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Processo n.º 483/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. A. reclama para o Tribunal Constitucional, nos termos do
artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o
despacho do Juiz do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, de 9 de Janeiro de 2001,
que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele interposto, ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, contra o despacho judicial de 6 de
Dezembro de 2000, que teria aplicado a norma do artigo 16.º do Código das Custas
Judiciais, apesar de arguida de inconstitucional pelo recorrente.
Após diversos incidentes, a reclamação apenas foi remetida
a este Tribunal em 23 de Maio de 2006.
Interessará começar por referenciar as vicissitudes
processuais documentadas nos autos:
1) Em 30 de Novembro de 2000, o recorrente apresentou
requerimento de reforma de condenação em custas, do seguinte teor:
“1. No seu requerimento ora indeferido, como é bom de ver, o signatário não
alega, nem sequer implicitamente, que pelas certidões extraídas dos processos,
seja a que título for, «não são devidas custas». Consequentemente,
2. sem necessidade de mais considerações, forçoso é concluir que o Despacho
sub judicio se pronuncia, afinal, sobre uma questão não suscitada pela parte
processual em causa, pelo que, mercê do preceituado na alínea d), 2.ª parte, do
n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, é tal decisão nula. Porém,
3. para não correr o risco de atrasar o pendente recurso, o signatário –
conforme informou por telefax de 27 do corrente – procedeu ao pagamento do
custo das certidões controvertidas. Assim,
4. subsiste agora unicamente a questão da condenação em custas, epilogativa
do Despacho sub judicio, na taxa de justiça manifestamente exorbitante de «2
UC’s» (sic). Efectivamente,
5. este quantum, demais a mais não justificado em matéria de facto, releva –
atenta a factualidade e legalidade (ut supra), aliás ilegalidade, circunstantes
– da aplicação implícita da norma do artigo 16.º do Código das Custas Judiciais
segundo uma interpretação inconstitucional, porquanto em infracção ao princípio
jusconstitucional fundamental da proporcionalidade, ou proibição do excesso
(Übermassverbot), consagrado designadamente nos artigos 18.º, n.º 2, 19.º e
28.º, n.º 2, todos da Constituição Portuguesa.
Termos em que, ao abrigo do preceituado no n.º 1 da alínea b) do artigo
669.º do Código de Processo Civil, requer se digne V. Ex.a reformar
radicalmente – revogar, efectivamente – a condenação em custas anteproferida,
declarando o processado controvertido «sem custas».”;
2) O anterior requerimento foi indeferido por despacho de 6
de Dezembro de 2000, do seguinte teor [Este despacho está redigido em letra de
difícil legibilidade, mas ao recorrente foi enviada cópia dactilografada do
mesmo – cf. cota de fls. 23.]:
“O requerimento sob questão levantou os problemas determinados [?] no
despacho, pelo que nada há a rectificar, nem no que diz respeito às custas que
fixou conforme a pertinência e sentido [?] de requerimentos apresentados.”;
3) Em 21 de Dezembro de 2000, o recorrente interpôs recurso
do anterior despacho para o Tribunal Constitucional, através do seguinte
requerimento:
“O Despacho sub judicio (1.º §) confirma expressamente, e, aliás, reaplica,
em sede de tributação em «custas», a norma do artigo 16.º do Código das Custas
Judiciais, pelo recorrente antearguida de inconstitucional no seu requerimento
de 30 de Novembro último.
Nesta conformidade, ao abrigo do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpõe dessa decisão o competente
recurso de constitucionalidade.”;
4) Este recurso não foi admitido pelo despacho de 9 de
Janeiro de 2001, ora reclamado, do seguinte teor:
“O despacho em questão, em que o recorrente foi condenado em custas, é
susceptível de recurso, conforme o artigo 678.º, n.º 1, do CPC e o valor da
acção.
O artigo 70.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção
dada pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, determina que só é admissível
recurso de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo se não for possível o recurso.
Pelo exposto, não admito o presente recurso.”;
5) É contra este despacho de não admissão de recurso de
inconstitucionalidade que vem deduzida a presente reclamação, apresentada em 25
de Janeiro de 2001, aduzindo o reclamante que:
“Alega o M.mo a quo que «o despacho em questão … é susceptível de recurso,
conforme o artigo 678.º, n.º 1, do CPC e o valor da acção» (sic).
Mas é esta, transparente e consabidamente, uma declaração falsa! Na
verdade, o que o invocado preceito do n.º 1 do artigo 678.º do CPC dispõe é que
o recurso ordinário é admissível nas causas de valor superior à alçada do
tribunal recorrido «desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o
recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal».
Ora, a decisão pelo ora reclamante ali impugnada – notificada por ofício de
7 de Dezembro de 2000 – é a que se pronuncia sobre o requerimento de «fls. 80 e
81» (apresentado em 30 de Novembro de 2000), o qual, inequivocamente, peticiona
a revogação «[d]a condenação em custas anteproferida» (sic), ou seja: tem o
valor de 2 (duas) unidades de conta processuais.
E – obviamente – nada mais será preciso dizer. Fazendo no caso sã e inteira
justiça, V. Ex.as revogarão imediatamente a decisão reclamada, consequentemente
ordenando o recebimento do pendente recurso.”;
6) Por despacho de 24 de Abril de 2006, foi mantido o
despacho reclamado e determinada a remessa da presente reclamação ao Tribunal
Constitucional.
Neste Tribunal, o representante do Ministério Público
emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, por se afigurar “não
ter sido suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Como é sabido, da norma da segunda parte do n.º 4 do
artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional – que dispõe que a decisão do
Tribunal Constitucional que revogue o despacho de não admissão de recurso de
constitucionalidade faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso –
resulta que este Tribunal, no julgamento deste tipo de reclamações, não está
limitado à apreciação do concreto fundamento invocado no despacho reclamado para
não conhecer do recurso.
Ora, no presente caso, a inadmissibilidade do recurso de
constitucionalidade resulta desde logo, claramente, da circunstância de o
reclamante não ter suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este ficar obrigado a dela conhecer.
Na verdade, foi à própria decisão judicial de fixação do
montante concreto das custas devidas por um incidente, em si mesma considerada,
que o reclamante assacou a violação do princípio da proporcionalidade, e não a
qualquer norma ou interpretação normativa (interpretação que, aliás, o
reclamante jamais ensaiou identificar com o mínimo de precisão).
3. Na parte final da sua reclamação, o reclamante requereu
a suspensão da presente instância, com fundamento em que na altura (25 de
Janeiro de 2001) estava pendente pedido de declaração de nulidade da sentença
proferida no processo crime de que os autos cíveis de que emergiu a presente
reclamação constituem apenso (de execução de sentença).
Entende‑se, porém, que tal facto não constitui “motivo
justificado” para o tribunal tomar a iniciativa de suspender a instância
(artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), pois não é seguro que a
eventual declaração de nulidade da sentença penal tenha como efeito a anulação
de condenação em custas devidas pela passagem de certidões.
4. Nestes termos, acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão de não admissão do recurso, embora por
fundamento diverso do invocado no despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Junho de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060351.html ]