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Processo n.º 949/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
1. A., melhor identificada nos autos, deduziu impugnação do despacho proferido
pelo Gabinete de Apoio Judiciário do Centro Distrital de Solidariedade e
Segurança Social de Lisboa, que lhe denegou o benefício do apoio judiciário que
solicitara, sustentando o seguinte [segue transcrição das conclusões do
recurso]:
a)- A decisão administrativa ora impugnada foi tomada no 35º dia após a entrada
do requerimento nos serviços administrativos competentes, já deduzido o período
legal de suspensão;
b)- Pelo que se mostra tacitamente deferido e concedido o benefício de Apoio
Judiciário nas modalidades peticionadas, fazendo-se aqui a legal menção;
c)- Resultando, por isso, violado o dispositivo contido no Artº 25º do
Decreto-Lei nº 34/2004, de 29 de Julho e, maxime, no Artº 20º, nº 1, 4 e 5 da
Constituição da República Portuguesa;
d)- Mostram-se ainda violados na decisão ora impugnada – a ser válida, que o não
é pelas razões supra – os princípios da legalidade e boa fé previstos nos Artº
3º e 6º-A do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi Artº 22º, da
mesma Lei, ao pretender-se a apresentação de documentos relativos a factos cujo
conhecimento não é legalmente possível ou a cumprimento de preceitos legais
inexistentes à data de cessação de actividade ou cuja obrigação tenha prescrito;
e)- Pois que a sociedade B., Lda., onde a impugnante detém participação social
minoritária cessou a sua actividade em 1986.01.01 e nessa data inexistia o
Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) como emerge do diploma
legal que o criou, o DL 442-B/88, de 30 de Novembro;
f)- Outrossim em relação ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) porquanto
os seus efeitos declarativos foram somente a partir da precisa data em que a
sobredita sociedade cessou actividade, como emerge do Artº 10º do DL 394-B/84 de
26 de Dezembro, mormente no seu nº 2, sendo que a obrigação de entregar
declarações caducou nos precisos termos previstos no n.º 2 do artº 30º do Código
respectivo;
g)- E, no que concerne à sociedade “C., Lda mostram os documentos inicialmente
juntos que o marido da requerente, titular da participação social em causa, tem
em curso Inquérito Judicial para prestação de contas o qual, nos termos do
disposto no Artº 34º, n.º 3 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, aplicável
ao identificado processo de Apoio Judiciário, considera-se proposta na data
desse requerimento preliminar:
h)- Para além do que se sabe, a expensas judiciais, que a referida sociedade
terá cessado a sua actividade em 31/12/2001, como emerge da decisão judicial
junta ao processo administrativo, sendo assim aplicável à exigência notificada o
já acima citado artº 30º, n.º 2 do CIVA e, bem assim, as normas que em sede de
CIRC se aplicam a contrario sensu, mormente através dos artº 94º e ss.;
i)- É assim que se deve concluir que os rendimentos do agregado familiar da
impugnante onde sobressai a situação actual de seu marido, DESEMPREGADO há
longos dois anos, são os estampados na declaração fiscal, aceite e liquidada
pelos serviços de finanças competentes, presumida de verdadeira face ao
dispositivo contidos nos Artº 74º da Lei Geral Tributária, e nem sequer
impugnada, por qualquer forma, no processo administrativo a quo;
j)- Sem que se possa dizer – como diz a decisão ora sindicada judicialmente –
que a requerente não fez entrega dos solicitados elementos referentes a sua
filha pois que inexiste possibilidade legal de os oferecer porquanto só a
titular desse direito, cidadã de maior idade, no uso pleno dos seus direitos de
personalidade e capacidade jurídica e tributária, pode dispor deles;
k)- Mas a administração não lhos solicitou directamente, como era sua faculdade
– Artº 53º, nº 2, CPA – porquanto, a ser considerada parte integrante do
agregado familiar, sempre seria interessada no procedimento administrativo em
curso;
l)- Porém, a filha da impugnante não faz parte do agregado familiar desta,
porque não vive em economia comum, segundo o conceito constante no n.º 1 do Artº
2º da Lei nº 6/2000, de 11 de Maio, isto é, não comunga de mesa com seus pais,
não participa nas despesas domésticas, nem partilha os bens fundamentais de
economia comum, requisitos essenciais segundo a melhor jurisprudência;
m)- Por tudo isto a decisão ora sindicada viola todas as supra mencionadas
normas e, fundamentalmente, o imperativo do Artº 20º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa, nas interpretações dadas;
n)- inconstitucionalidades interpretativas, supra mencionadas nas alíneas c) e
m), corolário das demais, que aqui se úria expressamente para todos os efeitos
da lei, mormente os do Artº 72º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional;
o)- decisão administrativa esta que carece de revogação e substituição por outra
que conceda à impugnante o benefício de Protecção Jurídica nas modalidades
inicialmente peticionadas, reconhecendo, desde logo, a formação de acto tácito.
2. Por sentença do juiz do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de
Braga foi negado provimento ao recurso, e confirmada a decisão de negar o apoio
judiciário na modalidade requerida, com os seguintes fundamentos:
«(…)
Na apreciação dos fundamentos do recurso cumpre ponderar três questões:
- Da admissibilidade da resposta à impugnação judicial
- Do deferimento tácito
- Da prova documental da insuficiência económica
- Da admissibilidade da resposta à impugnação judicial
O regime do apoio judiciário rege-se presentemente pela Lei 34/2004 de 29/07.
A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo
dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente,
conforme decorre do disposto no art. 20º/1 da citada lei.
A decisão é susceptível de impugnação judicial, nos termos do art.º 27º e 28º da
citada lei. Recebida a impugnação o serviço de segurança social dispõe de 10
dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a,
enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal
competente.
No caso concreto, recebida a impugnação em 10 de Março de 2003, nos serviços da
Segurança Social, o órgão competente da instituição, em 21 de Março de 2005 deu
o seu parecer, no sentido de se manter a decisão. Com data de 21 de Março de
2003 volta a emitir novo parecer.
A prática deste acto não está prevista na tramitação do incidente e nessa medida
não se admite. Não se desentrenha o parecer, porque com o mesmo, o Instituto de
Segurança Social, I.P. juntou certidão com cópia integral do processo
administrativo.
- Do deferimento tácito
Para análise desta questão cumpre ter presente os seguintes factos provados por
documento:
- Em 19 de Janeiro de 2005 a recorrente deu entrada nos Serviços da Segurança
Social, I.P. do pedido de apoio judiciário, fornecendo a identificação da
requerente, fazendo menção da composição do agregado familiar – requerente e
cônjuge – rendimento do agregado familiar, fazendo menção da propriedade de
participações sociais ou valores mobiliários – a requerente uma quota de 20%, o
cônjuge com uma quota de 80% e outra quota de 63%
- A instruir o pedido a recorrente juntou cópia do bilhete de identidade da
recorrente e do cônjuge; liquidação de IRS de 2003; declaração de IRS de 2003;
recibo de vencimento da recorrente‑requerente; declaração do Instituto de
Emprego e Formação Profissional; declaração de cessação de actividade;
notificação em processo de inquérito – 3º Juízo criminal do Porto; Acta de
Reunião de Assembleia Geral na sociedade C.;
- Com data de 09.02.2005 o Gabinete de Apoio Judiciário da Segurança Social
remeteu carta à recorrente solicitando: “que a requerente preste esclarecimentos
ou junte os seguintes documentos:
- cópia da última declaração de rendimentos para efeitos de imposto sobre o
rendimentos das pessoas singulares (IRS), que tenha sido apresentada e da
respectiva nota de liquidação, se já tiver sido emitida, ou, na falta da
referida declaração, de certidão emitida pelo serviço de finanças competente,
relativamente à filha do requerente;
- cópias dos recibos de vencimento dos últimos seis meses, relativamente à filha
do requerente;
No caso do requerente ou as pessoas que com ele vivam em economia comum serem
titulares dos órgãos de administração de pessoa colectiva ou sócios detentores
de uma participação social igual ou superior a 10% do capital social de uma
sociedade deverão ser juntos os seguintes documentos:
- cópia da última declaração de rendimentos para efeitos de imposto sobre o
rendimento das pessoas colectivas (IRC) ou de IRS, consoante os casos, que tenha
sido apresentada e da respectiva nota de liquidação, se já tiver sido emitida,
ou, na falta da referida declaração, de certidão emitida pelo serviço de
finanças competente;
- cópias das declarações de IVA referentes aos últimos 12 meses e documentos
comprovativos dos respectivos pagamentos;
- cópias dos documentos de prestações de contas dos três últimos exercícios
findos ou dos exercícios findos desde a constituição, no caso de esta ter
ocorrido há menos de três anos;
(…) A presente notificação suspende o prazo para a ocorrência do deferimento
tácito nos termos do artigo 1º nº 3 da Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto.
Informa-se, ainda, V. Exa. que nos termos dos artigos 90.º e 91.º do DL 6/96 –
Código do Procedimento Administrativo, a falta de cumprimento no prazo e
condições fixadas da prestação de informações ou apresentação de provas será
apreciada livremente pelos serviços.”
- Em 14.02.2005 a recorrente respondeu, mas não juntou os documentos;
- Por carta de 18.02.2005 o Gabinete de Apoio Judiciário da Segurança Social
comunicou por escrito à recorrente: “…é intenção deste serviço indeferir o
pedido de apoio judiciário apresentado em 19.01.2005 com fundamento na
impossibilidade de apreciação do pedido por falta de junção dos documentos
solicitados no nosso ofício n.º 009045 de 10.02.2005.
Caso V. Exa. queira pronunciar-se, poderá alegar por escrito o que tiver por
conveniente, juntando os documentos solicitados, no prazo de 10 dias úteis a
partir da data da recepção da presente notificação, que poderão ser remetidos
por correio para a morada indicada em rodapé ou entregues nos Serviços
Informáticos Locais da Segurança Social ou nas Lojas do Cidadão.”
- Em 23.02.2005 a recorrente veio responder, no sentido de entender que estão
reunidos os pressupostos para ser deferido o apoio judiciário;
- Por carta registada de 02.02.2005 o Instituto de Segurança Social notificou a
recorrente da decisão de indeferimento de apoio judiciário.
Analisando.
Dispõe o art. 1º/1 da Portaria n.º 1085-A/2004 de 31/08 que com o requerimento
de protecção jurídica devem ser juntos os documentos referidos nos art. 3º a 5º
e 14º e 15º da presente portaria.
O mesmo preceito determina, ainda, que: “a falta de entrega dos documentos
referidos nos números anteriores suspende o prazo de produção de deferimento
tácito do pedido de protecção jurídica.”
Com efeito, decorre do disposto no art. 25º da Lei n.º 34/2004 de 29/07: “o
prazo para conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de
protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias
judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social, estejam
encerrados, transfere-se o seu termo para o 1º dia útil seguinte.”
No caso concreto a recorrente declarou que detinha, bem como o seu cônjuge,
participações sociais iguais ou superiores a 10% do capital social de uma
sociedade.
Nessa medida, por aplicação do disposto no art. 1º/1, 4º, 14º da Portaria
1085-A/2004 de 31/08 estava obrigada a juntar:
- cópia da última declaração de rendimentos para efeitos de imposto sobre o
rendimento das pessoas colectivas (IRC) ou IRS, consoante os casos, que tenha
sido apresentada e da respectiva nota de liquidação, se já tiver sido emitida,
ou, na falta da referida declaração, de certidão emitida pelo serviço de
finanças competente;
- cópias das declarações de IVA referentes aos últimos 12 meses e documentos
comprovativos dos respectivos pagamentos;
- cópias dos documentos de prestações de contas dos três últimos exercícios
findos ou dos exercícios findos desde a constituição, no caso de esta ter
ocorrido há menos de três anos.
A recorrente não juntou com o requerimento inicial os referidos documentos e
notificada para o fazer não juntou os documentos.
Desta forma, por aplicação do art. 1º/3 da citada Portaria a falta de entrega
dos documentos suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de
protecção jurídica, o que significa que o prazo não corre.
Na data em que a recorrente foi notificada para juntar os referidos documentos,
não tinham decorrido 30 dias sobre a data do pedido formulado. Desta forma,
quando foi proferida a decisão não estava esgotado o prazo de trinta dias,
porque o mesmo suspendeu-se com a notificação para juntar os documentos em
falta.
Conclui-se, assim, que não estão reunidos os pressupostos para formar o acto
tácito.
Pelo exposto, improcede, a primeira conclusão do recurso.
- Da prova documental da insuficiência económica
O benefício de apoio judiciário, actualmente denominado “sistema de acesso ao
direito e aos tribunais” destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou
impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de
meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos (artigo
1º Lei 34/2004 de 29/07).
O apoio judiciário compreende a dispensa, total ou parcial, de pagamento de taxa
de justiça e demais encargos com o processo – art.16º da citada lei.
Decorre do disposto no art. 8º da citada lei que: “encontra-se em situação de
insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza
económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas
para suportar pontualmente os custos de um processo.”
A prova e apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com
os critérios estabelecidos e publicados em anexo à lei do apoio judiciário (art.
8º/5).
No anexo dispõe-se que para o efeito de apurar a insuficiência económica,
mostra-se relevante determinar a composição do agregado familiar e os
rendimentos dos familiares que compõem o agregado familiar.
No caso concreto, a recorrente-requerente do apoio judiciário, sobre quem incide
o ónus da prova dos factos que configuram a situação de insuficiência económica,
não juntou prova dos rendimentos da filha do casal, nem da situação económica
das sociedades. Os documentos juntos são insuficientes para demonstrar a
situação económica das sociedades e se as mesmas cessaram a sua actividade. Por
outro lado, o facto da filha da recorrente pernoitar na casa de família, não a
dispensa de comprovar a situação económica, pois compõe o agregado familiar.
Desta forma, os elementos de facto e a prova dos mesmos mostra-se insuficiente
para aferir da insuficiência económica da requerente para suportar as despesas
com a acção.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões do recurso, confirmando-se a
decisão da autoridade administrativa.»
Notificada, arguiu a impugnante a nulidade da sentença por omissão de pronúncia,
por não se ter pronunciado quanto à matéria vertida nas conclusões j) e k), no
que tange à documentação referente à sua filha, e nas conclusões c), m) e n),
estas referentes a alegadas questões de constitucionalidade.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
«A recorrente veio arguir a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia.
Cumpre apreciar.
Recai sobre a recorrente o ónus de alegar e provar os factos que alega, o que
ficou exposto na decisão de fls. 79. Desta forma, recaía sobre a recorrente o
ónus de apresentar os documentos respeitantes à situação económica da filha e o
certo é que a recorrente não demonstrou que o fez ou que está impedida de os
obter. Por outro lado, apenas a recorrente pode ser demandada e não existe
qualquer justificação para promover diligências de prova junto da filha da
recorrente que não é parte interessada nos autos.
Refira-se, ainda, que não cumpre ao Tribunal apreciar da constitucionalidade da
norma ou da decisão administrativa, pois tal apreciação é da competência do
Tribunal Constitucional. Apenas quando o tribunal afasta a aplicação da norma,
por inconstitucional deve declarar e expor os seus fundamentos.
Afigura-se-nos que com o esclarecimento prestado está sanada a nulidade
invocada, por omissão de pronúncia.»
3. Inconformada, veio a impugnante interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos:
«- O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artº 70º
da lei n.º 28/82, de 15 de Novembro;
- Para apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no nº 3 do Artº 1º
da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, com a interpretação feita nos
Autos de que “(…) a falta de entrega dos documentos suspende o prazo de produção
do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica (…)” uma vez que uma tal
interpretação da norma viola o disposto nos Artºs 16º e 25º da Lei nº 34/2000,
de 29 de Julho, e colide frontalmente com o conceito legal de suspensão do
prazo, com a própria notificação efectuada pela autoridade administrativa à ora
recorrente e com o plasmado, de forma peremptória, nos Artºs 89º, n.º 2, e 53º,
n.º 2, ambos do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi Artº 22º
da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e cerceando o direito da recorrente em ver
apreciada com a celeridade legal e constitucionalmente impostas o seu
requerimento de onde depende o acesso ao direito e aos tribunais;
- Tal norma, assim interpretada, viola o disposto nos artigos 20º, nº 1, 4 e 5
da Constituição da República Portuguesa;
- Sendo que a interpretação correcta, na óptica da recorrente, é a que submete
as diligências probatórias ao imperativo da celeridade e dispensa a prova que
resulte de impossibilidade legal ou violação de direitos de terceiros, como
concretamente, está definido no nº 2 do Artº 89º do Código de Procedimento
Administrativo, mormente os direitos de personalidade da filha da recorrente, de
maior idade, com capacidades e personalidades jurídicas e tributárias próprias,
distintas da requerente, como resulta dos dispositivos legais aplicáveis
mormente os Artºs. 66º, n.º 1, 67º, 69º e 70º, nº 1, do Código Civil, e os
Artºs. 15º e 16º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, a quem a recorrente não pode
obrigar a fazer-lhe entrega das declarações de rendimentos e/ou outros
documentos próprios, ainda que viva em economia [comum], sem conceder neste
particular;
- Esta interpretação das supra citadas normas está contrariada no douto despacho
de fls. 88, que decide a nulidade arguida o qual viola também o imperativo Artº
26º, n.ºs 1 e 2 da lei Fundamental;
- A questão de inconstitucionalidade quanto à violação do Artº 20º da CRP foi
suscitada expressamente nas alíneas c), m) e n) das conclusões do recurso
impugnatório da decisão administrativa submetido ao Tribunal a quo, estando o
sentido correcto, no entendimento da ora recorrente, previamente expresso no
demais texto da referida impugnação que aqui se tem por integralmente
reproduzido, e foi resumido acima:
- E, no que tange à inconstitucionalidade da interpretação violadora do Artº 26º
vem ela clarividente na decisão de fls. 88, numa interpretação tão sui generis
com o absolutamente imprevista, carecida de tutela nesta sede e de apreciação
marginal emergente do conjunto da matéria jurídica em análise, conforme
pormenorizadamente se alegará na oportunidade legal;»
4. O recurso foi admitido no tribunal a quo por despacho de fls. 95, mas tal
decisão não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. N.º3 do artigo 76.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro), entendendo-se, no caso, não poder conhecer-se do
objecto do recurso, por falta dos respectivos pressupostos de admissibilidade,
sendo de proferir decisão sumária ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 78.º-A
da citada Lei n.º 28/82.
Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o caso, implica, para que
possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários
pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio
decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou
segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida.
No exercício deste controlo normativo escapa à competência cogniscitiva do
Tribunal Constitucional – de acordo com o nosso ordenamento jurídico – qualquer
forma de fiscalização sempre que a questão de constitucionalidade seja dirigida
à decisão judicial, em si mesma considerada.
Assim, tem o recorrente o ónus de referenciar normativamente, de forma clara e
perceptível, a questão de constitucionalidade, em termos de o Tribunal recorrido
saber que tem essa questão para resolver, pondo, desse modo, em causa, por
alegada violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico
utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada.
5. De acordo com o requerimento de interposição de recurso pretende a recorrente
a apreciação de duas questões: - uma, relativa à interpretação da norma contida
no n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, com a
interpretação de que “ (…) a falta de entrega dos documentos suspende o prazo de
produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica (…)”; - a outra,
relacionada com a imposição da entrega de declarações de rendimentos e de outros
documentos respeitantes à filha da recorrente, que esta entende afrontar o
artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
Porém, a recorrente não suscitou adequadamente, durante o processo, as questões
que pretende ver apreciadas.
Começando pela primeira, alega a recorrente que a “questão de
constitucionalidade” da norma do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1085-A/2004
foi expressamente suscitada nas conclusões c), m) e n) das alegações de recurso
da decisão administrativa.
Efectivamente, esse seria o momento adequado para suscitar a questão para que o
tribunal recorrido dela pudesse conhecer, mas a recorrente não suscitou, de modo
processualmente adequado, qualquer questão de constitucionalidade da norma em
causa. O que a recorrente invocou na aludida peça processual, como facilmente se
vê da transcrição acima efectuada, foi que a decisão administrativa impugnada,
ao decidir ao 35º dia após a entrada do requerimento, violou, além das normas de
direito ordinário que cita, o artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição.
O facto de a recorrente, na alínea n) das ditas conclusões, referir que arguiu
expressamente as “inconstitucionalidades interpretativas, supra mencionadas nas
alíneas c) e m)”, não releva para efeitos de se considerar como suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa. Ainda que, com tal referência, a
recorrente tenha visivelmente pretendido abrir a porta ao recurso de
constitucionalidade, o certo é que tal objectivo se frustrou porque faltou na
petição de recurso um mínimo de argumentação dirigida a obter do tribunal “a
quo” o afastamento de um determinado sentido da norma agora em causa com
fundamento em inconstitucionalidade.
Não basta, para tanto, a afirmação de que interpretação diferente daquela que se
propugna viola normas constitucionais (cfr. Art.º 6º da petição do recurso). É
necessário referenciar tal violação a um sentido normativo determinado, extraído
de um preceito ou de um conjunto de preceitos perfeitamente identificados, com
um mínimo de argumentação demonstrativa dessa desconformidade com a
Constituição. De tal modo que o tribunal da causa, se chegar a esse sentido no
termo do processo interpretativo do direito ordinário que lhe cumpra aplicar,
saiba ou deva saber que lhe é proposto que recuse tal aplicação, no exercício do
poder que lhe é conferido pelo artigo 204.º da Constituição.
6. Quanto à 2ª questão – a respeitante à obrigação de apresentação dos
documentos referentes à situação económica da filha, a recorrente não diz no
requerimento de interposição qual a norma que entende ter sido interpretada em
desconformidade com a Constituição. E, embora esta deficiência do requerimento
pudesse vir a ser colmatada com o despacho a que se reporta o n.º5 do artigo
75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, tal redundaria na prática de acto
inútil, já que durante o processo a recorrente também não suscitou qualquer
questão de constitucionalidade normativa com respeito a esta situação.
É certo que se invoca que a “inconstitucionalidade da interpretação violadora do
artigo 26.º vem ela clarividente na decisão de fls. 88”, entendendo-se esta
alocução como querendo significar que a recorrente não teve oportunidade de
suscitar a questão antes de proferido este despacho.
Porém, não é assim, já que o despacho em causa, proferido na sequência da
arguição da nulidade da anterior decisão, a este respeito, apenas refere: “que
recaía sobre a recorrente o ónus de apresentar os documentos respeitantes à
situação económica da filha e o certo é que a recorrente não demonstrou que o
fez ou que está impedida de os obter. Por outro lado, apenas a recorrente pode
ser demandada e não existe qualquer justificação para promover diligências de
prova junto da filha da recorrente que não é parte interessada nos autos”.
Ora, a questão relativa à obrigação da apresentação dos aludidos documentos já
vinha a ser impugnada pela recorrente desde a fase administrativa do processo,
pelo que a mesma teve oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade, e não o fez.
7. Em face do exposto, ao abrigo do nº 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta”
2. O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A
da LTC, nos seguintes termos:
“Na realidade, o requerimento impugnatório da decisão administrativa logo no seu
artigo 1° elenca as datas dos actos praticados pelo aqui reclamante e pela
administração, donde resulta uma contabilização, clara e insofismável, de 35
dias mediando entre o inicial requerimento do instituto e a prolação da
correspondente decisão, explicitando com a mesma clareza a forma como foi
efectuada uma tal contabilização por remissão às normas aplicáveis, quer a
directamente afectada quer as acessórias, para concluir no artigo 3° que não
pode ser confundido suspensão de prazo com interrupção, indiciando-se ali tal
prática, de forma continuada e persistente, à autoridade administrativa
recorrida.
Resumindo, segundo adequada prática processual, este conjunto de alegações na
conclusão a): “A decisão administrativa ora impugnada foi tomada no 35° dia
após, a entrada do requerimento nos serviços administrativos competentes, já
deduzido o período legal de suspensão “.
Para, após fazer a menção de formação de acto tácito na conclusão b), suscitar a
questão da inconstitucionalidade interpretativa e a norma violada na conclusão
c).
Cabe então verificar, perante este quadro, se em sede de conclusões, se teriam
que repetir as normas complementares que, integral e perfeitamente,
regem o regime de suspensão e são conhecidas oficiosamente pelo Tribunal a quo,
segundo o são princípio jura novit úria.
Dito de outro modo, não pode ser exigível ao recorrente, abstracto ele, que ante
o julgador apresente a solução jurídica, bastando-lhe que remeta para as regras
que, especificadamente, impõem a solução jurídica por si preconizada, uma vez
que o direito não carece de ser provado perante o tribunal, este conhece-o e não
está sujeito às alegações das partes litigantes, meras teses a submeter ao seu
superior critério, interpretação e julgamento, como resulta das mais elementares
e básicas regras de Direito.
Ainda que seja pacífico que o âmbito de um recurso se afere pelas suas
conclusões, é também há muito pacífico que estas não se confundem com as
alegações, ali tão só se resume o essencial e relevante do que nestas se invocou
em detalhe, sob pena de longas e confusas, enfim disfuncionais para o raciocínio
do julgador.
Assim se pode concluir quanto a esta particular parte do recurso apresentado a
este Tribunal que, durante o processo, concretamente no recurso impugnatório da
decisão administrativa, se invoca expressamente:
Ø a norma violada, o artº 25° do DL 34/2004, de 29 de Julho
(conclusão a) ;
Ø a base do erro interpretativo, a patente e continuada confusão
entre interrupção de prazo e suspensão (idem, no seu final e, subsidiária e
detalhadamente artigo 2°) ;
Ø as normas acessórias que impõem interpretação diferente da que
sustentam a decisão recorrida que confunde interrupção de prazo com suspensão –
artºs 23°, 37º e 38° da Lei nº 34/2004, artº 1°, nº 3, da Portaria n°
1085-A/2004, e artº 100°, nº 3, do Código de Procedimento Administrativo (artigo
2°);
Ø a regra a aplicar, o nº 3 do artº 25° da Lei no 34/2004 (conclusão
b);
Ø os imperativos constitucionais violados, os n.ºs 1,4 e 5 do artº
20° (conclusão c).
Esta matéria resultou naqueloutra que, enfim, dela derivada, vem sustentar, após
expurgo pela evolução emanente da douta decisão judicial, o recurso nos precisos
termos em que ele é apresentado neste Tribunal Constitucional.
Ou seja, a própria evolução emergente da decisão do Tribunal a quo, delimitando
com maior rigor a interpretação deste – e é dela afinal que se recorre – fez
alterar a norma violada por agora vir emergir doutra a sustentação básica da
interpretação daqueloutra inicial, o do artº 25° da Lei n° 34/2004.
O mesmo se diga no que tange à segunda questão, acessória e complementar da
primeira que, prendendo-se à necessidade ou dispensa de apresentação de
determinados documentos pela requerente do instituto de protecção jurídica,
vinha incluir, à revelia das normas que subsidiariamente foram invocadas nas
conclusões recursivas, a filha da ora reclamante no seu agregado familiar.
Não se podendo concluir, como vem feito na decisão sumária ora reclamada que a
questão não foi suscitada adequadamente porquanto a alínea m) das conclusões do
recurso em causa não se reporta apenas a esta questiúncula de agregado familiar,
antes é bem mais ampla a vexata quaestio abrangendo toda a matéria no que tange
a documentos exigidos sem sustentação legal, como resulta clarividentemente do
próprio texto dessa conclusão: “Por tudo isto a decisão ora sindicada viola
todas as mencionadas normas e, fundamentalmente, o imperativo do Artº 20º, n° 1,
da Constituição da República Portuguesa, nas interpretações dadas”.
Trazendo a alínea n) seguinte bem claro através da expressão “(..) – alíneas c)
e m), corolário das demais (..)” que é o conjunto de todas as conclusões
recursivas que constituem, na sua mais ampla concomitância, as motivações da
considerada errada interpretação legislativa e consequente violação fundamental,
bem como delas emana a solução jurídica considerada correcta pela então
impugnante.
O recorrido não respondeu à reclamação.
3. A reclamação não logra abalar os fundamentos da decisão reclamada.
O princípio jus novit úria associado ao carácter oficioso do conhecimento das
questões de constitucionalidade, no sentido de que os tribunais não podem, nos
feitos submetidos a julgamento, aplicar normas inconstitucionais (artigo 204.º
da Constituição) e exercem esse poder-dever de recusa de aplicação sem
dependência de pedido ou da argumentação das partes, não dispensa o interessado
de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal da causa de modo
processualmente adequado, se pretender interpor recurso para o Tribunal
Constitucional de eventual decisão que, nessa matéria, lhe seja desfavorável.
Assim o impõe o artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e as disposições
conjugadas da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da
LTC.
Ora, para cumprir esse ónus não basta afirmar, como fez o recorrente, que
“Diferente interpretação normativa – que só por mera precaução se admite –
violará o citado preceito legal, o Art.º 3º do CPA e as normas constitucionais
contidas nos n.º 1, 4 e 5 do Art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa,
o que aqui se argui expressamente”. Por um lado, com esta formulação não se
identifica de modo claro e preciso, a dimensão normativa que se quer ver
desaplicada, determinação essa que, contrariamente ao que a reclamante refere,
também não resulta da argumentação que a precede. E, por outro lado, essa
simples afirmação não confronta o tribunal da causa com um mínimo de
argumentação ordenada a convencer das razões pelas quais uma tal solução
violaria as normas dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição. Mesmo que
se tome por impugnado o sentido normativo extraído dos preceitos indicados no
artigo 2.º da petição de recurso, de que a notificação para juntar documentos,
interrompe o prazo de deferimento tácito – o que só por hipótese se admite,
desde logo, porque essa não é a única hipótese possível – não se ficam a saber
as razões pelas quais, no entender da recorrente, o estabelecimento da regra da
interrupção do prazo, em vez da suspensão, atingiria intoleravelmente o direito
de acesso aos tribunais.
Quanto à segunda questão, o recorrente nem agora identifica qualquer norma que
possa constituir objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade. Dizer que a vexata quaestio é bem mais ampla do que aquela
que a decisão recorrida considerou e que “é o conjunto de todas as conclusões
recursivas que constituem, na sua mais ampla concomitância, as motivações da
considerada errada interpretação legislativa e consequente violação fundamental,
bem como delas emana a solução jurídica considerada correcta pela então
impugnante” é confessar que o que se pretende é a revisão da decisão enquanto
aplicação do direito ordinário ou, quando muito, por directa violação da
Constituição, e não a apreciação da conformidade com regras ou princípios
constitucionais de uma norma precisamente determinada de que tenha sido feita
aplicação. O erro na interpretação e aplicação do direito ordinário, ainda que
conduza a uma decisão lesiva de direitos fundamentais, não é objecto idóneo de
recurso para o Tribunal Constitucional, no sistema de acesso à justiça
constitucional instituído no direito português.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas
custas com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 27 de Junho de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Rui Manuel Moura Ramos