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Processo n.º 307/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A. e B., melhor identificadas nos autos, recorrem para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo a fiscalização da
constitucionalidade do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 197-A/95,
de 17 de Março, por violação dos artigos 13.º, 62.º, n.º 2, e 94.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa.
2 – As recorrentes interpuseram, no Supremo Tribunal
Administrativo, recurso contencioso pedindo a anulação dos despachos conjuntos
do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do
Secretario de Estado do Tesouro e Finanças, que lhes atribuíram as indemnizações
definitivas pelo património nacionalizado no âmbito da “Lei da Reforma Agrária”
e pelos produtos florestais (cortiça) comercializados pelo Estado durante a
ocupação temporária dos prédios que lhes pertenciam.
Por acórdão de 11 de Fevereiro de 2004, o Supremo Tribunal
Administrativo concedeu provimento parcial ao recurso, mantendo inalteradas as
indemnizações atribuídas às Recorrentes pela expropriação dos seus prédios.
Discordando do decidido quanto à parte do recurso que improcedeu, as
Recorrentes interpuseram recurso para o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo, aí reiterando, inter alia, a inconstitucionalidade do regime
estabelecido no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 197-A/95, de 17 de
Março, na medida em que, no seu entendimento, a aplicação de tal norma
conduziria a uma indemnização manifestamente irrisória.
3 – Por acórdão de 16 de Fevereiro de 2005, o Supremo Tribunal
Administrativo negou provimento ao recurso, considerando, na parte relevante
para a questão de constitucionalidade, que:
“(...)
Este STA, tanto nas Subsecções como no Pleno vem, de há muito, assinalando que
as indemnizações decorrentes da chamada reforma agrária não estão sujeitas à
regra de «uma reconstituição integral», mas à «atribuição de compensação
pecuniária que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na
ideia de Estado de Direito e que não conduzam ao estabelecimento de montantes
irrisórios» (expressões que, a título ilustrativo, se extraem do acórdão de
4/6/02, proferido no rec. n.º 47.420). Não é, pois, por mero acaso que as
recorrentes qualificam de irrisória a indemnização fixada no despacho conjunto,
sendo claro que elas sabem ser essa a «via optima» para obter a desaplicação do
regime legal definidor da indemnização.
Mas a argumentação das recorrentes não é persuasiva. Em termos absolutos,
irrisório é o que, pela sua insignificância, merece pouca ou nenhuma
consideração; e, se à palavra quisermos emprestar um sentido relacional – como
claramente as recorrentes intentam – será irrisório o valor que, por tanto se
afastar do seu correlativo, se mostre desprezível e rejeitável. Ora, não pode
qualificar-se de irrisória – use-se a palavra num dos seus sentidos próprios,
que é o primeiro, ou no seu sentido translato, que é o segundo – uma
indemnização de 593.420,77 euros, que foi a estabelecida pelo despacho conjunto.
E, não sendo a indemnização irrisória, as regras que a aplicaram não brigam com
o preceito constitucional que regula o regime decorrente das situações da
reforma agrária, pois esse preceito, que é o art. 94º da CRP, não tem o exigente
alcance do art. 62º da Lei Fundamental (a norma que estabelece a garantia do
direito de propriedade privada pela exigência do pagamento de justa
indemnização). Deste modo, e mesmo que se admita que a indemnização fixada não é
a contrapartida exacta do valor dos bens nacionalizados, não se vê qualquer
justificação para se julgar inconstitucional o n.º 1º da Portaria n.º 197-A/95,
como as recorrentes clamam.
Ademais, e porque o regime legal de determinação das indemnizações devidas pelas
vicissitudes da reforma agrária se apresenta como um bloco de legalidade
completo, soçobra a pretensão subsidiária das recorrentes de, a pretexto de
quaisquer lacunas nele detectáveis, se recair na necessidade de se recorrer à
prova pericial.
Ante o exposto, estamos agora em condições de considerar improcedentes ou
irrelevantes as conclusões II a XXIV da alegação de recurso.
Passemos às conclusões seguintes, em que as recorrentes sustentam que a
Subsecção errou ao não aceitar que a cortiça que existia em estado de maturação
no momento em que os prédios foram ocupados, e que só foi colhida nos anos
seguintes, devia ser havida como fruto pendente para efeitos de indemnização.
Também aqui as recorrentes afrontam uma jurisprudência consolidada – como,
aliás, decorre do teor do acórdão recorrido, que procedeu a uma extensa e
esclarecedora transcrição de um aresto deste Pleno sobre o assunto. Porque
continuamos a mantermo-nos fiéis a essa jurisprudência, aqui a reiteramos; e
somente diremos que, tendo os prédios sido ocupados em 1975, é óbvio que a
cortiça apenas extraída em anos futuros não existia como fruto pendente à data
da ocupação – atenta a periodicidade da produção dos frutos (art. 212º do Código
Civil). Portanto, e no que respeita a essa cortiça, o que havia que indemnizar
era o rendimento florestal líquido que os prédios produziram durante o tempo em
que os beneficiários de tais rendimentos deles estiveram privados, o que se
conseguia segundo a directriz do art. 5º, n.º 2, al. d), do DL n.º 199/88, e não
nos termos do n.º 3º, al. c), da Portaria n.º 197-A/95, de 17/3.
Consequentemente, soçobram as conclusões XXV a XXXIII, que ultimamente estiveram
sob análise. E, improcedendo ainda a conclusão I, que meramente antecipa o
sentido das que se lhe seguem, temos que o aresto «sub judicio» deve manter-se
integralmente na ordem jurídica.
Nestes termos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e
em confirmar o acórdão recorrido”.
4 – Novamente inconformadas, as Recorrentes interpuseram, nos
termos supra descritos, o presente recurso de constitucionalidade, e,
notificadas para o efeito, concluíram as suas alegações invocando que:
«I. O Artigo 1º, nº 1, al. a), da Portaria 197-A/95, de 17 de
Março, aplicado pelo Douto Acórdão da 1ª Secção do STA, proferido neste processo
em 16/02/2005 é materialmente inconstitucional, por violação do Art. 62º, nº 2,
ou 94º, nº 1, da CRP.
II As recorrentes foram expropriadas em cerca de 225 ha nunca
mais devolvidos.
III. A Indemnização que lhes foi atribuída pela expropriação do seu
património rústico é irrisória quando comparada com o valor do ha pago relativo
às expropriações feitas pelo Estado nos dias actuais, correspondendo a uma 10ª
parte do valor justo.
IV O valor calculado por ha não tem qualquer correspondência com o
seu valor real.
V. A indemnização calculada não contempla o justo ressarcimento
dos reais prejuízos sofridos, o que constitui violação de Lei.
VI. A legislação aplicável a esta matéria é vasta e
abundante, e coexiste com legislação de âmbito geral em sede de expropriações,
bem como com alguns diplomas marginais.
VII. 'As indemnizações definitivas pela expropriação ou
nacionalização ao abrigo da legislação da reforma agrária serão fixadas com base
em no valor real e corrente desses bens e direitos,..., de modo a assegurar uma
justa compensação pela privação dos mesmos bens e direitos'
VIII. 'As lacunas na interpretação e aplicação das normas do
presente diploma (DL. 199/88) serão preenchidas mediante recurso ao Código das
Expropriações ou, subsidiariamente, à lei geral e aos princípios gerais de
direito.'
IX. O preceito em crise viola ainda os Direitos e Deveres
Fundamentais consagrados nos arts. 12º e 13º da CRP.
X. Nos termos do art. 1º do Protocolo 1º da CEDH o regime
derivado do preceito em crise consubstancia uma verdadeira violação do Direito
de Propriedade.
XI. Viola a aplicação da supracitada Portaria e a
interpretação de que dela é feita, os mais elementares Princípios Gerais de
Direito.
XII. Razões pelas quais deverão ser os preceitos ora feridos de
legalidade declarados Inconstitucionais.
(…)».
A título de “questão prévia”, sustentaram ainda as Recorrentes
o seguinte:
“1. O objecto do presente pleito prende-se com as expropriações decorrentes do
fenómeno da chamada Reforma Agrária que teve lugar em Portugal como consequência
da revolução de 25/04/1974, relativo ao património rústico das autoras, e com as
pretensas indemnizações que o Estado português tem vindo a pagar.
2. No caso que ora nos ocupa apreciar, para alem do património que foi
expropriado e posteriormente devolvido às recorrentes ao abrigo das Leis da
Reforma Agrária, foram às mesmas definitivamente expropriados cerca de 225 ha
nunca mais devolvidos.
3. A não devolução do património expropriado viola o disposto no
artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ou, pelo menos,
conforme decorrerá destes autos, o artigo 94.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
4. A indemnização que lhes foi atribuída pela expropriação do
seu melhor solo rústico é irrisória porquanto o valor calculado por Hectare
(ha), não tem qualquer correspondência com o seu valor real.
5. A indemnização calculada não contempla o justo ressarcimento
dos reais prejuízos sofridos, o que constitui violação de lei.
6. As recorrentes nestes autos de modo diligente esgotaram todos
os meios judiciais à sua disposição”.
5 – Contra-alegou o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento
Rural e das Pescas, pugnando pela improcedência do recurso com base nos
seguintes argumentos:
«Os recorrentes alegam a inconstitucionalidade material do art. 1º nº 1 al. a)
da Portaria nº 197-A/95 de 17 de Março, por violação do art. 62º nº 2 ou 94º nº
1 da Constituição da República, por, no seu entender, da sua aplicação para
apuramento da indemnização a ser paga aos proprietários definitivamente
expropriados no âmbito da reforma agrária resultarem valores irrisórios quando
comparados com os valores pagos pelo Estado a proprietários actualmente
expropriados no âmbito do Código das Expropriações.
Segundo os mesmos recorrentes, o valor assim encontrado não contempla o justo
ressarcimento dos prejuízos sofridos, o que constitui violação dos princípios
constitucionais consagrados, nomeadamente, nos artigos violados.
As questões suscitadas pelos recorrentes têm sido objecto de várias decisões do
Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, sendo a
jurisprudência de ambos os Venerandos Tribunais pacífica, no sentido da
constitucionalidade material de todos os preceitos ínsitos nos vários diplomas
que fixaram o modo de apuramento das indemnizações no âmbito da reforma agrária,
sendo igualmente unânime, quer quanto à legalidade quer quanto à
constitucionalidade, a interpretação e aplicação que deles vem sendo feita pela
Administração.
A primeira questão que tem de se colocar é que o valor real dos bens
expropriados é aquele que tais bens tinham no mercado à data da sua ocupação,
expropriação ou nacionalização, consoante o que tenha ocorrido em primeiro lugar
– art. 7º nºs 1 e 2 do DL nº 199/88, de 31 de Maio.
Este valor real ou corrente dos bens expropriados, segundo o preâmbulo do mesmo
diploma '...há-de resultar da aplicação de um método que permita, com rigor
técnico e objectividade, apurar o valor corrente dos bens e direitos a
indemnizar, isto é, o valor provável da transacção desses bens', repete-se, na
data da ocupação, e tais valores, como consta do mesmo preâmbulo 'não
correspondem naturalmente aos valores actuais desses bens e direitos...' dado o
tempo decorrido.
Esta diferença de valor, porém, segundo o mesmo preâmbulo é compensada pela
aplicação de uma taxa de juros.
Para apuramento desse valor real, o legislador fixou no art. 10º do mesmo
diploma os critérios que deviam ser seguidos.
Seguindo estes critérios, a Portaria nº 197-A/95 no seu nº 1, atendendo aos
valores médios de 1975-1976, veio fixar o valor de cada hectare, tendo em conta
a classe do solo, as plantações e as construções existentes, segundo método
analítico que é seguido em qualquer avaliação.
Este seria o valor de venda que teria o património expropriado na data da
expropriação, ou seja, seria o 'valor' que os recorrentes perderam.
A actualização do 'valor' perdido é feita por aplicação das taxas de
capitalização (5%) previstas no Anexo IX do DL nº 199/88, a que acresce, até ao
efectivo pagamento, os juros previstos no art. 24º da Lei nº 80/77.
Os recorrentes não contestam estes critérios e procedimentos. Limitam-se a
referir que os valores encontrados são irrisórios.
Ora, o conceito de irrisório é relativo e, de qualquer modo, sempre se dirá que
85.400$00/por hectare em 1975, que os recorrentes dizem ser o atribuído, não é,
segundo os critérios comuns e de bom senso, irrisório. Basta atentar no
vencimento que auferia, nesse data, qualquer Magistrado dos Tribunais
Superiores.
Por outro lado, não pode ser considerado irrisório o valor apurado, só porque é
inferior às indemnizações atribuídas a expropriados, fora do âmbito da reforma
agrária. Com efeito, o critério e a fixação da indemnização por nacionalização
não tem que ser o mesmo para todos os casos. Tais critérios podem ser diferentes
conforme o tipo e o montante dos bens nacionalizados e os fins que se pretendem
atingir com a nacionalização.
O que se exige é que para bens expropriados ou nacionalizados à luz da mesma lei
e para os mesmos fins, seja dado o mesmo tratamento e sejam seguidos os mesmos
critérios de fixação da indemnização.
E este foi o critério seguido para a fixação da indemnização dos recorrentes,
aplicando-se a todos os expropriados no âmbito da reforma agrária, os valores
estipulados no art. 1º nº 1 al. a) da Portaria nº 197-A/95.
E tal preceito não viola qualquer princípio ou artigo da Constituição, muito
menos o art. 62º que, como é jurisprudência unânime, não é aplicável às
indemnizações no âmbito da reforma agrária. Aliás, o Tribunal Constitucional
consagrou o entendimento de que o nº 2 do art. 62º da CRP que estabelece que 'a
requisição ou expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com
base na lei e mediante pagamento de justa indemnização' não é aplicável nesta
matéria, por a indemnização por expropriação no âmbito da reforma agrária estar
previsto nos arts. 83º e 94º. E no primeiro dos artigos prevê-se que os
critérios sejam fixados em lei ordinária, desde que os critérios fixados não
conduzam ao estabelecimento de montantes irrisórios.
E foi em obediência a este preceito e como desenvolvimento da Lei nº 80/77 que
foram fixados os valores previstos no preceito em apreço, que nada colide com
aqueles artigos da Constituição.
Ou seja, cabe à lei ordinária fixar os critérios da indemnização por
expropriação, podendo os critérios fixados serem diferenciados de acordo com os
fins da expropriação e a lei à luz da qual a mesma é feita, desde que tais
critérios sejam aplicados a todas as situações iguais e os valores encontrados
não sejam irrisórios, critérios que o nº 1 do art. 1º da Portaria nº 197-A/95,
satisfaz.
(…)».
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
6 – O artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 197-A/95, de 17 de Março,
norma cuja fiscalização da constitucionalidade é requerida a este Tribunal, tem
a seguinte redacção:
“1.º - 1 – Para efeitos da avaliação definitiva do património fundiário
expropriado ou nacionalizado, que não tenha sido devolvido, prevista no artigo
10.º do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, devem ser considerados:
a) Para a terra, os rendimentos líquidos
médios das diferentes classes de aptidão constantes do quadro anexo n.º 1 e as
taxas de capitalização que constam do anexo IX ao Decreto-Lei n.º 199/88, de 31
de Maio;
b) (...);
c) (...).”
Por seu turno, os parâmetros constitucionais invocados pelas Recorrentes –
artigos 13.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 94.º, n.º 1, da Constituição – têm a
seguinte redacção:
“Artigo 13.º (Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. (...)”.
Artigo 62.º (Direito de propriedade privada)
1. (...)
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas
com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Artigo 94.º (Eliminação dos latifúndios)
1. O redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão
excessiva do ponto de vista dos objectivos da politica agrícola será regulado
por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário à
correspondente indemnização e à reserva de área suficiente para a viabilidade e
a racionalidade da sua própria exploração.
2. (...)”.
7 – Antes de considerar o problema da constitucionalidade do artigo 1.º, n.º 1,
alínea a), da Portaria n.º 197-A/95, importa dar resposta à “questão prévia”
suscitada pelas Recorrentes nas suas alegações de recurso.
Conforme decorre do exposto, as Recorrentes consideram
inconstitucional, por violação do artigo 62.º da Constituição, a não devolução
do património expropriado.
Apesar de tal vício ter sido alegado logo no recurso de
anulação dos actos administrativos que fixaram os valores das indemnizações
devidas às Recorrentes, é manifesto que o Tribunal Constitucional não pode
conhecer de tal questão.
Desde logo porque exorbita da delimitação do objecto do
recurso, tal como este veio definido, no requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade, pelas Recorrentes.
Depois, em segundo lugar, porque a questão da não devolução do
património, tal como foi suscitada em questão prévia, não consubstancia qualquer
problema de constitucionalidade normativa.
Finalmente, mesmo a inexistirem os mencionados obstáculos, não
pode olvidar-se que o Supremo Tribunal Administrativo não tomou conhecimento
dessa questão por entender que “o presente processo destina-se a analisar a
legalidade da atribuição da indemnização definitiva às Recorrentes em função dos
feitos que as atingiram a coberto da aplicação da Reforma Agrária e, sendo
assim, e sendo que, aqui, não está sob escrutínio qualquer decisão determinante
dessa não devolução de património não cabe conhecer e decidir tal questão”.
Deste modo, estando os recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do
artigo 70.º, da LTC, limitados à fiscalização da constitucionalidade de normas
aplicadas pela decisão recorrida, não há que tomar conhecimento da matéria
vertida na mencionada “questão prévia” quanto à “constitucionalidade” da não
devolução do património expropriado, ficando, por isso, o recurso limitado à
fiscalização, sub species constitucionis, do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da
Portaria n.º 197-A/95, de 17 de Março.
8 – Para melhor se perspectivar o sentido da norma sindicanda,
designadamente quanto às remissões que nela são efectuadas, começar-se-á por
traçar um breve esquisso do regime legal relativo às indemnizações devidas aos
ex-titulares de direitos sobre os prédios nacionalizados ou expropriados ao
abrigo das Leis da Reforma Agrária
8.1 – Tal matéria começou por estar regulamentada na Lei n.º
88/77, de 26 de Outubro, onde se dispôs no seu artigo 1.º, que: “ [1.] Do
direito à propriedade privada, reconhecido pela Constituição, decorre que, fora
dos casos expressamente previstos na Constituição, toda a nacionalização ou
expropriação apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de justa
indemnização. [2.] As nacionalizações de empresas, de acções e outras partes do
capital social de empresas privadas, as nacionalizações de prédios realizadas
nos termos do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, e as expropriações
efectuadas ao abrigo das Leis da Reforma Agrária, desde 25 de Abril de 1974,
conferem aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados ou
expropriados o direito a uma indemnização, liquidada e efectivada nos termos da
lei”.
De acordo com o mesmo diploma, a “determinação do valor da
indemnização” seria provisoriamente calculado “relativamente aos prédios
rústicos, em função do valor fundiário, calculado a partir do rendimento
inscrito na matriz à data da expropriação e com aplicação de taxas de
capitalização, a fixar, para cada concelho, por decreto-lei” (artigo 8.º, n.º 1,
alínea a)), sendo que, nos termos do artigo 15.º, o valor definitivo da
indemnização seria fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da
Agricultura e Pescas, após fixação, por decreto-lei, dos critérios de avaliação
dos prédios nacionalizados ou expropriados no âmbito da reforma agrária.
8.2 – Os critérios para a determinação dos valores devidos no
caso das nacionalizações ou expropriações realizadas ao abrigo das leis da
reforma agrária vieram posteriormente a ser estabelecidos com o Decreto-Lei n.º
199/88, de 31 de Maio.
Neste diploma, estipulou-se que seriam “objecto imediato de
indemnização definitiva (...) os prédios rústicos objecto de expropriação ou
nacionalização ao abrigo da legislação sobre reforma agrária, neles se
compreendendo todo o capital fundiário constituído por terra e plantações,
melhoramentos fundiários e obras e construções” (artigo 2.º, n.º 1, alínea a)),
devendo tal indemnização compensar “a perda do direito de propriedade, perfeita
ou imperfeita” sobre tais prédios (artigo 3.º, n.º 1, alínea a)).
Quanto aos critérios fixados para determinação do valor das
indemnizações, dispôs-se, no artigo 10.º, que:
“1 – O valor do capital fundiário resulta da soma dos dois
valores seguintes:
a) Valor da terra, plantações e melhoramentos fundiários;
b) Valor das construções.
2 – O valor da terra, plantações e melhoramentos fundiários será calculado de
acordo com o método analítico geral para avaliação da propriedade rústica, em
função do rendimento líquido médio anual susceptível de ser obtido por uma
exploração racional da terra, tendo em atenção:
a) O estado real da terra no momento da ocupação, nacionalização ou
expropriação, a natureza do terreno e do subsolo, a sua configuração e condições
de acesso, os melhoramentos e benfeitorias fundiárias existentes, o clima da
região e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no
rendimento da terra, quer as mesmas figurem quer não no cadastro ou na matriz do
prédio rústico e qualquer que seja o valor neles inscrito;
b) As culturas predominantes na região para exploração de um prédio rústico com
as características do prédio a avaliar, sem a consideração de novos
investimentos realizados após a ocupação, nacionalização ou expropriação, ou que
poderiam ter sido realizados, e sem a consideração de quaisquer mais-valias
resultantes da transformação industrial dos produtos dessas culturas ou de
quaisquer destinos dos terrenos alheios à sua condição de prédios rústicos;
c) Os preços médios dos produtos da terra, os custos médios dos factores de
produção e as taxas de capitalização indicados nos anexos a este diploma nºs1 a
9.
3 – ....
4 – ....
5 – ....”.
8.3 – Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/91, de
29 de Maio, que deu uma nova redacção ao artigo 10.º, n.º 2, alínea c), passando
a dispor-se aí que:
“Artigo 10.º
1 – ...
a) ...
b) ...
2 – ...
a) ...
b) ...
c) Os rendimentos líquidos médios e os valores fundiários a definir em portaria
conjunta dos Ministérios das Finanças e da Agricultura, Pescas e Alimentação”.
8.4 – Este preceito foi novamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/95, de 14 de
Fevereiro, que lhe deu a seguinte redacção:
“Artigo 10.º
1 – ...
a) ...
b) ...
2 – ...
a) ...
b) ...
c) Os rendimentos líquidos médios e os valores fundiários”.
8.5 – Posteriormente, a Portaria n.º 197-A/95, de 17 de Março, veio
“estabelece[r] as fórmulas técnicas necessárias à determinação das indemnizações
previstas no Decreto-Lei n.º 38/95, de 14 de Fevereiro”, dispondo, no seu artigo
1.º, que:
“1 – Para efeitos da avaliação definitiva do património fundiário expropriado ou
nacionalizado, que não tenha sido devolvido, prevista no artigo 10.º do
Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, devem ser considerados:
a) Para a terra, os rendimentos líquidos médios das diferentes classes
de aptidão constantes do quadro anexo n.º 1 e as taxas de capitalização que
constam do anexo IX ao Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio;
b) ....
c) ....
2 – Aos valores da avaliação a que se refere o n.º 1 devem acrescer os
respectivos juros, calculados nos termos dos artigos 19.º e 24.º da Lei n.º
80/77, de 26 de Outubro”.
9 – Cumprida tal explicitação, importa agora confrontar a norma
sindicanda com os parâmetros constitucionais pertinentes.
9.1 – Como é consabido, a jurisprudência deste Tribunal tem
tratado, em diversos ensejos, alguns dos problemas relativos às indemnizações
concedidas aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados ou
expropriados – cf., entre outros, os Acórdão nºs 39/88 (Diário da República I
série, n.º 52, de 3 de Março de 1988), 85/2003 (Diário da República II Série,
n.º 253, de 31 de Outubro de 2003), 148/2004 (Diário da República II Série, n.º
125, de 28 de Maio de 2004) e, mais recentemente, o Acórdão n.º 144/05 (Diário
da República II Série, n.º 112, de 14 de Junho de 2005).
Um dos aspectos particularmente relevantes que foi sendo evidenciado nos arestos
que se debruçaram sobre esta temática, e igualmente pertinente para o caso sub
judicio, diz respeito à diferente natureza das expropriações por utilidade
pública – referidas no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição – e das
nacionalizações ou “expropriações” decorrentes da apropriação pública dos meios
de produção e das unidades de exploração agrícolas – referidas nos artigos 83.º
e 94.º da Constituição –, com importantes reflexos no enquadramento das
respectivas indemnizações à luz do quadro constitucional.
Sobre o assunto, no citado Acórdão n.º 39/88, deixou-se consignado que:
“(…)
2 – A problemática das indemnizações
2.1 – Um dos fins que se apontam às nacionalizações é o de colocar nas mãos dos
poderes públicos funções de direcção e de coordenação da economia, que – com ou
sem razão, não importa – se entende estão a ser mal exercidas pela iniciativa
privada. Outro objectivo que, com a nacionalização, se pretende atingir é
melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores da «unidade
produtiva» nacionalizada.
Como assinala Mota Pinto, Direito Público da Economia, Coimbra, lições de
1982-1983, p. 170, a nacionalização é, assim, um acto político, expresso embora
num acto jurídico, com o qual se transferem bens da propriedade privada para a
propriedade pública, «com o intuito de [os] gerir no interesse colectivo». O que
mais importa na nacionalização – diz Manuel Afonso Vaz, Direito Económico,
Coimbra, 1977, p. 187 –, «não é o valor real do património do bem ou bens, mas o
facto de se tratar de uma ‘unidade produtiva’». Do que, fundamentalmente, se
trata é, pois, de subtrair à propriedade privada determinados bens, em virtude
de – como já se disse – se entender que é do interesse da colectividade que eles
passem para a titularidade do Estado e sejam geridos de acordo com o interesse
geral.
2.2 – A circunstância de a nacionalização ser um acto político (com forte carga
ideológica por isso mesmo) vai, naturalmente, ter implicações na questão da
indemnização.
Assim, informa Mota Pinto, ob. cit., p. 175, que alguns países do Leste europeu,
como a Roménia, a República Democrática Alemã, a Checoslováquia, etc., cujas
constituições consagravam o princípio da indemnização – contrariamente ao que
sucedia com a Constituição da URSS –, nacionalizaram, mas não pagaram quaisquer
indemnizações, porque as normas regulamentadoras nunca foram promulgadas. (Sobre
o tema, cf. também Fernando José Bronze, «as indemnizações em matéria de
nacionalizações», cit.)
No Ocidente europeu, porém, os Estados pagaram as correspondentes indemnizações
aos titulares dos bens nacionalizados, muito embora a França não tenha
indemnizado no caso das empresas que foram nacionalizadas a título
sancionatório, por terem colaborado com o regime nazi, como sucedeu com a
Renault. E muito embora também, em muitos casos, a indemnização tenha sido
apenas parcial e efectuada através de títulos do Estado que, ficando
temporariamente imobilizados, viram o seu valor depreciar-se a grande velocidade
– como informa José Fernando Nunes Barata, in Polis, 4, vocábulo
«Nacionalização», colunas 515 e segs. (Sobre o tema, cf. Gaspar Ariño Ortiz, «La
indemnizacion en las nacionalizaciones», in Revista de Administración Pública,
nºs 100-102, 1983, vol. III, pp. 2789 e segs.)
Quando, pois, como sucede entre nós, a Constituição garante o direito de
propriedade privada (cf. artigo 62.º, n.º 1) e, em certos termos, a livre
empresa (cf. artigo 61.º, n.º 1) a nacionalização de bens tem, em princípio, que
dar lugar a indemnização – e a indemnização que obedeça a um princípio de
justiça.
2.3 – A nossa Constituição preceitua, no artigo 82.º, que a «lei determinará os
meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização de meios de
produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações». Isso depois de, no
artigo 62.º, n.º 2, estabelecer que «a requisição e a expropriação por utilidade
pública só podem ser efectuadas com base na lei, e, fora dos casos previstos na
Constituição, mediante pagamento de justa indemnização».
Um caso há, de facto, previsto na Constituição, em que a expropriação não
confere direito a indemnização: trata-se da expropriação de bens económicos ao
abandono, quando esse abandono seja injustificado (cf. artigo 87.º, n.º 2, da
Constituição).
O texto constitucional, na sua versão originária, permitia ainda que a lei
determinasse que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e
empresários não desse lugar a qualquer indemnização (cf. o então n.º 2 do artigo
82.º). O legislador ordinário não enveredou, porém, por esse caminho.
2.4 – O regime das indemnizações por nacionalização previsto na lei é, entre
nós, como informa Mota Pinto, Direito Económico Português, cit., p. 20) «um
regime que é diferente, e mais desfavorável para os anteriores titulares, do
consagrado nos países da Europa Ocidental onde houve nacionalizações» e «é,
igualmente, diverso da ausência de indemnização que caracterizou as
nacionalizações do Leste europeu». «Escolheu – continua o mesmo autor – uma
espécie de terceira via: nem indemnização do valor objectivo com tratamento
igual dos accionistas, independentemente do volume da carteira de acções de cada
um, nem nacionalização sem qualquer indemnização».
[...]
3.2 – Já atrás se anotou que, entre nós, as nacionalizações foram feitas, na
quase totalidade, antes da promulgação da Constituição de 1976. Esta, como já se
disse, veio consagrar o princípio geral do direito à indemnização dos
ex‑titulares dos bens ou direitos nacionalizados (cf. artigo 82.º), embora com
uma excepção – a do n.º 2 do artigo 87.º
A indemnização visa compensar os proprietários privados pelo prejuízo sofrido
com a nacionalização – o que é uma exigência do Estado de direito democrático.
Aquele direito à indemnização dos ex-titulares dos bens nacionalizados foi,
depois, consagrado como princípio geral pelo artigo 1.º da citada Lei n.º 80/77.
3.3 – É o regime legal constante da norma atrás transcrita que, agora, há que
confrontar com o princípio constitucional da indemnização. E que conferi-lo, bem
assim, com outras normas da lei fundamental que, no caso, interessam.
Antes de proceder a esse confronto, indicar-se-á – sumariamente embora – o que,
a propósito do binómio nacionalização/expropriação, se dispõe nalguns textos
internacionais. E, para além disso, procurar-se-á estabelecer a distinção entre
aquelas duas figuras jurídicas – a nacionalização e a expropriação.
No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de
Dezembro de 1948) preceitua, no artigo 17.º, que «toda a pessoa, quer isolada
quer como colectividade, tem direito à propriedade» (n.º 1) e que «ninguém pode
ser arbitrariamente privado dela» (n.º 2).
Proíbem-se, assim, as nacionalizações arbitrárias, ou seja, as nacionalizações
que não forem determinadas por razões de interesse público, de ordem pública ou
como sanção penal, ou que se façam sem atribuição de indemnização ou com
indemnização manifestamente inadequada (cf. Giovani Pau, «La nazionalizzazione
nei rapporti internazionali», in Studi economico-giuridici, Padova, 1953, pp. 96
e segs.).
A indemnização tem, assim, que ser razoável ou, pelo menos, aceitável.
O Protocolo n.º 1 (20 de Março de 1952), adicional à Convenção Europeia de
Protecção dos Direitos do Homem (4 de Novembro de 1950), determina, no seu
artigo 1.º, que qualquer pessoa «tem direito ao respeito dos seus bens» – daí
que «ninguém possa ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade
pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais de direito
internacional».
Significa isto que aquele artigo 1.º não impõe aos Estados a obrigação de
indemnizar os seus nacionais quando, por razões de utilidade pública e nas
condições previstas na lei, os priva do seu direito de propriedade (cf.
Resolução da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, de 16 de Dezembro de 1966,
in Pinheiro Farinha, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, Lisboa,
s/d, p. 167). Essa obrigação já a têm, porém, os Estados quando os bens
nacionalizados ou expropriados pertencerem a cidadãos estrangeiros.
De facto, o Comité de Ministros, quando aprovou o Protocolo n.º 1, sublinhou que
«os princípios gerais do direito internacional, na sua aceitação actual, impõem
a obrigação de indemnizar os não nacionais no caso de expropriação» (reunião de
19 de Março de 1952, do Comité de Ministros – Paris). Para além de que, tendo
Portugal feito reserva àquele artigo 1.º, por virtude do que, então, preceituava
o artigo 82.º, n.º 2, da Constituição [cf. Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro,
artigo 4.º, alínea a)], a França, o Reino Unido e a República Federal da
Alemanha exprimiram a posição de que os princípios de direito internacional
postulavam uma indemnização rápida, razoável e efectiva (pronta, adequada e
efectiva), quando se trate da expropriação de cidadãos estrangeiros, pelo que
aquela reserva haveria de ser entendida como dizendo respeito apenas aos bens
dos cidadãos nacionais (cf. Pinheiro Farinha, ob. cit.).
A Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, adoptada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas (12 de Dezembro de 1974), prescreve, no seu artigo 2.º,
n.º 2, alínea c):
Cada Estado tem o direito [...] de nacionalizar, expropriar ou transferir a
propriedade dos bens estrangeiros, casos em que deverá pagar uma indemnização
adequada, tendo em conta as suas leis e regulamentos e todas as circunstâncias
que julgue pertinentes [...].
Vale isto por dizer que o direito de proceder a nacionalizações – quer se trate
de bens de cidadãos estrangeiros, quer de nacionais seus – se reconduz
exclusivamente a uma questão de soberania de cada Estado. As normas ou
princípios de direito internacional – designadamente aquelas que, segundo a
Resolução n.º 1803 (VIII) da mesma Assembleia (14 de Dezembro de 1962),
recomendavam que toda a privação do direito de propriedade fosse acompanhada do
pagamento de uma «indemnização apropriada» – não são, sequer, aqui consideradas
(cf. Fernando José Bronze, loc. cit.).
3.4 – A doutrina dominante – segundo informa Gaspar Ariño Ortiz, loc. cit. –
entende que existe uma distinção material entre nacionalização e expropriação: a
nacionalização é um instituto de carácter excepcional, que arranca da ideia de
que uma determinada actividade económica deve pertencer à colectividade e, por
isso, ser por ela exercida no interesse público. Daí que – diz-se –, quanto a
ela, não valha o princípio da indemnização integral (full composition).
Justifica-se, na verdade – diz-se –, que, por razões de «soberania», de «alto
interesse nacional», de «independência» ou de «integridade da pátria», se paguem
indemnizações parciais ou mesmo que, nalgum caso, se nacionalize sem pagamento
de indemnização.
A expropriação, essa, é um instituto comum ou ordinário, que implica sempre –
ainda segundo a mesma doutrina – a fixação de uma indemnização total e prévia da
transferência da propriedade.
Um outro sector da doutrina sustenta, porém, que, entre nacionalização e
expropriação, não há diferenças de natureza.
Esta última opinião é sustentada, por exemplo, por G. Ariño Ortiz, loc. cit.,
que acrescenta que diferenças «tão-pouco deve havê-las de regime jurídico, ao
menos nos seus elementos essenciais (um dos quais é a indemnização). Poderá
havê-las quanto aos elementos acidentais (de procedimento, prazos, regime de
reversão ou modalidades de pagamento), mas não deve havê-las naquilo que são as
bases ou elementos estruturais da instituição». (Informa este A. que, «pelo
menos no direito interno de cada país, a tendência para o reconhecimento pleno
da indemnização nas nacionalizações é hoje predominante».)
3.5 – Entre nós, Mota Pinto diz que a nacionalização «é um acto político,
expresso num acto jurídico, muitas vezes, ao menos formalmente, um diploma legal
e não um acto administrativo que provoca a transferência dos bens da propriedade
privada para a propriedade pública e exprime o intuito de gerir os bens no
interesse colectivo». A expropriação também implica, «quase sempre, uma
transferência de bens da propriedade privada para a propriedade pública,
visando-se uma utilidade pública superior à decorrente do bem na esfera privada.
Mas, enquanto a nacionalização assenta numa concepção ideológico-política sobre
o papel e o âmbito relativos da propriedade pública dos bens de produção,
principalmente das empresas, a expropriação assenta em razões económico-sociais
de índole pragmática que, em situações determinadas, exigem que se ponha termo à
propriedade privada de um certo bem.
O que se pretende através do instituto da expropriação é tão-só dotar os poderes
públicos dos meios materiais necessários à prossecução eficaz dos seus
propósitos ‘salutistas’ e ‘desenvolvimentistas’. A salus publica é o pano de
fundo deste instituto.» (Lições, cit., pp. 170-171.)
Luís S. Cabral de Moncada, Direito Económico, Coimbra, 1986, p. 198‑200,
começando por estabelecer a distinção entre nacionalização e expropriação de
forma idêntica à de Mota Pinto, escreve:
A distinção entre a expropriação e a nacionalização pode ainda fazer-se
claramente de outra perspectiva. A expropriação dá sempre lugar ao pagamento de
justa indemnização nos termos do artigo 62.º da Constituição, cujo critério
[...] a lei esclarece. Ora a nacionalização [...] nem sempre comporta o
princípio da indemnização e muito menos por um valor idêntico ao que é
contabilizado para efeitos de expropriação.
J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, Coimbra, 1984, p. 391, depois de dizerem que «a nacionalização é
constitucionalmente uma forma particular de expropriação», acrescentam:
Para além daquilo que em sentido técnico-jurídico distinga a nacionalização da
expropriação em sentido estrito – num caso, mera transferência, normalmente de
uma universalidade de bens, para a propriedade nacional; noutro caso, extinção
do direito de propriedade privada, normalmente sobre imóveis, transferindo-os
para propriedade do Estado ou de terceiro –, a verdade é que, sob o ponto de
vista constitucional, a principal diferença está no facto de aquela ter por
objecto meios de produção, retirando-os, nessa qualidade, do sector económico
privado.
Manuel Afonso Vaz, Direito Económico, cit., p. 192, escreve:
Por sua natureza, pois, a nacionalização é um acto materialmente político e
formalmente legislativo; ao passo que a expropriação é, em si mesma, um acto
administrativo [...]. Note-se, finalmente, que a expropriação incide, regra
geral, sobre bens imobiliários, ao passo que a nacionalização tem como objecto
normal uma universalidade (v. g. a empresa, quotas, ramo de actividade, etc.).
E ainda:
A nacionalização apresenta-se como um acto político que põe em causa a
apropriação privada dos meios de produção, enquanto a expropriação não afecta o
princípio geral da apropriação privada, unicamente restringindo, em casos
específicos, contemplados na lei, o direito de propriedade, por entender que, em
concreto e por razões pragmáticas, a utilidade pública desse bem impõe a
restrição.
José Simões Patrício, «Nacionalização e empresas nacionalizadas», cit., depois
de dizer que se trata de institutos bem diferenciados nos direitos continentais,
afirma que «a distinção entre ambos esses institutos costuma fazer-se mais do
ponto de vista formal que material».
Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade
Pública, Coimbra, 1982, pp. 49 e segs., pronuncia-se no sentido de que os
institutos da nacionalização e da expropriação «são equivalentes, na medida em
que oferecem ao particular idênticas garantias, nomeadamente o direito à
indemnização». E acrescenta que «as notas distintivas existentes são de carácter
formal, distinguindo-se os dois institutos apenas do ponto de vista
teleológico».
3.6 – Uma coisa, porém, é certa: no plano constitucional e no tocante ao direito
à indemnização, que é o que aqui interessa, existem, efectivamente, sensíveis
diferenças de regime entre o instituto da nacionalização e o da expropriação.
Primeiro: a expropriação (expropriação por utilidade pública, entenda-se) dá
sempre lugar ao pagamento de «justa indemnização» (cf. artigo 62.º, n.º 2).
Dispõe o artigo 62.º, n.º 2:
Art. 62.º – 1 – [...]
2 – A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas
com base na lei e, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento
de justa indemnização.
A possibilidade de expropriação sem indemnização «de latifundiários e de grandes
proprietários e empresários ou accionistas», prevista no n.º 2 do artigo 82.º da
Constituição, na sua versão originária, foi eliminada na revisão constitucional
de 1982. Deixou, assim, de ser constitucionalmente admissível o confisco que não
seja fundado em actividades criminosas (cf., infra, 3.11).
A nacionalização, porém, quando tenha por objecto «meios de produção em
abandono» e esse abandono seja injustificado, não confere direito a qualquer
indemnização. O artigo 87.º da Constituição dispõe, na verdade:
Artigo 87.º [...] – 1 – Os meios de produção em abandono podem ser expropriados
em condições a fixar pela lei [...]
2 – No caso de abandono injustificado, a expropriação não confere direito a
indemnização.
Segundo: se, por justa indemnização, dever entender-se «indemnização completa»,
«equilibrada compensação», «entrega de equivalência», «substituição de valor
patrimonial», etc. (expressões todas a significar indemnização total) – questão
que, aqui, não tem que decidir-se –, então é seguro que essa regra só vale para
a clássica expropriação por utilidade pública (e, naturalmente, para a
requisição), mas não também para a nacionalização de bens económicos (cf., neste
sentido, também Luís S. Cabral de Moncada, loc. cit.).
O artigo 82.º da lei fundamental preceitua, com efeito:
Artigo 82.º [...] A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de
nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de
fixação de indemnizações.
Assim – ao menos para o efeito da indemnização – o artigo 62.º, n.º 2, da
Constituição atrás transcrito não se aplica à nacionalização de bens económicos.
Para esta, rege o citado artigo 82.º que permite à lei definir «critérios de
fixação de indemnizações».
A este propósito, escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na anotação IV
ao artigo 82.º:
A Constituição, ao referir-se aqui a critérios específicos de indemnização,
aponta claramente para uma distinção entre o regime das indemnizações por
nacionalização (as previstas neste artigo) e o das indemnizações por
expropriação em sentido estrito (cf. artigo 62.º, n.º 2).
Terceiro: se, por justa indemnização, dever ainda entender-se – como pretende
certa doutrina – indemnização prévia, com a consideração de que o seu prévio
pagamento faz parte da «estrutura institucional da expropriação», constituindo,
por isso, um «pressuposto de legitimidade (conditio iuris) do exercício do poder
de expropriar» (cf. Garcia de Enterría e Fernández Rodríguez, Curso de Derecho
Administrativo, Madrid, 1981, pp. 251 e segs.) – o que, aqui, não tem também que
resolver-se –, então essa regra decerto que não vale para as nacionalizações.
[Sobre o conceito de justa indemnização utilizado no artigo 62.º da
Constituição, v. Acórdão deste Tribunal n.º 341/86, publicado no Diário da
República, 2.ª série, de 19 de Março de 1987, cuja doutrina foi adoptada em
arestos posteriores não apenas deste Tribunal como dos tribunais de relação
(cf., a título de exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 28 de Maio de 1987,
publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XII, 1987, t. 3, p.172).]
Se é verdade que um diferimento por tempo indeterminado e incontrolável do
pagamento da indemnização pode convertê-la numa falsa indemnização (qui tardius
solvit minus solvit) – o que é susceptível de violar a confiança que, num Estado
de direito, os cidadãos devem poder depositar na ordem jurídica –, o Estado não
tem por que proceder ao desembolso efectivo do preço antes de entrar na posse
dos bens nacionalizados («pronta compensação»). O princípio de justiça, que deve
reger o dever de indemnizar, é perfeitamente compatível com formas de pagamento
diferido, como, por exemplo, a entrega de títulos de dívida pública livremente
negociáveis e amortizáveis em prazos razoáveis.
A este propósito escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., na
anotação XII ao artigo 62.º:
É de referir ainda que a Constituição, embora não exija expressamente que a
indemnização seja prévia à expropriação, parece exigir que ela seja um elemento
integrante do próprio acto de expropriação («mediante expropriação»). Menos
exigente parece ser, também aqui, o regime das indemnizações por efeito de
nacionalização (cf. artigo 82.º).
(…)
Como se disse já, o artigo 82.º dispõe que a lei determinará os critérios de
fixação das indemnizações.
Por conseguinte, tendo, embora, que haver sempre indemnização – salvo,
naturalmente, no caso do artigo 87.º, n.º 2 –, o critério da sua fixação não tem
por que ser o mesmo para todo o tipo de casos. Esses critérios podem,
inclusivamente, ser diferentes conforme o tipo e o montante dos bens
nacionalizados (cf., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.
cit., p. 407). Questão é que esses critérios, embora diferentes, respeitem o
princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de direito.
Ora, isso exige que esses critérios não sejam susceptíveis de conduzir ao
pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à
perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que
equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas. E
questão é ainda que as distinções que se estabelecerem não sejam manifestamente
arbitrárias ou carecidas de todo o fundamento material.
Respeitados os parâmetros que se apontaram (ou seja: respeitados princípios que
são essenciais num Estado de direito, como são o da igualdade e o da
proporcionalidade, como exigências que são do princípio de justiça), o
legislador goza de certa liberdade na definição dos aludidos critérios.
(...)”.
Projectando estes criteria no caso sub judicio, não subsistem
quaisquer dúvidas de que a indemnização atribuída às Recorrentes há-de obedecer
aos requisitos constitucionalmente impostos no âmbito das nacionalizações, não
lhe sendo aplicável o princípio-fundamento e o critério-medida que a
Constituição reserva para os casos de expropriação por utilidade pública.
No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira (in
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p.
440), em anotação ao artigo 97.º – actual artigo 94.º –, explicitam que:
“A nacionalização da terra e dos meios de produção agrícola está
sujeita às regras gerais da constituição económica em matéria de nacionalização,
cabendo à lei definir os meios e as formas de a efectuar (...). Tendo de haver
indemnização, cabe igualmente à lei definir os respectivos critérios (cfr. Art.
83.º, in fine), os quais não têm de ser idênticos para todas as situações. A
este propósito, note-se que é irrelevante a imprecisão conceitual que consiste
em a Constituição utilizar aqui a noção genérica de ‘expropriação’ e não o
conceito de nacionalização, que é o nome próprio da expropriação no domínio da
constituição económica, isto é, quando se trate de expropriação de meios de
produção enquanto tais, ou seja, enquanto bens produtivos, enquanto partes
integrantes de uma unidade de produção ou de uma empresa”.
Nestes termos, não se afigura pertinente, para sindicar a
bondade constitucional da norma em causa, a mobilização do parâmetro
constitucional tipificado no artigo 62.º, n.º 2, da norma normarum, havendo
antes de cuidar se o preceito controvertido atenta, ou não, contra o disposto no
artigo 94.º da Constituição.
9.2 – Como decorre do exposto, mesmo diferenciando-se as
indemnizações devidas na sequência das nacionalizações daqueloutras decorrentes
de processos de expropriação por utilidade pública, é mister reconhecer-se, na
esteira da jurisprudência deste Tribunal, que, no âmbito de um Estado de direito
do tipo do nosso, o quantum indemnizatório não poderá redundar num “valor
irrisório” e, como tal, “manifestamente desproporcionado” à perda dos bens
nacionalizados.
E, nesse domínio, não cabendo a este Tribunal, atenta a
configuração do recurso de constitucionalidade, apurar se, em concreto, um
determinado montante é desproporcionado ou irrisório, importará, prima facie,
controlar as “pautas normativas” que presidem à fixação do valor da indemnização
em termos se saber os critérios previstos pelo legislador são, como se disse no
mencionado Acórdão n.º 39/88, “susceptíveis de conduzir ao pagamento de
indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens
nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a
indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas”.
Vejamos, então, se a norma sindicanda merece, sob a óptica
assinalada, censura constitucional.
9.3 – De acordo com o regime controvertido pelas Recorrentes,
devem ser considerados, para efeitos da avaliação definitiva do património
fundiário expropriado ou nacionalizado, que não tenha sido devolvido, prevista
no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, os rendimentos líquidos
médios das diferentes classes de aptidão constantes do quadro anexo n.º 1 e as
taxas de capitalização que constam do anexo IX ao Decreto-Lei n.º 199/88, de 31
de Maio.
Uma primeira nota que convém realçar a propósito da
determinação do valor da indemnização devida pela perda da propriedade de
prédios rústicos reside no facto de o legislador, ao consagrar os critérios de
fixação do quantum indemnizatório, se ter preocupado em fazer coincidir o valor
da indemnização com o valor dos prédios expropriados ou nacionalizados.
E, assim, foi no pressuposto de que a indemnização pela perda
de património rústico não devolvido “deve ser fixada na base do valor real ou
corrente dos bens, de modo a assegurar uma justa indemnização” (cf. Preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 199/88), que se procurou fazer aplicação “de um método que
permit[isse], com o necessário rigor técnico e objectividade, apurar o valor
real ou corrente dos bens e direitos a indemnizar, isto é, o valor provável de
transacção desses bens”, assumindo-se que “preenche tal requisito o denominado
método analítico de determinação do valor da propriedade rústica”, partindo do
“estado dos prédios à data da privação da posse do seu titular” e
determinando-se “o rendimento previsível desses prédios nas condições da
ocasião” (idem).
Tal desiderato, inicialmente encarnado pelo Decreto-Lei n.º 199/88, manteve-se
na regulamentação posterior, assente na ideia de que o rendimento fundiário
constitui um elemento de importância não despicienda e um critério idóneo de
avaliação da propriedade rústica, tendencialmente indicador de um valor
configurado em termos realísticos.
Nessa linha, também a norma em crise determina que o valor da
indemnização seja apurado por referência ao valor do prédio expropriado por
interposição do seu rendimento líquido médio, pelo que, por via de princípio,
face à idoneidade do critério mobilizado, não será de censurar, pelo menos nessa
parte, o caminho perfilhado pelo legislador.
É certo que a determinação do rendimento líquido médio de um
prédio rústico efectuada, sem mais, a partir da consideração de diferentes
classes de aptidão, por sua vez construídas em torno de uma fixação “à forfait”
de preços e custos de produção, afastar-se-á, em regra, do valor real, exacto e
efectivo susceptível de ser imputado a uma propriedade rústica, todavia, não é
menos verdade que, conquanto os valores de referência sejam dotados de
racionalidade e objectividade, esse processo de determinação do rendimento
fundiário tem aptidão bastante para conduzir ao apuramento de um valor
médio-normal, e, como tal, não irrisório ou desproporcionado.
A isto acresce que a consideração de taxas de capitalização
aplicadas em função do “tipo de plantação cujo rendimento se determinou”
permitirá “a capitalização desse valor (...) a taxas que reflictam o nível de
rendimento esperado para aplicações de capital correspondentes na data em
causa”, não podendo dizer‑se que a opção por este método acarrete
necessariamente um valor desproporcionado (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º
199/88).
Outra nota, que ressalta do regime controvertido pelas Recorrentes – e que
constitui um ponto capital para aferir da validade jusfundamental dos criteria
indemnizatórios –, resulta do facto de os critérios legais, ao considerarem o
rendimento líquido médio do prédio em função de classes de aptidão referenciadas
aos preços de 1975 e 1976, conduzirem a uma avaliação diacrónica dos prédios,
reportada ao momento em que ocorreu a expropriação dos prédios.
Assim, o principal problema que se levanta nesta sede diz
respeito ao facto de a indemnização, condicionada pela avaliação do imóvel, ser
apurada com base em valores da propriedade rústica tornados obsoletos pelo
decurso do tempo, para tal relevando as vicissitudes económico-sociais ocorridas
desde o momento da expropriação até à atribuição da indemnização.
Não é esse, porém, o sentido decorrente do regime vertido na
Portaria n.º 197-A/95, uma vez que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo
1.º, estabelece-se que “aos valores da avaliação (...) devem acrescer os
respectivos juros, calculados nos termos dos artigos 19.º e 24.º da Lei n.º
80/77, de 26 de Outubro”.
Ora, posta a questão nestes termos, bem se compreende, que para
o cálculo das indemnizações e ao nível da avaliação dos prédios, não haja
qualquer impedimento no facto de o legislador começar por considerar, só de per
se ou conjugadamente com outros elementos, o valor dos prédios na data em que
ocorreu a nacionalização ou a expropriação, desde que, posteriormente, esse
valor seja actualizado com base em taxas de juro que permitam a correcção do
valor inicial em face do lapso temporal que esteja circunstancialmente em causa.
Aceitando-se a idoneidade do critério legal para determinar o valor da
propriedade no momento em que ocorreu a expropriação, o que importaria
determinar seria, assim, a adequação das taxas de juro capitalizadas como forma
de evitar a obsolescência do montante indemnizatório concretamente apurado,
tendo em conta o disposto nos artigos 19.º e 24.º da Lei n.º 80/77.
Será de anotar que sobre essas normas se pronunciou recentemente o Plenário
deste Tribunal, que, no citado Acórdão n.º 148/2004, concluiu, ainda que sem
unanimidade e com voto de discordância do ora Relator, pela sua não
inconstitucionalidade.
Todavia, como se relatou, a norma do artigo 1.º, n.º 2, da Portaria n.º
197-A/95, de 17 de Março, onde se estabelecem, por remissão para a Lei n.º
80/77, os critérios de contabilização dos juros incidentes sobre o valor da
avaliação, não integra o objecto do presente recurso pelo que, como tal, não
haverá que tomar conhecimento da sua (in)constitucionalidade.
Assim sendo, a norma do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 197-A/95,
de 17 de Março, ao estabelecer que “para efeitos da avaliação definitiva do
património fundiário expropriado ou nacionalizado, que não tenha sido devolvido,
prevista no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, devem ser
considerados (...) para a terra, os rendimentos líquidos médios das diferentes
classes de aptidão constantes do quadro anexo n.º 1 e as taxas de capitalização
que constam do anexo IX ao Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio” não ofende o
disposto no artigo 94.º da Constituição, pressuposta que está a actualização
desse valor mediante a aplicação das taxas de juro previstas no n.º 2 do mesmo
artigo.
9.4 – Diga-se, por fim, que não se vislumbra, no critério
sindicando, pressupostas as diferenças entre a nacionalização e expropriação dos
prédios rústicos abrangidos pelas leis da reforma agrária e a expropriação de
quaisquer prédios na sequência de uma declaração de utilidade pública, nos
termos do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, qualquer violação do princípio da
igualdade, posto que, esse imperativo jusfundamental não impede que sejam feitas
diferenciações não arbitrárias ou irrazoáveis.
C – Decisão
10 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide negar provimento ao recurso.
Custas pelas Recorrentes com 15 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 18 de Maio de 2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos