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Processo n° 247/2006
2ª Secção
Relatora.: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal de Instrução Criminal
de Évora, em que figura como reclamante A. e como reclamado o Ministério
Público, foi proferida a seguinte decisão, datada de 27 de Junho de 2005:
Em relação à matéria exposta pelo requerente:
Verifica-se que A. requereu a 28 de Setembro de 2004 apoio judiciário nos
serviços da Segurança Social em Lisboa, indicando como finalidade do pedido
“assistente em proc. penal 683/04.2TAEVR-DIAP/Évora”, sendo «advogado
obrigatário» (fls. 32).
Esse pedido foi indeferido por despacho proferido pela entidade administrativa a
4 de Novembro de 2004 (fls. 19 a 22).
Nessa altura o requerente impugnou a decisão referida, tendo essa impugnação
sido objecto de decisão judicial: por despacho de fls. 67, 68 e 69, de 4 de
Fevereiro de 2005, foi aqui confirmada a decisão da Segurança Social.
O despacho judicial em causa transitou em julgado, como foi clarificado depois,
na sequência de novo requerimento, pelo despacho de fls. 84 e 85, datado de 31
de Março de 2005.
Entretanto, a 10 de Março de 2005 (portanto já após o trânsito da decisão
judicial citada, dado que o requerente tinha sido notificado desta por carta
registada a 9 de Fevereiro de 2005), o mesmo requerente tinha dado entrada nos
mesmos serviços da Segurança Social de Lisboa de novo pedido de apoio judiciário
(fls. 144 e seguintes), no qual apresenta como finalidade «recurso para Trib.
Constitucional e demais termos processuais” nestes autos de impugnação judicial,
por querer recorrer para o Tribunal Constitucional e ser obrigatório advogado
“conforme despacho judicial anexo”.
Após audição do requerente, os serviços da Segurança Social por despacho de 8 de
Abril de 2005 voltaram a indeferir a pretensão do requerente (fls. 166 e 175).
Deste despacho vem interposta nova impugnação do requerente A..
Quid juris?
Em face do novo requerimento, afigura-se-nos bem fundada a decisão da Segurança
Social.
Com efeito, o requerente pediu apoio judiciário nas modalidades de dispensa de
taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de
honorários de patrono, a fim de intervir como assistente num inquérito em que é
queixoso.
No final do procedimento administrativo próprio essa pretensão foi indeferida,
pelo que a impugnou junto do tribunal, como legalmente previsto.
A decisão judicial confirmou a decisão administrativa, e como se explicou já
essa decisão final transitou em julgado.
O novo pedido do requerente é precisamente que lhe seja concedido apoio
judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com
o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono, a fim de impugnar o
resultado da impugnação.
A menção que faz à necessidade de “advogado obrigatório, conforme despacho
judicial anexo” não representa qualquer dado novo: o patrocínio judicial é
obrigatório para os recursos como o é para a constituição como assistente, e
isso mesmo já ele o tinha mencionado no primitivo requerimento (fls. 32). Não
resultou do despacho judicial que aludiu à imposição legal.
O pedido e as suas finalidades (o que se pretende afinal é ainda e sempre
assegurar a intervenção no mesmo inquérito, com dispensa de custas e patrocínio
oficioso, sendo o tal recurso para o TC mero instrumento para tanto) são os
mesmos que já foram objecto de decisão negativa, que se tornou definitiva (no
prazo próprio não foi interposto recurso algum, legalmente admissível ou não).
Bem andou portanto a Segurança Social em reiterar a decisão que tinha proferido
anteriormente.
Em conclusão decido recusar provimento à nova impugnação apresentada por A., por
a julgar manifestamente inviável.
O então recorrente interpôs recurso de constitucionalidade, em requerimento por
si assinado, com o seguinte teor:
A., impugnante de decisão administrativa nos Autos em epígrafe, notificado da
Douta Decisão de fls. 183 a 185, com ela inconformado, vem, com o habitual e
necessário respeito, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz
nos seguintes termos:
- o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do Art° 70º da
Lei n° 28/82, de 15 de Novembro;
- para apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no n.° 4 do Art° 18°
e Art° 37°da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho (LPJ), e do n.° 2 do Art° 9º do
Código de Procedimento Administrativo (CPA) com a interpretação feita nos Autos
– por adesão à decisão administrativa cuja impugnação se decidia – de que a
decisão judicial que confirmou o indeferimento do peticionado beneficio de
Protecção Jurídica é válida para o recurso que se pretende interpor, e que a
Administração está legalmente impedida de se pronunciar em submissão à norma do
referido Art° 9º, n.° 2, do CPA;
- uma tal interpretação destas normas cerceia em absoluto o direito de o cidadão
carenciado de meios económicos para suportar os justos honorários de advogado
poder aceder a recurso para tribunal superior onde seja exigido por lei o
patrocínio judiciário;
- tais normas, assim interpretadas, violam os imperativos dos artigos 20º, nos
1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa;
- a questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressamente na alínea i)
das conclusões do recurso impugnatório julgado pela decisão ora recorrida,
corolário das demais alíneas onde o sentido considerado correcto para essas
normas transparece claro, devendo considerar-se sempre que a
inconstitucionalidade arguida é, sempre foi, referida às interpretações das
normas que subjazem à decisão ali impugnada;
- o presente recurso deverá subir imediatamente, nos próprios Autos e com efeito
suspensivo, após prévia nomeação de patrono que subscreva ou modifique, conforme
o melhor Direito, as presentes motivações sumárias e demais processado, de
acordo com a exigência peremptória do n.° 1 do Art° 83° da supra referida Lei n°
28/82.
Termos em que se requer a sua prévia admissão para os ulteriores termos
processuais.
O recurso não foi admitido, com o seguinte fundamento:
Notificado do despacho anterior, o requerente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, que assinou ele mesmo.
Porém, por força do art. 83° da Lei n.° 28/82, é obrigatória a constituição de
advogado nos recursos para o TC.
Dispõe o art. 85° da mesma Lei que as partes podem ainda litigar com apoio
judiciário, nos termos da lei; o que naturalmente significa que estando o
recorrente patrocinado por lhe ter sido concedida essa modalidade de apoio
judiciário poderia o patrono nomeado exercer no recurso os poderes de
representação que normalmente resultariam do mandato.
No caso presente, o requerente não constituiu mandatário.
Não lhe tendo sido concedido apoio judiciário (e não competindo ao tribunal
substituir-se nessa matéria às entidades próprias), não existe a necessária
representação por profissional habilitado nem pode o tribunal suprir essa falta.
Pelo exposto, rejeito o requerimento de recurso apresentado pelo próprio
requerente.
O recorrente reclamou do seguinte modo:
A., melhor identificado nos Autos em epígrafe, devidamente notificado da douta
decisão de fls. 200 que não admite o interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, vem requerer V. Ex.cia a admissão da
RECLAMAÇÃO
que acompanha e sua posterior remessa ao Tribunal Constitucional, conforme Art°
76°, n.° 4 da Lei n.° 28(82, de 15 de Novembro, reclamação ora apresentada ad
cautelam e sem prejuízo de ratificação, aperfeiçoamento ou substituição por
outro elaborado por patrono a nomear, como requerido no antecedente.
A presente reclamação deverá ser instruída com todo o processado em sede de
Protecção Jurídica e a sua eventual não apresentação ao Tribunal ad quem, aqui
acautelada, violará o disposto no Art.° 20°, n.°s 1, 2 e 5 da Constituição da
República por errada interpretação da norma contida nos n.°s 3 e 4 do Art° 76°
da Lei n.° 28(82, considerada que é a correcta como sendo dispensada em sede de
reclamação a representação por advogado.
A reclamação não foi admitida, por decisão de fls. 210.
Dessa decisão o recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação, recurso
que foi admitido a fls. 229.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 24 de Janeiro de 2006, concedeu provimento
ao recurso.
Em consequência, os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional.
2. Junto do Tribunal Constitucional, o reclamante foi notificado para
constituir mandatário (fls. 269), tendo sido juntos os documentos de fls. 272 e
ss.
O Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
O requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, de
p. 198, não se mostra subscrito por advogado – o que implicaria, face à regra do
patrocínio obrigatório – a que, quanto ao mesmo, devesse identicamente ser
cumprido o disposto no art. 33º do CPC.
Sucede, porém, que tal diligência seria inútil, por não se verificarem os
pressupostos de admissibilidade de tal recurso, uma vez que:
– não se mostra suscitada, em termos processualmente adequados, no âmbito da
impugnação deduzida a p. 178, uma questão de inconstitucionalidade normativa,
susceptível de servir de base ao recurso de fiscalização concreta interposto, já
que, em termos substanciais, o recorrente se limita a imputar à decisão
impugnada a violação do seu direito de acesso à justiça, sem especificar e
densificar qual a concreta dimensão ou interpretação normativa que considera
violadora da Lei Fundamental;
– aliás, como decorre da alegação do impugnante, a razão de ser da sua
discordância assenta fundamentalmente na “diversidade de situações e
finalidades” subjacentes aos dois pedidos de apoio judiciário que sucessivamente
apresentou – considerando a decisão recorrida – em termos insindicáveis por este
Tribunal – que (p. 185) “o pedido e as suas finalidades são os mesmos que já
foram objecto de decisão negativa, que se tornou definitiva” em consequência do
trânsito em julgado.
É, aliás, este o fundamento que constitui a verdadeira “ratio decidendi” da
decisão recorrida – o efeito preclusivo associado ao caso julgado e à identidade
objectiva e subjectiva das pretensões sucessivamente deduzidas – e não
propriamente a interpretação delineada no requerimento de fls. 198, o que
idênticamente conduziria à inverificação dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade interposto.
Cumpre apreciar.
3. Verifica-se que o reclamante, nos presentes autos, não suscitou de modo
processualmente adequado qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Com efeito, na impugnação de fls. 178 a 180 o reclamante refere uma
interpretação de vários preceitos infraconstitucionais, sem porém identificar
explicitamente o conteúdo normativo de tal interpretação. É verdade que se
depreende da estratégia processual concretizada que o reclamante impugna a
decisão que recusou a reapreciação do seu segundo pedido de apoio judiciário.
No entanto, como várias dimensões normativas dos preceitos invocados poderão
estar em causa (o tribunal a quo assumiu que a questão submetida a apreciação
era a mesma que anteriormente foi apreciada e decidida e não é claro que seja a
dimensão normativa subjacente a tal decisão que o reclamante impugna), não é
possível ao Tribunal Constitucional identificar o objecto do recurso interposto.
Deste modo, o reclamante insurge‑se apenas contra a decisão proferida, não
suscitando uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa.
Improcede, portanto, a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando, consequentemente, o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 2 de Maio de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos