Imprimir acórdão
Processo nº 956/2005.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 3 de Abril de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
“1. Da deliberação tomada em 25 de Janeiro de 2005 pelo
Conselho Superior da Magistratura e por intermédio da qual lhe foi aplicada a
pena de advertência registada, recorreu contenciosamente para o Supremo Tribunal
de Justiça o Licº A..
Na petição de recurso, o impugnante, inter alia e para o
que ora releva, fez escrever: –
‘(…)
A) a nulidade do acórdão
recorrido decorre da circunstância de não ter sido dado cumprimento pelo CSM ao
disposto no n.º 5 do art.º 85.º do EMJ; aliás, no presente caso, não foi sequer
nomeado, como o deveria ter sido, um inspector judicial perante o qual o arguido
pudesse apresentar a sua defesa – não podendo considerar-se que a resposta dada
pelo ora recorrente directamente ao CSM é suficiente para suprir essa nulidade
insanável; e, efectivamente, um tal entendimento será não apenas ilegal como
inconstitucional por violação do direito do arguido a um julgamento leal e
mediante processo equitativo (direito esse que está garantido pelos artºs 20º
n.º 4 da Constituição da República e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950), inconstitucionalidade essa
que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
(…)
E) A interpretação do art.º 3º do
EDFAACRL. aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de Janeiro, feita no acórdão
recorrido é inconstitucional, por violação do disposto nos artºs 17º, 18º nºs 1
e 2, 37º n.º 1, 9º b) e 48º n.º 1 da Constituição da República e 10º, nºs 1 e 2,
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro
de 1950 (sendo esta Convenção aplicável em todos os casos ex vi art.º 8º n.º 2
da Constituição da República).
(…)
9º
No n.º 5 do art.º 85º do EMJ está
escrito o seguinte: ‘No caso a que se refere o número anterior é notificado ao
arguido o relatório do inspector judicial’.
10º
Por sua vez, no n.º 4 do art.º
85º do EMJ está escrito que: ‘A pena prevista na alínea a) do n.º 1
(‘Advertência’) pode ser aplicada independentemente de processo, desde que com
audiência e possibilidade de defesa do arguido, e não ser sujeita a registo’.
11º
Ou seja, das disposições
conjugadas destes dois normativos resulta, com uma incontornável clareza, que a
pena de advertência, registada ou não, pode ser aplicada sem precedência de
processo disciplinar, mas nunca sem que a defesa do arguido seja realizada
perante um inspector judicial que, depois de ouvir o arguido, (com audiência e
possibilidade de defesa – sublinha-se), apresentará relatório ao qual este terá
hipótese de responder no prazo que esse inspector judicial lhe fixar.
(…)
12º
Ora, nada disto se passou no
processado dos autos, neles não tendo sido realizada qualquer dessas diligências
supra descritas e expressamente previstas na Lei aplicável, o que constitui a
prática de nulidade insuprível, vício de forma que aqui expressamente se invoca.
13º
E, é convicção do ora recorrente,
que um qualquer entendimento diverso do supra enunciado será não apenas ilegal
como inconstitucional por violação do direito do arguido a um julgamento leal e
mediante processo equitativo (direito esse que está garantido pelos artºs 20º
n.º 4 da Constituição da República e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950), inconstitucionalidade essa
que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
(…)
16º
No acórdão recorrido, para
justificar a existência de um dever de correcção a que o ora recorrente estaria
vinculado, faz-se apelo ao disposto nos nºs 4 f) e 10 do art.º 3º do EDFAACRL,
aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de Janeiro (dever esse que é definido nos
seguintes termos: ‘O dever de correcção consiste em tratar com respeito quer os
utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superiores
hierárquicos’).
17º
Aparentemente, para o CSM é este
o conceito de ‘dever de correcção’. E em que categoria se integrará,
relativamente a um Juiz Desembargador, S. Ex.ª o Senhor Procurador Geral da
República? Será um utente dos serviços públicos? Ou um colega? Ou será que, para
o CSM, é um superior hierárquico?
18º
É verdade que o art.º 131º do EMJ
permite a aplicação subsidiária, em matéria disciplinar, do EDFAACRL, mas não a
estes extremos; é que um tal conceito é incompatível, ele sim, com o elenco de
deveres e direitos que estão estabelecidos para os Ju[í]zes quer na Constituição
da República (artºs 202º a 205º, 215º e 216º) quer no próprio EMJ, mais não seja
porque os Ju[í]zes não têm superiores hierárquicos e não são ‘colegas’ dos
Magistrados do Ministério Público (artºs 215º e 219º da Constituição da
República).
(…)
27º
E fê-lo convicto de que se
limitou a ter, como cidadão livre que é, uma participação democrática na
resolução de um gravíssimo problema nacional – a crise do sistema de Justiça
(artºs 9º c) e 48º n.º 1 da Constituição da República) – e a actuar no exercício
de um dos seus deveres, em concreto, o previsto nas disposições conjugadas dos
nºs 3 e 8 do art.º 3º do ESTATUTO DISCIPLINAR DOS FUNCIONÁRIOS E AGENTES DA
ADMINISTRAÇÃO CENTRAL, REGIONAL E LOCAL (EDFAACRL) aprovado pelo DL n.º 28/84 de
16 de Janeiro, aplicável ex vi art.º 131º do EMJ, do art.º 82º do mesmo EMJ e
dos nºs 1 e 2 do art.º 202º da Constituição da República e dos artºs 3º e 4º do
EMJ, mas também do art.º 204º da Constituição da República), que se
consubstancia na obrigação de:
– não permitir que se crie no
público desconfiança quanto à acção da Administração Pública – aqui do sistema
judiciário enquanto um todo – em especial no que à sua imparcialidade diz
respeito,
– comportar-se, no desempenho das
suas funções e na sua vida pública, por forma a alcançar os objectivos do
serviço (que são aqui os previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 202º da Constituição
da República e nos artºs 3º e 4º do E.M.J.) e na perspectiva da prossecução do
interesse público e da dignidade indispensável ao exercício, por si e pelos
outros, dessas funções que aos Ju[í]zes estão constitucional e legalmente
acometidas,
– tomar parte na vida pública do
País (art.º 48º n.º 1 da Constituição da República) e de não permitir, tanto
quanto lhe é possível, que sejam aplicados nos feitos submetidos a julgamento
normas ou interpretações delas que infrinjam o disposto na Constituição ou os
princípios nela consignados (art.º 204º da Constituição da República).
2[8]º
não carecendo, para tanto, de
qualquer autorização do CSM, porque esses deveres decorrem directamente da letra
e do espírito da Lei – os normativos citados – e são obrigações pessoais do
arguido ora recorrente.
[29]º
E sendo S. Ex.ª o Senhor
Procurador Geral da República um dos principais protagonistas desse Sistema de
Justiça, mal estaria a Democracia se fosse impossível criticá-lo.
E só isso foi feito pelo ora
recorrente – no exercício do direito de cidadania a que aqui se faz apelo.
(…)
[31]º
E, uma vez mais e sempre, para o
ora recorrente, dúvidas não existem quanto a qual dos direitos é ética, jurídica
e sociologicamente superior – é o E.M.J. aprovado pela Lei n.º 21/85 de 30 de
Julho que tem de ser interpretado à luz do disposto no n.º 1 do art.º 37º da
Constituição da República (‘Todos têm o direito de exprimir e divulgar
livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro
meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem
impedimentos nem discriminações’) e do art.º 10º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem e não o inverso (sendo que o art.º 10º da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem ganha reconhecimento e natureza constitucional por força
do art.º 8º da Constituição da República).
[32]º
Ora, porque assim é, como
resulta, de um modo claro, também do texto do n.º 2 do art.º 18º da Constituição
da República, ‘A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos
casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se
ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos’ (sublinhados que não constam do texto legal).
[33]º
E nesta disputa entre saber se o
copo está meio cheio ou meio vazio, convirá recordar que já os juristas romanos
clamavam odiosa restringenda – e aqui está em causa um dos pilares essenciais do
Estado de Direito, a liberdade de expressão, sendo as limitações a essa
liberdade e a esse direito que têm de assumir carácter excepcional.
[34]º
Aliás, ao contrário do referido,
ou pelo menos sugerido, no acórdão recorrido, esse princípio – nem poderia ser
de outra maneira – também se encontra enunciado no n.º 2 do art.º 10º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
[35]º
De facto, nesse normativo pode
ler-se que ‘O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e
responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições,
restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências
necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a
integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção
do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos
de outr[e]m, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para
garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial (sublinhados que não
constam do texto original).
(…)
[37]º
Ou seja, agiu o ora recorrente em
defesa e tendo em vista realização de direitos ou interesses legítimos (n.º 2 do
art.º 12º do EMJ aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), logo no exercício
de um direito consagrado legal e constitucionalmente salvaguardado, direito
esses que tinha ainda mais imperiosamente que usar porquanto, não sendo
associado da (pelo menos até ao momento) única associação de Ju[í]zes do País (a
ASJP), não dispunha, como não dispõe, o mesmo de qualquer organização que o
represente – e a representação assegurada pelo Senhor Juiz Conselheiro
Presidente do STJ é meramente institucional.
(…)
E) DA INCONSTITUCIONALIDADE DA
INTERPRETAÇÃO DOS ARTºS 82º E 86º DO EMJ.
41º
E é por todos esses fundamentos
(alíneas B) a D) supra) que não pode manter-se, por ser inconstitucional, por
violação do disposto nos artºs 17º, 18 nºs 1 e 2, 37º n.º 1, 9º e 48º n.º 1 da
Constituição da República e 10º, nºs 1 e 2, e 14º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950 (esta aplicável, em
todos os casos, ex vi art.º 8º n.º 2 da Constituição da República), a
interpretação dos artºs 82º e 86º do EMJ feita no acórdão recorrido.
CONCLUSÕES:
(…)
2ª – um entendimento diverso que
seja dado ao disposto no art.º 85º do EMJ é inconstitucional por violação do
direito do arguido a um julgamento leal e mediante processo equitativo (direito
esse que está garantido pelos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República e 6º
n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de
Novembro de 1950), inconstitucionalidade essa que aqui se invoca para todos os
devidos e legais efeitos
3ª – no acórdão do CSM de 15 e
Fevereiro de 2005, ora recorrido, foi usada, para fundamentar a deliberação
condenatória, uma norma materialmente inaplicável aos Ju[í]zes (nºs 4 f) e 10 do
art.º 3º do EDFAACRL, aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de Janeiro);
(…)
5ª – o ora recorrente, ao actuar
nos termos descritos no acórdão recorrido, limitou-se a ter, como cidadão livre
que é, uma participação democrática na resolução de um gravíssimo problema
nacional – a crise do sistema de Justiça (artºs 9º c) e 48º n.º 1 da
Constituição da República) – e a actuar no exercício de um dos seus deveres, em
concreto, o previsto nas disposições conjugadas dos nºs 3 e 8 do art.º 3º do
ESTATUTO DISCIPLINAR DOS FUNCIONÁRIOS E AGENTES DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL,
REGIONAL E LOCAL (EDFAACRL) aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de Janeiro,
aplicável ex vi art.º 131º do EMJ, do art.º 82º do mesmo EMJ e dos nºs 1 e 2 do
art.º 202º da Constituição da República e dos artºs 3º e 4º do EMJ, mas também
do art.º 204º da Constituição da República), não carecendo, para tanto, de
qualquer autorização do CSM.
6ª – o ora recorrente, ao actuar
nos termos descritos no acórdão recorrido, limitou-se a exercer dentro dos
limites constitucional e legalmente definidos, o seu direito à liberdade de
expressão (n.º 1 do art.º 37º da Constituição da República e 10º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950),
visando a realização de direitos e interesses legítimos (n.º 2 do art.º 12º do
EMJ), não carecendo, para tanto, de qualquer autorização do CSM;
7ª – a interpretação dos artºs
82º e 86º do EMJ feita no acórdão do CSM de 16 de Novembro de 2004, ora
recorrido, é inconstitucional, por violação do disposto nos artºs 17º, 18 nºs 1
e 2, 37º n.º 1, 9º e 48º n.º 1 da Constituição da República e 10º, nºs 1 e 2, e
14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de
Novembro de 1950 (esta aplicável, em todos os casos, ex vi art.º 8º n.º 2 da
Constituição da República).
(…)’
Na alegação produzida, o recorrente, igualmente para o que
agora interessa, fez repetir o que, em sede conclusiva, se encontrava consignado
nas «conclusões» formuladas na petição e acima transcritas.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 20 de Outubro
de 2005, negou provimento ao recurso contencioso.
Foi dito, em dados passos, nesse aresto: –
‘(…)
Adoptado o procedimento sumário consentido
pelo art. 85º, nº 4, a primeira questão suscitada é a da inobservância do nº 5
desse mesmo artigo, por não ter sido nomeado inspector judicial perante o qual o
arguido pudesse apresentar a sua defesa.
Segundo o recorrente, a resposta dada
directamente ao CSM não é suficiente para suprir essa nulidade procedimental,
que é insanável, e entendimento contrário importa violação do direito do arguido
a um julgamento leal e mediante processo equitativo, garantido pelos arts. 20º.
nº 4, da Constituição e 6º, nº 1º CEDH.
Dispensado pelo nº 4 do falado art. 85º o
processo disciplinar a que aludem os arts. 110º ss, inexiste, nesse caso, o
instrutor a que alude o art. 114º, nº 3.
Como assim, não pode haver lugar, nesse
caso, a nomeação ad hoc alguma, que também o nº 5 do art. 85º não refere.
Daí que, se bem parece, a notificação ao
arguido do relatório do inspector judicial, com fixação de prazo para a defesa,
prevista no nº 5 do mesmo art. 84º só tenha efectivamente cabimento quando for
um relatório de inspector judicial a dar lugar à aplicação do número anterior.
Tratando-se, como se trata, de procedimento
abreviado que a menor gravidade da pena admite, afigura-se ser este o
entendimento adequado das disposições conjugadas dos nºs 4 e 5 do art. 85º à luz
dos elementos literal ou gramatical, sistemático e teleológico da interpretação
a que alude o art. 9º do C. Civ.
A ser assim cai obviamente pela base toda a
argumentação do recorrente a este respeito.
Mesmo, porém, que não deva entender-se
deste modo, a falta de nomeação de inspector judicial e, consequentemente, do
relatório respectivo e da sua notificação ao arguido não constitui, realmente,
nulidade procedimental insanável, visto que, mesmo quando exigido processo
disciplinar, só integram essa espécie de nulidades, consoante art. 124º, nº 1, a
falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa – mas nem, no caso, de
tal há queixa – e a omissão de diligências essenciais para a descoberta da
verdade que ainda possam realizar-se utilmente.
Não se vê que na hipótese regulada no nº 4
do falado art. 85º, exceptuada ou ressalvada no nº 2 do art. 110º, e mormente no
caso dos autos, a falta de nomeação de inspector judicial, de audiência por este
– mesmo oral, como se depreende da última disposição legal referida –, do
relatório respectivo e da sua notificação ao arguido constituam realmente
omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, nem a utilidade,
agora, da sua realização.
Nunca vinculativo, o relatório aludido, é
tal assim mesmo se, como o recorrente acredita, introduzido por esse modo ‘um
elemento de distanciamento, porventura um olhar desapaixonado e independente
(imparcial) entre o arguido e a entidade titular do poder disciplinar’ – o que,
salienta, ‘era neste caso, ainda mais necessário, porquanto a pessoa
alegadamente ofendida não apresentou qualquer queixa, tendo o CSM actuado ex
officio’. (Como contra-alegado (6.), ‘em matéria de acção disciplinar vigora o
princípio da oficiosidade, não dependendo o seu exercício da apresentação de
queixa por terceiros’.)
Consoante o nº 2 do predito art. 124º, as
restantes nulidades e irregularidades, quando, como é o caso, anteriores à
apresentação da defesa, consideram-se sanadas se não forem arguidas na própria
defesa apresentada – tal sendo o que, dispensado o processo disciplinar, por
maioria de razão, há que entender na hipótese ocorrente, de procedimento de
natureza sumária, em que só a audiência do arguido e a possibilidade de defesa
efectivamente relevam.
(…)
Em tema de compreensão e extensão do nº 1
do art. 37º CRP, tem-se reconhecido que uma das formas de manifestação do
pensamento é a crítica, expressão máxima da liberdade das pessoas, a que nenhum
sector se pode considerar imune.
Nunca fonte de isenção de crítica, – antes,
por maioria de razão, a tal se sujeitando –, a dignidade ou ‘relevo
institucional’ do cargo exercido (salientado em 4.7., final do 2º par., do
acórdão recorrido), a opinião sobre a categoria intelectual, percurso
profissional e respeitabilidade do visado no artigo em referência e sobre o
prestígio pessoal e profissional do mesmo, repetida e laudatoriamente referidos
no acórdão impugnado (em 3.3., 3º par., e 4.7., 2º par.), é por igual livre,
isto é, sem peia alguma que a lei não coloque, para todo e qualquer cidadão,
esteja ele, ou não, no interior do sistema (a que se alude em 4.7., 3º par., do
acórdão impugnado). Concretamente, seja ele, ou não, juiz, e qualquer que seja o
tribunal em que preste serviço.
Desde que não ultrapassados os limites
legais, e independentemente do falado ‘relevo institucional’ do cargo exercido,
a crítica dos titulares de cargos no sistema judicial é por igual livre tanto
para quem nele participe, como para quem a ele for estranho.
A censura, mesmo de ordem institucional,
acabou – para tudo e para todos.
Res non verba, terá cada um de dar-se ao
respeito pela actuação útil que efectivamente desenvolva.
3. Assinalado, em 3.1., no acórdão sob
recurso, ter o recorrente aludido ao dever de reserva, como igualmente referido
nesse acórdão, entre parênteses, logo antes de 3.2., trata-se de dever que visa
manter a confiança no sistema de justiça.
Bem que estritamente definido no art. 12º
EMJ, não pode, em sentido mais amplo, deixar de considerar-se, quanto a esse
dever, outro conteúdo ainda.
(…)
Não sofre dúvida que, em nada diminu[í]do o
seu estatuto de cidadania, os juízes gozam, como qualquer outro cidadão, do
direito fundamental de liberdade de expressão ‘sem impedimentos ou forma alguma
de censura’.
(…)
Com assim ilustrado fundo, procurar-se-á
encurtar razões, Desta sorte:
Mesmo descontada a comiseração – sem dúvida
ofensiva – ostentada no início da transcrição por que começa este acórdão, não
sofre tergiversação que, como adiantado em 3.1. do acórdão sob recurso (final do
1º par.), se está perante ofensa pessoal objectiva:
‘Tenha vergonha na cara’ (…). Será que já
nem Você próprio se respeita?’
Nada em tal desfaz, antes corrobora, o
contexto do artigo em referência, em que não se adianta para tais expressões
justificação concreta.
Não será de sacrificar a dignidade pessoal
e profissional – sem a qual não há quem possa legitimamente exercer qualquer
cargo no sistema judicial – nas aras da denominada ‘solidariedade institucional’
ou do incensado ‘bom relacionamento social, profissional e institucional’ a que
alude o acórdão sob recurso.
Esses respeitáveis conceitos não podem
servir de capa a conformismo que aguente, e promova, até, a mediocridade,
arrivismo ou oportunismo, carreirismo, compadrio, nepotismo e, em último termo,
corrupção que, a prazo, dão cabo de todo e qualquer sistema.
Não se trata, de todo o modo, sequer, de
retórica adiantada em privado, cara-a-cara, em termos de confiança pessoal
melhor ou pior suposta – cfr. V da alegação final do recorrente; e nem também,
como contra-alegado, a interpretação que o recorrente dela pretende fazer
suporta confronto com o texto em causa.
Posta em jornal, está-se perante declaração
não penas virtualmente pública, mas a que foi voluntariamente dada publicidade,
urbi et orbi, através de meio de comunicação social; que, assim, foi,
indubitavelmente, consciente, deliberadamente, tornada pública; e que, portanto,
bem que acto da vida privada do recorrente, acaba por exorbitar efectivamente,
de largo modo, dada a publicidade de que na realidade se revestiu, da simples
esfera do domínio pessoal, particular ou privado do mesmo.
A outro tempo, ou por outro lado, as
expressões util[i]zadas excedem, a todas as luzes, os limites do direito de
crítica que a qualquer um assiste.
Mas a tal aparentemente se aludindo também
(3.3., 4º par., do acórdão em recurso), não parece, de facto, que, na realidade,
se trate, como há mais de um século, de questão (aparentemente apenas) de ‘bom
senso e bom gosto’: há mesmo, pública porque publicitada, a predita ofensa
pessoal objectiva.
Está-se perante forma desagradável de
exprimir menosprezo que orça pelo – ou monta mesmo a – insulto, que, porque
deliberadamente publicado, foi efectivamente tornado público.
Ainda quando escrito depressa –
precipitadamente, até, sob o domínio de alegada emoção, que se não comenta – o
que os outros iriam ler devagar, como outrossim notado no acórdão impugnado
(3.3. último par.), pode, de facto, ver-se nisto o ‘aventureirismo’ que no
próprio artigo em referência se verbera ou, sem máscara, o protagonismo a que
igualmente alude o acórdão recorrido (em 4.3., 3º par.).
Adere-se, pelo deixado notado, à conclusão
do acórdão sob recurso, que, inócuo o escrito em questão se não divulgado, é, se
bem se compreende, esta: a publicação (voluntária) do escrito mencionado, da
autoria de magistrado judicial, é lesiva da consideração devida ao Senhor
Procurador Geral da República e importa infracção culposa dos deveres de
correcção, respeito e urbanidade (quer esta última dizer cortesia), justificando
sanção disciplinar na conformidade dos arts. 82º e 86º EMJ.
Adequada, como se crê resultar claro do
deixado exposto, a interpretação e aplicação desses preceitos que se fez no
acórdão em recurso, não passa de despautério a arguição de inconstitucionalidade
por igual adiantada neste âmbito.
Não pode com seriedade duvidar-se da
sujeição dos magistrados judiciais aos deveres supramencionados, cuja
generalidade está implícita nas várias disposições legais que se lhes referem,
como é o caso dos arts. 266º-B CPC e 3º, nº 10º, EDFAACRL, aplicável ex vi do
art. 131º EMJ.
O direito de participação na vida pública e
na resolução dos problemas nacionais (artºs 9º. al.), e 48º, nº 1, da
Constituição) não constitui, a todas as luzes, causa de justificação da falta
pública ao respeito devido à pessoa do Senhor Procurador Geral da República em
exercício – como, aliás, o seria, em termos idênticos, em relação a qualquer
outro cidadão, investido ou não em funções públicas.
É, por outro lado, falta mais censurável a
magistrado judicial que a qualquer outra pessoa, não apenas em vista do
prestígio social que ainda acompanha essa função, mas sobretudo enquanto titular
de órgão de soberania incumbido, precisamente, de assegurar os direitos dos
cidadãos.
Entre esses direitos avulta o direito ao
bom nome pessoal e profissional – e cabe aqui, de facto, referência aos arts.
18º, nº 2, de par com o art. 26º, nº 1, da Constituição, e 10º, nº 2, de par
como art. 12º CEDH.
Na medida em que o direito ao bom nome que
a cada um assiste se impõe a todas as outras pessoas, a simples violação desse
direito integra, de per si, a antijuridicidade do comportamento de que tal
decorra.
Só não será assim se essa ilicitude se
mostrar afastada por qualquer causa justificativa do acto praticado e da
violação ocorrida. Mas nem tal se vê que efectivamente se verifique no caso dos
autos.
É igualmente função dos tribunais, e,
portanto, dos seus titulares, reprimir a violação da legalidade democrática
(art. 202º, nºs 1 e 2, da Constituição) que qualquer ofensa do direito referido
necessariamente constitui.
Mesmo se maior o grau de exagero e
provocação admissível em relação a figuras públicas, a liberdade de expressão
assegurada nos arts. 37º, nº 1, da Constituição e 10º CEDH, é limitada pelo
direito ao bom nome, por igual constitucionalmente protegido, conforme arts.
26º, nº 1, da lei fundamental e 12º CEDH, e não consente que publicamente se
diga a outra pessoa, qualquer que ela seja, que tenha vergonha na cara, nem que
se lhe pergunte se já nem a si própria se respeita.
Nada a tal atrasam ou adiantam as
intervenções do recorrente nos meios de comunicação social consoante item 22º do
seu requerimento: nenhum direito ou interesse legítimo se vê que as expressões
referidas permitam efectivamente assegurar.
As sociedades democráticas fundam-se no
princípio da dignidade pessoal humana, que é a base do sistema jurídico
português, visto que assente em lei fundamental centrada, como decorre do seu
art. 1º, no primado dessa dignidade.
Tão importante, pois, vem a ser assegurar o
livre exercício do direito de livre expressão do pensamento como garantir o
respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos
cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a garantia da
dignidade da pessoa humana (predito art. 1º) e dos direitos à integridade moral
(art. 25º, nº 1) e ao bom nome e reputação (art. 26º, nº 1).
Há, por conseguinte, que procurar, antes de
mais, a ‘concordância prática’ desses direitos, de livre expressão, por um lado,
e à integridade moral e ao bom nome e reputação, por outro, mediante o
sacrifício indispensável de ambos.
Em último termo, o reconhecimento da
dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional democrática
imporia que a colisão desses direitos deva, em princípio, resolver-se pela
prevalência daquele direito de personalidade (art.70° e nº 2° do art.335°
C.Civ.).
Como assinala Nuno e Sousa, em ‘A Liberdade
de Imprensa’ (1984), 290 ss (antes publicado no suplemento ao BFDUC, XXVI
(1983), 179 ss), decorre, inclusivamente, dos nºs 2° e 3° do art. 18° da
Constituição que ‘os direitos de liberdade não garantem âmbitos absolutos de
liberdade, incluindo-se num ordenamento jurídico que interv[é]m no caso de
conflitos entre direitos’. Encontram-se sujeitos – apenas – ‘aos limites
estritamente necessários à salvaguarda de outros interesses do Estado
democrático’; mas a própria Constituição indica ‘vários interesses dos
particulares, considerados como interesses públicos, que têm primazia sobre a
liberdade de opinião: os direitos ao bom nome, reputação, imagem e reserva da
intimidade da vida privada e familiar’.
Podem, no entanto, concorrer, em concreto,
circunstâncias susceptíveis de, à luz de bem entendido interesse público,
justificar a adequação da solução oposta.
Sempre, em todo o caso, subordinada a
liberdade de expressão ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade
imanente no art. 37° da Constituição, como assinala Jorge Miranda no seu ‘Manual
de Direito Constitucional’, IV, 2ª ed., 216 (apud Ac. STJ de 27/5/97, CJSTJ, V,
2º, 102 ss - v. 103,2ª col - III), é por isso mesmo então ilícito o excesso.
Como assim inevitável uma ponderação
casuística, é tal excesso e consequente ilicitude que, como visto,
indubitavelmente ocorre no artigo aludido.
Notada pelo MªPº ( 3.) a fragilidade da
defesa apresentada, alcança-se do exposto a conclusão que segue:
Improcede o recurso, e assim se julga.
(…)”
Do aresto de que parte se encontra extractada interpôs o
impugnante recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1
do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo, no requerimento
consubstanciador da interposição: –
‘(…)
II – Fundamentos do recurso
A) Interpretação dos nºs 4 e 5 do art.º 85º
e do n.º 2 do art.º 124º, ambos do EMJ (Lei n.º 21/85 de 30 de Julho).
6º
O texto integral dos nºs 4 e 5 do art.º 85º
do EMJ em vigor e aplicável ao caso dos autos, é o seguinte:
‘4. A pena prevista na alínea a) do n.º 1
pode ser aplicada independentemente de processo, desde que com audiência e
possibilidade de defesa do arguido, e não ser sujeita a registo.
5. No caso a que se refere o número
anterior é notificado ao arguido o relatório do inspector judicial, fixando-se
prazo para a defesa’. (sublinhados que não constam do texto legal).
7º
Muito sinceramente, não consegue o ora
recorrente interpretar esses dois comandos legais por forma a entender que lhe
poderia ser aplicada, em processo sumário, uma pena de advertência registada e,
pior ainda, sem que tivesse sido nomeado nesse processo um inspector judicial
que, ele sim e não directamente o CSM, elaborasse o relatório previsto na Lei,
ao qual o arguido teria que responder no prazo que lhe fosse fixado.
8º
Mas, embora com dois votos de vencido, foi
esse o entendimento dado a esses normativos pelo Colendo Supremo Tribunal de
Justiça (STJ) no processo em epígrafe e foi, portanto, confirmada a deliberação
do CSM que aplicou ao arguido ora recorrente uma pena de advertência registada,
sem ter previamente nomeado qualquer inspector judicial, nos termos a que
expressamente está obrigado por força do disposto no n.º 5 do art.º 85º do EMJ.
9º
Se não existisse essa obrigação legal de
nomeação de inspector judicial encarregado da elaboração de relatório, por que
motivo teria, então, o Legislador escrito essas exactas palavras no texto da
Lei?
E o mesmo se passa quanto à previsão de que
o processo sumário usado no presente caso apenas o pode ser quando a sanção a
aplicar seja a de advertência não registada.
10º
Tudo isto, como muito bem foi entendido e
consta do texto do voto de vencido subscrito pelos Ex.mos Senhores Juízes
Conselheiros Drs Barros Caldeira e Gonçalves Pereira.
11º
e sendo certo que o arguido ora recorrente
suscitou a questão logo que lhe foi processualmente possível – ou seja, com a
notificação do acórdão condenatório do CSM, porquanto não é exigível a qualquer
declaratário médio, logo, também não sendo tal exigível ao arguido ora
recorrente, esperar que aquele Conselho Superior fosse realizar uma
interpretação da letra da Lei tão verbalmente desconforme ao texto desta (art.º
9º n.º 2 do Código Civil).
12º
Assim sendo, a interpretação dos artºs 85º
nºs 4 e 5 e 124º n.º 2 do EMJ feita pelo STJ, retirando ao arguido ora
recorrente o direito a defender-se em processo próprio (caso se entendesse que
ao caso cabia a pena de advertência registada – o que não se concede nem aceita)
e, no mínimo, a ver nomeado um inspector judicial (a entender que mereceria ser
aplicada uma pena de advertência não registada – o que também não se concede nem
se aceita), é, para além de ilegal, claramente inconstitucional por violação do
direito do recorrente a um julgamento leal e mediante processo equitativo
(direito esse que está garantido pelos artºs 20º n.º 4 da Constituição da
República Portuguesa e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950, aplicável ex vi art.º 8º daquela
mesma Constituição).
13º
O que se pede que seja declarado.
B) Interpretação dos artºs 12º, 82º e 86º
do EMJ (Lei n.º 21/85 de 30 de Julho).
14º
Sem prejuízo do que, mais extensamente, irá
invocar nas alegações a produzir nos termos previstos no art.º 79º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, o arguido dá aqui por reproduzido tudo o que já antes
alegou para justificar o entendimento que tem de que é inconstitucional, por
violação do disposto nos artºs 215º, 17º, 18 nºs 1 e 2, 37º n.º 1, 9º e 48º n.º
1 da Constituição da República Portuguesa e 10º, nºs 1 e 2, e 14º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950
(aplicável, em todos os casos, ex vi art.º 8º n.º 2 daquela Constituição), a
interpretação feita pelo CSM e corroborada pelo STJ dos artºs 12º, 82º e 86º do
EMJ.
15º
Na verdade, no acórdão do CSM de 15 de
Fevereiro de 2005, o que é corroborado no Acórdão do STJ de 20 de Outubro de
2005, ora recorrido:
a) foi usada, para fundamentar a
deliberação condenatória, uma norma materialmente inaplicável aos Juízes (os nºs
4 f) e 10º do art.º 3º do EDFAACRL, aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de
Janeiro);
b) foi feita uma incorrecta apreciação do
texto escrito pelo ora recorrente, já que nesse escrito não foi feita qualquer
ofensa a S. Ex.ª o Senhor Procurador Geral da República, nem violado qualquer
dever de respeito ou de recíproca consideração;
c) não se atendeu a que o ora recorrente,
ao actuar nos termos descritos nos aludidos Acórdãos,
– se limitou a ter, como cidadão livre que
é, uma participação democrática na resolução de um gravíssimo problema nacional
– a crise do sistema de justiça (artºs 9º c) e 48 n.º 1 da Constituição da
República) – e a actuar no exercício de um dos seus deveres, em concreto, o
previsto nas disposições conjugadas dos nºs 3 e 8 do ESTATUTO DISCIPLINAR DOS
FUNCIONÁRIOS E AGENTES DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL, REGIONAL E LOCAL (EDFAACRL)
aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de Janeiro, aplicável ex vi art.º 131º do EMJ,
do art.º 82º do mesmo EMJ e dos nºs 1 e 2 do art.º 202º da Constituição da
República e dos artºs 3º e 4º do EMJ, mas também do art.º 204º da Constituição
da República), não carecendo, para tanto de qualquer autorização do CSM;
- se limitou a exercer, dentro dos limites
constitucional e legalmente definidos, o seu direito à liberdade de expressão
(n.º 1 do art.º 37º da Constituição da República e 10º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950), visando a
realização de direitos e interesses legítimos (n.º 2 do art.º 12º do EMJ), não
carecendo, para tanto, de qualquer autorização do CSM.
16º
De facto, o que importa definir e
estabelecer, sendo isso que se pede ao Colendo Tribunal Constitucional, são os
limites do direito à liberdade de expressão dos Ju[í]zes portugueses e do
direito de intervenção cívica dos mesmos na resolução de um tão grave problema
nacional como é a crise do sistema de Justiça,
17º
bem como até que ponto podem outras
instituições do Estado (que não órgãos de soberania) e as pessoas físicas que
ocupam esses elevados cargos (em concreto, o Senhor Procurador Geral da
República), podem ou não ser objecto de crítica por parte de outros
representantes do Estado e do Povo – e os limites que a tais críticas possam ser
apostos.
E, em conformidade com o exposto, requer o
ora recorrente que, sendo admitido o presente recurso, seja declarada
inconstitucional quer a interpretação dos nºs 4 e 5 do art.º 85º e do n.º 2 do
art.º 124º do EMJ, quer a dos artºs 12º, 82º e 86º vertida no Acórdão recorrido,
com todas as legais consequências decorrentes dessa deliberação.
(…)’
Por despacho lavrado em 17 de Novembro de 2005 pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, foi admitido o recurso
interposto através do requerimento acima parcialmente transcrito.
Após terem os autos sido remetidos ao Tribunal
Constitucional, o impugnante fez a eles juntar requerimento no qual – após ter
informado que, no mesmo dia, fez juntar, além do requerimento de interposição de
recurso, também um outro, por via do qual vinha arguir, perante o Supremo
Tribunal a quo, uma nulidade do processado, pretensão que não tinha sido objecto
de decisão – solicitava a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, a
fim de ser apreciada a questão suscitada.
Por despacho de 12 de Dezembro de 2005, o relator do
Tribunal Constitucional determinou a remessa do processo àquele Alto Tribunal.
Nos autos foi, então, junto requerimento consubstanciando o
pedido de declaração da nulidade dos actos realizados no processo ‘a partir da
junção da promoção do Ministério Público que antecedeu a prolação’ do acórdão
intentado recorrer perante o Tribunal Constitucional.
Nesse requerimento foi dito: –
‘(…)
6º
Só ao ser notificado do teor do Acórdão em
referência, tomou o ora requerente conhecimento de que lhe não foi comunicado o
conteúdo (o texto) da promoção do Ministério Público, elaborada, seguramente, ao
abrigo do disposto no art.º 176º do EMJ.
7º
Uma tal omissão consubstancia uma violação
do princípio do contraditório, negando-se com isso ao arguido a possibilidade de
contra-argumentar e pôr em causa as afirmações contidas na promoção do Mº Pº.
8º
Ora, o princípio do contraditório é a trave
mestra do direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo que está
garantido pelos artºs 20 n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 6º n.º
1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro
de 1950, aplicável ex vi art.º 8º daquela mesma Constituição.
9º
sendo inconstitucional qualquer
interpretação que, em sentido contrário, seja feita do citado normativo do artº
176º do EMJ, ou, porventura, sendo-o todo esse normativo legal.
(…)’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de Março de
2006, desatendeu a arguida nulidade, escrevendo-se, para tanto, em tal aresto: –
‘(…)
Ouvidos que foram nos autos o interessado e
a entidade recorrida, o contraditório foi, de pleno, assegurado.
A promoção aludida nos items 6º e 7º da
reclamação em apreço é, na realidade, a alegação referida no art. 176º do EMJ.
Com a sua apresentação, subsequente à das
alegações do recorrente e da entidade recorrida, o Mº Pº, que não é parte no
processo, cumpre a função de defesa da legalidade que a Constituição (art. 219º,
nº 1) lhe comete – cfr. também arts. 5º, nºs 1º e 3º, LOFTJ (Lei Orgânica e de
Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei nº 3/99, de 13/1), e 2º, nº 2, do
Estatuto do Mº Pº (Lei nº 47/86, de 15/10, com as alterações introduzidas pela
Lei nº 23/92, de 20/8).
Sem cabimento, nessa conformidade,
resposta, ainda, do recorrente, nem tal bem se vê que efectivamente exija o
disposto nos art.s 20º, nº 4, da Constituição e 6º, nº 1, da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, aplicável por força do disposto no art. 8º da
Constituição.
O art. 176º do EMJ não sofre de
inconstitucionalidade alguma.
Mesmo, porém, que diversamente entendido,
bem não se vê que a predita intervenção do Mº Pº nestes autos tenha realmente
sido de molde a influenciar na decisão do recurso.
Tanto assim que só incidentalmente, a
final, se lhe fez alusão, não se mostra concretamente preenchida a previsão do
art. 201º, nº 1, CPC.
(…)’
Deste acórdão de 2 de Março de 2006 recorreu para o
Tribunal Constitucional, por força da já referida alínea b) do nº 1 do artº 70º
da Lei nº 28/82, o Licº A., fazendo-o por intermédio de requerimento em que
disse:
‘(…)
1º
Só ao ser notificado do teor do Acórdão do
STJ de 20 de Outubro de 2005 lavrado nos autos em epígrafe, tomou o ora
recorrente conhecimento de que lhe não foi comunicado o conteúdo (o texto) da
promoção do Ministério Público, elaborada, como foi agora confirmado pelo
Acórdão de 02 de Março de 2006, ora recorrido, ao abrigo do disposto no art.º
176° do EMJ.
2º
Mantém o recorrente que essa omissão
consubstancia uma violação do princípio do contraditório, por se negar com isso
ao arguido nos autos a possibilidade de contra-argumentar e pôr em causa as
afirmações contidas na promoção do MºPº.
3º
Sendo certo que o princípio do
contraditório é a trave mestra do direito a um julgamento leal mediante processo
equitativo que está garantido pelos art°s 20° n.º 4 da Constituição da República
Portuguesa e 6° n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em
Roma a 04 de Novembro de 1950, aplicável ex vi art.º 8° daquela mesma
Constituição,
4º
sendo inconstitucional qualquer
interpretação que, em sentido contrário, seja feita do citado art.º 176º do EMJ,
ou, porventura, sendo-o todo esse normativo legal.
5º
o que aqui, novamente, se invoca, para
todos os devidos e legais efeitos.
Na verdade,
6º
Ao contrário do que está manifestado no
Acórdão agora recorrido, em qualquer tipo de processos, só os Juízes podem ser
considerados, e devem sê-lo, terceiros desinteressados independentes e isentos.
7º
Já o Ministério Público, ao invés,
corporiza e tem a obrigação de sustentar e defender no processo um conjunto de
interesses que não são os do arguido e que poderão, até, ser-lhe adversos.
8º
Aliás, convirá nunca esquecer que no
presente processo se discute uma opinião manifestada pelo arguido ora recorrente
a propósito do Procurador Geral da República, o órgão máximo da hierarquia do
Ministério Público.
9º
E mesmo que assim não fosse, mas é, o
Ministério Público, na melhor das hipóteses, será, perdoe-se a pouca
consistência técnico-jurídica da expressão, o ‘Advogado da Comunidade’ e os
interesses da Comunidade, sendo seguramente legítimos, não são os do Indivíduo.
10º
E, como a História nos ensina, não raras
vezes são os Indivíduos que têm razão e não a Comunidade; por exemplo Giordano
Bruno, Galileu Galilei e tantos outros.
11º
Ou, fazendo apelo a um Livro essencial para
os Valores de Civilização da nossa Comunidade, o primo de Jesus Cristo (o
recorrente conhece as suas limitações) chamado João Baptista.
12º
Daí que não possa continuar a aceitar-se
que o Ministério Público detém a posição privilegiada, injustificadamente
privilegiada, de poder emitir opiniões sem ser contraditado.
13º
Para usar uma expressão teluricamente
proverbial, em casa de ferreiro espeto de pau – e a interpretação do disposto no
art.º 176° do EMJ que é feita no Acórdão do STJ de 02 de Março de 2006 ora
recorrido é claramente inconstitucional.
14º
O entendimento perfilhado pelo ora
recorrente está em consonância, crê-se, quer com a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional do País quer com a do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
15º
e está consagrada quer no n.º 5 do art.º
85° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (redacção introduzida
pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), quer no n.º 2 do art. ° 417° do
Código de Processo Penal,
16º
sendo certo que a deliberação do CSM (está
em causa a aplicação do poder disciplinar desse órgão) tem uma incontornável
natureza administrativa, que o CPP é, a nível subsidiário, também aplicável ao
caso e que, como resulta claramente do texto do Acórdão do STJ de 20 de Outubro
de 2005, no presente processo o Ministério Público não se limitou a apor um
Visto.
E em conformidade com o exposto, requer o
ora recorrente que, sendo admitido o presente recurso, seja declarada
inconstitucional ou a interpretação do art.º 176° do EMJ que é feita no acórdão
do STJ ora recorrido, ou esse próprio artigo, com todas as legais consequências
decorrentes dessa deliberação.
E mais se requer que o presente recurso
seja apreciado previamente àquele que o ora recorrente intentou em 08 de
Novembro de 2005 contra o acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2005.’
O recurso interposto por este último transcrito
requerimento foi admitido por despacho exarado em 21 de Março de 2006 pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Porque os despachos admissores de recurso não vinculam
este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/829) e porque se entende que
os ora em causa não deveriam ter sido admitidos, elabora-se, com base no artº
78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento
das presentes impugnações.
2.1. Iniciar-se-á o debruçar da atenção sobre o recurso
incidente sobre o acórdão cujo proferimento teve lugar em 2 de Março de 2006. E
isto porque, na eventualidade de esse recurso ser conhecido e ao mesmo ser dado
provimento, caberia ao Alto Tribunal a quo proceder à reforma de tal aresto de
harmonia com o juízo de desconformidade constitucional acarretado pelo
hipotisado provimento; e, sendo previsível que, nessa hipotética situação, a
aludida reforma redundasse na anulação do processado subsequente à intervenção
processual do Ex.mo Representante do Ministério Público junto do Supremo
Tribunal de Justiça (aí se compreendendo o acórdão de 20 de Outubro de 2005),
torna-se claro que, não detendo este eficácia, o recurso que sobre ele recaiu se
tornaria inútil.
Ora, no tocante a esta específica impugnação,
independentemente da questão de saber se, precedentemente à prolação do acórdão
de 2 de Março de 2006, a forma de dizer usada no requerimento de arguição de
nulidade do processado (apresentado ao mesmo tempo que o requerimento de
interposição do recurso do acórdão de 20 de Outubro de 2005) pode ser
considerada um modo processualmente adequado de suscitação de desconformidade
constitucional reportado a uma norma (já que se brande com o argumento segundo o
qual qualquer «outra interpretação em sentido contrário é inconstitucional»), a
verdade é que aquela decisão judicial utilizou, na sua parte final, um juízo
segundo o qual, mesmo admitindo que o preceito vertido no artº 176º da Lei nº
21/85, de 30 de Julho, fosse tido por inválido, tendo em conta a forma como se
deu, in casu, a intervenção do Ministério Público, não se lobrigava que essa
intervenção (que, nesse raciocínio hipotético, seria inválida) tivesse tido
influência no exame ou decisão da causa e, justamente por isso, não se assistia,
à ocorrência de uma situação subsumível à previsão do nº 1 do artº 201º do
diploma adjectivo civil.
Atendendo a esse juízo, torna-se claro que, mesmo que este
Tribunal viesse a considerar desarmónico com a Lei Fundamental o preceito ínsito
no artº 176º da Lei nº 21/85 (e sem se saber qual a interpretação que o mesmo
comportaria e que é equacionada como inconstitucional pelo recorrente), a
decisão de não atendimento da arguida nulidade processual manter-se-ia, pois
que, segundo foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (em termos que não
podem ser censurados pelo Tribunal Constitucional, atentos o seus poderes
cognitivos), a intervenção do Representante do Ministério Público não teve
influência no exame ou decisão da causa.
Tendo os recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade uma função instrumental – de sorte que o juízo neles
proferido tenha, utilmente, de repercutir-se na causa de onde o mesmo emergiu –
se essa repercussão se não atingir, essa forma de impugnação torna-se desprovida
de utilidade.
Como assim, quanto ao recurso atinente ao acórdão de 2 de
Março de 2006, – em vista da não utilidade que resultaria, ainda que o juízo a
emitir por este órgão de administração de justiça fosse no sentido propugnado
pelo impugnante, para o desfecho da decisão recorrida – decide-se do mesmo não
tomar conhecimento.
2.2. Aqui chegados, impõe-se analisar o recurso tocante ao
acórdão de 20 de Outubro de 2005.
Em primeiro lugar, como facilmente resulta do relatório
supra levado a efeito, quanto à totalidade dos normativos agora referidos no
requerimento de interposição deste recurso não foi, precedentemente à prolação
do aresto prolatado no Supremo Tribunal de Justiça, suscitada a sua desarmonia
constitucional.
De facto, no tocante aos preceitos constantes dos artigos
12º e 124º, nº 2, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais aprovado pela Lei
nº 21/85, de 30 de Julho, como deflui do aludido relatório, torna-se claro que o
ora recorrente não impostou qualquer questão de enfermidade com a Lei
Fundamental.
2.2.1. Pelo que tange aos preceitos ínsitos nos números 4 e
5 do artº 85º do mesmo Estatuto, muito embora antes do proferimento do acórdão
agora querido impugnar (o de 20 de Outubro de 2005) o recorrente tivesse
sustentado a desconformidade constitucional de um sentido interpretativo diverso
daquele que preconizou e que se encontrava condensado no item 11. do petitório
de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (e que, posteriormente, reiterou
na alegação), o que é certo é que aquele Alto Tribunal, em tal aresto, quanto à
questão conexionada com a alegada falta de nomeação de um inspector judicial
perante o qual o visado pudesse apresentar defesa, para além de ter entendido
que nos casos em que era dispensado o processo disciplinar, a nomeação de
inspector para aqueles efeitos não era imposta pelos citados preceitos,
perfilhou igualmente um outro fundamento de harmonia com o qual, mesmo a
aceitar-se ser necessária a dita nomeação, a omissão dessa formalidade não
constituiria nulidade procedimental insanável, uma vez que esta somente
ocorreria nas situações de falta de audiência do arguido com possibilidade de
defesa e de omissão de diligências essenciais para descoberta da verdade que
ainda pudessem realizar-se utilmente, o que não era o caso.
Significa isto que, mesmo que porventura este Tribunal,
quanto aos preceitos dos números 4 e 5 do indicado artº 85º, se viesse a
pronunciar e a emitir veredicto de desconformidade constitucional nos moldes
preconizados pelo recorrente, esse eventual juízo não teria repercussão, no
particular da falta de nomeação de inspector judicial para efeitos de a ele ser
apresentada a defesa, no aresto pretendido impugnar, já que sempre subsistiria
aqueloutro fundamento.
Em consequência, e vincada que foi acima a natureza
instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade,
torna-se evidente que, na situação em apreço, no que se prende com a questão da
nomeação de inspector judicial, um qualquer juízo a proferir por este órgão
judicial sobre os citados preceitos se revelaria inútil.
E daí que, por inutilidade, se não tome conhecimento do
recurso no que se prende com aqueles preceitos.
2.2.2. No requerimento de interposição de recurso visando o
acórdão de 20 de Outubro de 2005, para além de se querer ver apreciada a
compatibilidade constitucional dos preceitos vertidos nos artigos 12º, 85º,
números 4 e 5, e 124º, nº 2, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais,
mencionam-se, ainda, com tal desiderato, os preceitos precipitados nos artigos
82º e 86º do mesmo Estatuto.
Assinale-se, em primeira via, que, antes de ser tirado o
acórdão de 20 de Outubro de 2005, no respeitante a estes últimos preceitos
(artigos 82º e 86º), limitou-se o impugnante a sustentar que a respectiva
interpretação era ‘inconstitucional, por violação do disposto nos artºs 18º nºs
1 e 2, 37º n.º 1, 9º e 48º n.º 1 da Constituição da República e 10º, nºs 1 e 2,
e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de
Novembro de 1950 (esta aplicável, em todos os casos, ex vi art.º 8º n.º 2 da
Constituição da República’, não se surpreendendo, nas peças processuais
apresentadas pelo recorrente no decurso do recurso contencioso, uma indicação de
qual fosse a dimensão normativa que, concretamente, tivesse sido levada a efeito
pela impugnada deliberação do Conselho Superior da Magistratura.
Convir-se-á, assim, que este não é um modo processualmente
adequado de colocar a questão de inconstitucionalidade. Na verdade, como, por
variadíssimas vezes, tem sido sublinhado por este Tribunal (cfr., a título
meramente exemplificativo, o Acórdão nº 269/94, publicado na II Série do Diário
da República de 18 de Junho de 1994), estando em causa um normativo alcançado
por intermédio de um processo interpretativo incidente sobre determinado
preceito do ordenamento ordinário, mister é que esse normativo seja devida e
explicitamente enunciado, por sorte a que este órgão jurisdicional emita, sobre
o aludido normativo, o seu veredicto e, vindo, eventualmente, a pronunciar-se
pela sua incompatibilidade constitucional, os destinatários da respectiva
decisão – aqui avultando o tribunal a quo – e os operadores jurídicos em geral
fiquem cientes de qual a interpretação que não deve ser sufragada.
Seja como for, não se poderá passar em claro que aqueles
artigos 82º e 86º dispõem da forma seguinte: –
Artigo 82.º
(Infracção disciplinar)
Constituem infracção disciplinar
os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais
com violação dos deveres profissionais e os actos e omissões da sua vida pública
ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao
exercício das suas funções.
Artigo 86.º
(Pena de advertência)
A pena de advertência consiste em
mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir
o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no
exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a
dignidade que lhe é exigível.
Ora, do acórdão querido colocar sob a censura deste
Tribunal, como bem resulta da ampla transcrição acima efectuada, resulta que
perante os factos que considerou como demonstrados nos autos (e sobre os quais
não tem o este mesmo órgão quaisquer poderes de cognição de modo a poder pôr em
crise o que, neste particular, foi decidido no Alto Tribunal a quo) aquele órgão
jurisdicional perfilhou o entendimento de que os mesmos se podiam subsumir à
previsão constante daqueles preceitos. Vale isto por dizer que, em face da
matéria fáctica tida por assente, o acórdão recorrido assumiu a óptica segundo a
qual a actuação do ora recorrente, por se repercutir na sua vida pública,
violava a dignidade indispensável ao exercício das funções de um magistrado, por
isso constituindo infracção disciplinar, sendo que, tendo em conta a gravidade
de que, na perspectiva do mesmo aresto, se revestia tal infracção, era adequada
a pena de advertência (registada).
Neste contexto, não se lobriga que, quanto a este concreto
ponto, tenha havido, por banda do acórdão de 20 de Outubro de 2005, qualquer
específica ou peculiar conferência de um sentido interpretativo dada aos ditos
preceitos. Pelo contrário, o que então estará em causa é uma mera subsunção dos
factos às previsões constantes daqueles artigos, assinalando-se que, de resto, o
que deflui do item 15. do requerimento de interposição de recurso mais não
significa do que isso mesmo, não podendo essa circunstância abrir a via de
recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, pois o que ali se
contém representa, em rectas contas, o assacar do vício de desarmonia com a Lei
Fundamental à própria decisão judicial tomada no Supremo Tribunal de Justiça.
E, porque objecto daquela espécie de impugnação são normas
e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões
judiciais qua tale consideradas e os actos administrativos, concluir-se-á que
também neste ponto se não pode tomar conhecimento do objecto do recurso.
Em face do que se deixa dito, não se toma conhecimento dos
dois recursos interpostos nestes autos, condenando-se o impugnante nas custas
processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
Requereu o recorrente que, “ao abrigo do disposto nos artºs
69º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 700º n.º 3 do CPC, que o presente
processo seja submetido [à] Conferência e que sobre a matéria sub judice recaia
Acórdão”.
No requerimento em que uma tal pretensão foi deduzida
(presumindo-se que essa pretensão consubstancie a reclamação a que alude o nº 3
do artº 78º-A da Lei nº 28/82, disse o ora reclamante: –
1º
Quando o presente processo disciplinar começa com uma deliberação na qual, à
partida e ainda sem que um qualquer outro acto tivesse sido realizado, ficou
logo definido que iria ser aplicada ao arguido ora reclamante a pena de
advertência registada,
2º
(em português escorreito, a audição do arguido foi um mero pro forma, porque
a decisão já estava tomada à partida; será que o Tribunal Constitucional quer
ver o seu Honrado Nome também publicamente associado a este tipo de actos?)
3º
sendo incontornável que, tal como se encontra expressamente determinado no
n.º 4 do art.º 85° do EMJ (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), o processado
simplificado apenas pode ser usado quando a pena a aplicar é a de advertência
não registada,
4º
quando a sanção foi aplicada sem ter sido nomeado qualquer inspector
judicial, como está expressamente previsto no n.º 5 do mesmo normativo,
5º
e quando, desde o início, o ora reclamante manifestou que, por via das
interpretações desse normativo sucessivamente manifestadas pelo CSM e pelo STJ,
estava a ser violado o seu direito a um julgamento leal mediante processo
equitativo garantido pelos artºs 20° n.º 4 da Constituição da República
Portuguesa, 6° n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em
Roma a 04 de Novembro de 1950 e 10° da Declaração Universal dos Direitos do
Homem adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU, através da sua
Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, (estes últimos ex vi art.º 8°
daquela Constituição),
6º
não pode o reclamante aceitar que se afirme, como é feito na decisão liminar
do Ex.mo Relator que ‘mesmo que porventura este Tribunal, quanto aos preceitos
dos números 4 e 5 do indicado art.º 85°, se viesse a pronunciar e a emitir
veredicto de desconformidade constitucional nos moldes preconizados pelo
recorrente, esse eventual juízo não teria repercussão, no particular da falta de
nomeação de inspector judicial para efeitos de a ele ser apresentada a defesa,
no ares to pretendido impugnar, já que sempre subsistiria aqueloutro fundamento’
(f1s 131).
Efectivamente,
7º
No seus vários articulados, o que o ora reclamante sempre afirmou é que toda
a conduta do CSM e toda a fundamentação expendida por esse Conselho, e não
apenas parte dela – isto é, o entender-se que não é obrigatória a nomeação de
inspector judicial neste tipo de casos, o não ter sido feita essa nomeação de
inspector judicial, o considerar-se que o direito de defesa do ora reclamante
estava suficientemente assegurado por lhe ter sido dada a oportunidade de
responder à interpelação directa, sem a intermediação de um inspector judicial,
que lhe foi feita pelo CSM (e na qual, repete-se, era já indicada a sanção que
iria ser aplicada) e, pior ainda, o entender-se que pode ser usado o processado
simplificado para aplicar uma pena para o qual o mesmo é absolutamente inidóneo,
logo proibido – consubstancia uma interpretação inconstitucional dos nºs 4 e 5
do art.º 85° do EMJ,
8º
porquanto, o CSM, não obstante a sua definição como órgão constitucional, é,
incontornavelmente, um órgão da Administração Pública, o que significa que, ao
contrário do que ocorre com os cidadãos e outros entes privados, está vinculado
não ao princípio da liberdade (‘é permitido tudo o que não é proibido’), mas sim
[à]quele outro princípio que determina, por um lado, que só é permitida a
prática dos actos que se encontram expressamente previstos no âmbito da área de
competência do órgão em causa e, por outro, que os actos expressamente previstos
têm forçosamente que ser praticados.
Ou seja,
9º
o ora reclamante manifestou nos seus Sucessivos articulados que também a
aludida fundamentação que o Ex.mo Relator declarou não estar afectada pelo
veredicto de desconformidade constitucional nos moldes preconizados pelo
recorrente, afinal, o está irremediavelmente.
Por outro lado,
10º
É, na opinião do ora reclamante, completamente inaceitável, por ser um
absoluto sofisma, que possa ser declarado que não pode ser sindicada pelo
Tribunal Constitucional a afirmação produzida no Acórdão do STJ de 02 de Março
de 2006 pela qual se enuncia que determinada intervenção nos autos, a do MºPº,
‘não foi de molde a influenciar na decisão do recurso’ (sic), quando o que se
escreveu no outro Acórdão do STJ recorrido, o de 20 de Outubro de 2005, foi o
seguinte: ‘Notada pelo MºPº (3.) a fragilidade da defesa apresentada, alcança-se
do exposto a conclusão que segue...’ (sic).
11º
Pergunta-se: como pode, nos processos criminais em que fica demonstrada a
verificação dos factos constantes da acusação, sindicar-se qual a vontade real
do arguido agente do crime e afirmar que este agiu ou não com dolo, nomeadamente
quando o mesmo não confessa a prática do acto infractor, a não ser a partir do
seu comportamento e dos juízos de normalidade e de razoabilidade característicos
de um declaratário normal colocado na posição do concreto declaratário?
12º
E, acima de tudo, o que o ora reclamante sempre sustentou é que é
inconstitucional – sempre por violação do já antes referido direito do ora
reclamante a um julgamento leal mediante processo equitativo garantido pelos
artºs 20° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 6° n.º 1 da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950 e 10°
da Declaração Universal dos Direitos do Homem adoptada e proclamada pela
Assembleia Geral da ONU, através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro
de 1948, (estes últimos ex vi art.º 8° daquela Constituição) – entender-se que,
sirva o parecer do MºPº para fundamentar a deliberação do STJ ou não, pode ser
lavrado acórdão sem que seja dada ao arguido/recorrente a possibilidade ou
oportunidade de responder a esse inócuo ou não parecer.
13º
Não existem, portanto e em conclusão, as inutilidades invocadas no ora
reclamado despacho liminar do Ex.mo Relator.
Finalmente e no que respeita ao fundo material da causa,
14º
o que o ora reclamante reputa de inconstitucional é o entendimento de que, à
sombra do dever de reserva previsto no art.º 12° do EMJ, é proibido a um Juiz e
constitui acto incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das suas
funções (art.º 82° do mesmo Estatuto), denunciar e pedir a responsabilização por
ostensivas violações de normas constitucionais e de direito comum praticadas por
outros profissionais do Foro com responsabilidades institucionais iguais ou
maiores que as daquele (de um qualquer Juiz, não apenas do ora reclamante),
15º
quando, elas sim (isto é, essas violações), estão a provocar o desprestígio
de todo o sistema judiciário e a conduzir, com evidente alarme social e
indisfarçável perturbação da Paz Pública, à completa descredibilização desse
sistema e, por arrasto, de todos os que nele exercem funções, incluindo o
próprio denunciante.
16º
O CSM e o STJ sufragam esse entendimento, essa interpretação, da Lei e o ora
reclamante, estribando-se no disposto nos nºs 3 e 8 do art.º 3° do EDFAACRL
aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro, aplicável ex vi art.º 131 ° do
EMJ, do art.º 82° do mesmo EMJ, nos artºs 9°, nomeadamente na alínea c), 48° n.º
1, 202° nºs 1 e 2, 204°, 17°, 18° nos 1 e 2 e 37° n.º 1 da Constituição da
República, 10°, nos 1 e 2, e l4° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950, e 19° da Declaração Universal dos
Direitos do Homem adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU, através da
sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948 (aplicáveis ex vi art.º 8°
n.º 2 da Constituição da República), reputa inconstitucional essa interpretação
e esse entendimento daquelas citadas normas (artºs 12° e 82°) do EMJ;
18º
logo, ao contrário do enunciado pelo Ex.mo Relator, o ora reclamante não
está a impugnar um acto de poder público e uma decisão judicial qua tale.
19º
E, porque isso se inscreve nos seus efectivos poderes de cognição, cabe a
este Honrado e Honorável Tribunal Constitucional dirimir o litígio – definindo
se a um cidadão que é Juiz pode exigir-se que, perante um desastre
institucional, se comporte como os três macacos sábios, que nada vêem, nada
ouvem e nada dizem...
20º
...ou não.
E, em conformidade com o exposto, requer o ora reclamante que, revogando-se o
despacho liminar do Ex.mo Relator, sejam admitidos os dois recursos que interpôs
no presente processo, com todas as legais consequências decorrentes dessa
deliberação.”
Ouvido sobre a reclamação, o Conselho Superior da
Magistratura não veio a efectuar pronúncia.
Cumpre decidir.
2. É suficiente a leitura da reclamação em apreço para se
concluir que o que se contém na decisão de 3 de Abril de 2006, agora impugnada,
é de manter.
Efectivamente, na mesma, e no que ora releva, foi dito, no
que concerne ao recurso interposto do acórdão lavrado no Supremo Tribunal de
Justiça em 2 de Março de 2006, que esse aresto se socorreu, na sua parte final,
de um outro argumento por via do qual, mesmo admitindo que não tivesse validade
(do ponto de vista constitucional) o prescrito no artº 176º da Lei nº 21/85, de
30 de Julho, o que era certo era que a intervenção do Ministério Público
(precipitada no «parecer» que exarou nos autos) não teve influência no exame ou
na decisão da causa, pelo que, ainda que a «nulidade», «irregularidade» ou
«invalidade» cometida com base nesse raciocínio hipotético (ou seja, no
raciocínio de que enfermava de inconstitucionalidade aquela disposição legal) se
verificasse, isso não era susceptível de conduzir a qualquer anulação do
processado nos termos do nº 1 do artº 201º do Código de Processo Civil.
E sobre a conclusão de que, a existir a mencionada
«nulidade», «irregularidade» ou «invalidade» processual, ela não se
apresentaria, in casu, dotada de suficiente relevo determinante da uma
influenciação no exame ou na decisão da causa, é por demais óbvio que não cabe a
este Tribunal exercer qualquer censura, por tal se não conter nos seus poderes
cognitivos, não se lobrigando que uma tal postura constitua qualquer «sofisma».
Ora, não estando em causa neste recurso aquela última norma
do diploma adjectivo civil (o nº 1 do artº 201º) – que foi a que suportou aquele
fundamento adjuvante – torna-se claro que, como se sublinhou na decisão
reclamada, mesmo que este Tribunal viesse a considerar conflituante com a Lei
Fundamental o falado artº 176º, a decisão ínsita no acórdão de 2 de Março de
2006 – no particular de não determinar a anulação do processado – se haveria de
manter.
A reclamação em espécie, por outro lado, não carreia
qualquer argumento que, neste ponto, possa, na perspectiva deste Tribunal,
infirmar o que na decisão de 3 de Abril de 2006 foi dito, pelo que, no tocante
ao intentado recurso daquele acórdão, é de manter o decidido.
2.1. Igualmente se não divisa que a decisão em crise tenha
elaborado em erro quando na mesma se assinalou que, quanto aos artigos 12º e
124º, nº 2, da Lei nº 21/85, não foi questionada, precedentemente ao acórdão de
20 de Outubro de 2005, a sua incompatibilidade com o Diploma Básico, sendo certo
que não parece resultar da reclamação que esse específico ponto daquela decisão
– e reportadamente ao artº 124º – seja agora posto em causa, o mesmo sucedendo
quanto ao decidido no que respeita aos números 4 e 5 do artº 85º da mesma Lei.
E, no que tange, ainda pelo que respeita àquele acórdão, ao
artº 82, também da Lei nº 21/85, o Tribunal reafirma o que se surpreende no
ponto 2.2.2. da decisão impugnada, anotando-se que em tal aresto não se encontra
«rasto» de qualquer asserção da qual decorra que ele levou a efeito uma
interpretação daquele preceito por sorte a considerar que «constitui acto
incompatível com a dignidade de um juiz a denúncia e pedido de responsabilização
por ostensivas violações de normas constitucionais e de direito comum praticadas
por outros profissionais do Foro com responsabilidades institucionais iguais ou
maiores que as daquele juiz», acto esse ao qual foi subsumido comportamento tido
por demonstrado. E, por isso, não poderia ter sido tomada em conta essa dimensão
interpretativa, motivo pelo qual tem pleno cabimento o que ficou expresso nos
primeiro e segundo parágrafo de fls. 19 da decisão em causa (fls. 133 dos
autos).
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se
o impugnante nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades de conta a
taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Maio de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício