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Processo n.º 616/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., L.da vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 4 de
Outubro de 2005, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do
artigo 678.º do Código de Processo Civil, e, consequentemente, negar provimento
ao recurso interposto e, ainda, condenar a recorrente em custas, com sete
unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Nos presentes autos, A., L.da interpôs recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, ao abrigo do artigo 678.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de 2004, que, no
âmbito da acção de despejo intentada contra ela por B.e C., concedeu provimento
à apelação dos demandantes e a condenou a despejar o locado.
Por despacho de 21 de Abril de 2005, esse recurso não foi admitido no Supremo
Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
«1. Lendo o acórdão ora junto (fls. 558), particularmente a passagem de fls. 548
– de resto, uma citação doutrinal – não se vê onde existe contradição de
decisões judiciais sobre matéria nuclear relativa a factos idênticos e sobre a
mesma questão essencial de direito: a indivisibilidade material da confissão.
O que parece haver é uma diferente apreciação da prova feita pela Relação e a
pretendida pela recorrente, como descreve a fls. 548/549.
2. Independentemente da existência, ou não, de semelhante contradição de
julgados, o que é inequívoco é que o valor da alçada se esgotou na Relação, como
já observado a fls. 543, e reconheceu o próprio recorrente.
Ou seja, o valor da acção é de novecentos e quarenta mil escudos, exactamente:
941.664$00, como também salientam os recorridos (fls. 556).
3. Não cabe recurso para o Supremo das decisões de que só cabe recurso para a
Relação, conforme resulta claramente da leitura do n.º 4 do artigo 678.º do
Código de Processo Civil, comparando o seu texto com a parte final do n.º 2 (“é
sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa”).
É o sentido mais correcto e adequado de interpretação da lei que colhe o apoio
dos autores (Amâncio Ferreira, 5.ª edição, 2004, pág. 108); e da jurisprudência
deste Tribunal (ac. de 17.XII.01, no Processo n.º 3764/01).
O recurso, que já fora admitido com dúvidas pela Relação (fls. 469, II vol.),
não é, efectivamente, de admitir.
Termos em que, conforme aos artigos 700.º, n.º 1, alínea e), e 705.º do C.P.C.,
se julga findo o recurso, não se conhecendo do seu objecto.»
Deste despacho reclamou a recorrente para a conferência, que, por acórdão de 31
de Maio de 2005, confirmou o despacho reclamado e decidiu não ser admissível o
recurso de revista interposto. Pode ler-se nesse aresto:
«1. O valor da acção donde emergiu a apelação a que a Relação de Lisboa concedeu
provimento (fls. 401), condenou a ré a despejar o locado.
Esta recorreu, e, na dúvida, a Relação acabou por admitir a revista (fls. 469).
Considerando que o valor da acção é de 941.664$00, e o que dispõe o artigo
678.°, n.º 4, do Código de Processo Civil, o relator, cumprido que foi o artigo
704.°, n.º 1, do mesmo Código (fls. 726), decidiu sumariamente não conhecer do
objecto do recurso, tudo como se explicou a fls. 565/565 verso.
A Ré pede a intervenção da conferência (fls. 572) anunciando, desde já, o seu
propósito de recorrer para o Tribunal Constitucional (ponto 15 – fls. 573).
A autora defende o indeferimento da reclamação para a conferência (fls. 586).
2. Em síntese, a decisão singular de que se reclama explicou (fls. 565 verso,
ponto n.º 3) que não cabe recurso para o Supremo da decisão da Relação, pois
esta esgotou a sua alçada.
Justificou-se este entendimento (citando as melhores, e mais recentes, fontes
doutrinais e jurisprudenciais) dizendo-se que esta limitação era a que
correspondia ao sentido mais razoável da lei, sob pena de todas as questões
desta natureza terem recurso para o Supremo – o que seria incomportável,
garantido que foi já um grau de recurso.
Ainda se explicou que bastaria comparar a redacção do n.º 2 do aludido artigo
678.° (“É sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa”) com a
redacção do n.º 4 em que a Ré fundamenta a admissibilidade, para se verificar a
dualidade de critérios eleitos pelo legislador, diferença explicada pelo sentido
de razoabilidade que se deixou enunciado.
O sentido propugnado pela Ré, feito através do esforço literal que desenvolve
repetidas vezes, ao longo do processo, desde que pediu a revista, não cabe, a
nosso ver, nos parâmetros de interpretação a que manda recorrer o artigo 9.° do
Código Civil. E, em bom rigor, nem sequer cabe naqueles parâmetros de forma
sustentada, mesmo literalmente, quando confrontamos aqueles n.ºs 2 e 4,
funcionando essa letra exactamente ao contrário.
3. Termos em que, em conferência, se confirma o despacho de fls. 565 verso, que
decidiu não ser admissível o recurso, por a decisão recorrida não o
possibilitar, em razão do valor da causa, contido dentro do valor da alçada da
Relação.»
2. Veio então a recorrente interpor o presente recurso de constitucionalidade,
ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, dizendo no seu requerimento de recurso:
«A., Limitada, notificada da decisão do Acórdão proferido sobre a sua reclamação
para a conferência, dele pretende interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
De facto, não só nos termos do artigo 704.º do C.P.C., quando convidado a
pronunciar‑se sobre o não conhecimento do objecto do recurso, como em reclamação
para a conferência, suscitou a inconstitucionalidade da interpretação dada ao
artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., no confronto com o artigo 754.º do mesmo, nesta
última peça, como segue:
“1. A interpretação dada ao artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., segundo a qual não
cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões de que só cabe
recurso para a Relação, conforme resulta de comparação do n.º 4 com o n.º 2 do
citado artigo 678.º do C.P.C., em que se diz “é sempre admissível recurso,
independentemente do valor da causa” conforme terá sido decidido no processo n.º
3764/01, é inconstitucional, conforme já se defendeu em requerimento que se foi
convidado a produzir, nos termos do artigo 704.º do C.P.C.
2. Na verdade, a interpretação conforme à Constituição, tendo essa disposição do
artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., em conta, e, ainda, o disposto nos artigos 13.º
e 20.º, n.º 4, da Constituição, deve ter como pressuposto o artigo 754.º, n.º 2,
ex vi artigo 722.º, n.º 1, ambos do C.P.C.
3. E na formulação de então, dispunha o artigo 678.º, n.º 4: “É sempre
admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º‑B, do
Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro dessa ou de diferente
Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba
recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal (...)”.
4. Portanto é exactamente a circunstância de não caber recurso ordinário por
motivo estranho à alçada (artigo 678.º, n.º 4, CPC) o que permite
excepcionalmente o recurso.
5. Ora, sem qualquer referência ao valor da causa, nos termos o artigo 754.º,
n.º 1, do C.P.C., cabe recurso de agravo do Acórdão da Relação de que seja
admissível recurso.
6. E nos termos do artigo 754.º, n.º 2, do C.P.C. cabe recurso (ou é admissível
recurso), excepcionalmente (excepção a que alude a expressão salvo) se o Acórdão
estiver em oposição com outro (…) quando não, não é admissível recurso; e não é
qualquer que seja a alçada.
7. É pois por motivo estranho à alçada – como se prevê no artigo 754.º, n.º 2,
citado – que é admissível o recurso no caso dos autos, pois qualquer que fosse a
alçada ele não seria de admitir, não fosse a oposição de Acórdãos – o que
integra a previsão do artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., que deve ser interpretado
como se expõe sob pena de inconstitucionalidade consistente na não aplicação,
conforme com a norma do artigo 13.º da Constituição, dos critérios estabelecidos
nas regras de interpretação do artigo 9.° do Código Civil, por forma a
distinguir o que é igual, do que é diferente.
8. Ora igualar o n.º 2 do artigo 678.º do C.P.C. na parte em que diz que o
recurso é sempre admissível seja qual for o valor da causa, em certas situações
ali tipificadas, com a previsão do n.º 4 que prevê situações completamente
distintas, como é o caso da contradição de julgados é extrair uma norma de
processo civil consignada no artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., em violação da
norma do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da nossa República.
9. E em violação do artigo 20.º, n.º 4, da mesma Constituição, visto que
qualquer interpretação desconforme com a Constituição coloca a parte, com essa
interpretação, em situação desfavorecida, em confronto com o seu direito a um
processo equitativo.
10. Finalmente, decidir que uma declaração confessória acompanhada da narração
de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia dos factos
confessados, como acontece no caso concreto sub judice, não consubstancia
factispecie subsumível na previsão do artigo 360.º do Código Civil, mas antes
diferente apreciação da prova, é interpretar a norma do artigo 360.º do Código
Civil, em termos de julgar a apreciação da prova subordinada ao subjectivismo do
julgador, antes de subordinada às regras de direito probatório substantivo.
11. Dessa forma, em todas as circunstâncias, as regras de direito probatório
substantivo ficariam dependentes, na sua aplicação, de um prévio critério
subjectivo por falta de distinção entre objectividade e subjectividade.
12. “Entregue a si próprio, livre de todas as regras de direito probatório, o
juiz chegará a uma verdade subjectiva, se não ficar pelo caminho num non liquet
irremovível; é tudo quanto se pode concluir. Como vimos atrás, e reputamos
óbvio, a verdade subjectiva não é necessariamente a verdade em si” – Prof.
Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, página 390 –
distinguindo, a propósito do regime probatório, o que na interpretação sob
reclamação, salvo o devido respeito não se distinguiu: a objectividade da lei e
da sua interpretação, da subjectividade do julgador ou intérprete.
13. E isso é mais uma vez violar o disposto nos artigos 13.º, n.º 1, e 20.º, n.º
4, da Constituição, pelas razões apontadas de assim se estar a violar as regras
do artigo 9.º do Código Civil, numa interpretação conforme com a Constituição
desta e das outras normas citadas.
14. E sendo o direito ao recurso o que está em causa vai também violado pela
interpretação sob reclamação o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, primeira
parte.
15. Termos em que se suscitam as inconstitucionalidades, face ao que dispõe o
artigo 204.º da Constituição, mais uma vez, perante a intenção de recorrer, se
for o caso, ao Tribunal Constitucional.”
Como se vê dos artigos 13.º e 14.º daquela peça aqui transcrita foram os artigos
13.º, n.º 1, 20.º, n.º 1 e n.º 4, as normas constitucionais violadas com a
interpretação das apontadas normas dos artigos 678.º, n.º 4, e 754.º, n.º 2,
ambos do C.P.C., na sua relação.»
Os recorridos apresentaram resposta, defendendo a inadmissibilidade do presente
recurso.
3. A questão a decidir por este Tribunal apenas poderá ser a da
constitucionalidade da norma extraída do artigo 678.º, n.º 4, do Código de
Processo Civil, no segmento em que prescreve a inadmissibilidade do recurso para
fixação de jurisprudência nos casos em que não possa caber recurso ordinário por
motivo de alçada, já que as repetidas referências feitas pela recorrente aos
artigos 754.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, do mesmo diploma, devem ser entendidas
apenas como mera indicação de um critério interpretativo que, de acordo com a
recorrente, deveria ter sido levado em conta e seguido pelo julgador na
aplicação do artigo 678.º, n.º 4.
Por outro lado, essas outras normas não foram aplicadas pela decisão recorrida,
nem expressa, nem implicitamente, pelo que, ainda que se entendesse constituírem
as mesmas objecto do presente recurso, não se poderia tomar conhecimento do
mesmo quanto a elas por falhar um dos requisitos essenciais a esse conhecimento.
4. A referida questão de constitucionalidade, atinente ao artigo 678.º, n.º 4,
do Código de Processo Civil, no segmento identificado, é de considerar simples,
para o efeito do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, uma vez que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de
sobre ela se pronunciar, quer pelo acórdão n.º 100/99, quer, posteriormente,
pelo acórdão n.º 238/2002 (ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
nos quais decidiu julgar não inconstitucional a referida norma.
Pode ler-se no primeiro destes acórdãos:
«(...)
Comanda a norma sub iudicio:
“(...)
4 – É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e
732.º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de
diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não
caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a
orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já
anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
(...)
Note-se que o recurso a que se reporta o transcrito normativo é uma forma de
recurso ordinário (cfr. n.º 2 do art.º 676.º do Código de Processo Civil)
denominado Julgamento ampliado da revista e visa assegurar a uniformidade da
jurisprudência, nele intervindo o plenário das secções cíveis do Supremo
Tribunal de Justiça.
Ao tempo da versão do Código de Processo Civil anterior à redacção emergente dos
Decretos-Leis números 329-A/95 e 180/96, o seu art.º 764.º estatuía que era
também admissível recurso para o Supremo, funcionando em tribunal pleno, se o
tribunal da relação proferisse um acórdão que estivesse em oposição com outro,
dessa ou de diferente relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e
dele não fosse admitido recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à
alçada do tribunal.
Esse artigo, que surgiu de uma proposta aprovada por maioria pela Comissão
encarregue de rever o Código de Processo Civil de 1939 (cfr., sobre o ponto,
Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil,, Vol. III, 1972,
413 e 414, Eurico Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição
1972, 413 e 414, Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano
116, 93 e seguintes, e Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2.ª
edição, 288 e 289), pretendeu permitir criar uma forma de se alcançar a emissão,
pelo Supremo Tribunal de Justiça, de um «assento», constitutivo de
jurisprudência obrigatória, para os casos em que, quer a matéria, quer a
natureza do processo, nunca admitiam o recurso para o mais elevado tribunal da
ordem dos tribunais judiciais - e, por isso, não seria possível o acesso ao
disposto no art.º 763.º – mas em que se assistia à prolação, pela mesma ou por
diferente relação, de decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de
direito.
Em consequência, pode dizer-se que a razão de ser do inciso não for admitido
recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à alçada do tribunal
constante do art.º 764.º do Código de Processo Civil (redacção anterior à
conferida pelos Decretos-Leis números 329-A/95 e 180/96) e do inciso do qual não
caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal constante do
n.º 4 do art.º 678.º da actual redacção daquele corpo de leis, comporta as
seguintes situações:
– se determinada acção, pela sua natureza ou matéria, pode, em abstracto,
admitir recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça independentemente do valor,
sempre será possível, num determinado caso concreto, a obtenção de uma decisão
desse Alto Tribunal;
– todavia, os recursos ordinários, em princípio, interligam-se com o valor da
causa e, assim, nestes casos, se uma dada acção apresentar um valor inferior ao
da alçada da relação (o de Esc. 2.000.000$00 ao tempo da decisão ora sob censura
– cfr. art.º 20.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, denominada Lei Orgânica
dos Tribunais Judiciais -), porque não é possível o recurso até ao Supremo
Tribunal de Justiça, também não se abrirá a via do recurso para uniformização de
jurisprudência (como identicamente se não mostrava possível, no domínio do
Código de Processo Civil antes das alterações de 1995/1996, obter uma decisão do
Supremo que estivesse em oposição com outra por ele tomada e que, assim, poderia
desencadear o recurso para o tribunal pleno). No entanto, se, nesses casos, o
valor da acção exceder a alçada da relação, claro é que se torna possível a
obtenção de aresto por banda do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, se estiver
em contradição com outro anteriormente lavrado sobre a mesma questão fundamental
de direito, pode abrir a via do julgamento alargado da revista (ou podia abrir a
via do recurso para o tribunal pleno na já assinalada versão do Código de
Processo Civil);
– para os casos em que a matéria ou a natureza das causas (e já não a forma de
processo decorrente directamente do respectivo valor) nunca admita recurso até
ao Supremo Tribunal de Justiça, porque não é possível a obtenção por banda deste
de uma decisão e, consequentemente, não se figura que haja oposição entre
arestos deste elevado órgão judiciário sobre a mesma questão fundamental de
direito, o legislador, ponderando que importava, para esses casos, obviar à
subsistência de decisões contraditórias quanto a tal questão tomadas pela mesma
ou por diferente relação, que funcionavam, nos aludidos casos, como o órgão
judiciário de maior hierarquia, entendeu que se justificava que o mencionado
Supremo Tribunal se debruçasse sobre a questão, vindo a tomar uma decisão
constitutiva de uniformização de jurisprudência (ou, no domínio do Código de
Processo Civil anterior à redacção de 1995/1996, de jurisprudência obrigatória).
2. Segundo os recorrentes, a norma do n.º 4 do art.º 678.º da vigente versão do
Código de Processo Civil, no segmento ora em apreciação, seria feridente da
Constituição, pois que ofenderia os princípios que defluem dos seus artigos
13.º, n.º 1, 20.º e 62.º.
Começando pela análise da pretensa ofensa do artigo 20.º da Lei Fundamental,
torna-se claro que em causa unicamente poderá estar o seu n.º 1, na parte em que
nele se estatui que [a] todos é assegurado o acesso ... aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
2.1. Na óptica deste Tribunal, não se divisa que o segmento normativo em apreço
viole o direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva consagrado no n.º 1
do artigo 20.º da Constituição.
Na verdade, tal segmento, de todo em todo, não impede, minimamente que seja, que
os cidadãos exerçam, quer o seu direito de acção, quer o direito ao processo,
quer o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, quer o direito a
um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade (cfr.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3.ª edição, 163, sobre aquilo que se inclui no direito de acesso aos tribunais).
Questão conexionada ainda com o direito de acesso aos tribunais é a de saber se
e em que medida nele se integra o denominado direito a um duplo grau de
jurisdição.
Não estando aqui em causa matéria de índole penal (sobre a qual este Tribunal,
desde há muito, tem defendido que, nos casos das sentenças penais condenatórias,
deverá haver direito ao recurso – não por via do direito de acesso aos
tribunais, mas sim como o asseguramento das garantias de defesa que o processo
criminal deve comportar – cfr., hoje, a redacção consagrada no artigo 32.º, n.º
1, da Constituição, após a Revisão Constitucional operada pela Lei
Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, e, a este propósito, os Acórdãos
deste Tribunal números 299/98 e 300/98, ainda inéditos), há que convir que o
segmento normativo sub iudicio, de todo o modo, nem sequer ele próprio obstacula
ao exercício de um direito à obtenção de uma decisão judicial em segundo grau.
E, mesmo para quem defenda que, estando em jogo direitos fundamentais ou
análogos (como, verbi gratia, o direito de propriedade privada ou o direito de
livre iniciativa económica privada), do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição
deflui um direito de duplo grau de jurisdição, ainda assim a norma em análise
não é impeditiva do respectivo exercício, como, aliás, sucedeu no caso dos
autos, em que os ora recorrentes puderam censurar a decisão tomada pelo tribunal
de 1ª instância.
2.1.2. O Tribunal Constitucional tem, desde sempre, tido uma jurisprudência
firme de harmonia com a qual (e ressalvada a matéria tocante às sentenças penais
condenatórias, nos termos acima aflorados) o legislador ordinário tem liberdade
para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se
incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem
sustentado parte da doutrina (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ob. cit., 101 e 102),
não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na
prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das
decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária
redução do direito ao recurso, e isso tendo em conta a previsão da existência,
no Diploma Básico, de tribunais de 1.ª instância e de recurso (cfr., por
exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 287/90, in Diário da República, 2.ª
Série, de 20 de Fevereiro de 1991, 502/96, idem, idem, de 27 de Fevereiro de
1997, 237/97, idem, idem, de 14 de Maio de 1997, e 239/97, idem, idem, de 15 de
Maio de 1997; cfr., também, Carlos Lopes do Rego, em Estudos sobre a
Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 43 e seguintes, maxime, 80 e segs.).
Na sequência deste posicionamento, há que concluir no vertente caso que o
segmento da norma in specie, ao determinar a inadmissibilidade do julgamento
alargado da revista quando haja oposição entre dois acórdãos da mesma ou de
diferente relação sobre a mesma questão fundamental de direito nos casos em que
não possa caber recurso ordinário por motivo de alçada, não é ofensivo do
direito (ou da corte de direitos) consagrado(a) no n.º 1 do art.º 20.º da
Constituição.
3. Como se viu, os recorrentes sustentam também que aquele segmento é violador
do art.º 13.º da Lei Fundamental.
Em casos em tudo idênticos ao tratado nos presentes autos, mas reportado à norma
do art.º 764.º do Código de Processo Civil na versão anterior à redacção
emergente dos Decretos-Leis números 329-A/95 e 180/96, teve já este órgão de
fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa ocasião de se
debruçar, na perspectiva de uma eventual contraditoriedade com o princípio da
igualdade.
Fê-lo nos seus Acórdãos n.ºs 275/94 (ainda inédito) e 239/97 (já acima citado).
Respiga-se, deste último, o seguinte passo, totalmente aplicável à situação de
que nos ocupamos:
“(...)
A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do
estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado
tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do
sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática,
posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da
esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento
da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e
consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito
de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso
contida no artigo 764.º.
Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de
recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não),
estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas
no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma
forma.
Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo,
designadamente, a chamada ‘discriminação intolerável’ ...., não é afectada pelo
específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado
pelo recorrente (...)”
E, do segundo, convém transcrever o seguinte:
“(...)
Segundo os recorrentes, a norma aqui em causa possibilita a existência de uma
diversidade de soluções jurisprudenciais. Mas, quanto a isto, cabe observar que
tal diversidade não é um aspecto peculiar decorrente do artigo 764.º do C.P.C.,
mas sim uma característica geral de todo o nosso regime de recursos. Em geral,
consoante o valor da causa, nuns casos a decisão pode ser reapreciada, e noutros
não pode. Não haverá, porém, violação do princípio da igualdade, se estas
diferenças de tratamento tiverem justificação, à luz do critério exposto.
E tal justificação existe, quer no regime geral dos recursos, como vimos, quer
no caso particular do recurso deste artigo 764.º. Pois, também aqui, a norma que
condiciona o recurso com fundamento em oposição de julgados trata por igual
todas as partes nos processos cujo valor é igual, sendo certo que a distinção
por ela estabelecida assenta no valor económico do pedido e não na situação
económica do recorrente.(...)”
Adite-se que, para além das considerações efectuadas nos dois arestos de que
parte se transcreveu, tem justificação bastante e, por isso, se não configura
como arbitrária ou irrazoável, uma prescrição tal como a que é levada a efeito
no segmento normativo em apreciação, se ponderarmos que, em acções em que se
possa levantar questão idêntica à suscitada nos presentes autos e cujo valor
permita o recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, é perfeitamente possível a
obtenção de acórdão por parte desse órgão de administração de justiça e que, se
porventura vier a estar em oposição com outro, permite, nessa eventualidade, que
se lance mão do julgamento ampliado da revista que, assim, irá criar uma
uniformidade jurisprudencial. Deste modo se alcançará uma racionalização do
sistema judiciário e se evitará que toda e qualquer questão que seja
diversamente decidida pelas relações, em casos em que o valor das causas não
permite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se veja submetida a este,
quando é previsível que, numa outra acção, de valor tal que permita o acesso ao
mesmo Supremo, este se venha a pronunciar.
Não se vá ainda sem dizer que, como se pode ler em Armindo Ribeiro Mendes [ob.
cit., 100, nota (1)], “[a] garantia do duplo grau de jurisdição não se acha,
assim, consagrada na Declaração Universal de 1948 nem para o processo civil, nem
para o processo penal (cfr. art.º 11.º)”, que, no Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos de 1976 se estabelece “a garantia do duplo grau de
jurisdição apenas em processo penal, quanto às sentenças condenatórias (art.º
14.º, n.º 5)” e que na Convenção Europeia dos Direitos do Homem “não se prevê
ainda a garantia do duplo grau de jurisdição (cfr. art.º 6.º, n.º 1)”, a qual
tão só se surpreende no Protocolo n.º 7 da tal Convenção, mas unicamente em
relação a qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal.»
5. Não se suscitando no presente recurso qualquer questão nova sobre o artigo
678.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, há apenas que reiterar o juízo a que
se chegou nos acórdãos n.ºs 100/99 e 238/2002, e, remetendo para os seus
fundamentos, negar provimento ao recurso.
6. Pelos fundamentos expostos, decido, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A,
n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 678.º do
Código de Processo Civil, e, consequentemente, negar provimento ao recurso
interposto.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de
conta.»
2. Diz-se na reclamação apresentada:
«Os Factos
1. A apreciação da constitucionalidade na decisão sob reclamação incidiu sobre
questão diversa da suscitada, como logo se alega a página 5 da douta decisão,
sob o argumento de que as repetidas referências pela recorrente aos artigos
754.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, do C.P.C. devem ser apenas entendidas como mera
indicação de um critério interpretativo e como não foram aplicadas, nem
expressa, nem implicitamente (…)
2. Isto para dizer que a questão da inconstitucionalidade versou sobre o
critério arbitrário da via de extracção da norma, a ferir esta do mesmo vício
consequente, na interpretação segundo a qual não cabe recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, das decisões de que só cabe recurso para a Relação, por o
valor da causa não admitir recurso para o STJ.
3. E não foi suscitado sobre a apreciação em abstracto da norma
independentemente do processo pelo qual foi extraída do preceito do artigo
678.º, n.º 4, do C.P.C.
O direito
A verdade é que, no modesto entender da recorrente, o vício da arbitrariedade,
que afecta os outros vícios suscitados, é preciso ir buscá-lo à fonte da norma
extraída.
Quando correctamente interpretada uma norma a sua fonte radica no legislador. É
então corolário disso que a apreciação da constitucionalidade incida sobre a
norma em abstracto, apurada que tenha sido a sua correspondência com a da fonte.
Isto é, que o objecto externo (a norma) foi captado com exactidão e que há total
correspondência entre objecto interno e o externo (o formado na representação
mental do julgador, e o que emanou, em termos objectivos, do legislador).
Ora, a questão colocada foi a de que o julgador usou de uma forma arbitrária da
via de extracção da norma que apurou e, em consequência, esta veio à luz
padecendo do mesmo vício.
O julgador dá sobejos motivos para a verificação do seu erro interpretativo ao
comparar normas.
Assim, quando diz que “o sentido propugnado pela Ré, feito através de esforço
literal (...) não cabe nos parâmetros a que manda recorrer o artigo 9.° do
Código Civil. Quando confrontamos aqueles números 2 e 4, funcionando essa letra
exactamente ao contrário”.
Em primeiro lugar não é exacto que o recorrente se pretenda estribar no
argumento literal, desde logo quando recorre à unidade do sistema, para que
aponta o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, ao referir em abono de uma
interpretação correcta os artigos 754.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, ambos do C.P.C.
E recorre ainda à unidade do sistema para colocar em evidência que a comparação
dos números 2 e 4 do artigo 678.º do C.P.C. é arbitrária a mais do que um
título.
É arbitrária porque são distintas as realidades objecto da norma, a requererem
tratamento diverso na óptica do legislador, a quem cabe constitucionalmente a
utilização do critério de distinção, a evidenciar uma outra excepção do n.º 4 em
relação ao n.º 1, que não tem qualquer relação com a excepção do n.º 2, em
relação ao n.º 1 (Leia-se ROSENBERG, na Teoria das Normas, citado por ANTUNES
VARELA, em cuja tese de licenciatura, em 1900, e aos 21 anos de idade, mostra
que há uma relação entre normas em termos de regra/excepção que determina em
termos objectivos o critério para achar o que são factos impeditivos (excepção
ou contranorma) dos constitutivos (regra ou norma).
É arbitrária porque a interpretação colhida sai da letra da lei muito para além
do que se tenha por imperfeitamente expresso no texto legislativo quando este
diz que “é sempre admissível recurso” desde que: 1 “não caiba recurso ordinário
por motivo estranho à alçada”, e 2 “quando o acórdão esteja em oposição com
outro” – requisitos que se verificam inquestionavelmente in casu.
Lançar mão portanto do n.º 2 do artigo 678.º do C.P.C., que é uma excepção ao
artigo 678.º, n.º 1, do mesmo, para ilidir a presunção do n.º 3 do Código Civil,
é inadmissível não só por razões de arbítrio, como por razões de técnica
legislativa.
Salta à evidência que o n.º 2 é uma excepção ao n.º 1 do artigo 678.º do C.P.C;
salta à evidência que o n.º 3 é outra excepção distinta da do n.º 2 ao n.º 1;
salta à evidência que o n.º 4 é outra excepção distinta das outras ao n.º 1;
salta à evidência que o n.º 5 é outra excepção distinta das outras ao n.º 1, e
salta à evidência que o n.º 6 é outra excepção distinta das restantes ao n.º 1.
O artigo 678.º, n.º 1, do C.P.C. determina qual a norma; os números 2 a 6 são
todas, elas, contranormas ou excepções ao n.º 1. Relacionam-se todas de 2 a 6
com o n.º 1, em termos de regra/excepção.
As excepções ou contranormas, de 2 a 6, não têm pois qualquer relação entre si,
salvo pelo critério do legislador em distinguir os pressupostos da sua
aplicação, como realidade dessa distinção merecedora, no exercício da sua
competência, e nos termos dos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, nomeadamente,
ambos da Constituição, o que cabe ao julgador acatar salvo em caso de
inconstitucionalidade das distinções, que não ocorre.
A nossa Constituição valoriza a pessoa em concreto e por isso o facto de poder
haver a sanação da contradição de julgados em qualquer recurso de que seja
admissível recurso, em razão do valor da alçada, para o Supremo Tribunal de
Justiça, e com esse fundamento específico, não pode servir de argumento de
improcedência da vontade de recorrer, quando isso, em razão da justiça do caso
concreto foi facultado pelo legislador à parte, visto que ao julgador apenas
compete aplicar a lei.
Como se procurou demonstrar o julgador para indeferir o requerimento de
interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça baseou-se em
critérios interpretativos que sofrem do vício da arbitrariedade para apurar a
norma segundo a qual tal recurso é inadmissível. E como corolário disso a norma
concretamente apurada nesse sentido sofre do mesmo vício do puro arbítrio, por
isso devendo, salvo o devido respeito, ser declarada inconstitucional, nos
termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição.
Revogando a, aliás, douta decisão liminar, farão V. Exas., salvo melhor opinião,
inteira JUSTIÇA.»
3. Os recorridos responderam dizendo:
«1 – Por douta decisão proferida nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, o Ex.m.º
Senhor Conselheiro Relator decidiu não julgar inconstitucional a norma do n.º 4
do artigo 678.° do C.P.C. e, consequentemente, negar provimento ao recurso que
tinha sido interposto para o Tribunal Constitucional;
2 – Fê-lo porque considerou que no recurso interposto não se suscitava quaisquer
questão nova sobre o artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C. pelo que, apenas havia que
reiterar o juízo a que se chegara nos Acórdãos 100/99 e 238/2002;
3 – Remeteu assim, para os fundamentos desses Acórdãos e negou provimento ao
recurso interposto pela A.;
4 – A douta decisão sumária foi proferida ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, cabendo
integralmente na previsão da disposição legal citada;
5 – No requerimento em resposta, a A. não afasta os pressupostos da aplicação do
artigo em que se alicerçou a decisão sumária em recurso.
Termos porque sem necessidade de mais considerações deve ser indeferida a
reclamação apresentada, em tudo se mantendo a decisão sumária proferida.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4. Na sua reclamação, a recorrente expende mais amplamente a sua tese, já
formulada perante a conferência do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 573, pt.
8), de que a inconstitucionalidade resultaria de se “extrair uma norma de
processo civil consignada no artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., em violação da
norma do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da nossa República”. Como escreve
na reclamação, o julgador teria usado “de uma forma arbitrária da via de
extracção da norma que apurou e, em consequência, esta veio à luz padecendo do
mesmo vício”.
Da forma como a presente reclamação é apresentada resulta, desde logo, que o
sentido da norma extraída do artigo 678.º, n.º 4, do Código de Processo Civil
que se teve presente na decisão sumária (“inadmissibilidade do recurso para
fixação de jurisprudência nos casos em que não possa caber recurso ordinário por
motivo da alçada”) corresponde inteiramente ao que o recorrente pretendia ver
apreciado, sendo as restantes normas mencionadas no requerimento do recurso
invocadas, não como objecto do recurso, mas como argumentos deste. Na verdade, a
presente reclamação não visa, ou impugna, a delimitação do objecto do recurso,
mas apenas o seu fundamento.
Por outro lado, do fundamento da reclamação resulta também que a reclamante
imputa à actividade interpretativa a génese da alegada desconformidade
constitucional (por implicar um desvio da “vontade legislativa”), o que, desde
logo, reporia a questão da possibilidade de o Tribunal Constitucional sindicar
um erro na aplicação do direito infra-constitucional como autónomo fundamento da
inconstitucionalidade. Seja como for, porém, a raiz da alegada
inconstitucionalidade seria diversa da que foi ponderada nos acórdãos n.ºs
100/99 e 238/2002, e, portanto, a fundamentação por remissão para as razões
destes não responderia ao essencial da argumentação da recorrente, que não teve
o ensejo de a expor em alegações.
Há, porém, que reconhecer que a viabilidade de diferenciar a situação dos
presentes autos dessas outras teria de passar por aquela actividade
interpretativa infundada ser excepcional e irrepetida. Bem ao contrário, o que
se conclui das espécies já decididas nos referidos acórdãos é que, a haver
inconstitucionalidade, ela estaria imbuída na previsão legal, porquanto a
interpretação que se aferiu não surge por acidente, em resultado de um processo
interpretativo “arbitrário”, e sim em obediência aos normais cânones
interpretativos, sufragados, aliás, pela doutrina (que as referidas decisões
invocaram) e que encontra expressão em outras decisões deste Tribunal (v.g.
acórdãos n.ºs 275/94 e 239/97, este último publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 36.º vol., pp. 581-587, e ambos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
O que equivale a dizer que da própria improcedência das razões aduzidas para
diferenciar o presente caso dos que foram invocados como seus precedentes
resulta a sua similitude com eles. Do que tem de se extrair, em consequência, a
inexistência de razões para tomar como insuficiente a fundamentação, por
remissão, da decisão sumária reclamada, a qual merece, pois, ser confirmada.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
a recorrente em custas, fixando em 20 ( vinte ) unidades de conta a
taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Junho de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos