos.
8. De novo se indeferiu a reclamação apresentada em 12/01/2006 “PeIo exposto não
se atende ao requerimento ...” Conclusão, loc cit.
9. Perante tal despacho, os ora reclamantes, interpuseram oportunamente recurso
para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
Assim não se entendendo deve ser admitido recurso para o Tribunal
Constitucional, que desde já se interpõe nos termos e com os fundamentos
seguintes:
A. Os recorrentes foram notificados em 23/01/2006 do despacho proferido em 12 do
mesmo mês.
B. Desde a primeira hora que aos ora recorrentes foi dado perceber que a
“decisão do Tribunal da Relação” fora proferida por um só desembargador, o
recorrente suscitou a inconstitucionalidade da interpretação efectuada do
disposto nos art. 700.° n.º 3, 687.° n.°3, 705.° do Código de Processo Civil,
face ao disposto no artigo 20.° da Constituição.
C. É fundamento do presente recurso o constante do artigo 70.° n.º 1 b), o
recorrente tem legitimidade nos termos do artigo 72.° n.º 1 b) e está em tempo -
75.° n.º 1, devendo o mesmo subir nos próprios autos com efeito suspensivo -
art. 78.° n.º 4, todos da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
10. Mas de novo o Ilustre Juiz Desembargador Relator indefere o recurso em causa
“... por não se verificar o pressuposto constante do art.° 72. °/2 da Lei do
Tribunal Constitucional.”
S.m.o, contra toda e evidência (desde logo ponto 4.f) porquanto foi invocada
desde a primeira hora a inconstitucionalidade fundamentadora do recurso perante
esse Tribunal.
Sobre o mérito desta reclamação, diz o representante do Ministério Público neste
Tribunal:
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, o ora reclamante – ao contrário do que sustenta – não suscitou,
durante o processo e em termos processualmente adequados qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa idónea para servir de base ao recurso interposto
para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º
da Lei n.º 28/82: não basta, na realidade, ao recorrente enumerar as
vicissitudes processuais ocorridas num caso concreto e pretender que “outra
interpretação” de certos preceitos que arrola será violadora de certo princípio
ou norma constitucional, impondo-se a clara especificação de qual o critério
normativo, aplicado pelo acórdão recorrido, que pretende submeter à apreciação
deste Tribunal.
2. Cumpre decidir.
Pretendem os reclamantes recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido na
Relação de Lisboa em 12 de Janeiro de 2006. Visam impugnar, por
inconstitucionais, normas extraídas dos artigos 700º n.º 3, 687º n.º 3, e 705º
do Código de Processo Civil cuja concreta dimensão, aliás, não enunciam.
O recurso não lhes foi admitido e daí a presente reclamação, formulada ao abrigo
do disposto no artigo 76º n.º 4 da LTC.
Conforme resulta do disposto da própria alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC,
o presente recurso é necessariamente interposto da decisão que aplicou norma
anteriormente acusada pelo recorrente de desconformidade constitucional. O
acórdão recorrido apreciou e indeferiu requerimento no qual os reclamantes
formulam, em suma, dois pedidos; o pedido principal é o de que recaia acórdão
sobre anterior despacho do Relator, proferido a fls. 949, que indeferiu a
pretensão dos reclamantes de ser apreciada em conferência a decisão do Relator
de 22 de Agosto de 2005; no segundo, pretendem que se lhes admita reclamação
para o Presidente da Relação “do indeferimento do recurso da decisão individual
do relator”. Ora, neste requerimento nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa é suscitada pelos ora reclamantes. E é igualmente certo que no
requerimento que originara o despacho de fls. 949 (sobre o qual se requeria a
prolação de acórdão), nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa fora
também suscitada pelos ora reclamantes, pois a simples referência a princípios
constitucionais alegadamente violados pela decisão então reclamada não
constitui, de modo algum, a suscitação de uma verdadeira questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso previsto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
No subsequente acórdão (o recorrido), a Relação de Lisboa decidiu não conhecer
do primeiro pedido, com base no artigo 666º n.º 1 do Código de Processo Civil,
pois se mostraria precludida a possibilidade de se pronunciar sobre a questão;
quanto ao segundo pedido, igualmente decidiu não caber à conferência conhecer da
matéria, o que fez com fundamento no artigo 688º n.º 1 do Código de Processo
Civil.
Deve, assim, concluir-se que os reclamantes não suscitaram perante o Tribunal
recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, motivo pelo qual
se tem que reconhecer que, tal como decidiu o despacho ora reclamado, não ocorre
este requisito do recurso interposto.
Tal constatação é suficiente para concluir pela inadmissibilidade do recurso
para o Tribunal Constitucional.
3. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 28 de Junho de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos