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Processo n.º 296/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro
(LTC), do acórdão de 14 de Dezembro de 2005 Relação de Guimarães que,
confirmando a decisão proferida no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, o
condenou na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de
homicídio simples na forma tentada, e de um crime de detenção ilegal de arma de
defesa, previstos e puníveis pelos artigos 22º n.ºs 1 e 2 alínea b), 23º n.º 2,
73º n.º1 alíneas a) e b) e 131º, todos do Código Penal e pelo artigo 6º da Lei
n.º 22/97 de 27 de Junho, respectivamente.
Todavia, o recurso não lhe foi admitido pelas seguintes razões:
[...] Acontece que o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC
tem carácter normativo, pelo que nele não cabe a reapreciação da questão
jurídica tratada no Tribunal recorrido, nem a crítica da decisão objecto do
recurso, pois no seu âmbito apenas pode discutir-se a questão de
inconstitucionalidade normativa oportunamente suscitada perante o Tribunal
recorrido. Todavia, o recorrente nunca suscitou perante aquele Tribunal qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, nem propõe, perante o Tribunal
Constitucional, qualquer questão dessa natureza, pois o que afirma é que a
sentença violou determinadas normas ou princípios constitucionais. [...], antes
alega a ocorrência de erro na valorização da prova e na aplicação do direito
(ainda que com violação da Constituição) cometido pela decisão recorrida, que
constitui a via comum de impugnação da decisão, enquanto tal, mas que é
insuficiente para o habilitar a propor o presente recurso.
Em suma, não se mostra verificado o requisito referente à oportuna suscitação de
uma questão de inconstitucionalidade normativa, assim como também se não mostra
verificado o requisito relativo à natureza normativa do recurso interposto.
Notificado da decisão sumária, o recorrente apresentou ao Tribunal o seguinte
requerimento:
[...] Entende o recorrente haver ambiguidade nos fundamentos da decisão, motivo
pelo qual solicita a V.ª Ex.ª os seguintes esclarecimentos:
1.- Refere a douta decisão que o recorrente nunca suscitou perante aquele
tribunal – Tribunais de 1ª ou 2ª instância – qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, nem propõe perante o tribunal Constitucional
qualquer questão dessa natureza.
2.- Não nos aprece que assim seja: Com efeito, além do que alegou na contestação
oferecida em 1ª instância, o recorrente, no recurso que apresentou no Tribunal
da Relação de Guimarães, nomeadamente na conclusão H) que resume parte do
alegado, refere que foram violados os princípios constitucionais da inocência do
arguido e in dubio pro reo previstos no artigo 32 da C.R.P e, por inaplicáveis,
foram violadas as normas dos arts. 23, 73, 131, 50, 70 e 71 do Código Penal.
3.- O que o recorrente pretende pôr à consideração desse Tribunal, no recurso
que apresentou, foi se estas normas de direito ordinário, foram aplicadas com
violação daquele principio constitucional, e que essa inconstitucionalidade
fosse reconhecida.
Dando por reproduzido o teor do requerimento inicial do recurso, requer-se a V.ª
Ex.ª se digne esclarecer, se estas alegações e considerações foram de facto
atendidas na douta decisão sumária prolatada.
A este requerimento respondeu o representante do Ministério Público nos termos
seguintes:
1.- O pedido de aclaração mostra-se perfeitamente descabido, já que o recorrente
não enuncia qualquer dificuldade em entender o decidido, apenas manifestando
discordância com a ausência de pressupostos do recurso - o que corresponde ao
meio impugnatório reclamação para a conferência.
2.- A qual será de considerar manifestamente infundada, já que efectivamente se
não mostra suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
susceptível de constituir objecto idóneo do recurso interposto.
2. Nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78º-A da LTC, é à
conferência que cabe decidir a reclamação oposta à decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso. No caso em apreço, embora apresentado como
um pedido de esclarecimento, o requerimento formulado pelo recorrente
consubstancia, afinal, discordância sobre o fundamento da decisão sumária, que
(implicitamente) se pretende ver alterada, mediante a reafirmação do pedido de
interposição do recurso.
A pretensão agora formulada deverá, por isso, ser apreciada como reclamação para
efeito do disposto nos aludidos n.ºs 3 e 4 do artigo 78º-A da LTC.
3. Afirmou-se na decisão sumária que o recurso previsto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem, como pressuposto, a prévia suscitação –
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – da questão de
inconstitucionalidade, conforme se prevê no n.º 2 do artigo 72º da LTC. Também
se disse que a questão de inconstitucionalidade que constitui o objecto do
recurso deve ter natureza normativa, pois está excluído que o Tribunal
Constitucional aprecie a conformidade legal (ou mesmo constitucional) da decisão
jurisdicional recorrida, em si mesma considerada.
Ora, dado este quadro jurídico, face aos termos em que o recorrente definira, no
requerimento de interposição, o objecto do recurso [ou seja: '(...) No entender
do recorrente, foram violados princípios gerais das garantias e liberdades
fundamentais de um cidadão, designadamente o princípio da proporcionalidade e
razoabilidade, plasmados nos artigos 70º e 71º do Código Penal. Foi ainda
violado o princípio in dubio pro reo, quando a sentença prolatada e de que se
recorre valorizou provas partindo do princípio e com base numa presunção de
culpabilidade do recorrente. Assim construiu a formulação jurídica da prática de
factos que constituem crime de homicídio tentado, quando o que efectivamente
esteve em causa foi um acidente de viação'], concluiu-se que o recurso não
poderia ser conhecido, não só porque o recorrente nunca suscitara perante o
tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade de norma aplicada
como razão de decidir, mas também porque não pretendia colocar ao Tribunal
Constitucional questão dessa natureza.
A discordância do reclamante incide sobre este ponto, pois entende que a
circunstância de haver invocado, perante a Relação de Guimarães, na conclusão H)
da sua alegação, 'que foram violados os princípios constitucionais da inocência
do arguido e in dubio pro reo, previstos no artigo 32 da C.R.P e, por
inaplicáveis, foram violadas as normas dos artigos 23, 73, 131, 50, 70 e 71 do
Código Penal', permitiria dar por verificado o referido requisito, naquela dupla
vertente, pois a questão assim suscitada perante o tribunal recorrido
constituiria objecto idóneo do recurso em causa.
Mas não é assim.
Conforme se disse, aquelas afirmações do recorrente representam uma crítica à
decisão recorrida, ainda que centrada numa violação de princípios
constitucionais, mas não constituem acusação de inconstitucionalidade de norma
infraconstitucional nela aplicada como razão de decidir; não foi, portanto,
suscitada uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, assim como
se verifica que o objecto que o reclamante define para o recurso configura,
igualmente, uma crítica directa à decisão recorrida e não uma questão normativa.
É, assim, de manter a decisão sumária de não conhecimento do recurso.
4. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa,8 de Junho de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos