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Processo nº 1003-A/98
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de traslado após a prolação do Acórdão nº 224/2006, A.
apresentou o seguinte requerimento:
A., nos autos em referência, vem informar que a sua morada actual é: Rua …
Lisboa, bem como invocar a inexistência jurídica do Acórdão nº 224/2006, tirado
a 23 de Março de 2006, constante de fls. 162 a 183 dos autos em referência, para
o que invoca o seguinte:
1. Como se vê de fls 183, in fine, o citado Acórdão n°224/2006 encontra-se
assinado, entre outros, pelo Sr Conselheiro Mário José de Araújo Torres:
2. Aliás, a acta de fls 184 confirma a votação e assinatura do Acórdão em causa
também pelo Sr Conselheiro citado.
3. Por outro lado, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de
25.7.98, Rec n° 43060-P, a fls 2 a 18 do presente translado, ora recorrido,
encontra-se votado e assinado igualmente pelo Sr Conselheiro Mário José de
Araújo Torres:
4. O que é confirmado pela publicação oficial do Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo (Pleno), Rec n° 43060-P, no “Apêndice ao DR, Supremo Tribunal
Administrativo - Decisões Proferidas Pela 1.ª Secção(Contencioso
Administrativo) - Decisões em Pleno durante o 3.º Trimestre de 1998, publicado
em 12.4.2001, pág 1030.
5. Ou seja, o Sr Conselheiro Araújo Torres, além de ter contribuído para a
decisão tirada pelo pleno do STA contra o recorrente, e aí tendo esgotado o seu
poder jurisdicional para a causa, em decisão do tribunal ad quem, contribui
decisivamente para a manutenção dessa decisão do Pleno tirada contra o
recorrente.
6. A situação descrita é proibida pelo art 122°, n° 1, alínea e), do CPC, e
pelas regras internacionais às quais Portugal se vinculou.
7. Uma vez que na votação e assinatura no Tribunal Constitucional interveio juiz
impedido, carente de poder jurisdicional, estamos perante uma aparência de
decisão, insusceptível da produção de quaisquer efeitos jurídicos.
8. Por outro lado, o presente processo foi interposto há quase 9 anos - e visava
impugnar as eleições para presidente do Tribunal Central Administrativo e
vice-presidente da 1.ª Secção deste, realizadas em 1.10. 97, e em que figuravam
como interessados os eleitos Sr Dr B. e o Sr Dr C..
9. Entretanto, o recorrente reformou-se por despacho publicado no DR,II,de
9.10.2002 – cfr doc anexo;
10. O Dr B. reformou-se por despacho publicado no DR, II, de 8.11.2001 – cfr doc
anexo.
11. O Dr C. foi nomeado para o STA por despacho publicado no DR,II,de 25.1.2003
- cfr doc anexo, e
12. O Dr B. perdeu as eleições para Presidente do TCA por eleição ocorrida em
30.11.2000, tendo sido eleito para o cargo o Dr D. - despacho publicado no
DR,II, de 16.12.2000- cfr doc anexo.
13. A acrescer a isto, o TCA foi desdobrado pelo art 8 do DL 325/2003, de 29 de
Dezembro.
14. Isto é, o mandato que se impugnou, foi cumprido integral e pacificamente; o
interessado em cumprir esse mandato encontra-se objectivamente impedido de
exercer qualquer mandato desse tipo, já que cessou a sua relação de serviço
público com o Estado - mesmo que ganhasse o presente processo nunca viria a
exercer o cargo, entretanto extinto; o interessado na manutenção da legalidade
da eleição de 1997, também já se encontra fora da magistratura; e o tribunal
desapareceu.
15. Daí que a pretensão do autor nada mais seja agora que um vazio, sendo
indiferente qualquer decisão sobre a mesma, sendo certo que os tribunais estão
impedidos de decidir causas meramente virtuais, extinguindo-se pois a instância
por impossibilidade.
Termos em que deve, sem mais, ser extinta a presente instância.”
Cumpre apreciar
2. Verifica-se que o Senhor Conselheiro Mário José Araújo Torres, subscritor do
Acórdão nº 224/2006, subscreveu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de
25 de Junho de 1998, proferido nos presentes autos.
Desse modo, e em face do disposto no artigo 122º, nº 1, alínea e), do Código de
Processo Civil, aplicável nos presentes autos por força do artigo 69º da Lei do
Tribunal Constitucional, estaria impedido de participar nessa decisão. Apesar de
não existir qualquer norma no Código de Processo Civil que preveja a nulidade de
uma decisão em que participe juiz impedido, a doutrina actual, superando a
controvérsia sobre tal ponto entre José Alberto dos Reis e Palma Carlos (cf.
José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, 2ª ed.,
p. 417), vem afirmando que a consequência de tal acto do juiz impedido é
precisamente a nulidade da sentença (cf. José Lebre de Freitas, Código de
Processo Civil Anotado, p. 226, e Teixeira de Sousa, A competência declarativa
dos tribunais comuns, p. 27).
Assim, de acordo com o artigo 201º do Código de Processo Civil, a omissão da
declaração de impedimento imposta pela lei será geradora de nulidade, quando a
consideração dos actos praticados possa influir no exame ou na decisão da causa.
Esta solução é a que melhor corresponde à exigência de imparcialidade da decisão
judicial, sendo, aliás, concordante com a solução consagrada no artigo 41º, nº
3, do Código de Processo Penal.
No caso concreto, não existem circunstâncias, nomeadamente de segurança
jurídica, que justifiquem o afastamento desta doutrina, que espelha valores
constitucionais característicos do Estado de Direito.
Independentemente de estarmos perante um mero lapso do Tribunal e de, nas
circunstâncias concretas, a intervenção do Conselheiro Mário Torres ter ou não
efectivamente influenciado a maioria do Tribunal, não pode este Tribunal deixar
de reconhecer que as garantias de imparcialidade radicam no impedimento de
condições que “potenciem” em abstracto a alteração da imparcialidade do tribunal
que decide.
3. Em face do alegado nos pontos 8 a 15 do requerimento do recorrente, e tendo
presente a efectiva ausência do efeito útil de um hipotético juízo do Tribunal
Constitucional sobre as questões suscitadas pelo requerente, afigura-se inútil a
tramitação do presente processo.
Assim, declarar-se-á extinta a instância por inutilidade superveniente, nos
termos da alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a nulidade do Acórdão nº 224/2006;
b) Declarar extinta, por inutilidade superveniente, a presente instância.
Lisboa, 18 de Maio de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos