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Processo n.º 275/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), do despacho proferido pelo Conselheiro Relator do
Supremo Tribunal de Justiça – fls. 42 e ss – que indeferiu o requerimento de
interposição de recurso de constitucionalidade.
2 – Com interesse para a questão decidenda, colhe-se dos autos
que:
2.1 – O reclamante, foi condenado pela 7ª Vara Criminal de
Lisboa, como autor de um crime de associação criminosa (p. e p. pelos artigos
89.º, nºs 1 e 3, da Lei 15/2001 de 05/06 e 34.º, nºs 1 e 3, do DL 376-A/89 de
25/10), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, como co-autor de um crime de
contrabando qualificado (artigos 21º e 23º, alíneas a), c), d) e h), do DL
376-A/89 de 25/10), na pena de 3 anos de prisão e 200 dias de multa à taxa
diária de €498,80 (= €99.760,00); como co-autor de um crime de corrupção activa
(artigo 374.º, n.º1, do Código Penal), na pena de 5 anos de prisão; como autor
de um crime de detenção ilegal de arma de defesa (artigo 6.º da Lei 22/97 de
27/6), na pena de 1 ano de prisão; como autor de uma contra-ordenação p, e p.
pelos artigos 38.º e 74.º, § 2.º, do Dec. 37313 de 21/02/49, na coima de
€800,00; e, em cúmulo, na pena unitária de 8 anos e 6 meses de prisão e 200 dias
de multa (= 99.760,000).
2.2 – Inconformado, o arguido recorreu à Relação, pedindo a absolvição (na
medida em que, alterada a matéria de facto, não praticou nenhum dos crimes por
que foi condenado) ou a redução da pena «em conformidade com a responsabilidade
que lhe venha ser imputada».
2.3 – Por Acórdão de 29 de Abril de 2004, o Tribunal da Relação concedeu parcial
provimento ao recurso, reduzindo a pena correspondente ao crime de corrupção a 4
anos de prisão e a correspondente ao concurso criminoso a 8 anos de prisão (e
multa e coima complementares).
2.4 – Novamente inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de
Justiça, invocando omissão de pronúncia e pedindo «a baixa dos autos à Relação
para conhecimento das questões suscitadas».
2.5 – Por Acórdão de 7 de Julho de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça,
rejeitou, “por inadmissibilidade e/ou manifesta improcedência, o recurso oposto
pelo cidadão A. ao acórdão da Relação de Lisboa que, em 29ABR04, fixou em 8 anos
de prisão a pena conjunta correspondente ao concurso criminoso (associação
criminosa, contrabando qualificado, corrupção activa e detenção ilegal de arma
de defesa) por que fora julgado, em 25MAR03, na 7ª Vara Criminal de Lisboa (no
âmbito do processo comum colectivo nº 1/99 da 1ª Secção)”, tendo esta decisão
sido proferida com base na seguinte fundamentação:
“(…)
6.1. Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior
a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções» (art. 400º, nº 1, al. e),
do CPP). E também não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos,
em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo
por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em
caso de concurso de infracções» (art. 400º, nº 1, al. f), do CPP). Ou seja,
«mesmo em caso de concurso de infracções», não é admissível recurso de acórdãos
condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de
1ª instância, em processo por crime ou crimes individualmente puníveis com pena
de prisão não superior a oito anos.
6.2. No caso, os «processos conexos» (cfr. art.s 24º e 25º do CPP)[1] versam
crimes individualmente puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos (os
de corrupção activa, contrabando qualificado e detenção ilegal de arma de
defesa) ou com pena de prisão não superior a oito anos (o de associação
criminosa), donde, pois, que cada um deles valha como «processo por crime a que
é aplicável pena de prisão não superior a cinco [ou oito] anos».
6.3. Se julgados isoladamente, não haveria dúvidas de que não seria admissível
recurso do(s) acórdão(s) proferido(s), em recurso, pela Relação (relativamente
aos puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos) e do(s) acórdão(s)
condenatório(s) proferido(s) em recurso, pela Relação, confirmando a(s)
decisão(ões) da 1ª instância (relativamente ao crime punível com prisão não
superior a oito anos).
6.4. Não há razões substanciais – ou sequer, processuais – para que se adopte um
regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de, por razões de
«conexão» («de processos» - art. 25º), terem sido conhecidos simultaneamente os
crimes «concorrentes» (de cada «processo conexo»).
6.5. Acresce que, para efeitos de recurso, «é autónoma a parte da decisão que se
referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes» (art. 403º, nº 2,
al. b), do CPP). Por isso, o art. 400º, nº 1, al. f), do CPP adverte para que
tal regime de recorribilidade (no tocante «a cada um dos crimes», ou, mais
propriamente, ao «processo conexo» respeitante a cada «crime») se há-de manter
«mesmo em caso de concurso de infracções» julgadas «em processos conexos» (ou em
«um único processo organizado para todos os crimes determinantes de uma conexão»
- art. 29º, nº 1, do CPP).
6.6. Aliás, se o art. 400º, nº 1, nas suas alíneas e) e f), pretendesse levar em
conta a pena correspondente ao «concurso de crimes», teria aludido a «processos
por crime ou concurso de crimes» (e não a «processos por crime, mesmo em caso de
concurso»).
6.7. De resto, é nesse sentido que a melhor doutrina[2] se vem pronunciando: «A
expressão 'mesmo em caso de concurso de infracções” suscita algumas dificuldades
de interpretação. A pena aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais
elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas
aplicadas aos diversos crimes em concurso (art. 77º do CP). Não parece que o
legislador tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente
aplicada no concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena
aplicável aos crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a
qualquer deles. Parece que a expressão 'mesmo em caso de concurso de infracções”
significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta
a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes».
6.8. Ora, terá desde logo de se considerar definitiva a coima aplicada ao
arguido por contra-ordenação (art.s 38º e 74º § 2º do Dec. 37313 de 21/02/49).
Com efeito, da sentença de aplicação de coima (desde que superior a € 249,40) só
«pode recorrer-se para a Relação (art. 73.1.a do DL 433/82).
6.9. Também haverão de considerar-se definitivas (art. 400.1.e do CPP) – e, por
isso, irrecorríveis – as penas aplicadas ao arguido na 1ª instância por
«contrabando qualificado» (3 anos de prisão e € 99.760 de multa) e por
«corrupção activa» (4 anos de prisão). Bem como (agora por força do disposto no
art. 400.1.f do CPP) a pena a ele aplicada em 1ª instância e confirmada, em
recurso, pela Relação, por «associação criminosa» (5,5 anos de prisão): «A
alínea f) do nº 1 do art. 400º do CPP é também uma aplicação do princípio da
dupla conforme. Se a decisão condenatória de 1ª instância for confirmada em
recurso pela Relação, só é admissível recurso se a pena aplicável for superior a
8 anos. Também aqui a expressão 'mesmo em caso de concurso de infracções” parece
significar que se há-de atender apenas à pena aplicável a cada um dos crimes em
concurso»[3]
7. A PENA CONJUNTA
7.1. Mas, uma vez que a «pena aplicável» ao concurso (cfr. art. 77.2 do Código
Penal) tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas
aos vários crimes (no caso, 5,5 anos de prisão) e como limite máximo a soma das
penas concretamente aplicadas aos vários crimes (no caso, 13,5 anos de prisão),
o recurso (até por força do disposto no art. 399º do Código de Processo Penal)
já será – nessa parte – admissível[4].
7.2. Assim (restritivamente) interpretado o art. 400.1.e e f do CPP, ter-se-á em
conta, à partida, que «no concurso de infracções, um caso especial de
determinação da pena, a pena aplicável [ao concurso] tem como limite máximo a
soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, segundo o disposto do
artigo 77º do CP», e, ao mesmo tempo, esvaziar-se-á o contra-argumento de que
«só [!?] o entendimento defendido [por COSTA ANDRADE, MARIA JOÃO ANTUNES e
SUSANA DE SOUSA, na sua anotação ao acórdão STJ 06FEV03 (RPCC 2003-3)]
impede[iria] que um tribunal da Relação [pudesse] condenar por decisão
irrecorrível numa pena de 25 anos de prisão, apesar de nenhum dos crimes do
concurso ser punível com pena superior a 5 anos».
7.3. A este propósito alega o arguido que «na fixação da pena deve atender-se
não só ao fracasso das operações, como à idade avançada do recorrente e à sua
precaríssima saúde».
7.4. Atingiu «8,5 anos de prisão» a pena conjunta determinada pela 1ª instância,
mas a Relação – mercê da redução de 5 para 4 anos de prisão de uma das penas
parcelares – fixou-a em «8 anos de prisão».
7.5. Apesar de «não registar condenações», o arguido «dedica-se, desde data não
apurada, à introdução em Portugal, sem passar pelas alfândegas, de tabaco de
origem estrangeira, designadamente norte americana; possui uma quinta em Aguas
de Moura e diversas viaturas de valor elevado, uma das quais substituiu a
viatura, que utilizava regularmente, de marca Rolls Royce; detém participações
sociais em sociedades com actividade nas áreas da navegação e da agricultura;
recebe salário mensal situado entre €1750 e €2000; e é pessoa muito doente,
tendo sofrido diversas intervenções cirúrgicas aos intestinos».
7.6. Ora, considerando, globalmente, a personalidade (socialmente mal
enquadrada) do arguido e o conjunto dos factos (todos eles relacionados com uma
prolongada actividade, em associação criminosa, de contrabando e corrupção de
agentes fiscais) e tendo ainda em conta que «tudo deve passar-se com se o
conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo
decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos
concorrentes se verifique»[5] – e, no caso, a corrupção activa e a associação
criminosa em que o arguido comparticipou foram instrumentais do seu
(profissionalizado) contrabando – e que «na avaliação da personalidade
(unitária) do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos
factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira»)
criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade»
(só no primeiro caso, como aqui, sendo de atribuir à pluralidade de crimes um
efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» - a. e ob. cit., § 421), bem
(e benevolamente) andou a Relação ao fixar[6]em 8 anos de prisão[7] (12) a
correspondente pena conjunta.
7.7. Dai que o recurso, quanto aos crimes conexos e suas penas, seja
inadmissível; quanto à pena conjunta, manifestamente improcedente e, no todo, de
rejeitar (art. 420.1 do CPP).
8. CONCLUSÕES
8.1. Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior
a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções» {art. 400º, nº 1, al. e),
do CPP).
8.2. Também não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em
recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por
crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em
caso de concurso de infracções» {art. 400º, nº 1, al. f), do CPP).
8.3. Mas, tendo a «pena aplicável» ao concurso (cfr. art. 77.2 do Código Penal)
como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários
crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários
crimes, o recurso (até por força do disposto no art. 399º do Código de Processo
Penal) já será admissível – no tocante à medida da pena conjunta – se a pena
aplicável ao concurso exceder, salvo dupla conforme, 5 anos de prisão ou
exceder, mesmo nessa hipótese, 8 anos de prisão.
8.4. Esta interpretação do art. 400.1.e e f do CPP não só leva em conta que «no
concurso de infracções, um caso especial de determinação da pena, a pena
aplicável [ao concurso] tem como limite máximo a soma das penas concretamente
aplicadas aos vários crimes (artigo 77º do CP)» como impede que «um tribunal da
Relação possa condenar por decisão irrecorrível numa pena [conjunta] de [8 a] 25
anos de prisão, apesar de nenhum dos crimes do concurso ser punível com pena de
prisão superior a 5 [ou 8] anos».
2.6 – Discordando desse entendimento, o reclamante requereu o
“esclarecimento do acórdão”, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de
3 de Novembro de 2005, indeferido o pedido.
2.7 – Notificado da decisão, o arguido interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:
“(…)
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82
de 15 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei 85/89 de 7 de Setembro. Visa
a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade das seguintes
normas suscitadas pelo recorrente, no decurso do processo:
O artigo 5º do DL 376-A/89 é inconstitucional, pois viola o artigo 165º nº 3 da
CRP.
O incidente foi suscitado na alegação de recurso para a Relação e STJ.
O artigo 283º nº 3 c) do C.P.P. é inconstitucional, na interpretação segundo a
qual é suficiente enunciar, para não se verificar a nulidade aí prevista, as
normas do DL 376-A/89 de 25 de Outubro, omitindo-se as alterações que foram
introduzidas por decretos posteriores, sendo também elas próprias
inconstitucionais.
Foi violado o artigo 32º nº 1 da CRP.
O incidente foi suscitado na alegação do recurso para o Supremo.
O artigo 12º nº 1, nº 2 e nº 3 do DL 376-A/89 de 25 de Outubro é
inconstitucional quer na redacção do DL 255/90 de 7 de Agosto, quer redacção do
DL 98/94 de 18 de Abril, por violação do artigo 165º nº 2 e nº 3 da CRP.
O incidente foi suscitado na alegação do recurso para o Tribunal da Relação e
Supremo.
O artigo 5º do DL 376-A/89 de 25 de Outubro é inconstitucional por violação do
artigo 165º nº 3 da CRP.
O incidente foi suscitado na alegação do recurso para a Relação e Supremo.
Ao recorrente foi aplicada pelo Tribunal da Relação a pena unitária de oito anos
de prisão e duzentos dias de multa, convertível em prisão.
Foi interposto recurso para o STJ em matéria de direito. O STJ não conheceu das
questões de direito suscitadas no recurso por respeitarem aos crimes porque,
individualizadamente, o recorrente fora condenado nas penas parcelares,
considerando definitiva a responsabilidade civil e penal do recorrente em
relação a cada um dos vários crimes concorrentes e factos correlativos.
Nesta interpretação, que conduziu à não apreciação do recurso, os artigos 399º e
400º alíneas e) e f) são inconstitucionais, pois violam o artigo 32º nº 1 e nº
2, artigo 18º nº 2 e nº 3, artigo 13º, artigo 202º e 205º, todos da Constituição
da República Portuguesa.
O incidente foi suscitado na reclamação de recurso para o Presidente do STJ, na
sequência do indeferimento, pela Relação, do recurso dirigido ao STJ. Foi ainda
suscitado no requerimento de esclarecimento o acórdão do STJ, e ainda na
resposta ao incidente da inadmissibilidade o recurso suscitado pelo Ministério
Público.
Finalmente, os factos relativos à corrupção não estavam localizados no tempo nem
no espaço.
Os artigos 1º e 2º do CP exigem essa especificação.
O artigo 283º nº 3 do CPP concretiza os princípios enunciados naquelas normas.
A interpretação feita pelas instâncias destas normas do direito penal e
processual, viola o artigo 32º nº 1 e nº 2 da CRP.
Foi suscitado o incidente na alegação de recurso para o Tribunal da Relação.
Requer a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional”.
2.8. Por despacho de fls. 42 e ss., o recurso não foi admitido, tendo o
Relator considerado que:
“(…)
nenhuma norma destes artigos foi aplicada ou desaplicada pelo acórdão recorrido
(o acórdão: de 07JUL05, do Supremo), donde que o recurso – nessa parte – seja de
indeferir: «O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional deve ser indeferido (...), quando a decisão o não admita (...) e,
no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º, quando
forem manifestamente infundados» (art. 76.2 da LTC).
É o caso, também, das normas do art. 400.1. e) e f) do CPP, na interpretação que
delas fez o Supremo ao conhecer, de entre as questões suscitadas no recurso, do
concurso de crimes e da respectiva pena conjunta, mas ao recusar-se, por
inadmissibilidade parcial do recurso, a dele conhecer na parte respeitante a
cada um dos crimes por que o arguido fora condenado nas instâncias.
A mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional a esse respeito é
convergente no sentido da constitucionalidade da norma assim interpretada e
aplicada (cfr., por último, o acórdão 2/06 de 03JAN, que 'não julgou
inconstitucional a norma do artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo
Penal, interpretada no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas
Relações, que confirmem (mesmo que parcialmente, desde que in mellius) decisão
da 1ª instância, quando não ultrapasse 8 anos de prisão o limite máximo da
moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi
condenado”.
(…)”.
2.9 – Confrontado com tal decisão, o arguido reclamou, ao
abrigo do artigo 76.º, n.º 4 da LTC, para o Tribunal Constitucional,
estribando-se na seguinte argumentação:
“(…)
Foi proferido um Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que condenou o
arguido A., ora reclamante, em pena de prisão de oito anos e multa, convertível
em prisão.
O recorrente suscitara na motivação do recurso para o Tribunal da Relação
incidentes de inconstitucionalidade, pois o tribunal de 1ª instância aplicara
normas inconstitucionais. Esses incidentes foram julgados improcedentes pelo
Tribunal da Relação, que aplicou ao arguido a pena já citada.
Do Acórdão do Tribunal da Relação foi interposto recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça. O Senhor Desembargador Relator indeferiu o recurso, invocando a sua
inadmissibilidade. O arguido reclamou para o Presidente do S.T.J., que mandou
subir o recurso.
Na respectiva motivação, o recorrente suscitou os incidentes que já havia
deduzido, sem sucesso, junto do Tribunal da Relação, e novo incidente de
inconstitucionalidade, relacionado com a admissibilidade do recurso para o
S.T.J..
O S.T.J. proferiu um Acórdão em 7 de Julho de 2005, considerando definitivas e
por isso irrecorríveis as penas aplicadas ao arguido na 1ª instância por
contrabando qualificado (3 anos de prisão e 99.760 euros de multa) por corrupção
activa (4 anos de prisão), bem como 'agora por força no disposto no artigo 400,
nº 1, al. f) a pena a ele aplicada em 1ª instância e confirmada em recurso pela
Relação, por associação criminosa' (5.5 anos de prisão).
Foi decidido, pois, que o recurso quanto aos crimes conexos e penas era
inadmissível, e quanto à pena conjunta, numa parte improcedente, e no todo de
rejeitar.
O prazo para interpor recurso para o Tribunal Constitucional inicia-se a partir
do momento em que se torne definitivo e certo que não é possível o recurso
ordinário da decisão. Em acórdão do Tribunal Constitucional, de 22 de Janeiro de
1986, foi decidido que o conceito de recurso ordinário, utilizado pelo artigo
70º, nº 2, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, abrange as próprias reclamações para
o presidente do Tribunal ad quem, dos despachos de não recebimento dos recursos
interpostos do tribunal ad quo.
O Presidente do S.T.J. havia admitido o recurso ordinário, e só com a decisão do
Supremo Tribunal de Justiça, que veio a considerar definitivas as penas
parcelares, por delas não haver recurso, se poderia considerar finalizado o
recurso ordinário interposto, se não tivesse havido pedidos de esclarecimento do
douto acórdão proferido. O douto Acórdão de 7 de Julho de 2005 é uma peça única,
uma única sentença, incíndivel, e não um conjunto de sentenças. Foi suscitado o
seu esclarecimento, deferido esse esclarecimento, decidindo-se que 'todas as
questões de direito suscitadas no recurso (para o Supremo) do arguido A., diziam
respeito aos crimes por que individualizadamente foram condenados às respectivas
penas parcelares. Ora, na medida em que o Supremo considerou definitiva (porque
insusceptível de recurso o correspondente acórdão da relação), a
responsabilidade criminal e penal do recorrente em relação a cada um dos crimes
concorrentes e factos correlativos, não haveria que conhecer, como se não
conheceu nem poderia conhecer-se das questões suscitadas a esse respeito no
recurso....'
Definitiva seria, a pena aplicada ao arguido, na 1ª instância, por contrabando
qualificado, por corrupção activa, bem como (agora por força do disposto no
artigo 400º, nº 1 1, al. f) do C. Processo Penal, a pena a ele aplicada em 1ª
instância e confirmada em recurso pela Relação.
Esclarecido nestes termos, o Acórdão do S.T.J., de 7 de Julho de 2005, só então
se pode considerar definitivas as penas aplicadas pela Relação. O tribunal da
Relação aplicou normas cuja inconstitucionalidade fora suscitada pelo arguido,
no decurso do processo, desatendendo a pretensão deste. O Supremo tomou-as
definitivas, explicitamente, seja qual for o motivo invocado para essa decisão:
confirmação explícita, ou decisão de que não era legal o recurso. Foi então, e
no prazo legal, interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
As normas invocadas no requerimento de recurso, com o objectivo de o T.C. se
pronunciar sobre a inconstitucionalidade das mesmas, era o artigo 5º, do D.L.
376/A85, suscitado tanto na alegação para a Relação como para o S.T.J. norma
esta, aplicada expressamente pela Relação, e implicitamente pelo S.T.J.. Era
ainda o artigo 283º, nº 3, al. c) do C. P. Penal, e artigo 12º, nº 1, 2 e 3 do
D.L. 376/A89, de 25 de Outubro.
Foi ainda suscitado no STJ a inconstitucionalidade do artigo 400º, nº 1, al. e)
e f) do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, o S.T.J.
(recusando-se a conhecer o recurso na parte respeitante a cada um dos crimes por
que o arguido fora condenado nas instâncias), conheceu apenas da legalidade da
pena conjunta, aplicada ao reclamante. O S.T.J. rejeitou a admissão do recurso
relativamente a esta questão, invocando que o requerimento era manifestamente
infundado. Considerou para isso que a mais recente jurisprudência do T.C. a este
respeito é convergente no sentido da constitucionalidade da norma assim
interpretada e aplicada. É porém, evidente, que quanto o artigo 76º, nº 2 alude
a manifestamente infundado, não pode reportar-se à jurisprudência do Tribunal
Constitucional, que predominantemente tenha, em certa época, perfilhado certo
entendimento, sobre a não inconstitucionalidade de normas.
Mas, se um determinado entendimento sobre a não inconstitucionalidade de uma
norma foi perfilhado pelo T. C., num ou em mais acórdãos, isso não confere ao
S.T.J. o direito de rejeitar o recurso, por considerá-lo manifestamente
infundado. E o Relator do Recurso no T.C., quando apreciar o objecto do recurso,
se este for simples, a possibilidade de decidir nos termos do artigo 78º-A,
ouvindo aliás, cada uma das partes em 5 dias.
O S.T.J. arrogou-se, quando não admitiu o recurso nesta parte, poderes que não
tinha, e pertencem ao T.C..
De resto, nada permite concluir que os mesmos juízes conselheiros do T.C., que
já consideraram não inconstitucional a norma, não venham a perfilhar
entendimento diferente. E nada permite dizer que outros juízes conselheiros do
T.C., que nunca se pronunciaram sobre esta questão, não venham a perfilhar o
entendimento da inconstitucionalidade da norma citada, na interpretação posta em
causa.
Ou seja, é inconstitucional, e no STJ foi suscitado este incidente, indeferido,
a norma do artigo 400º, nº 1, al. f) do c. P. Penal, interpretada no sentido de
ser inadmissível recurso para o STJ de acórdão condenatório proferido em recurso
pela Relação que confirme decisão de 1ª instância, quando não ultrapasse 8 anos
de prisão, limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente
considerados, por que o arguido foi condenado.
(…)”.
2.10 – Considerando que o Supremo Tribunal de Justiça não havia
feito aplicação das normas indicadas no requerimento de interposição e que a
questão de constitucionalidade relativa ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do
Código de Processo Penal, seria manifestamente infundada, o Conselheiro Relator
manteve o despacho reclamado.
2.11 – Já neste Tribunal, o Representante do Ministério
Público, veio dizer que:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Assim – e no que se refere às normas atinentes à decisão de mérito, proferido
pela Relação – é evidente que não foram aplicadas pelo acórdão recorrido,
indiscutivelmente o proferido pelo acórdão do STJ, atento o teor do requerimento
de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional e o facto de ser
endereçado ao autor de tal decisão.
Quanto à questão processual, reportada à norma do art. 400º do CPP, nenhuma
censura merece a decisão reclamada, ao qualificar tal recurso como
“manifestamente infundado”, face à firme, reiterada e recente jurisprudência
constitucional sobre a não inconstitucionalidade do limite à recorribilidade
para o Supremo, decorrente da norma questionada”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
3 – Como é consabido, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que apliquem
uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Perscrutando a decisão recorrida – o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 7 de Julho de 2005 –, não pode deixar de reconhecer-se que a sua
ratio decidendi assenta na aplicação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do
Código de Processo Penal, não tendo o Supremo Tribunal de Justiça feito
aplicação dos demais preceitos que o reclamante erigiu em objecto do seu recurso
de constitucionalidade.
Não merece, pois, qualquer censura a decisão reclamada na parte em
que considerou não ter feito aplicação das normas controvertidas no requerimento
de interposição do recurso (a saber: as normas do DL 376-A/89, o artigo 5.º do
DL 376-A/89, e o artigo 283.º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal).
Quanto à dimensão do recurso que visava a fiscalização da
constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de
Processo Penal, o Relator entendeu que “é susceptível de considerar-se
manifestamente infundado [um recurso] quando, a respeito da correspondente
questão de inconstitucionalidade, a resposta do Tribunal Constitucional tem sido
– e continua (…) a ser – negativa”.
Ora, também este entendimento não merece qualquer reparo,
situando-se, de resto, na esteira da jurisprudência deste Tribunal.
Atente-se, por exemplo, no que escreveu no Acórdão n.º 616/05,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que confirmou uma decisão sumária
que havia julgado manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade da
norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Considerou-se nesse aresto que:
“(…)
Como claro se depara, se a questão de inconstitucionalidade
colocada ao Tribunal por intermédio do recurso for, a todas as luzes,
nomeadamente ponderando a jurisprudência por ele seguida em casos idênticos ou
paralelos, ostensivamente improcedente, por se não vislumbrar um mínimo de
consistência substancial no alegado ferimento da Lei Fundamental, poderá o
recurso ser considerado manifestamente infundado nos termos daquele disposição
legal. E, justamente por isso, não se torna necessário que seja desenvolvida
toda uma actividade processual subsequente, como é o caso da produção de
alegações, elaboração de projecto de acórdão ou de «memorando», ida a «visto»
dos demais Juízes, inscrição dos autos em tabela e julgamento pela formação
colectiva do Tribunal.
(…)
Ora, a decisão sub iudicio, ponderando, de um lado, a
jurisprudência deste órgão de administração de justiça tomada quanto ao direito
ao recurso das decisões penais condenatórias – jurisprudência essa de acordo com
a qual a Constituição não exige ou impõe a existência de um terceiro grau de
recurso – e, de outro, que, mesmo numa postura que se presumiu ser a intentada
seguir pelos então recorrentes, a questão se afigurava ostensivamente destituída
de fundamento para poder levar a um juízo de enfermidade constitucional dos
normativos em apreço, explicitando-se os cabidos motivos, acabou, conhecendo do
objecto do recurso, por concluir no sentido de a questão ser manifestamente
infundada.
(…)”.
Diga-se, por fim, que também não assiste razão ao reclamante
quando afirma que “o STJ arrogou-se, quando não admitiu o recurso nesta parte,
poderes que não tinha, e pertencem ao TC”, porquanto é a própria Lei do Tribunal
Constitucional a admitir, no seu artigo 76.º, n.º 2, que “o requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido
quando não satisfaça os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento
previsto no seu n.º 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido
interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda,
no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º,
quando forem manifestamente infundados (itálico aditado)”.
C – Decisão
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante com 20 UCs. de taxa de justiça.
Lisboa, 2 de Maio de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
[1] «Há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários
crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma
comarca (..,)»
[2] GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, p. 325.
[3] GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. e loc. cit.s.
[4] Mau grado a dupla conforme, pois que a Relação, relativamente à pena
correspondente ao concurso de crimes, confirmou, in melius [fixando-a em 8
anos], a pena recorrida de 8 + 0,5 anos de prisão.
[5] FIGUElREDO DIAS, ob. cit., § 429
[6] Adicionando à maior pena parcelar (5,5 anos) apenas 31% da soma das demais
(3 +4 + 1 = 8 * 31% = 2,48).
[7] E, ainda, na multa complementar de € 99.760 e na coima contra-ordenacional
de € 800.