Imprimir acórdão
Processo n.º 352/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. Fundação A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), da decisão sumária do relator, de 24 de Abril de 2006, que decidiu, no
uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do
objecto do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“1. Fundação A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão
do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
Administrativo (STA), de 2 de Março de 2006 (que negou provimento a recurso do
acórdão de 8 de Março de 2005 da 2.ª Subsecção do STA, que, por seu turno,
julgara improcedente recurso contencioso deduzido contra o despacho do Ministro
da Ciência e do Ensino Superior, de 29 de Julho de 2003, que fixara o número de
vagas para o curso de Psicologia ministrado pela recorrente na Universidade B.
do Porto):
– ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da [LTC], pretendendo ver
apreciada a «inconstitucionalidade do artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior
Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro,
alterado, por ratificação, pela Lei n.º 37/94, de 11 de Novembro, e pelo
Decreto‑Lei n.º 94/99, de 23 de Março, de acordo com a interpretação que lhe foi
dada pelo (…) Acórdão recorrido, a qual viola os artigos 43.º, 73.º, 74.º e 76.º
da Constituição da República Portuguesa, conforme alegado na 1.ª conclusão das
suas alegações de recurso»; e
– ao abrigo da alínea f), reportada à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC, pretendendo ver apreciada a «ilegalidade do artigo 30.º do Estatuto do
Ensino Superior Particular e Cooperativo, de acordo com a interpretação que lhe
foi dada pelo (…) Acórdão recorrido, que viola o disposto no artigo 12.º, n.º 4,
da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de
Outubro, alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º
49/2005, de 30 de Agosto, conforme alegado na 2.ª conclusão das suas alegações
de recurso».
O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STA, decisão
que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º
3, da LTC), e, de facto, entende‑se que, no caso, o recurso é inadmissível, o
que permite a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo
78.º‑A, n.º 1, da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade [e as
considerações subsequentes são também válidas para a fiscalização das
ilegalidades referidas no n.º 2 do artigo 280.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP)], a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se
ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de
desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações
normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão,
qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das
questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa tão‑só a correcção da aplicação dos critérios
normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo das alíneas b)
e/ou f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade haver sido suscitada «durante o
processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2
do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua
ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais ou
ilegais pelo recorrente. Exige‑se, assim, coincidência entre a dimensão
normativa arguida de inconstitucional ou ilegal e a dimensão normativa
aplicada como razão determinante da decisão recorrida, o que, aliás, bem se
compreende, atenta a natureza instrumental do recurso para o Tribunal
Constitucional; com efeito, da falta de coincidência das duas dimensões
resultaria que o juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade a formular pelo
Tribunal Constitucional, na hipótese de provimento do recurso, nenhuma
repercussão poderia ter no sentido da decisão recorrida, pois deixaria intocada
a dimensão normativa em que esta efectivamente se baseou.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de
uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo
de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como «na
interpretação dada pela decisão recorrida» ou similares. Com efeito, constitui
orientação pacífica deste Tribunal a de que (utilizando a formulação do
Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão‑só uma
interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão
normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em
causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.»
3. No presente caso, o que a recorrente aduziu nos locais identificados no
seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional como
sendo aqueles em que havia suscitado as questões de inconstitucionalidade e de
ilegalidade que pretendia ver apreciadas – a saber: as conclusões 1.ª e 2.ª das
suas alegações de recurso apresentadas perante o Pleno da Secção de Contencioso
Administrativo do STA – foi o seguinte:
«1.ª – O acórdão recorrido procedeu a uma má aplicação da lei ao caso
concreto, uma vez que os actos recorridos violaram o conteúdo essencial dos
direitos fundamentais consagrados nos artigos 43.º, 74.º e 76.º da Constituição
da República Portuguesa, o que acarreta a sua nulidade, nos termos do disposto
no artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo,
porquanto:
a) Os actos recorridos têm natureza sancionatória, o que não é permitido
por aqueles preceitos constitucionais;
b) Os próprios serviços da autoridade recorrida reconhecem que não houve
degradação pedagógica no curso de Psicologia ministrado pela recorrente;
c) Os serviços da autoridade recorrida, em informação por ela sufragada,
vão mesmo ao ponto de considerar irrelevante a aferição dos níveis de qualidade
do ensino;
d) O artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo,
na medida em que permite a redução do número de vagas como forma de sancionar
comportamentos das instituições, é inconstitucional por desrespeito dos artigos
43.º, 73.º, 74.º e 76.º da Constituição.
2.ª – O acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação e qualificação do
acto recorrido e, consequentemente, procedeu a uma errada aplicação do artigo
12.º, n.º 4, da Lei de Bases do Sistema Educativo, pelo que deve ser revogado,
uma vez que:
a) Os actos recorridos têm natureza sancionatória, o que não é permitido, mas
antes proibido, pelo preceito legal em apreço;
b) Os próprios serviços da autoridade recorrida reconhecem que não houve
degradação pedagógica no curso de Psicologia ministrado pela recorrente;
c) Os serviços da autoridade recorrida, em informação por ela sufragada, vão
mesmo ao ponto de considerar irrelevante a aferição dos níveis de qualidade do
ensino.»
Como é patente, nesta 2.ª conclusão, a recorrente não suscita nenhuma
questão de ilegalidade normativa, por pretensa violação de lei com valor
reforçado, limitando‑se a imputar directamente à própria decisão judicial então
impugnada, em si mesma considerada, errada interpretação e aplicação do artigo
12.º, n.º 4, da Lei de Bases do Sistema Educativo, o que é insusceptível de
integrar objecto adequado de recurso para o Tribunal Constitucional. É assim,
nesta parte, inadmissível o recurso interposto, o que determina o não
conhecimento do seu objecto.
Quanto à questão suscitada na conclusão 1.ª, o acórdão ora recorrido
desatendeu‑a com base nas seguintes considerações:
«Pretende, também, a recorrente que o acórdão recorrido errou ao não considerar
o despacho impugnado nulo por limitar o número de vagas para o ano lectivo de
2003/2004 e suspender o funcionamento do Curso de Psicologia, a partir do ano de
2004/2005, por violar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
consagrados nos artigos 43.º (Liberdade de aprender e ensinar), este inserido no
capítulo dos Direitos, liberdades e garantias pessoais, 74.º (Ensino) e 76.º
(Universidade e acesso ao ensino superior) da CRP, estes incluídos no capítulo
dos Direitos e deveres culturais.
Também aqui sem razão. No acórdão em apreço escreveu‑se que “os direitos de
aprender, de acesso ao ensino superior e de igualdade de oportunidades nesse
acesso não são direitos absolutos, incontroláveis e ilimitados, tendo de ser
compatibilizados com o manifesto interesse público em que seja ministrado
ensino de qualidade, ínsito no direito de aprender também reconhecido naquele
artigo 43.º (cf. acórdão deste STA, de 12 de Novembro de 2003, recurso n.º 41
291 – Pleno, a respeito do direito de aprender), por um lado. E, por outro,
devem ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do
nível educativo, cultural e científico do país (artigo 76.º, n.º 1, da CRP, que
aponta precisamente para a possibilidade de estabelecimento desse numerus
clausus, disposição à luz da qual não pode deixar de ser visto o n.º 4 do artigo
12.º da Lei de Bases do Sistema Educativo), sendo certo que esse princípio não
põe em causa, só por si, o direito de igualdade de oportunidades de acesso, na
medida em que, a haver restrições, deverão atingir os menos preparados para
atingir os níveis supra referenciados. De assinalar, ainda, que o acto
impugnado não se baseou apenas no facto da violação do numerus clausus, ou
melhor, apenas nessa violação em si, que a recorrente considerou ser uma questão
meramente formal, mas nos efeitos dessa violação conjugada com a insuficiência
das salas e de equipamentos sentidos no curso em causa, o que até terá motivado
queixas de alunos sobre as condições em que as aulas eram ministradas. Ora, se o
curso foi autorizado para 500 alunos com as instalações e equipamentos em que
eram ministradas aulas a 1392 alunos, não é difícil imaginar que as condições
actuais não eram as exigíveis, sendo de admitir que, à data da autorização,
eram de considerar adequadas, quer pela disponibilidade oferecida pela
recorrente, quer pela sua aceitação pelo recorrido, após a apreciação feita
pela comissão de especialistas de reconhecido mérito estabelecida no n.º 3 do
artigo 52.º do EESPC. O artigo 30.º do EESPC não viola, assim, os referenciados
princípios constitucionais, que também não foram violados pela concreta
aplicação desse preceito, feita pelo acto impugnado”.
Na sua alegação, a este propósito, a recorrente não suscita nada de novo, nenhum
argumento relevante que ponha em causa a justeza do discurso enunciado nem a
legalidade do decidido. Os direitos garantidos na Constituição, salvo
raríssimas excepções, não são de aplicação imediata. A produção legislativa
interna está organizada em pirâmide, tendo no topo a Constituição de República.
A ela cabe fixar os princípios gerais da organização do Estado, cabendo às
restantes fontes normativas – enunciadas no artigo 112.º – ainda numa situação
de dependência recíproca e pela ordem ali indicada – proceder à mediação,
desenvolvimento e concretização desses princípios, sempre com respeito por ela
(artigo 3.º). O facto de o artigo 18.º consagrar o princípio da aplicação
directa de determinados direitos não significa que a lei ordinária, a existir,
não deva ela própria ser aplicada; significa apenas que o será se não houver lei
ou se a lei existente os contrariar. Acresce, também, que o quadro legal
invocado – o artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA – ainda exige, para que haja
nulidade, que o acto “ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental”,
restringindo o seu campo de operacionalidade, o que só por si pressupõe por
parte do juiz uma análise muito rigorosa e exigente da ofensa do direito
ponderado. Não está em causa, apenas, a violação de um direito, mas a do seu
núcleo duro. Ora, no caso em apreço, ainda que se considerasse os invocados
direitos como “direitos análogos” parece‑nos evidente que a fixação de um
numerus clausus e as restantes medidas impostas (fruto do incumprimento daquela)
nunca assumiriam uma natureza tão dramática que agredisse o núcleo essencial
daqueles direitos. Assim, o artigo 30.º do EESPC – que prevê a fixação de vagas
para o ensino superior – não viola os referidos preceitos constitucionais, e o
acto que o aplicou não padece, neste âmbito, de qualquer ilegalidade e muito
menos geradora de nulidade.»
Da comparação entre a arguição de inconstitucionalidade formulada na
conclusão 1.ª das alegações da recorrente perante o tribunal recorrido e a
fundamentação do acórdão recorrido resulta a falta de coincidência entre a
dimensão normativa reputada inconstitucional pela recorrente e a dimensão
normativa aplicada, como ratio decidendi, pelo acórdão ora impugnado. Na
verdade, aquela consistia na interpretação do artigo 30.º do Estatuto do Ensino
Superior Particular e Cooperativo como permitindo «a redução do número de vagas
como forma de sancionar comportamentos das instituições», e o que do acórdão
recorrido resulta é ter sido considerado que o acto contenciosamente impugnado
não violava aquela disposição legal porque a decisão de redução do número de
vagas assentou essencial e determinantemente no reconhecimento da inadequação
das instalações e do equipamento previsto para o fim em vista. Isto é: a
inadequação das instalações e do equipamento, embora causada pela reiterada
ultrapassagem do número de vagas (infracção que a recorrente não contesta) é que
foi o motivo determinante do acto administrativo contenciosamente impugnado,
conforme as instâncias decidiram em sede de fixação da matéria de facto, que
constitui um dado da questão de inconstitucionalidade, insusceptível de ser
reapreciado por este Tribunal. Subjacente a este entendimento está, pois, uma
interpretação e aplicação do artigo 30.º do referido Estatuto diversa daquela
que a recorrente apodou de inconstitucional. O juízo quanto à validade do acto
de limitação do número de vagas não radica, contra o que pretende a recorrente,
numa interpretação do dito artigo 30.º que admitiria tal limitação como sanção
de comportamentos das instituições de ensino (no caso, como sanção da violação
reiterada do número máximo de vagas), mas antes numa interpretação da mesma
norma no sentido de que ela permite tal redução quando as instalações e os
equipamentos se mostrem inadequados para o número de alunos admitidos na época
anterior, aliás em excesso relativamente ao número autorizado.
Face ao exposto, atenta a falta de coincidência entre a dimensão normativa
arguida de inconstitucional pela recorrente e a dimensão normativa acolhida,
como ratio decidendi, pelo acórdão recorrido, o presente recurso surge, também
nesta parte, como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu
objecto. Conhecimento que, aliás, sempre seria inútil, pois um hipotético
provimento do recurso de constitucionalidade, com emissão de juízo de
inconstitucionalidade da dimensão normativa questionada pela recorrente, sempre
seria insusceptível de afectar o sentido da decisão recorrida, que – repete‑se –
assenta em diversa dimensão normativa, estranha ao objecto do presente recurso.
4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
1.2. A reclamação da recorrente apresenta a seguinte
fundamentação:
“1. Pela decisão sumária ora reclamada entendeu‑se não se conhecer do
recurso interposto pela ora reclamante para este Alto Tribunal, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, bem como da alínea f), reportada à
alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2. Salvo o devido respeito – que é muito – a ora reclamante não pode
concordar com a decisão sumária proferida.
Senão vejamos,
3. De acordo com a jurisprudência fixada por este Digníssimo Tribunal, a
admissão do recurso de inconstitucionalidade interposto ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC «(…) exige a verificação,
cumulativa, dos três requisitos de tal tipo de recursos de constitucionalidade:
suscitação, durante o processo, de uma inconstitucionalidade normativa;
aplicação dessa norma, com o sentido alegadamente inconstitucional, como
critério de decisão do caso; esgotamento prévio dos recursos ordinários à
disposição do recorrente» (cf. Acórdão n.º 490/98, proferido pela 1.ª Secção,
no âmbito do proc. n.º 757/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
4. Entendeu a douta decisão sumária ora reclamada que «(…) atenta a falta de
coincidência entre a dimensão normativa arguida de inconstitucional pela
recorrente e a dimensão normativa acolhida, como ratio decidendi, pelo acórdão
recorrido, o presente recurso surge, também nesta parte, como inadmissível, o
que determina o não conhecimento do seu objecto. (...)» (cf. fls. 8 e 9 da
decisão sumária).
Portanto, entende este Alto Tribunal que somente o segundo requisito
elencado não se encontra preenchido.
Ora, com tal entendimento sufragado, a ora reclamante não pode de modo algum
concordar.
5. Trata‑se aqui de uma fiscalização concreta da constitucionalidade por a
decisão recorrida – o douto Acórdão de 1 de Março de 2006, proferido pelo Pleno
da Secção do Supremo Tribunal Administrativo – ter aplicado «norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
6. É que a ora reclamante sempre alegou a inconstitucionalidade do artigo
30.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo (EESPC), por
desrespeito dos artigos 43.º, 73.º, 74.º e 76.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), quando interpretado no sentido de permitir a adopção de actos
de natureza sancionatória «(...) na medida em que permite a redução do número de
vagas como forma de sancionar comportamentos das instituições (...)» (cf. 1.ª
conclusão das alegações de recurso).
7. Sendo certo que a 1.ª conclusão das suas alegações de recurso vem resumir
o que a ora reclamante referiu na primeira questão jurídica invocada nas suas
alegações de recurso apresentadas perante o Pleno da Secção de Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.
8. Com efeito, a recorrente referiu expressamente o seguinte: «O artigo 30.º
do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo (EESPC) é
inconstitucional, na medida em que permite a redução do número de vagas como
forma de sancionar comportamentos, adoptados por instituições universitárias
privadas ou cooperativas, desconformes à lei. Sendo que a liberdade de aprender
e ensinar, enquanto manifestações do livre acesso ao ensino e à cultura e da
democratização da educação e do ensino (consagrados nos artigos 43.º, 73.º,
74.º e 76.º da Constituição da República Portuguesa) não permitem tal redução
com esse fim. Ora, tendo os actos recorridos aplicado tal norma inconstitucional
(precisamente no seu segmento que viola os preceitos constitucionais) violam o
conteúdo essencial de tais direitos fundamentais.» (cf. págs. 7 e 8 das
alegações de recurso).
9. Pelo que, a interpretação que a entidade requerida fez do artigo 30.º do
EESPC ao praticar os actos recorridos é inconstitucional, por violar os artigos
43.º, 73.º, 74.º e 76.º da Lei Fundamental.
Pois que, tal disposição foi interpretada no sentido de permitir a adopção
de actos de natureza sancionatória.
10. Sendo certo que foi essa mesma interpretação inconstitucional que veio a
ser acolhida pelo douto acórdão recorrido.
11. Ora, de acordo com a jurisprudência deste Alto Tribunal, «(…) suscitar
a inconstitucionalidade de uma norma implica imputar a desconformidade com a
Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de
administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quanto
muito, à norma numa determinada interpretação, que enformou tal acto ou decisão»
(sublinhado nosso; cf. Acórdão n.º 490/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
12. Na verdade, o acórdão recorrido pronunciou‑se sobre a interpretação das
normas que fundamentaram os actos recorridos.
13. Pelo que, encontra‑se igualmente preenchido o requisito da aplicação da
norma, com o sentido inconstitucional, como critério de decisão do caso,
justificando‑se, deste modo, o conhecimento por este Alto Tribunal da
inconstitucionalidade do artigo 30.º do EESPC, por violar o disposto nos
artigos 43.º, 73.º, 74.º e 76.º da Constituição da República Portuguesa.
14. Entendeu igualmente este Venerando Tribunal não conhecer da ilegalidade
suscitada (cf. fls. 5 da decisão sumária).
15. Com efeito, considera este Alto Tribunal que na sua 2.ª conclusão das
alegações de recurso apresentadas perante o Pleno da Secção de Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo «(…) a recorrente não suscita
nenhuma questão de ilegalidade normativa, por pretensa violação de lei com valor
reforçado (...)» (cf. fls. 5 da decisão sumária).
16. Sucede que, também esta 2.ª conclusão resume o que foi alegado na 1.ª e
2.ª questões jurídicas invocadas nas alegações de recurso apresentadas pela
recorrente perante o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo
Tribunal Administrativo.
17. É que a ora reclamante sempre alegou ao longo de todo o processo a
ilegalidade do artigo 30.º do EESPC, por violar o disposto no artigo 12.º, n.º
4, da Lei de Bases do Sistema Educativo.
18. Com efeito, a ora reclamante nas suas alegações de recurso referiu o
seguinte: «O artigo 30.º do EESPC é ilegal, por violar o disposto no artigo
12.º, n.º 4, da Lei de Bases do Sistema Educativo, na medida em que esta impõe a
progressiva eliminação das restrições quantitativas de carácter global no acesso
ao ensino superior (...). Os actos recorridos são ilegais na medida em que o
numerus clausus constituiu uma limitação aos direitos constitucionais
consagrados nos artigos 43.º, 74.º e 76.º da Constituição, aos quais é aplicável
o regime dos artigos 17.º e 18.º, n.º 3, da Lei Fundamental (...)» (cf. pág. 8
das alegações de recurso).
19. Deste modo, é igualmente patente que foi suscitada a questão da
ilegalidade normativa do artigo 30.º do EESPC, por violar o artigo 12.º, n.º 4,
da Lei de Bases do Sistema Educativo, como lei de valor reforçado que é.
20. Posto o que, também deverá este Alto Tribunal conhecer da questão da
ilegalidade suscitada, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1, reportada à
alínea c) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC.
Nestes termos,
Deverá ser admitida a presente reclamação, devendo, em consequência, ser
apreciada a questão da inconstitucionalidade do artigo 30.º do EESPC, ao abrigo
do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, bem como a sua
ilegalidade por violação do disposto no n.º 4 do artigo 12.º da Lei de Bases do
Sistema Educativo, ao abrigo da alínea f) do n.º 1, reportada à alínea c) do n.º
1, do artigo 70.º da L.T.C., devendo os presentes autos prosseguirem os seus
ulteriores termos legais.”
1.3. O recorrido (Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior), notificado da reclamação da recorrente, apresentou a seguinte
resposta:
“1. Na douta Decisão Sumária proferida pelo Ex.mo Senhor Conselheiro
Relator decidiu‑se não conhecer do objecto do recurso no atinente à pretensa
inconstitucionalidade do artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e
Cooperativo, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 16/94, de 12 de Janeiro, com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 37/94, de 11 de Novembro, e pelo
Decreto‑Lei n.º 94/99, de 23 de Março, com fundamento na «... falta de
coincidência entre a dimensão normativa arguida de inconstitucional pela
recorrente e a dimensão normativa acolhida, como ratio decidendi, pelo acórdão
recorrido».
Decidiu‑se também não conhecer do objecto do recurso no atinente à pretensa
ilegalidade do mesmo artigo 30.º, por violação do disposto no artigo 12.º, n.º
4, da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de
Outubro, alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º
49/2005, de 30 de Agosto.
2. No requerimento de interposição do recurso, a reclamante afirmou ter
alegado a inconstitucionalidade da indicada norma na conclusão 1.ª das suas
alegações.
Nesta conclusão, afirma‑se a alegada inconstitucionalidade «... na medida em
que permite a redução do número de vagas como forma de sancionar comportamentos
das instituições …», por desrespeito dos artigos 43.º, 73.º, 74.º e 76.º da
Constituição.
Sucede, porém, que tal como se decidiu na douta Decisão Sumária, a «...
decisão de redução do número de vagas assentou essencial e determinantemente no
reconhecimento da inadequação das instalações e do equipamento previsto para o
fim em vista. Isto é: a inadequação das instalações e do equipamento, embora
causada pela reiterada ultrapassagem do número de vagas (infracção que a
recorrente não contesta), é que foi o motivo determinante do acto
administrativo contenciosamente impugnado, conforme as instâncias decidiram em
sede de fixação da matéria de facto, que constitui um dado da questão da
inconstitucionalidade, insusceptível de ser reapreciado por este Tribunal.
Subjacente a este entendimento está, pois, uma interpretação e aplicação do
artigo 30.º do referido Estatuto diversa daquela que a recorrente apodou de
inconstitucional. O juízo quanto à validade do acto de limitação do número de
vagas não radica, contra o que pretende a recorrente, numa interpretação do
dito artigo 30.º que admitiria tal limitação como sanção de comportamentos das
instituições de ensino (no caso, como sanção da violação reiterada do número
máximo de vagas), mas antes numa interpretação da mesma norma no sentido de que
ela permite tal redução quando as instalações e os equipamentos se mostrem
inadequados para o número de alunos admitidos na época anterior, aliás em
excesso relativamente ao número autorizado» (Decisão Sumária, pág. 8).
3. Resumindo, resulta da matéria de facto provada, que não pode estar em
crise neste recurso, que a imposta redução do número de alunos não é qualquer
sanção pelo desrespeito do número de vagas fixado em anos anteriores, mas o
remédio possível para obviar aos inconvenientes derivados da frequência de um
curso por alunos em número muito superior àquele que o corpo docente e as
instalações que lhe estão afectos permitiria.
Não se trata assim de qualquer sanção.
Em consequência, o artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e
Cooperativo não foi interpretado no sentido de permitir a redução do número de
vagas para determinado curso superior como sanção pelo excesso reiterado, nos
anos lectivos anteriores, dos limites fixados.
Não tendo sido interpretado neste sentido, por nenhuma sanção ter sido
aplicada, é manifestamente inútil apurar se esta interpretação viola a
Constituição. Nas decisões judiciais aplica‑se o Direito a casos concretos e
não a casos hipotéticos.
4. Obviamente esta constatação não contende com a afirmação da reclamante
de que «o Acórdão recorrido se pronunciou sobre a interpretação das normas que
fundamentaram os actos recorridos» (citada Reclamação, n.º 12).
Salvo o devido respeito, não está em causa a interpretação das normas, pois
o recurso para o Tribunal Constitucional não tem por objecto a decisão judicial
recorrida. Em causa teria pois de estar, e manifestamente não está, a
conformidade constitucional de normas.
5. Por outro lado, pela douta Decisão Sumária colocada em crise na
reclamação sob resposta decidiu‑se também não conhecer da pretensa ilegalidade
do mesmo artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo,
desta vez por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 4, da Lei de Bases do
Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º
49/2005, de 30 de Agosto, que, no requerimento de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional, a reclamante afirma ter alegado na conclusão 2.ª das
suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Porém, tal como se decidiu na douta Decisão Sumária, da mera leitura da
conclusão 2.ª resulta evidente que nela não é suscitada «... nenhuma questão de
ilegalidade normativa, por pretensa violação de lei com valor reforçado,
limitando‑se a imputar directamente à própria decisão judicial então impugnada,
em si mesma considerada, errada interpretação e aplicação do artigo 12.º, n.º 4,
da Lei de Bases do Sistema Educativo, o que é insusceptível de integrar objecto
adequado de recurso para o Tribunal Constitucional» (Decisão Sumária, pág. 5).
6. A reclamante insurge‑se contra esta decisão, afirmando ter referido no
corpo das suas alegações que a citada norma é ilegal.
Porém, no lugar que indica, a página 8, não o fez. Escreveu, mas na página
9, que «o artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo é
inconstitucional, com a interpretação consagrada nos actos recorridos, bem como
ilegal por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 4, da Lei de Bases do
Sistema Educativo, sendo os actos recorridos nulos por ofensa do conteúdo
essencial dos direitos fundamentais contido nos artigos 43.º, 74.º e 76.º da
Constituição da República Portuguesa, nos termos do disposto na alínea d) do
n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo».
7. Como é jurisprudência unânime, tanto quanto se conhece, «É pelas
conclusões das alegações que fica delimitado o âmbito objectivo do recurso, não
sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões (a não ser que se trate
de questões de conhecimento oficioso) que se não mostrem contidas nas mesmas»
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Junho de 1993, processo n.º
083209, em www.dgsi.mj.pt).
Afigura‑se também ser adquirido que «o recurso para o TC pressupõe (...) que
o tribunal recorrido tenha formado sobre a norma aplicada um juízo de
constitucionalidade, um juízo que constitua a ratio decidendi da decisão e não
um simples obiter dictum. E isso implica que a questão de constitucionalidade
tenha de ser colocada em termos de aquele tribunal saber que tem essa questão
para resolver – o que requer que a mesma seja colocada de forma atempada, clara
e perceptível (Acórdãos n.ºs 269/94, 560/94, 102/95, 126/95, 155/95 e 595/96). É
que esta exigência de a questão ser suscitada antes de se ter esgotado o poder
jurisdicional da instância recorrida visa a obtenção de uma decisão susceptível
de ser impugnada perante o TC, de forma a evitar que este, ao conhecer da
questão sem a certeza de a mesma ter sido pelo menos implicitamente ponderada,
se substitua à instância recorrida, desta forma ultrapassando os seus poderes de
cognição e desnaturando o próprio sentido de recurso, que é a reavaliação de
anterior decisão» (Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito
Processual Constitucional, Coimbra Editora, 1997, pág. 42).
Em consequência, importa concluir que a questão não foi suscitada durante o
processo, não se verificando, por isso, o requisito exigido pelo artigo 72.º,
n.º 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
8. Porém, sempre se dirá, sem conceder, tivesse a questão sido incluída
entre as conclusões da alegação que instruiu o recurso, ou seja, suscitada de
modo processualmente adequado, valeriam então os mesmos argumentos usados para
afastar o conhecimento da constitucionalidade do artigo 30.º do Estatuto do
Ensino Superior Particular e Cooperativo, porquanto a reclamante alega o vício
da ilegalidade por violação do artigo 12.º da Lei de Bases do Sistema Educativo
com o mesmo pressuposto com que alegou a sua inconstitucionalidade: o
(inexistente) carácter sancionatório da redução do número de vagas.
Conforme se escreveu no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,
de 1 de Março de 2006, conhecendo da conclusão 2.ª das alegações que instruíram
o recurso, «Como se viu, por outro lado, este acto fundou‑se na violação
sistemática do numerus clausus, o que levou a um excesso de alunos e à
insuficiência de salas e equipamentos. Visou, pois, reduzir progressivamente o
número excessivo de alunos e reconduzi‑lo aos números autorizados. As medidas
contidas no acto não visaram, portanto, sancionar, punir, comportamentos ou
atitudes, mas recolocar pela via administrativa, embora faseadamente, a situação
no seu devido lugar – o que, todavia, só daqui a alguns anos se logrará
conseguir – e em que sempre deveria ter estado se não fossem as transgressões
sistemáticas da recorrente nos procedimentos de admissão de alunos. Tratou‑se,
inquestionavelmente, de medidas administrativas que procuraram regulamentar uma
realidade que se mostrava desregulada e que os entes administrativos públicos
competentes não podiam ignorar» (citado Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal
Administrativo, a fls.., págs. 19‑20).
9. Ou seja, mais uma vez, decidiu‑se que o acto impugnado não tem carácter
sancionatório, destinando‑se antes a corrigir a situação criada pela recorrente
ao admitir um número manifestamente excessivo de alunos sem para o efeito dispor
das necessárias condições, em instalações e corpo docente.
Não tendo o acto carácter sancionatório, não há que conhecer se a
interpretação segundo a qual o artigo 30.º do Estatuto do Ensino Superior
Particular e Cooperativo permite a redução do número de vagas a um curso
superior como sanção pela admissão de alunos em excesso viola o disposto no
artigo 12.º da Lei de Bases do Sistema Educativo.
E não há que conhecer, pela óbvia razão de que o acórdão recorrido nem
tratou desse problema, nem podia tratar e, por isso, também não acolheu a
interpretação alegadamente ilegal.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2.1. No que respeita à parte do recurso tendo por objecto a
questão de inconstitucionalidade, o fundamento do não conhecimento, constante
da Decisão Sumária ora reclamada, não respeitou a falta ou deficiência de
suscitação da questão pela reclamante perante o tribunal recorrido, mas sim à
constatação de o acórdão impugnado não ter feito aplicação da dimensão
normativa arguida de inconstitucional, como se demonstrou transcrevendo
pertinentes excertos dessa decisão. A recorrente, no n.º 10 da sua reclamação,
limita‑se a afirmar – sem sequer ensaiar demonstrar – que a interpretação
normativa questionada “veio a ser acolhida pelo douto acórdão recorrido”.
Tal, porém, não corresponde à realidade. Como se
demonstrara na Decisão Sumária ora reclamada e a resposta do recorrido reitera,
o acórdão recorrido, para confirmar a legalidade do despacho do Ministro da
Ciência e do Ensino Superior, de 29 de Julho de 2003, contenciosamente
impugnado, julgou‑o conforme ao artigo 30.º do EESPC, interpretado, não como
permitindo “a redução do número de vagas como forma de sancionar comportamentos,
adoptados por instituições universitárias privadas ou cooperativas, desconformes
à lei” (dimensão normativa arguida de inconstitucional pela recorrente), mas sim
como consentindo “tal redução quando as instalações e os equipamentos se mostrem
inadequados para o número de alunos admitidos na época anterior, aliás em
excesso relativamente ao número autorizado”.
A falta de coincidência entre a dimensão normativa arguida
de inconstitucional pela recorrente e a dimensão efectivamente aplicada, como
ratio decidendi, pelo acórdão recorrido, determina o não conhecimento desta
parte do recurso.
2.2. No que concerne à parte do recurso tendo por objecto a
questão de ilegalidade, a recorrente implicitamente admite que no local por ela
indicado como sendo aquele em que teria suscitado a questão (a conclusão 2.ª da
sua alegação para o Pleno da 1.ª Secção do STA), ela – como se afirmou na
Decisão Sumária reclamada – “não suscit[ou] nenhuma questão de ilegalidade
normativa, por pretensa violação de lei com valor reforçado, limitando‑se a
imputar directamente à própria decisão judicial então impugnada, em si mesma
considerada, errada interpretação e aplicação do artigo 12.º, n.º 4, da Lei de
Bases do Sistema Educativo, o que é insusceptível de integrar objecto adequado
de recurso para o Tribunal Constitucional”.
Vem agora a recorrente afirmar que tal questão foi
suscitada no teor da sua alegação.
Mesmo admitindo esta “correcção”, interessa reproduzir na
íntegra a passagem que a reclamante só parcialmente transcreveu. Lê‑se no n.º 1
da parte I da referida alegação:
“O artigo 30.º do EESPC é ilegal, por violar o disposto no artigo 12.º, n.º
4, da Lei de Bases do Sistema Educativo, na medida em que esta impõe a
progressiva eliminação das restrições quantitativas de carácter global no acesso
ao ensino superior (numerus clausus), com duas únicas limitações:
– Adequação às necessidades do país em quadros qualificados;
– Garantia da qualidade do ensino ministrado.
O escopo dos actos recorridos, na aplicação do artigo 30.º do EESPC, não
passa pela defesa da qualidade de ensino, mas sim pela aplicação de uma sanção à
recorrente, por esta não ter respeitado o número de vagas.
Os actos recorridos são ilegais na medida em que o numerus clausus
constitui uma limitação aos direitos constitucionais consagrados nos artigos
43.º, 74.º e 76.º da Constituição, aos quais é aplicável o regime dos artigos
17.º e 18.º, n.º 3, da Lei Fundamental, pelo que qualquer restrição se deve ater
ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. Assim, qualquer interpretação no sentido de
maximizar esta possibilidade de restrição terá também que ancorar‑se naqueles
direitos ou interesses, o que não sucede nos actos recorridos.”
Como se constata, também nesta sede a recorrente insiste em
atribuir ao acto contenciosamente recorrido uma natureza sancionatória, que o
acórdão impugnado – em sede de interpretação desse acto, que este Tribunal não
pode reapreciar – não lhe reconheceu, pelo que é transponível para aqui o
fundamento do não conhecimento da questão de inconstitucionalidade: falta de
coincidência entre as dimensões normativas impugnada e aplicada.
Ao que acresce que sempre a questão de ilegalidade, por
pretensa violação de lei com valor reforçado, seria de considerar manifestamente
infundada, já que a Lei de Bases do Sistema Educativo, no artigo 12.º, n.º 4,
expressamente prevê como limitação à progressiva eliminação do numerus clausus a
“garantia de qualidade do ensino ministrado”, requisito este que o acórdão
recorrido considerou ter sido prosseguido com a redução do número de vagas
autorizadas, imposta pela detectada insuficiência das instalações e dos
equipamentos da recorrente.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Junho de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060352.html ]