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Processo n.º 181/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Inconformados com o despacho do Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Instrução
Criminal de Lisboa que rejeitou, com fundamento em inadmissibilidade legal, um
requerimento de abertura de instrução que pretenderam interpor, os assistentes
(e ora recorrentes) A. e Outros recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Este Tribunal, por acórdão de 7 de Abril de 2005, negou provimento ao recurso,
com fundamento na intempestividade do requerimento de abertura da instrução
apresentado pelos recorrentes.
2. De novo inconformados, os assistentes vieram aos autos para arguir a sua
nulidade, requerimento que veio a ser julgado improcedente por acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2005.
3. Novamente inconformados os assistentes recorreram para o Supremo Tribunal de
Justiça. Já naquele Supremo Tribunal o Ministério Público pronunciou-se no
sentido da inadmissibilidade do recurso, parecer que fundamentou nos seguintes
termos:
“Vêm os Assistentes [...] recorrer agora do acórdão da Relação, para o Supremo
Tribunal de Justiça (fls. 643 e sgs), tendo sido admitido o recurso por douto
despacho de fls. 698.
Parece-nos no entanto que não é admissível o recurso interposto.
Para o Supremo Tribunal de Justiça, só se recorre das decisões das relações
proferidas em primeira instância, dos acórdãos finais proferidas pelo tribunal
de júri e de acórdãos finais proferidas pelo tribunal colectivo (art. 432°, als.
c) e d) do CPP) e ainda das decisões que não sejam irrecorríveis, nos termos do
art. 400°, als. c) e d) da mesma disposição legal.
Segundo o regime-regra p. no art. 427° do CPP do despacho/decisão proferido na
1ª instância nos termos do art. 400, al. c) só cabe recurso para o Tribunal da
Relação, pelo que já foi proferido acórdão que decidiu o recurso.
O acórdão recorrido que foi proferido em recurso pela Relação não põe termo à
causa (art. 400°, n.º 1, al. c) do CPP).
E ainda que se pudesse considerar como hipótese que o despacho/decisão que
rejeitou o requerimento de abertura de instrução para além de ter sido proferida
pelo juiz singular, só se pode concluir que não decidiu a questão material que
constituía o objecto do processo.
No sentido da irrecorribilidade do acórdão da relação é unânime [] a
jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (entre muitos o Ac. do STJ de
08.10.03, 3ª sec., p. 2132/03 e de 03.06.04, p. 1882/04, 5ª sec., de 14.2.2004,
p. 1619/04 e de 15/12/04 p. 326/04, ambos da 3ª sec. e de 17/2/05, p. 57/05, 5ª
sec).
O douto despacho que o admitiu no Tribunal da Relação de Évora, não vincula o
Supremo Tribunal de Justiça - art. 414°, n.° 3 do C.P.P.
Assim, parece-nos que, o recurso agora interposto pelo Assistente [...] deverá
ser rejeitado, por ser inadmissível (art. 414°, n.° 2 e 420°, n.° 1, 432° e 400°
do CPP).
4. Notificados para se pronunciarem, querendo, sobre o parecer do Ministério
Público, disseram os recorrentes:
“[...] 1. Com todo o respeito pelo Digníssimo Procurador Geral Adjunto junto
deste Supremo Tribunal de Justiça, não podemos deixar de discordar do Seu Douto
Parecer.
2. Antes do mais, porque entendemos que o mesmo não entendeu qual foi a decisão
objecto do presente recurso.
3. De facto, o Douto Acórdão da Relação do qual se apresentou o presente recurso
é o Acórdão de 19 de Maio de 2005, no qual foi julgada improcedente a nulidade
arguida pelos ora Recorrentes.
4. Assim, as considerações expendidas pelo Digníssimo Magistrado sobre a
irrecorribilidade das decisões da primeira instância em segundo grau de recurso
para o Supremo, não têm razão de ser.
5. Na verdade, a matéria da nulidade arguida pelos Recorrentes foi decidida em
primeira instância pelo Acórdão da Relação, ora recorrido.
6. Nunca a questão da nulidade foi apreciada pelo Juiz de Instrução Criminal.
7. A nulidade foi gerada pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, e foi arguida nesse mesmo Tribunal por meio de uma reclamação que foi
decidida em primeira instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Maio
de 2005.
8. Ora, nos termos do art. 432.º al. a) do CPP, das decisões do Tribunal da
Relação proferidas em primeira instância pode-se recorrer para o Supremo
Tribunal de Justiça.
9. O Código de Processo Penal, no cumprimento da norma constitucional do art.
20º e 32º da Constituição, assegura o direito ao recurso em matéria penal.
10. Este direito de recurso em matéria penal aplica-se quer ao Arguido quer ao
Assistente, nomeadamente nos crimes particulares, por força do princípio da
igualdade plasmado no art. 13.º da Constituição.
11. Ora, no caso vertente, o recurso agora interposto e objecto dos presentes
autos é o primeiro recurso sobre a matéria vertida no Acórdão recorrido e
logicamente decidida em primeira instância pelo Tribunal recorrido.
12. Ao contrário do que se parece entender do Douto Parecer do Ministério
Público, a decisão que venha a ser proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de
Justiça, é uma decisão em segunda instância e não, como parece concluir o mesmo
parecer, uma decisão em terceira instância.
13. Salvo melhor opinião, não existem pois dúvidas para os Recorrentes, que o
presente Recurso foi bem admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
14. Este limitou-se a cumprir a Lei, ao admitir um recurso da decisão tomada em
primeira instância por esse tribunal.
15. Quanto aos referidos no Douto Parecer, estes não se aplicam ao caso
concreto, mas sim às situações em que o Tribunal da Relação decide em segunda
instância questão que já foi objecto de conhecimento e decisão por tribunais
inferiores.
16. Ora, como dissemos, no caso vertente, o Tribunal da Relação decidiu em
primeira instância a matéria da nulidade, objecto agora deste recurso.
17. Por fim, é jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional a existência
obrigatória de duplo grau de jurisdição, em matéria penal.
18. Pelo que, qualquer entendimento que implique a inexistência deste segundo
grau de jurisdição, isto é,
19. Que a decisão sobre a nulidade do Acórdão da Relação seja já ela mesmo uma
decisão em segunda instância e, como tal, irrecorrível nos termos do art. 427.º
e 400.º al. c), ambos do CPP, violará o disposto no art. 20.º, 32.º n.º 1, e
13.º da Constituição, já que não permite o direito ao recurso da decisão tomada
em primeira instância pelo Tribunal da Relação”.
5. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Novembro de 2005, decidiu
rejeitar o recurso “por não ser recorrível a decisão que se pretende impugnar
(artigos 420º, nº 1 e 414º, nº 2 do CPP)”. Para tanto, escudou-se na seguinte
fundamentação:
“Estabelece o artigo 400°, n.º 1, alínea e) do CPP que não é admissível recurso
de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que
seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo
no caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da
faculdade prevista no artigo 16°, n.º3.
Os crimes visados no presente processo são os tipificados nos artigos 180°, 181°
e 184°, do C.P.
Cujas penas, abstractamente aplicáveis, são inferiores a cinco anos de prisão.
Logo, e sem mais, o presente recurso é inadmissível.
Ainda: estatui a alínea c), do n.º 1, da mesma disposição legal que não é
admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não
ponham termo à causa.
É o caso, como salienta a Exmª. Procuradora-Geral Adjunto neste Supremo
Tribunal.
«Não se tratando de decisão final proferida pela relação em recurso, mas de
decisão interlocutória, isto é, decisão que não ponha termo ao processo, seja
com que fundamento for, não é admissível novo recurso dessa decisão.
Pôr termo à causa significa que a questão substantiva que é objecto do processo
fica definitivamente decidida, que o processo não prosseguirá para sua
apreciação (...)».
Também, por esta via, a inadmissibilidade do recurso.
Dispõe a primeira parte do n.° 2 do artigo 414° do CPP que o recurso não é
admitido quando a decisão for irrecorrível.
Sendo certo que o despacho que admitiu o recurso na Relação não vincula este
Supremo Tribunal (nº 3 do artigo 414° do CPP).
Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça em rejeitar o presente recurso, por não ser recorrível a decisão que se
pretende impugnar (artigos, 420º, nº 1, e 414º, nº 2, do CPP)”.
6. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de um
requerimento onde se afirma, nomeadamente, o seguinte:
“[...], Assistentes nos autos à margem referenciados, notificados do Douto
Acórdão de fls. e não podendo concordar com o mesmo vem interpor o competente
recurso apresentado o seguinte RECURSO DE INCONSTITUCIONALIDADE,
O que faz nos termos do art. termos do art. 70º, n.º l al. b) da L.T.C.:
1. com todo o respeito pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, não podemos
deixar de discordar com o seu Douto Acórdão.
2. Antes do mais cumpre referir que a decisão agora recorrida decidiu pela
rejeição do Recurso pelo mesmo ser inadmissível nos termos do art. 420°, n.º 1 e
414°, n.º 2 do C.P.P.
[...]
EM CONCLUSAO:
A. A C.R.P. prevê no seu art. 20.º n.º 1 o direito ao acesso aos tribunais.
B. No art. 32.º n.º 1 da C.R.P. o direito ao recurso encontra-se expressamente
consagrado no Processo Penal.
C. Por força do princípio da igualdade estabelecido no art. 13.º da C.R.P. e
tendo em conta a natureza dos crimes no processo em questão, de natureza
particular, o direito ao recurso expressamente previsto para o Arguido só pode
ser entendido de forma a abarcar o direito ao recurso por parte do Assistente.
D. No caso sub judice, a decisão recorrida para o S.T.J. e cujo recurso foi
rejeitado por inadmissível, foi o recurso de uma decisão tomada em primeira
instância pelo T.R.L.
E. O recurso em tempo apresentado perante o S.T.J. e admitido pela respectiva
Relação, é um primeiro recurso para uma segunda instância judicial.
F. Ao ter rejeitado o recurso da decisão tomada em primeira instância pela
Relação de Lisboa, o S.T.J. negou o direito ao mesmo, violando assim o disposto
no art. 20.º n.º 1, art. 32.º n.º 1 e 13.º, todos da C.R.P.
G. A interpretação feita pelo S.T.J. das normas no art. 420.º n.º 1 e 414.º n.º
2 do C.P.P. são contrárias, às disposições constitucionais referidas na
conclusão anterior e, como tal, não conforme a C.R.P.
H. Pelo que tal interpretação torna os art. art. 420.º n.º 1 e 414.º n.º 2 do
C.P.P inconstitucionais.
I. Face ao exposto, devem as mesmas serem declaradas inconstitucionais no caso
concreto, devendo o S.T.J. interpretar as mesmas de acordo com os preceitos
constitucionais supra referidos.
Para os devidos efeitos indica-se como peça processual onde foi suscitada a
questão da inconstitucionalidade a resposta produzida pelos Recorrentes nos
termos do art. 417° n.º 2 do C.P.P.”
7. Na sequência foi proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não
conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte relevante, o seu
teor:
“Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art.
76º, nº 3, da LTC). Na verdade, conforme estatui o nº 2 do artigo 72º da Lei do
Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
do mesmo diploma, só pode ser interposto, “pela parte que haja suscitado a
questão de constitucionalidade […] de modo processualmente adequado perante o
Tribunal que proferiu a decisão recorrida [...]”. Assim, e para o que agora
importa, a admissibilidade do recurso que os recorrentes pretenderam interpor
depende de os mesmos terem suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, que
proferiu a decisão recorrida, a questão de inconstitucionalidade das normas que
agora pretendem ver apreciadas.
Ora, como vai sumariamente ver-se já de seguida, tal não aconteceu.
Com efeito, nos termos do requerimento de interposição do recurso, peça
processual que delimita o respectivo objecto, afirmam os recorrentes pretender
ver apreciada a inconstitucionalidade “das normas do artigo 420º, nº 1 e 414º,
nº 2, do CPP”, indicando ainda, em cumprimento do preceituado no disposto no
artigo 75º-A, nº 2, da LTC, “como peça processual onde foi suscitada a questão
da inconstitucionalidade a resposta produzida pelos Recorrentes nos termos do
art. 417º, nº 2 do CPP”. Verifica-se, porém, que, independentemente da questão
de saber se nesta peça processual, supra transcrita, está, sequer, suscitada, de
modo processualmente adequado, uma qualquer questão de constitucionalidade
normativa, o facto é que, ao contrário do que os recorrentes afirmam, não foi
por eles suscitada qualquer questão de constitucionalidade imputada aos artigos
420º, nº 1 e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal, que nunca são tão-pouco
referidos ao longo de toda aquela peça.
Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações, inteiramente
desnecessárias no contexto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do
objecto do recurso que pretenderam interpor, por manifesta falta de, pelo menos,
um dos seus pressupostos legais de admissibilidade”.
8. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que os ora reclamantes
fundamentam da seguinte forma:
“[...] 1. Senhor Juiz Conselheiro Relator, não podemos deixar de discordar com a
mesma.
2. Por lapso manifesto, pelo qual os Recorrentes se penitenciam, foram indicados
como normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada os art.s 420.º
n.º 1 e 414.º n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP).
3. De facto, tratou-se de um mero lapso de escrita uma vez, como decorre do
próprio requerimento de interposição de recurso, resulta claramente que se
pretende sejam declaradas inconstitucionais as normas dos arts. 427.º e 400.º
al. c), ambas do C.P.P., pois a interpretação feita pelo STJ é contrária aos
artigos 20.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 13.º da C.R.P, ao ter rejeitado o recurso da
decisão tomada em primeira instância pela Relação de Lisboa.
4. Os Recorrentes no requerimento interposição do Recurso, pecando certamente
por excesso, não se limitaram a cumprir o disposto no art. 75.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional (LTC), mas entenderam desde logo motivar o mesmo, aliás,
na linha da solução preconizada pelo CPP.
5. Em boa hora o fizeram, já que, da leitura da referida peça processual
percebe-se claramente qual a pretensão dos Recorrentes:
a. A matéria da nulidade arguida no recurso foi decidida em primeira instância
pelo Acórdão da Relação de Lisboa;
b. A nulidade foi gerada pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, e foi arguida nesse mesmo Tribunal por meio de uma reclamação que foi
decidida em primeira instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Maio
de 2005.
c. Ora, nos termos do art. 432.º al. a) do CPP, das decisões do Tribunal da
Relação proferidas em primeira instância pode-se recorrer para o Supremo
Tribunal de Justiça.
d. Decorre daqui a existência obrigatória de duplo grau de jurisdição, em
matéria penal.
e. Assim, qualquer entendimento que implique a inexistência deste segundo grau
de jurisdição, isto é,
f. Que a decisão sobre a nulidade do Acórdão da Relação seja já ela mesmo uma
decisão em segunda instância e, como tal, irrecorrível nos termos do art. 427.º
e 400.º al. c), ambos do CPP, violará o disposto no art. 20.º, 32.º n.º 1, e
13.º da Constituição, já que não permite o direito ao recurso da decisão tomada
em primeira instância pelo Tribunal da Relação.
6. Sendo no essencial, esta a matéria que se pretende ver apreciada,
depreende-se que as conclusões formuladas no presente recurso, nomeadamente -
letras G e H e respectivo Pedido -, estão em manifesta contradição com o
restante articulado.
7. Pelo que, se conclui estarmos perante erro manifesto ou lapso de escrita, ao
aludir expressamente aos artigos 420.º n.º 1 e 414.º, n.º 2, do C.P.P., que se
referem, respectivamente, à rejeição e admissão do recurso, quando efectivamente
se pretendia aludir aos artigos 427.º e 400.º al. c) do C.P.P., existência de
duplo grau de jurisdição em matéria penal.
8. Assim, nos termos do art. 75.º-A, n.º 5 da L.T.C., “ Se o requerimento de
interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente
artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10
dias.”
9. Ora, de acordo com o disposto no n.º 1, do art. 75.º-A da L.T.C., um dos
elementos que o Recorrente deverá indicar é precisamente: “… a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.”
10. Da análise conjugada das supra referidas normas da L.T.C. e do conteúdo das
peças processuais apresentadas pelos recorrentes, resulta claro, que o Juiz
Conselheiro do Venerando Supremo Tribunal de Justiça que apreciou e admitiu o
Recurso de Constitucionalidade, deveria ter convidado os recorrentes a corrigir
o articulado.
11. A questão a saber é se o convite referido no n.º 5 do art. 75.º-A da LTC se
limita aos casos em que não exista pura e simplesmente qualquer referência às
normas legais violadas, mas também aos casos em que, manifestamente, existirá
uma contradição entre os diversos elementos do requerimento de interposição de
recurso, isto é,
12. No caso concreto, existir uma incongruência entre as normas indicadas no
requerimento de interposição de recurso e aquelas que, no decurso do processo, a
sua conformidade com a Constituição foi suscitada.
13. Tendo em conta toda a fundamentação apresentada no requerimento de
interposição de recurso, não restam dúvidas que existe uma contradição formal
entre os artigos indicados no requerimento de interposição de recurso e entre
aqueles em que foi suscitada durante o processo a sua inconstitucionalidade.
14. Uma leitura atenta por parte do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do
referido requerimento de interposição de recurso, rapidamente este chegaria à
conclusão que estaríamos perante uma quase ineptidão do requerimento de
interposição de recurso.
15. Admite-se pois que existe um erro, erro esse manifestamente formal, cujo
Senhor Relator do STJ deveria ter convidado a corrigir nos termos do n.º 5 do
art. 75.º-A da LTC.
16. Reconhece-se também que é o requerimento de interposição de recurso que
delimita o objecto do mesmo, e certo é também que, da leitura do mesmo
requerimento, apesar de ter havido um erro formal na indicação dos artigos,
claramente se entende qual é o objecto do mesmo.
17. Salvo melhor opinião, uma vez que o STJ não deu a possibilidade de corrigir
e indicar as normas, cuja constitucionalidade pretendiam ver apreciadas, deveria
o ora Relator ter dado a possibilidade de o fazer, ao invés de ter rejeitado
imediatamente o recurso.
18. Dando assim cumprimento ao n.º 6, do art. 75.º-A da L.T.C., que dispõe: “O
disposto nos números anteriores é aplicável pelo relator no Tribunal
Constitucional, quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de
constitucionalidade não tiver feito o convite referido no n.º 5”.
9. Notificados os recorridos, disse o Ministério Público:
“[...] 1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, nada permite supor que ocorreu o alegado “lapso formal de
escrita” na enunciação do objecto do recurso interposto - apenas se verificando
que o recorrente, por razões que lhe são estritamente imputáveis, não cumpriu
adequadamente o ónus de enunciar as normas que pretendia controverter, não
delimitando, nos termos exigíveis, o objecto do recurso.
3 - E sendo evidente que, neste circunstancialismo, não cabe aos Tribunais
substituírem-se à parte, convidando-a a alterar o objecto do recurso que -
conforme o princípio dispositivo - foi por ela enunciado.”
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
10. Na decisão sumária ora reclamada foi julgado não ser possível conhecer do
objecto do recurso interposto, por manifesta falta de um dos seus pressupostos
legais de admissibilidade, a saber: terem os recorrentes suscitado, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige expressamente o artigo
72º, nº 2, da LTC, a inconstitucionalidade dos artigos 420º, n.º 1 e 414º, nº 2,
do Código de Processo Penal - preceitos que, no requerimento de interposição do
recurso, indicam como sendo aqueles cuja constitucionalidade pretendiam ver
apreciada por este Tribunal.
11. Os ora reclamantes vem contestar tal decisão, invocando, no essencial, que,
a indicação dos artigos 420º, nº 1 e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal
como objecto do recurso se deveu a “um mero lapso de escrita uma vez que, como
decorre do próprio requerimento de interposição de recurso, resulta claramente
que se pretende sejam declaradas inconstitucionais as normas dos arts. 427.º e
400.º al. c), ambas do C.P.P., pois a interpretação feita pelo STJ é contrária
aos artigos 20.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 13.º da C.R.P, ao ter rejeitado o recurso
da decisão tomada em primeira instância pela Relação de Lisboa”.
Mas, como é evidente, não têm qualquer razão, sendo manifesto que nada permite
concluir ser de escrita o lapso em que agora invocam ter incorrido. É, aliás,
dificilmente compreensível que os recorrentes possam afirmar que “(…) do próprio
requerimento de interposição de recurso resulta claramente que se pretende sejam
declaradas inconstitucionais as normas dos arts. 427.º e 400.º al. c), ambas do
C.P.P.” [negrito aditado], quando não só esses preceitos nunca são referidos nas
conclusões com que os recorrentes optaram por resumir o requerimento de
interposição do recurso como, na parte das mesmas em que delimitam o respectivo
objecto, expressamente, por mais do que uma vez e em diferentes locais, afirmam
que pretendem ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 420º n.º 1 e 414.º
n.º 2 do C.P.P (cfr. conclusões, G, H e I, que supra já transcrevemos).
Alegam ainda os reclamantes que da motivação que “em boa hora” apresentaram com
o requerimento de interposição do recurso, “percebe-se claramente” qual a sua
pretensão. Mais uma vez, porém, sem razão. Nem a motivação do recurso foi
apresentada “em boa hora”, mas extemporaneamente (cfr., art. 79º da LTC), pelo
que o seu conteúdo não deve (nem pode), neste momento processual, ser
considerado, nem, mesmo que pudesse sê-lo, dele resultaria “claramente”, como
afirmam os recorrentes, que, afinal, ao contrário do que expressamente se dizia
no requerimento de interposição do recurso, não eram os artigos 420º n.º 1 e
414.º n.º 2 do C.P.P que os recorrentes pretendiam ver apreciados por este
Tribunal.
Finalmente, deve acrescentar-se que não estamos perante uma situação em que se
justificasse a formulação aos ora reclamantes do convite a que se refere o
artigo 75º-A, nº 6, da LTC. O convite supra referido impõe-se, como resulta
explicitamente do nº 5 do referido preceito, quando “o requerimento de
interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente
artigo”, o que, manifestamente, não era o caso do requerimento então apresentado
pelos ora reclamantes que, como já se demonstrou, indicavam expressamente todos
aqueles elementos, incluindo designadamente, para o que agora importa, os
preceitos cuja constitucionalidade pretendiam ver apreciada.
12. Pelo exposto e, no essencial, pelas razões já constantes da decisão
reclamada - que, como se demonstrou, em nada são abaladas pela reclamação
apresentada - é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que os ora
reclamantes pretenderam interpor.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a
decisão sumária reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Rui Manuel Moura Ramos