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Processo n.º 290/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 9 de Maio
de 2006, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade
por ela interposto e condená-la em custas, com sete unidades de conta de taxa de
justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Por acórdão de 7 de Março de 2003 da 2.ª Vara Criminal da Comarca do Porto,
foi A., melhor identificada nos autos, condenada pela prática de um crime
continuado de abuso de confiança – previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2, do
Código Penal, e pelo artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções
Tributárias – na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução na
condição de pagar a quantia total de € 871.297,10, correspondente ao montante de
IRS e IVA em dívida.
A arguida recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão
recorrida no seu acórdão de 12 de Novembro de 2003.
Em requerimento que deu entrada nesse tribunal no dia 9 de Dezembro de 2003, a
arguida veio arguir nulidades do referido acórdão e, em simultâneo, interpor
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Foram-lhe emitidas guias, nos termos
do n.º 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil. Mas a arguida invocou que
“as suas alegações, com motivação, foram apresentadas dentro do prazo legal,
pelo que não pode ser multada”.
O Desembargador-relator proferiu despacho em que esclareceu: a secção passou
guias para o pagamento da multa considerado o prazo de 10 dias para a arguição
de nulidades (artigo 115.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), ao passo que a
recorrente pretendera recorrer, arguindo nesse recurso nulidades do acórdão
(artigo 379.º, n.º 2, do mesmo Código), no prazo de 15 dias previsto na lei
(artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Posteriormente, e não tendo
havido reacção ao anterior despacho, decidiu não admitir o recurso, por a
decisão impugnada ter confirmado decisão de 1.ª instância e por respeitar a
crime a que era aplicável pena de prisão não superior a oito anos.
A arguida dirigiu-se de novo ao Tribunal da Relação do Porto (aos
“Desembargadores da 1.ª Secção Criminal”) para requerer “o cumprimento do
disposto no n.º 2 do artigo 420.º do C.P.C.”, já que o “recurso interposto pela
ora recorrente, no exame preliminar do Ex.m.º Senhor Relator, foi rejeitado nos
termos da alínea c) do n.º 3 do art.º 417.º e n.º 1 do art.º 420.º, ambos do
C.P.P.”, o que exigiria “unanimidade de votos, o que não foi feito”.
Por despacho de 17 de Março de 2004, o Desembargador-relator decidiu o seguinte
quanto a este requerimento, de que o Ministério Público confessara “não capta[r]
o sentido”:
“O acórdão desta Relação já transitou, tendo já há muito precludido o direito de
serem arguidas nulidades ou irregularidades do mesmo.
Ainda assim, dir-se-á o seguinte:
O requerimento de fls. 542 é incompreensível.
Primeiro, porque o recurso não foi decidido em conferência, mas em audiência.
Depois, não foi rejeitado.
Finalmente, houve unanimidade.
Assim, indefere-se o recorrido.”
Reclamou então a arguida para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
tendo, por despacho de 27 de Maio de 2004 do seu Vice-Presidente, sido
indeferida tal reclamação, sustentada na confusão entre “a rejeição do recurso”
e o “despacho que não admite recurso”, como advertira o Desembargador-relator no
seu despacho de sustentação. Escreveu-se então naquele Supremo Tribunal:
“O despacho que não admite o recurso para o tribunal superior é proferido pelo
relator do processo, e só por ele, e rege-se pelo disposto no art.º 414.º, n.º
2, do C.P.P., e não pelo art.º 420.º do mesmo Código, que se reporta à rejeição
em conferência de recurso anteriormente admitido no tribunal a quo.”
Porque no mesmo despacho se aludiu ao n.º 2 do artigo 400.º do Código de
Processo Penal, veio a arguida pedir aclaração da interpretação de tal norma e
invocar a inconstitucionalidade da mesma – embora, no despacho, tivesse sido
considerada inaplicável, já que implicava um pedido cível que inexistira no
caso.
Por despacho de 1 de Julho de 2004, tal pretensão foi desatendida, invocando-se,
aliás, os acórdãos n.ºs 201/94, 429/99 e 183/2001 do Tribunal Constitucional.
2. A arguida apresentou então recurso para o Tribunal Constitucional, omitindo a
alínea e número do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da
qual o recurso era interposto. O recurso não foi admitido “por a norma do art.º
400.º, n.º 2, do C.P.P. não ter sido aplicada na decisão impugnada, o que
inviabiliza qualquer julgamento sobre ela por parte do T.C.”.
De tal decisão de 6 de Outubro de 2004 reclamou a arguida para o Tribunal
Constitucional, pedindo, em simultâneo, “esclarecimento” sobre tal norma já que
“o não ter sido aplicada não significa que a mesma não poderia ou deveria ter
sido aplicada.
A reclamante nas suas alegações para o Tribunal Constitucional pretende colocar
a questão, se os montantes em dívida referentes a IRS e IVA consubstanciam, ou
não, um pedido cível, e se sim, se na sua óptica o Tribunal não violou o
disposto no n.º 2 do art.º 400.º do C.P.P, por não ter admitido o seu recurso.”
Pelo acórdão n.º 687/2004, proferido em 30 de Novembro de 2004, foi tal
reclamação indeferida. A arguida pediu aclaração de tal decisão, pedido que foi
indeferido pelo acórdão n.º 711/2004, proferido em 21 de Dezembro de 2004.
3. Regressado o processo ao Tribunal da Relação do Porto, a arguida apresentou
novo recurso para o Tribunal Constitucional em 25 de Janeiro de 2005,
“ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e n.ºs 2, 3 e 4, 71.º, n.º 1,
alínea b), e n.º 2, e artigo 75.º, n.º 1, da referida lei [Lei do Tribunal
Constitucional], por inconstitucionalidade e ilegalidade das normas que aplicam
a condição constante do acórdão que é violadora do disposto no art.º 50.º do
Código Penal e no art.º 14.º, n.º 1, do RGIT.”
Apesar de admitido o recurso em 9 de Fevereiro de 2005, não é possível conhecer
dele, razão pela qual se profere decisão ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei do Tribunal Constitucional.
II. Fundamentos
4. Para a inadmissibilidade do presente recurso é, além do mais, decisivo o
facto de se ter deixado transitar em julgado a decisão que se pretendia impugnar
– e que, embora não identificada no requerimento de interposição de recurso
(“acórdão de fls.,”) só pode ser, quer pela sequência processual que se deixou
relatada, quer pelas normas visadas pelo requerimento de interposição do
recurso, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2003.
Ora, além de haver um despacho do Desembargador-relator do Tribunal da Relação
do Porto a afirmar o trânsito em julgado desse acórdão (o despacho de 17 de
Março de 2004 que acima se transcreveu), despacho esse que não foi impugnado, o
facto é que o acórdão do Tribunal Constitucional que pôs termo à sequência de
recursos e reclamações que foram enxertados nos autos a partir desse acórdão foi
notificado ao recorrente em 21 de Dezembro de 2004. Na medida em que o recurso
interposto do referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto só deu entrada
nesse Tribunal em 25 de Janeiro de 2005 (enviado às 22h53m do dia anterior, por
correio electrónico), também por essa razão se concluiria pela extemporaneidade
do recurso pretendido interpor.
Vale a pena explanar melhor estas duas ordens de razões.
5. Comecemos pela extemporaneidade do recurso. Um tão alargado prazo entre a
notificação da decisão e a apresentação de um requerimento de interposição de
recurso que não identificou sequer nem o acórdão de que se pretendia recorrer –
a não ser, indirectamente, pelo seu “conteúdo” em termos de normas jurídicas a
impugnar –, nem as normas constitucionais que serviriam de parâmetro à avaliação
do Tribunal, só pode entender-se a partir de uma certa leitura do n.º 2 do
artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional.
De facto, é possível que o trecho dessa norma que alude “ao momento em que se
torna definitiva a decisão que não admite recurso” tenha sido, e – admite-se –
possa ser entendida como “trânsito em julgado da decisão”. Uma vez que o
trânsito em julgado do acórdão n.º 687/2004 do Tribunal Constitucional (já
considerada a dilação decorrente do pedido de aclaração decidido pelo acórdão
n.º 711/2004 do mesmo Tribunal) ocorreu em 13 de Janeiro de 2005 (como se
certifica a fls. 737 dos autos), a interposição do recurso, por correio
electrónico, na noite do dia 24, faria sentido.
Uma tal interpretação da lei é, porém, manifestamente inadequada. Por um lado,
porque ao trânsito em julgado da decisão que não conheça do recurso com
fundamento em irrecorribilidade corresponde (excepto em casos anómalos em que a
decisão recorrida já tenha transitado, sendo tal recurso, além de inadmissível,
extemporâneo) o trânsito em julgado da decisão que dele estava dependente. Ora,
transitada em julgado uma decisão, o único recurso admissível é o de revisão
(artigo 771.º do Código de Processo Civil, e apenas com qualquer dos fundamentos
aí enunciados). Por outro lado, porque não é isso que resulta da letra do n.º 2
do artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, letra essa que é o único
arrimo dessa possível – mas inadequada – interpretação. A norma não fala em
“trânsito em julgado” da decisão, mas sim em ter‑se ela tornado “definitiva”.
Ora, definitiva é a decisão da conferência (artigo 77.º da Lei do Tribunal
Constitucional) que indefira a reclamação quanto à não admissão do recurso de
constitucionalidade com fundamento em inaplicabilidade da norma. A própria
aclaração que foi pedida de tal decisão, tendo embora implicações no trânsito
dessa decisão, não interfere na sua definitividade.
É certo que na jurisprudência constitucional se encontra alguma oscilação quanto
a este entendimento. Assim, enquanto que, por exemplo, no acórdão n.º 269/91,
publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., págs. 641-645, se
considerou que um “requerimento-reclamação”, por ser “em si mesmo inadmissível,
não poderá ser considerado como ‘recurso ordinário’ para efeitos de interrupção
ou suspensão do prazo de interposição do recurso para este Tribunal”, no acórdão
n.º 181/93 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., págs.
485-494), admitiu-se que quando se interpõe recurso ordinário “de uma decisão
que aplicou norma arguida de inconstitucional durante o processo (…) e esse
recurso não é admitido com fundamento em que ela é irrecorrível, o prazo para
recorrer dessa decisão para o Tribunal Constitucional não se conta da sua
notificação, mas antes do ‘momento em que se torne definitiva a decisão que não
admita o recurso’ ordinário que se quis interpor na respectiva ordem judiciária
(cfr. artigo 75.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional)”.
Nos termos do primeiro aresto, o regime do n.º 2 do artigo 75.º da Lei do
Tribunal Constitucional valeria apenas para situações não ostensivas de
inadmissibilidade do recurso – que, de outro modo, poderia ser intentado com
efeitos puramente dilatórios do prazo (prazo de) recurso para o Tribunal
Constitucional. Nos termos da segunda decisão, a definitividade é dissociada da
notificação, se bem que também não seja feita corresponder ao trânsito em
julgado. Mesmo admitindo que o precedente a invocar seria, no caso dos autos,
mais o segundo do que o primeiro, ainda assim se não confirmava a interpretação
a que se fez referência (que defende a equivalência entre definitividade da
decisão e de trânsito). E isto desde logo por razões intrínsecas a esse
precedente: por um lado, alude ele a um “recurso ordinário” (que é a expressão
da norma legal invocada); por outro lado, é expresso a mencionar a não admissão
do recurso “na respectiva ordem judiciária”.
Ora, uma reclamação para o Tribunal Constitucional (de um despacho que já não
admitira o recurso para este Tribunal interposto), mesmo sendo considerado um
“recurso ordinário” para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 75.º da Lei do
Tribunal Constitucional não o era certamente “na respectiva ordem judiciária”.
Desconsiderando ambos os aparentes precedentes (embora não custasse fazer
corresponder a enjeitada reclamação para o Tribunal Constitucional, pelas razões
constantes do acórdão n.º 687/2004, a uma ostensiva e manifesta
inadmissibilidade radical, insusceptível de ser invocada para “efeitos de
interrupção ou suspensão do prazo de interposição do recurso para este
Tribunal”), não basta, de todo o modo, a previsão normativa do referido n.º 2 do
artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional. Mesmo não reeditando o primeiro
argumento invocado contra este entendimento (o de que transitada em julgado a
decisão que não conheceu do recurso com fundamento em inconstitucionalidade
transita também a decisão de que se pretende recorrer, tornando‑a susceptível,
apenas, de recurso de revisão), opõe-se-lhe um outro, menos definitivo, mas,
teleologicamente, igualmente convincente:
Suponha-se que, de duas decisões com idêntica aplicação de uma norma, impugnada
durante os processos, quanto à sua conformidade constitucional, uma é alvo de
recurso que, sendo admissível, é decidido e notificado ao recorrente enquanto em
outra, sendo primeiro alvo de recurso inadmissível, é também notificada a
decisão da reclamação indeferida pelo Presidente do tribunal ad quem. Nesta
situação, o referido entendimento da definitividade, a que alude a norma (como
trânsito em julgado), implicaria ser mais dilatado o prazo para recorrer de uma
decisão objecto de recurso inadmissível (porque só contado a partir do trânsito
da decisão que tivesse certificado – no caso, até depois de uma decisão de
aclaração infundadamente solicitada – essa inadmissibilidade do recurso) do que
de outra decisão (posto que idêntica para efeitos de controlo de
constitucionalidade), que tivesse julgado o recurso (porque o prazo para
interposição do recurso teria o seu início na data da sua notificação).
6. Seja como for, e como se disse, a extemporaneidade do recurso decorrente do
trânsito em julgado da reclamação apresentada para o Tribunal Constitucional é
apenas uma das razões que concorre para não se pode tomar conhecimento do
recurso. É que, face à manifesta e ostensiva inviabilidade do recurso de
constitucionalidade pretendido interpor (e, poder-se-ia acrescentar, ao
entendimento seguido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 269/91, já
citado), houve um despacho certificativo do trânsito em julgado da decisão em
causa, como se deixou relatado. Ora, não tendo tal despacho sido impugnado nessa
parte, também por essa via se chega – decisivamente - à conclusão no sentido da
não admissibilidade do presente recurso (recurso, aliás, que, ainda que fosse
admitido, seria com certeza sumariamente decidido em sentido contrário à
pretensão da recorrente pelas razões constantes do acórdão n.º 54/2004,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e dos restantes acórdãos aí
referidos).»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
“A., recorrente nos autos de processo n.º 209/05, da 2.ª Secção, notificada da
decisão que lhe indeferiu o recurso vem, nos termos do n.º 3 do art.º 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requerer a submissão da questão à apreciação
da Conferência, de forma a que sobre ela recaia um acórdão.”
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
pela seguinte forma à reclamação:
“1 – A presente reclamação, deduzida sem que o reclamante trate sequer de
enunciar as razões por que pretende impugnar a decisão reclamada, é
manifestamente improcedente.
2 – Pelo que deverá confirmar-se, por inteiro, aquela decisão.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Adianta-se desde já que a presente reclamação é improcedente.
Nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional “[d]a
decisão sumária do relator pode reclamar-se para a conferência (…)”. A
possibilidade de reclamação visa possibilitar ao recorrente ver apreciado o seu
requerimento de recurso por uma formação decisória não singular, e pode
admitir-se que essa reclamação deva ser apreciada ainda que dela não constem
específicas razões pelas quais o reclamante entende dever ser diverso o sentido
da decisão tomada pelo relator, a analisar pela conferência.
No presente caso, a reclamante não indica as razões da sua discordância com a
decisão sumária de 9 de Maio de 2006, antes se limita a requerer “a submissão da
questão à apreciação da Conferência, de forma a que sobre ela recaia um
acórdão”. Tal não impedirá, todavia, a reponderação dos fundamentos em que
assentou a decisão reclamada.
Procedendo a essa reponderação, não se detecta qualquer ponto que não deva ser
confirmado. Pelo que, nada se acrescentando, em argumentação, a presente
reclamação deve ser indeferida, confirmando-se a decisão reclamada.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e,
consequentemente, condenar a reclamante em custas, com 20 ( vinte
) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 27 de
Junho de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
(votei a confirmação da decisão sumária pelo fundamento constante do seu n.º 6)
Rui Manuel Moura Ramos