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Processo n.º 725/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do
Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. A., assistente nos autos de processo comum singular que, sob o n.º
27/02.8TAILH, correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de
Ílhavo, inconformado com o despacho do Juiz de Instrução Criminal de 11 de
Novembro de 2004, que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal
contra o arguido Rufino Manuel Martins Filipe, interpôs recurso para o Tribunal
da Relação de Coimbra, sustentando, além do mais, a inconstitucionalidade da
interpretação do artigo 120.º do Código Penal, segundo a qual não há lugar à
suspensão da prescrição do procedimento criminal durante o período em que o
Ministério Público não deu seguimento à queixa deduzida pelo ofendido, nem
quando o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da
acusação, por ofenda dos artigos 2.º, 3.º,12.º, 13.º, 20.º, 22.º, 32.º, n.º1,
202.º n.ºs 1 e 2, e 219.º, n.º1, da Constituição.
Admitido o recurso por despacho de 21 de Dezembro de 2004, respondeu o
Ministério Público pugnando pela improcedência do mesmo.
2. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, foi lavrado o termo de
apresentação e exame que consta de fls. 197, onde se fez anotar que o recurso
era extemporâneo por o requerimento de interposição de recurso ter sido enviado
por correio electrónico em 8 de Dezembro de 2004 e o prazo ter terminado em 7 de
Dezembro de 2004.
Face a esta informação e constatando que o recorrente não procedeu ao pagamento
imediato da multa devida, o Ministério Público promoveu que se procedesse à
notificação prevista no n.º 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, o que
foi ordenado por despacho do relator de 16 de Março de 2005.
Em 5 de Abril de 2005, apresentou o recorrente o requerimento de fls. 201,
pedindo a dispensa do pagamento da multa, nos termos do n.º 7 do artigo 145.º do
Código de Processo Civil, invocando razões de insuficiência económica, o qual
foi indeferido por despacho do relator de 6 de Abril de 2005, do seguinte teor
[segue transcrição integral]:
“A possibilidade do juiz poder determinar a redução ou dispensa da multa
prevista no n.º7 do art. 145º do CPC, é apenas aplicável no caso a que alude o
n.º5 daquele preceito.
Quando a secretaria notifica o recorrente ao abrigo do disposto no n.º6, deixa
este de poder beneficiar daquela tolerância.
Termos em que se indefere o requerido a fls. 201 e se condena o requerente nas
custas do incidente a que deu causa, com taxa de justiça que se fixa em duas
Ucs.”
Inconformado, veio o recorrente, em 27 de Abril de 2005, interpor recurso deste
despacho para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, em síntese, a sua
nulidade por falta de fundamentação e a inconstitucionalidade da interpretação
nele acolhida dada ao n.º 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil.
3. Porém, por despacho do relator de 5 de Maio de 2005, o recurso não foi
admitido, com os seguintes fundamentos:
“Por despacho proferido a fls. 202, foi indeferido o pedido de redução ou
dispensa da multa prevista no n.º 7 do art.º 145.º CPC, por se entender que tal
mecanismo opera exclusivamente no âmbito do n.º 5 daquele preceito.
De tal despacho vem agora o recorrente a fls. 205 interpor recurso para o STJ.
Sucede porém que, conforme se alcança do art.º 432.º CPP, esse recurso não é
admissível, pois não se enquadra nos casos taxativamente aí previstos.
Na verdade se o recorrente não concordava com o despacho proferido por este
relator, deveria ter tempestivamente reclamada para a conferência, para que
sobre essa matéria recaísse um acórdão, como o prevê expressamente o art.º 700.º
n.º 3 CPC.
Não o tendo feito, uma das consequências é o trânsito em julgado do despacho em
causa.
Face ao exposto e sem outras considerações, não se admite o recurso interposto a
fls. 205, (...).”
Em 22 de Junho de 2005, na sequência da informação prestada pela secretaria de
que a importância constante das guias referentes à multa prevista no artigo
145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, não havia sido paga, o relator
proferiu o seguinte despacho:
“Considerando que o recorrente não efectuou o pagamento da multa a que alude o
artigo 145º, n.º6, do CPC, condição de que dependia a admissão do recurso, não
se admite o mesmo.
(...)”
4. Notificado deste despacho, veio o recorrente, em 7 de Julho de 2005, interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos constantes do requerimento de
fls. 227 e 228, do seguinte teor:
“(...) não se conformando com o teor do despacho proferido nos mesmos [autos]
pelo Tribunal da Relação de Coimbra, vem dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1º
O presente recurso é interposto ao abrigo do estatuído no artigo 70.º-1/b e 2 da
Lei do Tribunal Constitucional.
2º
Pretende assim o recorrente, que o Tribunal Constitucional aprecie a
inconstitucionalidade do preceituado no artigo 120.º do Código Penal na
interpretação que ficou plasmada no despacho proferido pelo Tribunal Judicial de
Ílhavo.
3º
E ainda, a inconstitucionalidade da interpretação do teor do artigo 145.º-7 do
Código de Processo Civil, feita pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
4º
As questões de inconstitucionalidade foram suscitadas nos autos, na resposta ao
despacho proferido no dia 8 de Outubro de 2004, nas motivações de recurso e
respectivas conclusões, considerando o recorrente que tais normas consoante as
interpretações elaboradas, ferem indubitavelmente, os artigos 2º, 3º, 12º, 13º.
20º, 22º, 32º-1 e 9, 202º-1 e 2, 205º-1 e 219º-1 da Constituição e, os
princípios aí consagrados, nomeadamente, o do Estado de Direito Democrático, o
da legalidade, o da igualdade, o da tutela jurisdicional efectiva, o da garantia
processual e o da função jurisdicional.
Termos em que, havendo sido dado pleno cumprimento ao disposto no artigo 75.º-A
da Lei do Tribunal Constitucional, requer-se ao Tribunal que se digne admitir o
presente recurso com todas as devidas e legais consequências.”
5. Não obstante o recurso ter sido admitido (cfr. despacho de fls. 229), tal
decisão não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. n.º3 do artigo 76.º da Lei
n.º 28/82), entendendo-se que, no caso, não pode tomar-se conhecimento do
objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1
do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
6. Com efeito, em primeiro lugar, o recorrente não esgotou os meios ordinários
que no caso cabiam, designadamente a reclamação do despacho do relator para a
conferência, prevista no n.º 3 do artigo 700.º do CPC.
Tanto basta para que, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do
artigo 70.º da LTC o recurso não possa prosseguir.
7. Mesmo que assim não fosse, a decisão recorrida não aplicou as normas cuja
apreciação se pretende, e que também obstaria ao conhecimento do objecto do
recurso nos termos alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que exige, entre
outros pressupostos, a aplicação pela decisão recorrida, como a sua ratio
decidiendi, da norma cuja (in)constitucionalidade se quer ver apreciada.
Com efeito, o despacho do relator na Relação, de 22 de Junho de 2005, que foi o
último notificado ao recorrente antes da interposição do recurso de
constitucionalidade, não apreciou a questão da prescrição do procedimento
criminal, nem se pronunciou sobre a possibilidade da redução ou dispensa do
pagamento da multa, nos termos do artigo 145.º, n.º 7, do Código de Processo
Civil, pois limitou-se a não admitir o recurso por não ter sido paga a multa
devida nos termos do n.º 6 do artigo 145.º, tirando, assim a consequência dos
anteriores despachos proferidos nos autos.
Aliás, ainda que outro fosse o despacho recorrido, não se poderia conhecer do
recurso, porquanto nenhum dos despachos proferidos na Relação se pronunciou
sobre a problemática da prescrição do procedimento criminal – visto que a
Relação não apreciou o recurso interposto do despacho do Juiz de Instrução
Criminal sobre essa matéria –, e a questão interpretativa da norma do artigo
145.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, ficou definitivamente decidida com o
despacho do relator de 5 de Maio de 2005 (cfr. fls. 217) que não admitiu o
recurso que o recorrente pretendia interpor para o Supremo Tribunal de Justiça
do anterior despacho da Relação que indeferiu o pedido de dispensa ou redução da
multa (fls. 202).
8. Nestes termos, decide-se, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de
conta.”
2. O recorrente reclamou para a conferência, nos termos do n.º
3 do artigo 78.º‑A da LTC, com os seguintes fundamentos:
“A decisão reclamada sentenciou o não conhecimento do objecto do recurso
interposto pelo reclamante por duas ordens de razão:
A primeira, por entender que o recorrente não havia esgotado os meios ordinários
ao seu alcance, por haver recorrido para o S.T.J. do despacho que indeferiu o
pedido de dispensa do pagamento de multa por manifesta insuficiência económica,
em vez de haver reclamado da mesma para a conferência.
A segunda, por considerar que a última decisão proferida não se havia
pronunciado sobre a prescrição do procedimento criminal nem sobre a
possibilidade de dispensa do pagamento da multa.
Ora, não podemos concordar sequer minimamente com tais considerandos, no que
toca pelo menos à questão da dispensa do pagamento da multa.
Com efeito, já que o Tribunal “a quo” considerou dever aplicar-se ao processo
penal, por analogia, o artigo 700°-3 do CPC, isto é, que o recorrente deveria
ter reclamado para a Conferência em vez de recorrer para o STJ, então também
deveria ter aplicado por analogia o artigo 688°-5 do mesmo diploma.
Pois, estatui o primeiro artigo que quando a parte se considere prejudicada por
qualquer despacho do relator (...) deve o relator submeter o caso à conferência.
Ora, sentindo-se o recorrente prejudicado pela decisão do relator quanto à
dispensa do pagamento da multa, reagiu interpondo recurso para o STJ.
Estatui o segundo artigo citado que “se, em vez de reclamar, a parte impugnar
por meio de recurso qualquer dos despachos (...) mandar-se-ão seguir os
termos próprios da reclamação”.
Por conseguinte, se como considera a decisão reclamada não foram esgotados todos
os meios ordinários, mais não se deve do que à dualidade de interpretação da lei
e da sua respectiva aplicação, pelo Tribunal a quo,
Não devendo nem podendo o recorrente ver os seus direitos constitucionalmente
consagrados diminuídos em consequência,
Nem, tal obsta a que o Tribunal Constitucional sobre tais violações se
pronuncie, já que as mesmas foram tempestivamente denunciadas.
De mais a mais, também não podemos concordar com a Segunda ordem de razões
enunciada, na decisão reclamada, porquanto, o recurso de constitucionalidade
interposto pelo ora reclamante versou sobre uma decisão final que aplicou uma
norma cuja inconstitucionalidade se arguiu nos termos legais,
Referimo-nos, pois, à alegada questão do indeferimento da dispensa de pagamento
de multa.
Aliás, a consagração do entendimento vertido na decisão reclamada retiraria
qua1quer possibilidade ao cidadão de se defender contra as violações cometidas
pelos tribunais, tornando ass1m o Tribunal Constitucional, um órgão de soberania
virtual inalcançável e tornando-o destituído de razão de ser no que toca à
defesa dos direito fundamentais constitucionalmente consagrados.”
3. Pelo acórdão n.º 197/2006, decidiu-se o incidente relativo
ao pedido de dispensa do pagamento da multa pela apresentação tardia da
reclamação, tendo o recorrente pago a multa a que se refere o n.º 6 do artigo
145.º do Código de Processo Civil.
. O Ministério Público respondeu à reclamação nos seguintes termos:
“1°
A reclamação, deduzida a p. 243, é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, é evidente que, por um lado, o reclamante não curou de esgotar os
'recursos ordinários' possíveis, nomeadamente ao deixar de reclamar para a
conferência do despacho proferido pelo relator, e sendo óbvio que não compete a
este Tribunal Constitucional apreciar se, no Tribunal “a quo” o relator deveria
ou não ter 'convolado' do recurso interposto para a reclamação a que alude o
artigo 700°., nº.3, do C PC,
3°
Acresce que, por outro lado, a argumentação do reclamante em nada abala o
segundo fundamento, invocado na decisão reclamada, para o não conhecimento do
recurso: a não aplicação da norma que constitui objecto do recurso interposto
para este Tribunal Constitucional.”
5. A decisão sumária sob reclamação apresenta dois fundamentos, qualquer deles
suficiente, por si mesmo, para que não possa tomar-se conhecimento do objecto do
recurso de constitucionalidade: (i) o não esgotamento dos meios ordinários que
no caso cabiam (n.º 6 da decisão sumária) e (ii) a não aplicação, pela decisão
recorrida, das normas indicadas no requerimento de interposição do recurso (n.º
7 da mesma decisão). Porém, o texto da decisão é claro no sentido de que o
segundo fundamento é apresentado em ordem subsidiária. Basta, consequentemente,
que esse primeiro fundamento se confirme para que seja inútil apreciar o que na
reclamação se diz quanto ao segundo.
Ora, é indiscutível, como na decisão sumária se considerou, que
se pretende sujeitar a recurso de constitucionalidade um despacho proferido pelo
relator no Tribunal da Relação e que o recorrente não esgotou o remédio
ordinário que no caso cabia, a reclamação desse despacho para a conferência, nos
termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC. E também é certo que só o acórdão que
recaísse sobre tal reclamação seria passível de recurso para o Tribunal
Constitucional, como indiscutivelmente resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º da
LTC.
Sem propriamente contestar este entendimento, o que o
recorrente afirma é que o não esgotamento dos meios ordinários se deve ao facto
de, no Tribunal da Relação, não ter sido observado o disposto no n.º 5 do artigo
688.º do Código de Processo Civil, como se impunha já que se considerava que
cabia reclamação para a conferência em vez do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, não podendo o recorrente “ver os seus direitos constitucionalmente
consagrados diminuídos em consequência”.
É manifesta a irrelevância desta argumentação, desde logo porque não está agora
em causa o requerimento de interposição do recurso do despacho de 6 de Abril de
2005 para o Supremo Tribunal de Justiça – foi esse que foi indeferido pelo
despacho de 5 de Maio de 2005, com o referido fundamento – mas o recurso
interposto do despacho de 22 de Junho de 2005 para o Tribunal Constitucional,
que foi admitido no tribunal a quo, embora por despacho que não vincula este
Tribunal (n.º 3 do artigo 76.º da LTC).
Mas, mesmo transpondo-a para este último recurso, tal argumentação sempre seria
improcedente porque não compete a este Tribunal apreciar se o relator do
processo na Relação deveria ou não ter “convolado” o recurso interposto para a
reclamação a que se refere o n.º 3 do artigo 700.º do CPC, nem essa hipotética
omissão converteria em objecto idóneo de recurso para o Tribunal Constitucional
uma decisão que não tem essa natureza. E se, condescendendo com a sua
terminologia, saem afectados quaisquer “direitos constitucionalmente
consagrados”, isso é consequência da não observância pelo recorrente do ónus que
sobre si impendia de reclamar para a conferência, que nada tem de desrazoável ou
de exigência desproporcionada.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 17 de Maio de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício