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Processo n.º 349/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do
artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Lisboa (1.º Juízo Liquidatário) que, em recurso
contencioso intentado por A. de um despacho do Director dos Serviços de
Identificação e Registo de Remunerações do Centro Regional de Segurança Social
de Lisboa e Vale do Tejo, recusou a aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade, da norma do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º
380/89, de 27 de Outubro.
Na alegação que apresentou perante o Tribunal Constitucional, o
Ministério Público sustenta que a norma em causa, impedindo que seja considerado
o tempo de trabalho correspondente ao período compreendido entre os 12 e os 14
anos de idade, em que a interessada exerceu licitamente actividade laboral por
conta de outrem ao abrigo da legislação então vigente, afronta o princípio da
igualdade e o direito fundamental à Segurança Social, tendo concluído:
“1- A norma constante do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de
Outubro, ao considerar irrelevantes para o exercício do direito à consideração
retroactiva, na carreira contributiva dos trabalhadores, de períodos laborais,
exercidos mediante a celebração de um contrato de trabalho válido, com menores
de idade compreendida entre os 12 e os 14 anos, viola o princípio da igualdade e
o direito á contagem de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões da
segurança social, resultante do preceituado no n.º 5 do artigo 63.º da
Constituição da República Portuguesa.
2- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
perla decisão recorrida.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
2. Alegando ter prestado trabalho subordinado por conta de outrem, como aprendiz
de alfaiate, entre os 10 e os 13 anos de idade, a recorrente contenciosa
requereu à Segurança Social o pagamento, para regularização retroactiva da
carreira contributiva, das contribuições relativas a esse período de actividade,
uma vez que a entidade empregadora não havia procedido à sua inscrição como
beneficiária da caixa sindical de previdência respectiva. Essa pretensão foi‑lhe
indeferida por aplicação do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27
de Outubro, que dispõe:
“(…)
2- Os períodos a considerar para efeitos de pagamento retroactivo devem ainda
ser posteriores à data em que o interessado perfez 14 anos de idade.
(…).”
A sentença recorrida declarou nulo o despacho que assim decidiu
por violação do núcleo essencial de direitos fundamentais, ao abrigo da alínea
d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo. Para
tanto, considerou que a referida norma, na medida em que impede a consideração
do tempo de trabalho que foi prestado entre os 12 e os 14 anos de idade do
trabalhador interessado, numa época em que a idade mínima para admissão ao
trabalho em estabelecimentos comerciais e industriais estava fixada nos 12 anos
de idade, contende quer com o artigo 63.º (direito à segurança social), quer com
o artigo 13.º (princípio da igualdade) da Constituição e, consequentemente,
recusou-lhe aplicação.
É este o juízo de constitucionalidade que o Ministério Público
submete a apreciação do Tribunal Constitucional, em recurso obrigatório, pedindo
a sua confirmação.
3. O Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro, veio regular, em
novos moldes relativamente ao que com o mesmo objectivo, mas com um regime mais
restritivo, constava de legislação anterior (vid. Decreto-Lei n.º 124/84, de 18
de Abril), o pagamento retroactivo de contribuições relativas a períodos de
exercício efectivo de actividade profissional, por conta de outrem ou por conta
própria, em que os interessados não apresentassem carreira contributiva no
âmbito do sistema de segurança social. Com essa possibilidade de pagamento de
contribuições prescritas ou não exigíveis visou o legislador fazer face a
situações de desprotecção motivadas pela não declaração do exercício de
actividade obrigatoriamente abrangida pelos regimes de segurança social (cfr.
preâmbulo do diploma). Trata-se de uma medida com carácter temporário, concebida
para vigorar durante cinco anos, caducando o diploma passado esse prazo (artigo
24.º).
Esta possibilidade de pagamento de contribuições não devidas ou prescritas (cfr.
artigo 1.º, n.º 2), com a inerente relevância dos períodos de actividade para
efeitos de segurança social (cfr. artigo 8.º), podia ser requerida para
completar os prazos de garantia ou para completar a carreira contributiva e,
consequentemente, melhorar o montante das prestações diferidas do regime geral
da segurança social, nas eventualidades de invalidez, velhice e morte (cfr.
artigos 2.º e 6.º).
O artigo 7.º estabelece o que a epígrafe do preceito designa
por “limites temporais da retroacção”, um dos quais é o constante da norma cuja
constitucionalidade está em causa: os períodos a considerar devem ser
posteriores à data em que o interessado perfez 14 anos de idade. É óbvia a
intenção do legislador, ao instituir este limite especial à regularização, de
harmonizar o momento de entrada no sistema contributivo da segurança social com
a idade mínima para a admissão ao trabalho por conta de outrem.
Ao escolher a baliza dos 14 anos de idade, o legislador terá tido presente o
limite estabelecido pelo artigo 123.º da Lei do Contrato de Trabalho (LCT),
aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, que entrou em
vigor a 1 de Janeiro de 1970 (cfr. artigo 2.º deste diploma legal). Sucede,
porém, que o limite geral da retroacção permitido pelo Decreto-Lei n.º 380/89,
que coincide – em princípio, porque comporta a possibilidade de o interessado
demonstrar que lhe interessa uma retroacção mais extensa – com a data de
publicação da Lei n.º 2115, de 18 de Julho de 1962 que estabeleceu as bases da
reforma da Previdência Social (n.º 1 do artigo 7.º), abrange um período em que a
idade mínima de admissão ao trabalho estava fixada nos 12 anos completos (artigo
6.º do Decreto-Lei n.º 24 402, de 24 de Agosto de 1934). A Administração e o
Tribunal a quo interpretaram a norma do n.º 2 do artigo 7.º como não permitindo
a regularização da situação contributiva nesta hipótese. Não seria de rejeitar
liminarmente a possibilidade interpretação do regime em causa, conjugando o
objectivo visado com o diploma, a razão de ser do limite em causa e a evolução
do regime jurídico da admissibilidade do trabalho de menores por conta de
outrem, por forma a não vedar a retroacção em situações como a da recorrente
contenciosa. Aliás, a sentença recorrida não anda longe de considerações deste
género quando admite que “apenas desatenção do legislador ordinário, ao não
atender que até 1970 eram admitidos a prestar trabalho todos quantos tivessem
idade superior a 12 anos, terá determinado a menção expressa feita pelo n.º 2 do
artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro a 14 anos”. Optou,
todavia, por aquela outra interpretação correspondente ao teor literal do
preceito legal. Trata-se de opção que não cabe na competência do Tribunal
Constitucional censurar.
Assim, tendo a sentença recorrida considerado que este limite,
na medida em que não permite a contagem do período em que a recorrente
contenciosa trabalhou licitamente (desde 22 de Março de 1968, data em que
completou 12 anos, até 31 de Janeiro de 1970), viola o n.º 4 do artigo 63.º e o
artigo 13.º da Constituição e, nessa medida, declarado nulo o acto
contenciosamente impugnado, é esse juízo de inconstitucionalidade que cumpre ao
Tribunal Constitucional reexaminar, embora o possa fazer ao abrigo de normas ou
princípios constitucionais diferentes daqueles de que foram determinantes para a
sentença recorrida (artigo 79.º-C da LTC).
4. Antes de entrar nesta apreciação, impõe-se uma observação
relativa ao objecto do recurso.
A dimensão normativa questionada é restrita à desconsideração para efeitos de
segurança social de tempo abrangido por contrato de trabalho lícito em razão do
requisito da idade mínima do trabalhador. Não há que ponderar se é ou não
constitucionalmente permitida a exclusão, para o referido efeito, de tempo de
trabalho abrangido por contrato de trabalho ilícito em razão do mesmo requisito
(Suposto que essa ilicitude fosse relevante relativamente ao período em que o
contrato esteve em execução – cfr. artigo 15.º da LCT e artigo 115.º do Código
do Trabalho).
Efectivamente, embora a interessada tivesse pedido a reconstituição da carreira
contributiva por forma a abranger todo o período em que trabalhou por conta de
outrem, período este que teve início antes dos seus 12 anos de idade, a sentença
recorrida limitou a declaração de nulidade do acto administrativo à recusa de
consideração do período posterior aos 12 anos de idade da interessada, isto é,
não afastou a aplicação da norma na parte em que não permite a recuperação do
tempo de trabalho prestado num momento em que o trabalhador não reunia a idade
mínima legal. Essa parte da sentença não está abrangida pelo recurso interposto,
que incide sobre a recusa de aplicação (alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC) e não sobre a aplicação de norma arguida de inconstitucional (alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
5. Dispõe o n.º 4 do artigo 63.º da Constituição que “Todo o
tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de
velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido
prestado”. Esta norma constitucional foi introduzida pela revisão
constitucional de 1989, constituindo então o n.º 5 do artigo 63.º, que era a
versão vigente à data da publicação do Decreto-Lei n.º 380/89. Passou a
constituir o n.º 4 do mesmo artigo 63.º na revisão constitucional de 1997,
apenas com substituição do termo “contribuirá …” para “contribui…”.
Justificando a proposta de que resultou, afirmou um deputado do grupo
parlamentar que a apresentou que 'a ponte que hoje falta entre os vários
sectores de actividade deve ser lançada no sentido de todo o tempo de trabalho
contribuir – nos termos da lei – para o cômputo das pensões de aposentação ou
reforma. Não vemos razão para que um tipo de trabalho seja, neste domínio,
sobrevalorizado em relação a outro' (Diário da Assembleia da República, II
Série, número 23-RC, de 7 de Julho de 1988, pág. 654). Um outro deputado
pronunciou-se no sentido de “dever ser evidente que uma norma deste tipo não
implica homogeneidades lesivas, por exemplo, dos trabalhadores da função pública
que têm regime próprio. Esta norma é uma norma de máximo aproveitamento – aquilo
a que se poderia chamar em bom rigor uma norma de economia de tempos, mas não
uma norma que impulsione ou vincule a homogeneidade de regimes, designadamente
homogeneidade lesiva da situação específica dos trabalhadores da função
pública”. Afirmou-se ainda na discussão parlamentar que a Constituição passaria
a admitir, após a alteração, uma intercomunicabilidade de regimes de aposentação
(entre a função pública e o sector privado). “A questão é que [a
intercomunicabilidade] faz-se em termos que permitem manter a identidade de dois
regimes; os regimes são diferentes, pode-se transitar de um regime para o outro,
há aproveitamento integral do tempo de serviço prestado e, digamos, dos tempos
não só de trabalho como dos tempos equivalentes que tenham sido vividos num
regime e noutro. Não há perda de tempo, por assim dizer, é essa a preocupação
fundamental. Daqui não deve emanar nenhuma preocupação de homogeneidade de
regimes, isto é, de unificação, por esta razão, de regimes. Mas é preciso deixar
isso claro” (Diário da Assembleia da República, II Série, nº 81-RC, de 9 de
Março de 1989, pág. 2388).
Apesar desta motivação imediata do legislador constituinte, que corresponderá à
situação que então se apresentava como de verificação mais frequente ou de
efeitos práticos mais visíveis, a norma constitucional tem um alcance mais
geral, estabelecendo o imperativo de que todo o tempo de trabalho releve, nos
termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez,
independentemente de o problema de contagem emergir de o trabalhador ter estado
integrado em diversos sistemas ou subsistemas de segurança social ou de outra
causa, isto é, coloque-se ou não um problema de intercomunicabilidade de
sistemas ou regimes de segurança social pública. Como se concluiu no acórdão n.º
411/99, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Março de 2000, a
introdução desta norma no texto constitucional foi ditada pela ideia de
“promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador,
independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido, e
desde que tenha efectuado os descontos legalmente previstos”.
6. A sentença recorrida fundou a desaplicação da norma, quer na
violação da regra do n.º 4 do artigo 63.º, quer na violação do princípio da
igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. Isto é, formulou um juízo
de desconformidade da solução legal com qualquer destes parâmetros
constitucionais, autonomamente considerados. É também nestes termos que o
recorrente pretende a confirmação do juízo de inconstitucionalidade.
Entende-se que o n.º 4 do artigo 63.º não bastaria, em ponderação isolada, para
sustentar o juízo de inconstitucionalidade da norma em causa.
A norma sob apreciação insere-se, como se referiu, numa providência legislativa
extraordinária destinada a permitir a regularização de situações de exercício
efectivo de actividade profissional relativamente às quais os interessados não
apresentam carreira contributiva no âmbito do sistema de segurança social, em
ordem a habilitar ou a melhorar o direito às prestações diferidas que disso
dependem. O seu efeito imediato não é o de excluir do cálculo da pensão
determinado tempo de trabalho relativamente ao qual estivessem reunidas as
condições legais para que entrasse no cômputo das prestações que o preceito
constitucional refere, mas o de não permitir que sejam criadas as condições
necessárias para que esse tempo releve. Trabalho esse – e este é um elemento
fundamental, porque o problema não se equaciona nos mesmos termos e pode receber
respostas diferenciadas consoante o tempo de trabalho sem registo de
contribuições respeite a períodos anteriores ou a períodos posteriores à entrada
em vigor do comando constitucional – que se situa num período anterior ao da
entrada em vigor da norma constitucional em causa. Para que a mera existência de
um tal limite, pelo simples facto de a lei o estabelecer, fosse susceptível de
violar o referido comando constitucional seria necessário que a Constituição
impusesse ao legislador a instituição de um mecanismo de regularização dessas
situações.
Ora, o comando constitucional impõe que aproveite ao interessado – no cálculo
das pensões de invalidez e velhice, que são as eventualidades protegidas no n.º
4 do artigo 63.º da Constituição – a contagem da totalidade do tempo de trabalho
relativamente ao qual se tenham registado contribuições. E, em conjugação com os
n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo 63.º, pode ainda considerar-se constitucionalmente
exigido que o sistema seja organizado, designadamente quanto ao procedimento de
vinculação ao sistema e à efectivação da carreira contributiva, por forma a
garantir a eficácia deste direito e a sua universalidade. Mas não se extrai da
norma constitucional a imposição ao legislador de um procedimento de
regularização de situações contributivas passadas, relativas a períodos em que
não tenha havido vinculação ao sistema ou as contribuições se encontrem
prescritas, mormente quanto a períodos anteriores ao estabelecimento da regra
constitucional em apreço, como é a situação de que emerge o presente recurso.
Com efeito, a Constituição, do mesmo passo que assegura o direito a que todo o
tempo de serviço contribua para o cálculo dessas prestações do sistema de
segurança social, também o subordina aos “termos da lei”. Nesta remissão cabe a
exigência de que o interessado tenha estado vinculado ao sistema de segurança
social e suportado o pagamento das contribuições devidas, no momento próprio,
contribuindo assim para o financiamento do sistema de que pretende ser
beneficiário. A ligação da pensão ao tempo de carreira contributiva e a
exigência de que a vinculação do trabalhador ao sistema se concretize no momento
oportuno, isto é, que exista contemporaneidade entre o tempo de trabalho e as
contribuições respectivas, é expressão do aspecto profissional-contributivo ou
laboralista que, dentro da concepção mista ou de compromisso adoptada na nossa
Constituição em matéria de segurança social, aflora no n.º 4 do artigo 63.º.
Assim, esse condicionamento do direito às prestações à vinculação ao sistema em
tempo oportuno, cabe na margem de conformação do legislador, não constituindo
restrição ao princípio do aproveitamento integral do tempo de serviço prestado.
Aliás, neste aspecto, é uma exigência que tanto caracteriza um modelo
essencialmente comutativo ou de seguro público, que privilegia a relação
tendencialmente sinalagmática entre contribuições e prestações, como um modelo
de cariz distributivo, assente na solidariedade intergeracional, porque ambos
utilizam o mesmo instrumento básico de financiamento, as quotizações sociais
(cfr. Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social, Princípios Fundamentais
numa Análise Prospectiva, pág. 912).
Em conclusão, não decorrendo do n.º 4 do artigo 63.º da
Constituição a imposição ao legislador de um procedimento que permita a
regularização das situações correspondentes a tempo de trabalho anterior à sua
entrada em vigor em que os interessados não apresentem carreira contributiva no
âmbito do sistema de segurança social, a norma do n.º 2 do artigo 7.º do
Decreto-Lei n.º 380/89, agora em apreço – estabelecendo um limite a uma
faculdade que, embora ordenada a permitir o aproveitamento de todo o tempo de
trabalho, excede aquilo a que o legislador estava constitucionalmente obrigado –
não viola o referido preceito constitucional.
7. A norma já não passa, porém, o teste do princípio constitucional da
igualdade, que também esteve na base da recusa de aplicação pela decisão
recorrida.
O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República
Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e
postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê
tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o
que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade,
entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à
lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação
de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de
tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável,
objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo
da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos
acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de
Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e
segs.).
Ora, não se vislumbra fundamentação razoável, considerando o que acima se expôs
quanto ao objectivo do regime de regularização retroactiva das contribuições
para a segurança social que o Decreto-Lei n.º 380/89 veio permitir e quanto à
ratio da instituição de um limite a tal regularização em razão da idade do
trabalhador quando inicia a actividade laboral, para o tratamento
discriminatório que a norma em causa estabelece em desfavor dos interessados que
iniciaram a actividade laboral entre os 12 e 14 anos, numa época em que a lei
fixava o limite mínimo da admissibilidade trabalho nos 12 anos de idade.
Trata-se de trabalho lícito e com a mesma dignidade social daquele que foi
prestado por menores a partir dos 14 anos, quando esta passou a ser a idade
limite, e o interesse da sua consideração integral para a carreira contributiva
e, consequentemente, para a determinação do direito e para o cálculo das
prestações da segurança social é idêntico. Nenhum motivo existe para este
tratamento diferenciado que, pela disfunção entre o limite que o n.º 2 do artigo
7.º do Decreto Lei n.º 380/89 estabelece e o regime do contrato de trabalho, é
proporcionado a trabalhadores que, em função do factor idade, prestaram trabalho
igualmente lícito.
Em conclusão, quanto à violação do princípio da igualdade, o
juízo de inconstitucionalidade assumido pela decisão recorrida merece
confirmação.
8. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no
n.º 1 artigo 13.º a Constituição, a norma do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto‑Lei
n.º 380/89, de 27 de Outubro, na interpretação de que não permite a consideração
na carreira contributiva, para efeitos de segurança social, de tempo de trabalho
entre os 12 e os 14 anos de idade do interessado, prestado ao abrigo de contrato
de trabalho válido em razão de idade do trabalhador.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício