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Processo n.º 472/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 215 e seguintes, negou-se provimento
ao recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
“[…]
6. Da leitura do requerimento de interposição do presente recurso resulta que a
norma cuja conformidade constitucional o recorrente pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie é a do artigo 1781º do Código Civil, numa determinada
interpretação (supra, 5.).
A interpretação censurada pelo recorrente encontra-se mais claramente
identificada na peça processual em que a correspondente questão de
inconstitucionalidade foi suscitada: as alegações produzidas perante o tribunal
recorrido (supra, 3.).
Em suma, insurge-se o recorrente contra a interpretação segundo a qual «a mera
separação temporal [por mais de três anos] é por si pressuposto e fundamento de
divórcio», invocando a violação do artigo 36º da Constituição.
É, portanto, esta a interpretação normativa que constitui o objecto do presente
recurso.
7. Tal interpretação foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, que concluiu
no sentido da sua não inconstitucionalidade.
No Acórdão n.º 277/2006, de 2 de Maio (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional decidiu não julgar
inconstitucional a norma da alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil, na
redacção introduzida pela Lei n.º 47/98, de 10 de Agosto, que alterou o prazo de
duração da separação de facto necessário para constituir fundamento de divórcio
litigioso, dizendo, a esse propósito, o seguinte:
«[…]
4. No remanescente – isto é, quanto à questão de fundo da inconstitucionalidade
–, tem, porém, razão o recorrido: não há qualquer violação dos artigos 36º e 67º
da Constituição pela actual redacção da alínea a) do artigo 1781º do Código
Civil.
Diz a recorrente, bem entendida, que a Lei n.º 47/98, ao encurtar de seis para
três anos consecutivos o prazo de duração da separação de facto que constitui
fundamento de divórcio litigioso, atenta contra a protecção constitucional à
família. Não se vê como.
Em primeiro lugar, como se depreende do n.º 1 do artigo 36º da Lei Fundamental
(e notam Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 351, anotação III ao artigo 67º), ‘o conceito
de família não pressupõe o vínculo matrimonial’. No mesmo sentido, podem ver-se
Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra,
2005, pp. 394-395, anotação III ao artigo 36º, e o acórdão n.º 690/98 deste
Tribunal (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48º vol., pp. 579-596), onde se
escreveu, designadamente, o seguinte: ‘A distinção constitucional entre família,
por um lado, e matrimónio por outro, referida no artigo 37º, n.º 1, e ainda
entre aquela e os conceitos de paternidade e maternidade, operada nos artigos
67º e 68º, em nada dificulta, antes parece espelhar um entendimento e
reconhecimento da família como uma realidade mais ampla do que aquela que
resulta do casamento, que pode ser denominada de família conjugal’.
Logo se vê, pois, que a invocação das normas de protecção constitucional da
família para opor à dissolução de um casamento não pode ser feita de modo
directo e automático. A protecção da unidade familiar, constitucionalmente
imposta ao legislador, não pode desconhecer, como se escreveu no referido
acórdão, que ‘cada vez mais, na sociedade actual, por largas camadas da
população, o casamento deixa de ser encarado como uma instituição acima dos
próprios cônjuges’.
Em segundo lugar, como referem os mesmos autores (Gomes Canotilho e Vital
Moreira, ob. cit.), «a família é feita de pessoas e existe para realização
pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das
pessoas que as constituem, muito menos contra elas» (anotação IV ao mesmo artigo
67º).
Dando conta da introdução de ‘causas de natureza objectiva, que pura e
simplesmente exprimem a ruptura da vida em comum’, escreveu-se no Acórdão n.º
105/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., p. 365):
«Ou seja: tratou-se de abandonar uma exclusiva ideia de ‘divórcio-sanção’ (como
usualmente se diz, e sem curar agora do rigor da qualificação: cfr. Pereira
Coelho, Curso de Direito de Família, I, Coimbra, 1965, p. 443), que fora
perfilhada pelo Código Civil, na sua versão originária de 1966, e de retomar
mais amplamente a ideia de ‘divórcio-remédio’, alargando-a mesmo a uma concepção
de ‘divórcio-consumação’ ou ‘divórcio-falência’ (cfr. Antunes Varela, Direito da
Família, Lisboa, 1987, p. 466) – ideia que justifica e propugna a dissolução
jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer
dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido
definitivamente, e sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum.
Desse modo, e como se sabe, voltou-se a uma visão das coisas que já fora
perfilhada pelo nosso direito, na vigência da Lei do Divórcio de 1910 (embora
sem ‘repristinar’ exactamente as respectivas soluções); e, por outro lado,
acompanhou o legislador português, nesse ponto, a tendência evolutiva mais
recente (não só no plano jurídico, mas, desde logo, no plano sociológico), no
sentido do que pode chamar-se um modelo ‘moderno’ de casamento (por
contraposição ao seu modelo ‘tradicional’), modelo esse que ‘desvaloriza o lado
institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação
afectiva, o verdadeiro fundamento do casamento’ o qual passa a ser
‘tendencialmente’ (ou no limite), antes que uma ‘instituição’, ‘uma simples
associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua
felicidade e a sua realização pessoal’ [assim, e utilizando justamente os
qualificativos mencionados, Pereira Coelho, Casamento e família no direito
português, em ‘Temas de Direito da Família’ (Ciclo de Conferências na Ordem dos
Advogados – Porto), Coimbra, 1986, pp. 10 e 14].».
Em terceiro lugar, ainda segundo os mesmos autores, a protecção da família é, em
primeiro lugar, ‘protecção da unidade da família’, ou seja, do ‘direito dos
membros do agregado familiar a viverem juntos’ (anotação V ao referido artigo) –
ou seja, precisamente o inverso do que está em causa nos presentes autos.
Tendo o legislador de 1998 entendido que uma separação de facto por três anos
consecutivos era ela própria suficientemente reveladora da inviabilidade da
continuidade da relação matrimonial, nenhum dos parâmetros constitucionais da
tutela da família é decisivamente posto em causa por essa opção, qualquer que
tenha sido a anterior opção do legislador em tal matéria. Aliás, o confronto com
o direito anterior é, em termos de análise da conformidade constitucional das
normas infra-constitucionais, muito pouco elucidativo.
Diz também a recorrente que tal alteração legislativa constitui factor de
desigualdade entre os cônjuges, invocando a estrutura social do País, mormente
‘nas populações envelhecidas e que vivem fora dos centros urbanos’. Refere-se a
recorrente a implicações do divórcio que não estão acauteladas em termos de
segurança social: o marido é que trabalha (e desconta), a mulher fica em casa e
beneficia de protecção social enquanto cônjuge. Desfeito o vínculo matrimonial,
também isso se perde.
O que este Tribunal tem para apreciar não são, porém, as normas que prevêem a
protecção social dos ex-cônjuges, anteriormente beneficiários da extensão da
protecção social conferida ao outro ex-cônjuge, mas apenas uma norma que fixa o
prazo de duração da separação de facto que constitui fundamento de divórcio
litigioso. Ora, para esta norma, a argumentação a que se fez referência é alheia
e desajustada, não tendo finalidades de segurança social de relevar
decisivamente, por imposição constitucional, para o regime dos fundamentos do
divórcio. Por outro lado, em termos de princípio de igualdade, é óbvio que uma
tal norma se aplica, sem qualquer desvio, entre populações envelhecidas e
jovens, dentro e fora dos centros urbanos, e em todos os estratos da estrutura
social. Por outro lado, o facto de um prazo idêntico se aplicar em todos estes
casos também não viola o princípio da igualdade: não há qualquer imposição de
diferenciação expressa na Constituição e as diferenças que possam existir entre
diversos tipos de casais, consoante o seu meio social, não impedem o legislador
de poder considerar que, quando a separação de facto se prolonga já por um
período de três anos, com o propósito de não restabelecer a vida em comum por
parte de um dos cônjuges, tal afastamento constitua fundamento de divórcio (sem
prejuízo da declaração da culpa de um ou ambos os cônjuges – cfr. o artigo 1782º
do Código Civil).
Finalmente, diz a recorrente que tal lei – a Lei n.º 47/98, que operou a
alteração ao artigo 1781º do Código Civil – ‘ao prosseguir fins hedonistas,
viola o disposto nos art.ºs 36º e 67º da C.R.P.’. Mesmo que se pudesse dizer que
tal lei prossegue fins hedonistas – e a decisão recorrida entendeu que não –,
mesmo nesse caso, não se poderia dizer que, só por isso, violaria a
Constituição. Não se vê como pretender que a prossecução de fins hedonistas,
mesmo (ou até, numa certa perspectiva, sobretudo) por diplomas legais, seja
inconstitucional. Aliás, o que o artigo 36º, n.º 2, da Constituição estabelece é
que a lei regula os efeitos da dissolução do matrimónio, entendendo-se (com
Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., p. 141), que ‘[o] legislador dispõe, nos
termos do artigo 36º, n.º 2, de uma margem de liberdade não dispicienda na
regulamentação dos requisitos e dos efeitos do divórcio’.
Não havendo, então, parâmetros constitucionais que essa opção do legislador
possa ferir – como já o mencionado Acórdão n.º 105/90 decidira, embora para a
anterior versão do artigo 1781º, alínea a), do Código Civil – não merece ela
censura. E o presente recurso tem de improceder.
[…].».
Tendo a questão de inconstitucionalidade que agora se submete ao Tribunal
Constitucional sido já apreciada por este Tribunal, importa concluir que a
respectiva decisão é simples, sendo consequentemente possível proferir decisão
sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
remetendo para os fundamentos do transcrito Acórdão n.º 277/2006.
[…].”.
2. Desta decisão sumária vem agora A. reclamar para a conferência, ao
abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional,
nos seguintes termos (fls. 228 e seguintes):
“[…]
11. Salvo sempre o devido respeito, os Tribunais de 1ª Instância e Tribunal da
Relação, assentam as suas conclusões e fundamentam a sua decisão, na tese da A.
sustentada pelo facto que a A. e R, nunca mais reataram a vida em comum.
12. O próprio aresto do Tribunal da Relação escreve «é claro que se poderá dizer
que a expressão ‘nunca mais tendo reatado a vida em comum’, tem algo de
conclusivo, porquanto se analisa numa diversidade de comportamentos, positivos
ou negativos, a que a mesma se reconduz; porém, trata-se de expressão
introduzida na linguagem corrente, compreensível para a generalidade das
pessoas, razão por que, sem deixar constituir conclusão de facto, entendemos
como admissível».
13. Nem consta como assinala o douto acórdão que (...) da matéria de facto dada
como provada a intenção de pelo menos, um dos cônjuges de não reatar a comunhão
de vida entre eles.
14. Porém, o «espírito do tempo» é de facto avesso à estabilidade das relações
familiares, e sem factos alegados, sem matéria provada, também o direito, que
deveria ser um pilar das relações sociais, que a «família» é uma das vivas
expressões, é condicionado por presunções que o próprio «acórdão» admite «parte
do facto conhecido para firmar um facto desconhecido»; «assente em meras
presunções, inspiradas nas máximas de experiência, nos juízes correntes de
probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição
humana».
15. Vejamos, a título de exemplo, vivem numa morada diversa – facto conhecido –
estão separados de facto, desconhecendo se o ambiente e a vivência familiar
ainda resiste ou não, mas firmam o desconhecido, pela lógica da probabilidade e
mera opinião, não menos perigosa quando validade pela «comunis opinio»!
16. E sem matéria alegada e provada, sempre se conclui, se a «apelada intentou a
presente acção tendo em vista ser declarada a dissolução do seu casamento com o
apelante; deste facto é possível concluir que não existe, da sua parte, a
intenção de proceder a esse reatamento, pelo que forçoso é afirmar-se a
verificação dos pressupostos de facto»,
17. Ora, esta questão é central e merece uma reflexão:
18. Já não é preciso alegar factos e prová-los?
19. Na verdade, o recorrente afirmou quer em sede de alegação na contestação,
quer em audiência de julgamento que o «casal» vivia em casas separadas, mas que
havia reencontros, factos que nenhuma testemunha afastou mas que porventura,
admitamos, também o recorrente não logrou provar.
20. Todavia, a questão, coloca-se na distribuição do ónus da prova, a alegação
da mera separação, o pressuposto temporal, não pode ser requisito suficiente
para decretar o divórcio.
21. Esta foi aliás, a fundamentação expendida nas alegações de Recurso e que
reafirmamos,
22. Ainda que separados aparentemente, factos que as testemunhas confirmaram à
saciedade, isso não será bastante e suficiente.
23. Do nosso ponto de vista a separação e dissolução do casamento, obriga a que
de forma clara, inequívoca, se faça prova e depois se fundamente, factos que com
toda a certeza, revelem a inexistência de sinais, reencontros de um projecto
fundado em valores que a Lei portuguesa, protege no capítulo de «Direitos,
Liberdades e Garantias»,
24. E a nosso ver, esta protecção é feita em dois planos.
25. Primeiro, como direito de constituir família.
26. Segundo, como destinatário, a protecção da «família» por parte do Estado,
como eixo estruturante da organização da sociedade
27. Ora, apesar da lei ordinária, prever a dissolução do casamento, com
facilidades legislativas crescentes, quase equiparando-a à «modernização
administrativa», certo, é que quem aplica o direito está vinculado à noção de
protecção da «Família» que a CRP acolhe, e que, a lei ordinária, não tem
prevalência sobre a Lei Constitucional.
28. Aliás, secundando o douto «acórdão» que embalado no perfume da época,
verdadeiro coveiro, da instituição familiar, vem dizer que se a apelada e
autora, pretendia o divórcio, com o fundamento no lapso de tempo, daí se pode
inferir, que não era sua intenção retomar a vida em comum,
29. Ou seja, «mutatis mutandis»,
30. Como o R, ora apelante se opôs ao divórcio com esse fundamento, quererá
dizer, pela mesma ordem de razão e argumento, que se o mesmo contestou,
certamente porque existia uma intenção de reatar a vida em comum!
31. As regras do «ónus da prova», impunham ao autor não apenas a mera separação
temporal, masque no período, não existiu comunhão de leito, de mesa e de vida,
que também não se logrou provar!
32. E isso, o autor não conseguiu provar – nem sequer alegar – nem o Juiz
fundamentar, apesar do casamento e da família, serem destinatários de protecção
constitucional.
33. O ónus da prova, tem pois que estar em harmonia, com as disposições do
capítulo da «Família» e o artigo 1781º do CC, tem que ser interpretado de forma
sistemática, sob pena de colidir com o texto constitucional.
34. As decisões dos Tribunais Superiores confirmaram a dissolução do casamento
por lapso de tempo superior a três anos, partindo do «conhecido para o
desconhecido», para utilizar a fundamentação do mesmo.
35. Neste sentido, violaram a nosso ver, o artigo 1781º do CC, uma vez que não
basta a mera separação temporal, por força da exigência hermenêutica que o texto
constitucional impõe ao intérprete e mormente ao aplicador do direito.
36. Aliás, de acordo com o que escrevemos, a protecção da família, no texto
constitucional, não pode ser uma pura semântica e, tem que funcionar como
princípio orientador e prevalente da lei ordinária, uma vez que a família é um
núcleo essencial da vida em sociedade, que é um direito, mas simultaneamente um
destinatário da protecção do legislador e do Estado.
37. A lei da família não há-de ser tão elástica, onde caibam novos fenómenos de
associação familiar, mas fique de fora a sua protecção!
38. Parece-nos, salvo melhor opinião que há uma violação das regras do ónus da
prova,
39. Violando-se igualmente, as regras de interpretação do art. 9°, uma vez que
considerar que a mera separação é condição de divórcio, não tem em conta a
valoração sistemática e teleológica que a mesma instituição «Família» reclama.
40. Que de acordo com a hierarquia das normas, há-de estar sempre sujeita à
prevalência da Lei Constitucional sobre a lei ordinária, sob pena de
inconstitucionalidade material.
41. Admitindo a interpretação que a mera separação temporal é por si pressuposto
e fundamento de divórcio, transforma o artigo 1781º do CC, viola regras
dispositivas no capítulo da «Família» e viola, a nosso ver, o n.º 6 do artigo
112° do CRP, uma vez que interpreta, integra e modifica, leis cuja orientação
deve ser interpretada no sentido mais restritivo, com concretizações, entre
outras coisas, no ónus da prova.
Conclusões:
– Porem, questão idêntica e similar, cuja argumentação (isto sim, interessa) já
foi expendida no acórdão citado e que funcionou como uma espécie de «regra de
precedente» é que trata de referir que a dissolução do casamento por divórcio
está remetido para a Lei ordinária.
– E que pese embora, o artigo 36/2 da Constituição remeter para a lei ordinária
e admitindo na esteira dos autores Jorge Miranda/Rui Medeiros na obra citada
referindo que o legislador dispõe «de uma margem de liberdade não despicienda na
regulamentação dos requisitos e efeitos do divórcio».
– O Direito de celebrar casamento e de por via desta constituir família
(admitamos que na latitude de vário[s] tipos e sub-tipos de uniões familiares, a
do casamento tradicional é a mais coeva e sólida, configura um direito
potestativo de alterar/modificar a condição de com a aceitação (o velho sim,
aceito casar com A.), o que na ordem jurídica ainda me impede que assim, possa
também casar com b), representa um velho direito que perdura na Constituição e
que precede a própria lei, inscrito que está na ordem normativa.
Mas o reclamante, não pretende nenhuma «saga» contra uma visão do casamento
blindado!
Mas se há uma natureza potestativa na aceitação do casamento, não há um direito
potestativo no «distrate», para usar uma expressão civilista?
E esse direito potestativo que altera/modifica a situação jurídica dos
contratantes não está subordinado à Constituição?
Se na mera separação, o Julgador há-de fixar se existir a culpa dos cônjuges,
não tem que aferir se a mera separação foi acompanhada de ausência de sinais de
recomeço: comunhão de leito, de mesa, de vida?
Ou bastará a mera alegação do lapso do tempo, para fundar o direito ao divórcio,
fazendo acrescer ao lado dos velhos jargões doutrinários classificativos do
divórcio: divórcio-sanção, divórcio remédio, divórcio consumação,
divórcio-falência, uma nova categoria do divórcio-apagão, ou uma espécie, para
usar uma expressão em voga, um divórcio-simplex.
Um sistema legal que confere ao casamento um direito potestativo de alterar a
condição de cada um, como um exercício pleno de liberdade, deverá ser também
rigoroso na dissolução e a separação temporal, terá que ser sujeito ao crivo de
uma prova que exige que a mera separação há-de resultar de uma interrupção
absoluta do projecto de comunhão que representa o casamento e que obriga, de
acordo com as regras do ónus da prova, a que seja feita por quem alega esses
factos!
E esta é a questão que submetemos à vossa apreciação.
Finalmente, uma nota de debate cultural, a dissolução há-de ainda de se situar
no plano da protecção constitucional, ainda que arrumado para uma lei ordinária,
os princípios que a iluminam, serão os direitos do casamento e da família, como
direitos fundamentais de cidadãos livres, que a Constituição protege.
Nestes termos e face à argumentação expendida, com as deficiências que V. Exª
suprirão, deverá a presente reclamação ser atendida e avaliada pela diversidade
de pressupostos que a Jurisprudência Constitucional, salvo melhor opinião, ainda
não apreciou.
[…].”.
A recorrida não respondeu (fls. 238).
Cumpre apreciar e decidir.
II
3. Não impugnando o reclamante a delimitação do objecto do recurso de
constitucionalidade a que se procedeu na decisão sumária reclamada (supra, 1.) –
da qual decorre que tal objecto é constituído pela interpretação segundo a qual
“a mera separação temporal [por mais de três anos] é por si pressuposto e
fundamento de divórcio” –, o apuramento da procedência da presente reclamação
exige unicamente a verificação da existência de algum argumento que possa pôr em
causa a fundamentação da conclusão de não inconstitucionalidade a que, naquela
decisão sumária, se havia chegado.
Ora, o que se verifica é que a argumentação do reclamante não
se prende com a questão da constitucionalidade da referida interpretação
normativa mas, antes, com aspectos respeitantes aos pressupostos de facto em que
assentou a decisão recorrida – e que o Tribunal Constitucional, aliás, por falta
de competência (esta resume-se, na verdade, à apreciação de questões de
constitucionalidade ou de ilegalidade de normas), não pode pura e simplesmente
apreciar – e com aspectos respeitantes a outras questões de constitucionalidade
ou de legalidade.
Com efeito, limita-se o reclamante a alegar, em síntese (supra,
2.):
a) Que o tribunal recorrido concluiu no sentido do não reatamento da
vida em comum pelos cônjuges, sem que tal conclusão assentasse em matéria de
facto alegada e provada;
b) Que o tribunal recorrido adoptou uma interpretação
inconstitucional (e ilegal) das regras de distribuição do ónus da prova;
c) Que o tribunal recorrido violou as regras de interpretação da lei;
d) Que o tribunal recorrido, ao adoptar uma interpretação ilegal do
artigo 1781º do Código Civil, violou o disposto no artigo 112º, n.º 6, da
Constituição.
Não tendo o recorrente tratado, na reclamação, da questão da
conformidade constitucional da interpretação normativa que constituía o objecto
do recurso, mas unicamente de questões a ela marginais – algumas delas não
cabendo na competência do Tribunal Constitucional, outras constituindo autónomas
questões de constitucionalidade –, conclui-se que nenhum motivo existe para
revogar a decisão sumária reclamada, pois que os seus fundamentos não foram
minimamente postos em causa.
III
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 215 e seguintes, que
negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Julho de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos