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Processo n.º 828/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. O magistrado do Ministério Público junto do 1º Juízo Cível do
Tribunal de Menores e Família e de Comarca de Portimão reclamou, nos termos do
artigo 865º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por apenso a uns autos em que
era exequente o Banco A., S.A. e executados “B., Lda.” e outros, certos créditos
por dívidas à Fazenda Pública, referentes a Imposto sobre o Valor Acrescentado
(IVA) e a custas em processo de execução fiscal (fls. 2 e seguintes).
Por sentença de 27 de Novembro de 2001 do juiz do Tribunal Judicial da Comarca
de Portimão (fls. 17 e seguintes), foi graduado, em primeiro lugar, o crédito
referente às custas da execução e, seguidamente, o crédito referente a IVA.
2. A fls. 26 e seguintes, veio o Banco C., S.A. – Sociedade
Aberta reclamar o seu crédito, referente a um empréstimo que concedera à
sociedade executada, garantido por penhor mercantil constituído sobre o “direito
ao trespasse e arrendamento do seu [da executada] estabelecimento de papelaria
[…], como universalidade, nele compreendendo as posições de arrendatária do
local onde funciona, licenças, alvarás, instalações e ainda utensílios,
mobiliário e máquinas […]”.
Por sentença de 15 de Abril de 2004 do juiz do Tribunal Judicial da Comarca
de Portimão (fls. 60 e seguintes), foi graduado este crédito à frente do crédito
exequendo.
3. Por despacho de fls. 69, foi ordenada a notificação ao
Ministério Público da reclamação apresentada pelo Banco C., S.A. – Sociedade
Aberta e da sentença que verificou e graduou o crédito que este Banco reclamara
(supra, 2.) e, bem assim, a notificação ao Banco C. da reclamação apresentada
pelo Ministério Público e da sentença que verificou e graduou o crédito por este
reclamado (supra, 1.), para dizerem o que tivessem por conveniente.
Não houve, porém, qualquer impugnação.
4. Em 18 de Março de 2005, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca
de Portimão proferiu sentença do seguinte teor (fls. 80 e seguintes):
“[…]
2. Graduação: Os créditos resultantes do Imposto sobre o Valor Acrescentado,
como imposto indirecto que é (pois incide sobre actos ou factos isolados, não
sendo uma obrigação que se renova automaticamente […]), gozam de privilégio
creditório mobiliário geral, nos termos do artigo 736º, n.º 1 do Código Civil.
Ora, os privilégios mobiliários, de acordo com o artigo 735º do Código Civil,
efectivam-se sobre todo e qualquer bem móvel penhorado na execução. Ou seja,
trata-se de garantia que apenas incide quando na execução se penhorem bens
móveis, o que ocorreu.
Os privilégios mobiliários gerais atribuem ao credor a faculdade de ser pago com
preferência a outros quando sejam penhorados bens móveis do devedor (cfr. art.
733º e 735º Código Civil) e incluem-se no conceito lato de garantia real que o
legislador utiliza para efeitos de graduação de créditos.
O crédito reclamado pelo «Banco C.» goza da preferência resultante do penhor
mercantil (que incide, como já se decidiu nos autos, sobre todo o
estabelecimento, enquanto unidade jurídica).
[…]
Ora, de acordo com o preceituado nestas disposições legais [artigos 666º, n.º 1,
e 749º, n.º 1, do Código Civil], facilmente se conclui que, no confronto do
direito de crédito garantido por privilégio mobiliário geral (como é o caso do
IVA) e o direito de crédito garantido por penhor assume este último a
prevalência na ordem de graduação, ainda que o primeiro seja de constituição
anterior […].
Esta não é, contudo, uma solução jurisprudencialmente pacífica […].
No primeiro dos arestos citados (em cujo processo está em apreciação a graduação
de um crédito garantido por penhor e um crédito de IVA, tal qual sucede nestes
autos) pode ler-se que, uma vez que o artigo 10º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
103/80 conferiu aos créditos da Segurança Social prevalência sobre o penhor,
estabeleceu um regime específico em oposição ao regime geral da graduação, pelo
que, mesmo nos casos em que concorram apenas créditos do Estado por imposto e
créditos garantidos por penhor, deve graduar-se aquele em primeiro lugar.
Compreende-se a preocupação subjacente à solução apontada por tal aresto: a de
obtenção de uma interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8º, n.º 3,
parte final, do Código Civil).
Contudo, e com todo o respeito, que é muito por aquela opinião, não a
sufragamos.
A situação em apreço é análoga àquela que se colocava na relação com o crédito
da Segurança Social e aquele que se encontrava garantido por hipoteca (anote-se
que o penhor apenas pode incidir sobre créditos ou direitos não susceptíveis de
hipoteca). O regime especial atribuía prevalência na graduação aos créditos
garantidos por privilégio imobiliário geral em relação a créditos garantidos por
hipoteca.
Este entendimento veio, porém, a ser declarado inconstitucional (veja-se
Acórdãos do TC, 362/2002 e 363/2002, publicados no DR, de 16.10.2002). Na
esteira de tal declaração, decidiu, inclusivamente, o legislador de 2003 alterar
o teor do artigo 751º do Código Civil (Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março).
Parece-nos que o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, não pretendeu ocupar-se
das garantias defensivas dos créditos da Fazenda Nacional, mas apenas reforçar
as garantias de cobrança dos créditos por cobrança devidas à Previdência –
Acórdão do STJ, de 28.11.1990, www.dgsi.pt.
Aplicar aquela interpretação e com base nela derrogar o disposto nos artigos
666º, n.º 1 e 749º, n.º 1, do Código Civil, significaria frustrar as legítimas
expectativas dos credores pignoratícios e constituiria entrave à segurança
jurídico-comercial.
Acresce que, no CIVA não se atribui qualquer prevalência especial ao respectivo
crédito.
Pelos motivos expostos, se graduará o crédito garantido por penhor com
precedência em relação ao crédito garantido por privilégio mobiliário geral,
entendendo-se como inconstitucional a interpretação dos artigos 666º, n.º 1 e
749º, n.º 1, ambos do Código Civil, no sentido de que, por força do disposto no
artigo 10º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, o crédito do Imposto sobre o
Valor Acrescentado e respectivos juros prefere, em termos de graduação, ao
crédito garantido por penhor.
Por seu turno, o crédito exequendo goza apenas da garantia resultante da penhora
– cfr. artigo 822º do Código Civil.
V. Decisão:
Pelo exposto, julgo procedente a reclamação de créditos deduzida e, em
consequência julgo reconhecidos os créditos reclamados pelo Ministério Público
no tocante ao IVA e os créditos reclamados pelo «Banco C.».
Mais se decide graduar os créditos, para efeitos de pagamento pelo produto da
venda dos bens móveis penhorados no processo de execução apenso da seguinte
forma:
1º- Em primeiro lugar o crédito do «Banco C.»;
2º- Em segundo lugar os créditos da Fazenda Nacional respeitante a IVA acima
indicados;
3º- Em terceiro e último lugar, o crédito exequendo.
As custas da execução e da reclamação de créditos sairão precípuas do produto da
venda, nos termos do artigo 455º do Código de Processo Civil, razão pela qual
não são objecto de graduação (por a lei as colocar fora do concurso).
[…].”.
5. Notificado desta sentença, dela interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional o Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo “a apreciação da
(in)constitucionalidade das normas previstas nos artigos 666º n.º 1 e 749º n.º
1, ambos do Código Civil, interpretadas no sentido de que, por força do disposto
no artº 10º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09.05, o crédito do Imposto sobre o
Valor Acrescentado e respectivos juros prefere, em termos de graduação, ao
crédito garantido por penhor” (fls. 95).
O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de fls.
96.
6. Nas alegações (fls. 113 e seguintes), o representante do
Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, sustentou o seguinte:
“[…]
A estrutura lógico-argumentativa da decisão recorrida cria inclusivamente
dúvidas sobre se estaremos perante uma «verdadeira recusa» de aplicação
normativa, com fundamento em inconstitucionalidade: na verdade, o «iter» seguido
em tal decisão parece assentar na conclusão primacial de que o regime prescrito
no artigo 10°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 103/80 não é aplicável ao crédito
fiscal reclamado pelo Ministério Público, com base no argumento de que «no CIVA
não se atribui qualquer prevalência especial ao respectivo crédito» – e nada
tendo, como é óbvio, os créditos fiscais de IVA com as contribuições para a
Segurança Social.
A ser assim – alcançando a decisão recorrida a solução jurídica do pleito
através da mera interpretação e aplicação do direito ordinário – não
desempenhando a invocação e apelo à Constituição mais do que uma «função de
apoio ou de confirmação», de simples reforço de um sentido normativo já sugerido
e plenamente alcançado pelos restantes elementos ou regras de interpretação
(cfr., Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, pág. 331) – não se
verificariam sequer os pressupostos de admissibilidade do recurso tipificado na
alínea a) do n.º 1 do artigo 70° da Lei n.º 28/82: na verdade, sendo a solução
alcançada, a título principal e em termos bastantes, em sede de interpretação do
direito ordinário, nenhuma utilidade teria a dirimição da «hipotética» questão
de constitucionalidade colocada. Dito por outras palavras: entendendo a decisão
recorrida que o n.º 2 do artigo 10° do Decreto-Lei n.º 103/80 não é aplicável
aos créditos fiscais da Fazenda Nacional, por se reportar apenas à garantia de
contribuições para a previdência, é manifesto que nenhuma utilidade teria a
discussão sobre a eventual inconstitucionalidade da norma – puramente hipotética
– que viesse prever idêntico regime garantístico para os créditos de IVA...
De qualquer modo – e passando a analisar a questão de constitucionalidade
colocada expressamente pela decisão recorrida – o objecto do recurso traduz-se,
em termos substanciais, em avaliar da constitucionalidade material (na óptica
dos princípios da proporcionalidade e da confiança) do – hipotético – regime que
se traduzisse em conferir à generalidade dos créditos por impostos indirectos da
Fazenda Nacional o regime de prevalência sobre o penhor, ainda que anteriormente
constituído, a favor de estabelecimento bancário (nos termos do Decreto-Lei n.º
29833, de 17 de Agosto de 1939, portanto sem envolver efectivo desapossamento da
coisa empenhada) em termos análogos aos previstos, para a Segurança Social, no
citado artigo 10°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 103/80.
E, nesta óptica, a questão é diferente da que se mostra tratada, quer no Acórdão
n.º 688/98 (em que se considerou, por maioria, não inconstitucional o referido
regime «reforçado» dos créditos da Segurança Social, mas apenas na perspectiva
de uma eventual frustração da «par conditio creditorum»), quer no Acórdão
153/02, em que se considerou não inconstitucional a atribuição ao Estado de um
privilégio mobiliário geral, para garantia dos créditos de IVA, mas apenas
sujeito ao regime «normal» constante dos artigos 736°, n.º 1, e 749° do Código
Civil.
Ora, independentemente de saber se o particular regime garantístico dos créditos
da Segurança Social, plasmado no n.º 2 daquele artigo 10°, é compatível com a
Constituição (questão que não cumpre resolver, já que, no caso dos autos, não
está reclamado qualquer crédito por contribuições à Segurança Social), não há
dúvida de que um irrestrito alargamento de tal regime excepcional –
necessariamente – a todos os créditos de natureza fiscal da Fazenda Nacional –
que passariam a prevalecer, sempre e necessariamente, sobre qualquer penhor,
mesmo que tal direito real de garantia se tivesse constituído anteriormente –
afrontaria seguramente os princípios da confiança e da proporcionalidade –
valendo aqui inteiramente as razões que levaram este Tribunal Constitucional a
emitir um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma constante do artigo 11º
do Decreto-Lei n.º 103/80, quando interpretada no sentido de que o privilégio
imobiliário geral da previdência prevaleceria sobre a hipoteca, nos termos do
preceituado no artigo 751º do Código Civil.”.
E concluiu assim essas alegações:
“1 - O – hipotético – regime legal que se traduzisse em outorgar a todos os
créditos fiscais da Fazenda Nacional, garantidos pelo artigo 736°, n.º 1, do
Código Civil, mediante outorga de um mero privilégio mobiliário geral (com os
efeitos previstos no artigo 749° do mesmo Código), de um regime análogo ao
estabelecido (para as contribuições da Segurança Social) no n.º 2 do artigo 10°
do Decreto-Lei n.º 103/80 implicando a prevalência de tais créditos, assim
garantidos, sobre qualquer penhor, mesmo que de constituição anterior,
ofenderia, em termos inadmissíveis, os princípios da proporcionalidade e da
confiança de credor pignoratício no pagamento preferencial do seu crédito,
dotado de garantia real.
2 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade,
formulado pela decisão recorrida.”.
O Banco A., SA, ora recorrido, não alegou (fls. 120).
Cumpre apreciar e decidir.
II
7. O objecto do presente recurso de constitucionalidade é
constituído pelos artigos 666º, n.º 1, e 749º, n.º 1, ambos do Código Civil,
interpretados no sentido de que, por força do disposto no artigo 10º do
Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, o crédito do Imposto sobre o Valor
Acrescentado (IVA) e respectivos juros prefere, em termos de graduação, ao
crédito garantido por penhor.
É a seguinte a redacção do artigo 666º, n.º 1, do Código Civil,
sistematicamente integrado nas disposições gerais relativas ao penhor:
“Artigo 666º
(Noção)
1. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como
dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de
certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis
de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
[…].”.
Por seu lado, dispõe o artigo 749º, n.º 1, do Código Civil, sistematicamente
integrado nas disposições relativas aos efeitos e extinção dos privilégios
creditórios:
“Artigo 749º
(Privilégio geral e direitos de terceiro)
1. O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que,
recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao
exequente.
[…].”.
Finalmente, o artigo 10º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que
estabeleceu o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência, tem a
seguinte redacção:
“Artigo 10º
(Privilégio mobiliário)
1 – Os créditos das caixas de previdência por contribuições e os respectivos
juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os
créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747º do Código Civil.
2 – Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição
anterior.”.
8. Nas alegações (supra, 6.), coloca o Ministério Público a
dúvida sobre se, na decisão recorrida, teria havido efectiva recusa de aplicação
da interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso, com
fundamento na sua inconstitucionalidade: e isto porque, pondera o Ministério
Público, a decisão recorrida não teria sequer considerado como aplicável, ao
caso concreto, o regime constante do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9
de Maio, apenas tendo aventado a hipótese dessa aplicação.
Importa assim verificar se a decisão recorrida recusou, com fundamento em
inconstitucionalidade, a aplicação da interpretação normativa identificada como
objecto do recurso, uma vez que o presente recurso foi interposto ao abrigo da
alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Ora, não obstante a circunstância de, na sentença recorrida, se fazer
referência à inconstitucionalidade dos “artigos 666º, n.º 1, e 749º, n.º 1,
ambos do Código Civil, interpretados no sentido de que, por força do disposto no
artigo 10º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, o crédito do Imposto sobre o
Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros prefere, em termos de graduação, ao
crédito garantido por penhor”, entende-se que tal consideração tem, no contexto
da decisão, o valor de mero obiter dictum.
Na verdade, percorrendo a decisão recorrida, verifica-se, antes de mais, que
nela se começou por afirmar que “os créditos resultantes do Imposto sobre o
Valor Acrescentado, como imposto indirecto que é […], gozam de privilégio
creditório mobiliário geral, nos termos do artigo 736º, n.º 1 do Código Civil” e
que “os privilégios mobiliários, de acordo com o artigo 735º do Código Civil,
efectivam-se sobre todo e qualquer bem móvel penhorado na execução”, pois que se
trata de “garantia que apenas incide quando na execução se penhorem bens
móveis”.
Ponderou-se depois que, de acordo com o preceituado nos artigos 666º, n.º 1,
e 749º, n.º 1, do Código Civil, “facilmente se conclui que, no confronto do
direito de crédito garantido por privilégio mobiliário geral (como é o caso do
IVA) e o direito de crédito garantido por penhor assume este último a
prevalência na ordem de graduação, ainda que o primeiro seja de constituição
anterior”.
Por outro lado, considerou-se que “o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio,
não pretendeu ocupar-se das garantias defensivas dos créditos da Fazenda
Nacional, mas apenas reforçar as garantias de cobrança dos créditos por cobrança
devidas à Previdência” e verificou-se que no Código do IVA “não se atribui
qualquer prevalência especial ao respectivo crédito”.
Com base nos fundamentos apontados, decidiu o tribunal recorrido graduar o
crédito garantido por penhor com precedência em relação ao crédito garantido por
privilégio mobiliário geral.
Observa-se assim que a não aplicação ao caso dos autos de um hipotético
regime especial de prevalência na graduação dos créditos por impostos indirectos
da Fazenda Nacional, garantidos por privilégio mobiliário geral, em relação a
créditos garantidos por penhor se ficou primacialmente a dever ao normal recurso
aos elementos literal e sistemático de interpretação da lei.
Por outras palavras: a não aplicação no caso dos autos dos “artigos 666º,
n.º 1, e 749º, n.º 1, ambos do Código Civil, interpretados no sentido de que,
por força do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, o
crédito do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros prefere,
em termos de graduação, ao crédito garantido por penhor”, decorre
inevitavelmente da consideração de que “o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio,
não pretendeu ocupar-se das garantias defensivas dos créditos da Fazenda
Nacional, mas apenas reforçar as garantias de cobrança dos créditos por cobrança
devidas à Previdência” e de que no Código do IVA “não se atribui qualquer
prevalência especial ao respectivo crédito”.
Não pode, pois, conhecer-se do objecto do presente recurso, por não estar
verificado um dos seus pressupostos processuais – a recusa de aplicação, na
decisão recorrida, das normas cuja apreciação o recorrente pretende, com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
III
9. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Maio de 2006
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício