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Processo n.º 333/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e marido, B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º
3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 4 de
Abril de 2006, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade por eles interposto e condená-los em custas, com seis
unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Em 6 de Dezembro de 2002, C. e mulher, D., requereram, no Tribunal Judicial
da Comarca de Esposende, embargo judicial de obra nova contra A. e marido, B.,
todos melhor identificados nos autos. Mesmo embargada a obra em 10 de Janeiro de
2003, continuaram as construções, o que levou a uma condenação dos embargados na
destruição de todas as inovações efectuadas após aquela data e à extracção de
certidões para que o Ministério Público agisse em conformidade.
Apresentados agravos destas decisões, o Tribunal da Relação de Guimarães, por
decisão de 10 de Dezembro de 2003, veio a negar-lhes provimento.
Vieram arguir a nulidade do acórdão os agravantes, invocando, também, omissão de
pronúncia sobre as questões de inconstitucionalidade por si suscitadas, ao mesmo
tempo que, por mera cautela, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Este recurso foi admitido e, por acórdão de 28 de Janeiro de 2004, foi
indeferida a reclamação.
Os recorrentes apresentaram alegações, sem conclusões, pelo que o relator
naquele Supremo Tribunal os fez notificar para o efeito. Juntas estas, de novo o
Conselheiro‑relator proferiu despacho, desta feita para audição das partes sobre
a inadmissibilidade do conhecimento do objecto do recurso, atento o deficiente
cumprimento do preceituado no n.º 1 do artigo 687.º do Código de Processo Civil.
Responderam os recorrentes deste modo:
«No seu requerimento de fls. 293, os ora requerentes indicaram – entre os
previstos no n.º 2 do art.º 678.° do CPC – qual o concreto fundamento do recurso
interposto, na circunstância a ofensa do caso julgado.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, tal indicação é suficiente
para dar cumprimento ao disposto no art.º 687.°, n.º 1, do CPC.
Caso contrário, a norma do art.º 687.°, n.º 1, do CPC estaria em manifesta
contradição com a norma do art.º 743.°, n.º 1, do mesmo diploma.
De qualquer forma, a consequência processual de tal irregularidade nunca seria a
rejeição ou o não conhecimento do recurso interposto, mas tão só o convite aos
recorrentes para virem concretizar qual o fundamento do mesmo.
A não ser dessa forma, então a norma contida no art.º 687.°, n.º 1, seria
manifestamente inconstitucional por violação do princípio da dignidade da pessoa
humana e do estado de direito democrático consagrados no art.º 1.° e 2.º da
Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, deverá aplicar-se à situação sub judicio o princípio da redução dos
efeitos da invalidade dos actos processuais à parcela ou segmento dos mesmos que
se mostre efectivamente afectada.»
2. Em 21 de Setembro de 2004, o Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de
Justiça decidiu “não tomar conhecimento do objecto do agravo em causa”,
proferindo despacho de que se transcreve o seguinte:
«dada a natureza do processo em que foi interposto o agravo em causa apenas em
caso de verificação de qualquer das circunstâncias excepcionais apontadas no n.º
2 do art.º 678.º do CPC, entre as quais se inclui a ora invocada ofensa de caso
julgado poderia este Supremo do mesmo conhecer – art.º 387.º‑A daquela indicada
codificação.
Porém, no caso de o recurso ter por objecto uma situação enquadrável naquela
apontada excepção o requerente tem de expor, no requerimento de interposição do
recurso, os elementos suficientes para o relator, no exame preliminar, se poder
assegurar de que a pretensão do mesmo é séria e verosímil, isto é, tem condições
de viabilidade, pelo que o mínimo que se deve exigir, no caso de invocação de
ofensa de caso julgado, é que o requerente especifique, concretamente, o julgado
que inculca ter sido ofendido sendo insuficiente a simples invocação, em
abstracto, da ocorrência da violação de decisão definitiva já antecedentemente
proferida – art.ºs 687.°, n.º 1, 701.º, n.º 1, 749.° e 762.° n.º 1, do CPC
Anotado do Prof. Alberto dos Reis, vol. V, pág. 236 e segs., Notas do Cons.
Rodrigues Bastos, Vol. III. págs 270 e 271, e Manual do Cons. Amâncio Ferreira,
5.ª edição, págs 104 e 105, e Acórdãos deste Supremo de 09/07/1991 e de
28/01/1997, in BMJ, 409/706 e 463/505, respectivamente.
Todavia no requerimento apresentado ao abrigo do preceituado no antecedentemente
indicado art.º 687.° da codificação processual, os agravantes não deram cabal
cumprimento ao estatuído na 2.ª parte do n.º 1 do mesmo normativo nomeadamente
quanto à indicação do concreto caso julgado formal que em seu entender se
mostrava ofendido no Acórdão recorrido como manifestamente se extrai do conteúdo
da parte do seu requerimento antecedentemente transcrita, pelo que, respeitando
tal matéria, não já à procedência do recurso mas, outrossim, à questão prévia da
sua admissibilidade, não pode haver lugar ao conhecimento do objecto do agravo
interposto pelos requeridos para este Supremo Tribunal.
Por outro lado e atenta a inexistência da formação de caso julgado formal sobre
o despacho proferido pelo tribunal a quo sobre a admissibilidade do recurso –
art.º 687.°, n.º 4, parte inicial, do CPC – inverifica-se a contradição alegada
pelos recorrentes entre o preceituado no n.º 1 deste normativo processual e o
conteúdo do n.º 1 do art.º 743.° da mesma codificação.
E uma vez que a situação em causa se não enquadra na tipificação consagrada do
aludido no n.º 1 do art.º 701.° do CPC como fundamento para o convite à
correcção pelos agravantes do seu requerimento de interposição do recurso, cai
pela base o pelos mesmos alegado, quanto à obrigação que se impunha a este
Supremo de providenciar pelo uso, por parte daqueles, de tal faculdade.
Por seu turno, e no que respeita à invocada inconstitucionalidade do aludido
art.º 687.°, n.º 1, por violação dos art.ºs 1.° e 2.° da CRP quando interpretado
no sentido que mereceu acolhimento nos autos como fundamento para a rejeição do
recurso ora interposto sempre se dirá que tal ocorrência apenas se poderia
eventualmente suscitar no caso de ter sido erigida como direito fundamental, a
faculdade ilimitada de recurso para o STJ das decisões proferidas em matéria
cível, o que na realidade se não verifica, uma vez que embora constitua
jurisprudência constitucionalmente aceite que o legislador comum está impedido
de eliminar os tribunais de recurso e os próprios recursos, tal já se não
estende à possibilidade de regular, com larga margem de liberdade, a existência
dos recursos e a recorribilidade das decisões – art.º 20.° da Lei Fundamental e
Acórdão n.º 415/2001 do TC, in DR 278/2001, de 30/11.»
3. Reclamaram os embargados para a conferência repetindo os argumentos
apresentados na resposta apresentada antes da decisão do relator e aditando
outros, abordando assim as questões de constitucionalidade:
«5 – A não ser dessa forma e a valer a interpretação que delas é feita no
despacho ora recorrido, então as normas contidas nos art.ºs 678.°, n.º 2, 687.º,
n.º 1, e 701.º, n.º 2, do CPC seriam manifestamente inconstitucionais por
violação do princípio da dignidade da pessoa humana e do estado de direito
democrático (na sua vertente da protecção dos cidadãos contra a prepotência, o
arbítrio e a injustiça) consagrados no art.º 1.º e 2.º da Constituição da
República Portuguesa e do disposto nos art.ºs 20.°, n.ºs 1, 4 e 5, e 32.º, n.º
1, do mesmo diploma.
6 – Inconstitucionalidade essa, que aqui se deixa, desde já, invocada para todos
os efeitos legais.
7 – Na verdade, deverá aplicar-se à situação sub judicio o princípio do máximo
aproveitamento processual dos actos praticados pelas partes;
8 – Com efeito, o apelo a tal princípio configura-se como uma exigência do
princípio constitucional da proporcionalidade, visando evitar, nomeadamente, que
o direito de acesso ao tribunal por parte de quem pratica o acto de forma
deficiente ou incompleta seja precludido sem o mesmo ter sido previamente
convidado a regularizar a situação.
9 – De resto, se os próprios fundamentos concretos da ofensa do caso julgado já
se encontram devidamente plasmados nas nossas alegações, não se vislumbra que
valores ou princípios jurídico-processuais se pretenderão servir com a “sanção”
processual preconizada no douto despacho ora reclamado.»
Por acórdão de 30 de Novembro de 2004, tirado em conferência, o Supremo Tribunal
de Justiça decidiu deste modo, confirmando o despacho do relator:
«II – Como se verifica das conclusões dos recorrentes – fls. 328 e segs. –, e na
parte que assume exclusiva relevância para a admissibilidade do agravo
interposto – art.ºs 387.°-A e 678.°, n.º 2, do CPC – estes fundamentam a sua
impugnação na ofensa de caso julgado formal, em consequência da prolação, em
07/03/2003 e no processo principal, de despacho do seguinte teor:
“Nos termos do disposto no art.º 25.º, n.º 4, da LAJ, julgo interrompido o prazo
para a apresentação da contestação.”
despacho este que apesar de ter sido revogado por decisão proferida a
15/05/2003, se mantém subsistente. Na sequência da reparação, por despacho de
30/10/2003, do agravo relativamente àquela última interposto, pelo que, os
efeitos de ambos os referidos despachos – o de 07/03/2003 e o de 30/10/2003 ‑,
proferidos no referido processo principal, são extensíveis à presente
providência cautelar.
Ora, o acórdão impugnado, como aliás os recorrentes referem, teve por objecto um
despacho proferido a 29/07/2003, data esta em que subsistia a decisão que, no
processo principal, decretara a revogação do despacho de interrupção da
instância.
Há, portanto, que concluir, uma vez que, na data da prolação do despacho objecto
do agravo a que se reportam os autos, ainda não tinha sido proferido o despacho
de reparação do agravo interposto no processo principal, que se mostra desde
logo e consequentemente, excluída, toda e qualquer possibilidade de invocação da
ocorrência, àquela data, do trânsito em julgado deste último.
Assim, e incidindo os recursos sobre decisões antecedentemente proferidas pelos
tribunais de hierarquia inferior – art.ºs 676.° e 680.°, n.º 1, do CPC – a
inexistência, à data da prolação do despacho recorrido, de qualquer decisão, já
transitada em julgado e proferida no processo sobre a mesma matéria – art.º
672.° daquela codificação processual – afasta, por tal motivo, o fundamento da
ofensa do caso julgado formal, que ora vem, aliás de forma inovadora, invocado
perante este Supremo para a admissibilidade do presente agravo, o que conduz,
consequentemente, à rejeição da admissibilidade do recurso em causa – art.ºs
387.º-A e 678.°, n.º 2, da mesma codificação.»
Os embargados vieram pedir a aclaração desse acórdão e que fosse proferida
decisão expressa “sobre as concretas questões de inconstitucionalidade
suscitadas pelos ora requerentes na sua reclamação para a conferência”, mas, por
acórdão de 22 de Fevereiro de 2005, tais pretensões foram indeferidas.
4. Trouxeram então os embargados recurso para o Tribunal Constitucional “ao
abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), e n.º 3” da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciadas
as normas
“constantes do artigos 678.°, n.º 2, 687.°, n.º 1, e 701.°, n.º 2, do Código de
Processo Civil, quando interpretadas no sentido plasmado quer nos doutos
acórdãos recorridos, quer no douto despacho de fls. 349 a 352, de que a
consequência processual imediata da falta ou deficiente indicação do fundamento
(entre os previstos no n.º 2 do art.º 678.° do CPC) do recurso e a sua rejeição
ou não conhecimento, não havendo lugar previamente a qualquer convite do
recorrente para vir aos autos concretizar o fundamento do mesmo.”
II. Fundamentos
5. O presente recurso foi admitido no tribunal recorrido, em decisão que, como
se sabe (artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), não vincula o
Tribunal. E, porque não se pode conhecer do recurso, é de proferir decisão
sumária, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da mesma Lei.
6. Como se viu, os recorrentes pretendem ver apreciado um conjunto de
disposições legais (os artigos 678.º, n.º 2, 687.º, n.º 1, e 701.º, n.º 2, do
Código de Processo Civil) entendido no sentido “de que a consequência processual
imediata da falta ou deficiente indicação do fundamento (entre os previstos no
n.º 2 do artigo 678.º do CPC) do recurso é a sua rejeição ou não conhecimento,
não havendo lugar previamente a qualquer convite do recorrente para vir aos
autos concretizar o fundamento do mesmo”.
Ora, para se conhecer do recurso com um tal objecto seria, pelo menos,
necessário, senão que um tal conjunto de disposições legais fosse adequado para
sustentar um tal entendimento, pelo menos que esse mesmo entendimento tivesse
sido adoptado na decisão recorrida (que é o acórdão de 30 de Novembro de 2004),
do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação para a conferência do
despacho do relator que decidiu não conhecer do recurso interposto para aquele
Alto Tribunal (integrado pelo acórdão aí proferido em 22 de Fevereiro de 2005,
que indeferiu o pedido de aclaração e invocação de nulidades que os recorrentes
tinham dirigido àquela primeira decisão), e que tal entendimento tivesse sido
fundamento decisivo para a decisão recorrida (já que, mesmo tendo aí sido
adoptado, a existência de uma outra fundamentação paralela inviabilizaria a
repercussão da decisão que viesse a ser proferida neste processo, mesmo que de
inconstitucionalidade e, atenta a natureza instrumental do recurso de
constitucionalidade, torná-lo-ia inútil).
Ora, falta ostensivamente, pelo menos, esta última condição, pelo que, sendo
certo que só a verificação cumulativa das duas justificaria o conhecimento do
recurso, se dispensará uma rigorosa avaliação da primeira.
7. As normas do Código de Processo Civil que foram impugnadas têm a seguinte
redacção:
“Artigo 678.º
(Decisões que admitem recurso)
1.(…)
2. Mas se tiver por fundamento a violação das regras de competência
internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou a ofensa de caso julgado,
o recurso é sempre admissível, seja qual for o valor da causa.
(…)”
“Artigo 687.º
(Interposição do recurso – Despacho de arquivamento)
1. Os recursos interpõem-se por meio de requerimento, dirigido ao tribunal que
proferiu a decisão recorrida e no qual se indique a espécie de recurso
interposto e, nos casos previstos nos n.ºs 2, 4 e 6 do artigo 678.° e na parte
final do n.º 2 do artigo 754.°, o respectivo fundamento.
(…)”
“Artigo 701º
(Exame preliminar do relator)
1.(…)
2. Pode ainda o relator julgar sumariamente o objecto do recurso nos termos
previstos no artigo 705.°.”
Tenha-se presente que a decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 30 de Novembro de 2004, de que se transcreveu parte da fundamentação
e onde se concluiu “que se mostra, desde logo e consequentemente, excluída toda
e qualquer possibilidade de invocação da ocorrência, àquela data [a da “prolação
do despacho objecto de agravo”], do trânsito em julgado deste último”, decisão
recorrida, essa, integrada pelo acórdão do mesmo tribunal de 22 de Fevereiro de
2005 (que negou provimento à invocação de nulidades e ao pedido de aclaração do
acórdão anterior).
Ora, tendo em conta que a decisão recorrida se pronunciou expressamente sobre a
impossibilidade de se poder vir a suprir a deficiente falta de fundamento
indicada para o recurso, é bom de ver que nenhum sentido tem reabrir a questão
de saber se o convite “para vir aos autos concretizar o fundamento do mesmo”
era, ou não, devido.
De facto, mesmo no momento de proferir a decisão de não conhecimento do recurso,
o Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça – que até já tinha
proferido um convite aos recorrentes para aperfeiçoarem as suas alegações, nos
termos já vistos – não deixou de ponderar, ao lado do aspecto formal da omissão
dos requisitos de justificação de um recurso que seria em princípio inviável, em
razão da alçada, a razão substancial que tornaria inútil um tal convite (a
“inexistência da formação de um caso julgado formal sobre o despacho proferido
pelo tribunal a quo sobre a admissibilidade do recurso”, invocando o artigo
687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). O que, se não inviabiliza logo a
verificação da condição enunciada, de que o entendimento impugnado tenha sido
adoptado na decisão recorrida, tornava pelo menos exigível, desde logo, a
impugnação da constitucionalidade dessa outra norma do referido artigo 687.º – o
que também não foi feito –, e chegaria para decidir o recurso da mesma forma
expedita.
É que é seguro que a interpretação impugnada e imputada pelos recorrentes às
normas indicadas – “de que a consequência processual imediata da falta ou
deficiente indicação do fundamento (entre os previstos no n.º 2 do artigo 678.º
do CPC) do recurso é a sua rejeição ou não conhecimento, não havendo lugar
previamente a qualquer convite do recorrente para vir aos autos concretizar o
fundamento do mesmo” – não foi adoptada na decisão recorrida. Aliás, o momento
da formulação do convite pretendido pelos recorrentes estava ultrapassado. O que
essa decisão recorrida fez não foi pronunciar-se sobre a bondade de tal omissão,
mas antes demonstrar que o fundamento invocado pelos recorrentes para contornar
a impossibilidade do recurso em razão do valor não tinha cabimento, como se
comprova pelas transcrições efectuadas.
8. Quer isto dizer que, qualquer que fosse a pronúncia deste Tribunal sobre o
pedido que os recorrentes lhe dirigiram, a decisão recorrida, que em caso de
juízo de inconstitucionalidade haveria de ser reformulada, não poderia sê-lo,
por se fundar em fundamento diverso do que fundaria esse juízo.
Dada a consabida natureza instrumental do recurso de constitucionalidade (cfr.
acórdãos 208/86, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.° vol.,
tomo II, pp. 991-994, e 275/86, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 8.° vol., pp. 379-382, onde primeiro foi exposta sob tal
terminologia) não pode, por isso, conhecer-se deste, por dele não poder haver
repercussão na decisão recorrida.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«A., Recorrente nos autos de recurso à margem referenciados em que são
recorridos C. e mulher, porque não se conforma com a douta decisão sumária de
4/4/2006, dela vem reclamar para a conferência nos termos do art.º 78.°-A, n.°3,
da LTC, porquanto, no nosso modesto entendimento, é manifesto que a
interpretação das normas em causa por nós impugnada foi a adoptada na decisão
recorrida.
E, assim sendo, deverá a presente reclamação ser julgada totalmente procedente,
com a consequente revogação da decisão sumária ora reclamada e a sua
substituição por outra em que seja admitido o recurso interposto pela ora
reclamante.»
Pelos recorridos não foi apresentada qualquer resposta à reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4. A presente reclamação é claramente improcedente, pois os recorrentes não
invocam razões que abalem os fundamentos da decisão reclamada.
Nos termos do respectivo requerimento, o recurso vinha intentado ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo os recorrentes ver apreciada a constitucionalidade das normas dos
artigos 678.º, n.º 2, 687.º, n.º 1, e 701.º, n.º 2, do Código de Processo Civil,
entendidos no sentido “de que a consequência processual imediata da falta ou
deficiente indicação do fundamento (entre os previstos no n.º 2 do art.º 678.°
do CPC) do recurso é a sua rejeição ou não conhecimento, não havendo lugar
previamente a qualquer convite do recorrente para vir aos autos concretizar o
fundamento do mesmo”.
Ora, como tem sido repetidamente afirmado por este Tribunal, o objecto do
recurso de constitucionalidade no direito português não pode ser a apreciação da
conformidade com a Constituição da decisão judicial recorrida em si mesma, mas
apenas de normas, ou dimensões normativas, sendo que, tratando-se do recurso
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
é necessário, para que se possa tomar conhecimento do recurso, para além do
esgotamento dos recursos ordinários, que o recorrente haja suscitado essa
questão da inconstitucionalidade normativa perante o tribunal a quo, e, ainda,
que a norma impugnada tenha constituído a ratio decidendi da decisão recorrida.
Daí que a decisão sumária reclamada tenha concluído pela impossibilidade de
tomar conhecimento do recurso com fundamento na falta de aplicação pela decisão
recorrida das normas indicadas – os artigos 678.º, n.º 2, 687.º, n.º 1, e 701.º,
n.º 2, do Código de Processo Civil – com o sentido impugnado pelos recorrentes.
Diz-se a este respeito na decisão reclamada:
«Tenha-se presente que a decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 30 de Novembro de 2004, de que se transcreveu parte da fundamentação
e onde se concluiu “que se mostra, desde logo e consequentemente, excluída toda
e qualquer possibilidade de invocação da ocorrência, àquela data [a da “prolação
do despacho objecto de agravo”], do trânsito em julgado deste último”, decisão
recorrida, essa, integrada pelo acórdão do mesmo tribunal de 22 de Fevereiro de
2005 (que negou provimento à invocação de nulidades e ao pedido de aclaração do
acórdão anterior).
Ora, tendo em conta que a decisão recorrida se pronunciou expressamente sobre a
impossibilidade de se poder vir a suprir a deficiente falta de fundamento
indicada para o recurso, é bom de ver que nenhum sentido tem reabrir a questão
de saber se o convite “para vir aos autos concretizar o fundamento do mesmo”
era, ou não, devido.
De facto, mesmo no momento de proferir a decisão de não conhecimento do recurso,
o Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça – que até já tinha
proferido um convite aos recorrentes para aperfeiçoarem as suas alegações, nos
termos já vistos – não deixou de ponderar, ao lado do aspecto formal da omissão
dos requisitos de justificação de um recurso que seria em princípio inviável, em
razão da alçada, a razão substancial que tornaria inútil um tal convite (a
“inexistência da formação de um caso julgado formal sobre o despacho proferido
pelo tribunal a quo sobre a admissibilidade do recurso”, invocando o artigo
687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). O que, se não inviabiliza logo a
verificação da condição enunciada, de que o entendimento impugnado tenha sido
adoptado na decisão recorrida, tornava pelo menos exigível, desde logo, a
impugnação da constitucionalidade dessa outra norma do referido artigo 687.º – o
que também não foi feito –, e chegaria para decidir o recurso da mesma forma
expedita.
É que é seguro que a interpretação impugnada e imputada pelos recorrentes às
normas indicadas – “de que a consequência processual imediata da falta ou
deficiente indicação do fundamento (entre os previstos no n.º 2 do artigo 678.º
do CPC) do recurso é a sua rejeição ou não conhecimento, não havendo lugar
previamente a qualquer convite do recorrente para vir aos autos concretizar o
fundamento do mesmo” – não foi adoptada na decisão recorrida. Aliás, o momento
da formulação do convite pretendido pelos recorrentes estava ultrapassado. O que
essa decisão recorrida fez não foi pronunciar-se sobre a bondade de tal omissão,
mas antes demonstrar que o fundamento invocado pelos recorrentes para contornar
a impossibilidade do recurso em razão do valor não tinha cabimento, como se
comprova pelas transcrições efectuadas.”
Os recorrentes dizem que, “no nosso modesto entendimento, é manifesto que a
interpretação das normas em causa por nós impugnada foi a adoptada na decisão
recorrida”. Mas não adiantam qualquer elemento que o comprove, e que contrarie
as considerações constantes da decisão reclamada, com base no teor da decisão do
tribunal a quo.
Aliás, ainda que fosse como os recorrentes pretendem – isto é, que o
entendimento em causa, relativo ao convite ao recorrente para vir concretizar o
fundamento do recurso, tivesse sido adoptado pelo tribunal recorrido (o que não
é verdade) –, a decisão do recurso com o objecto tal como foi delineado pelos
recorrentes não poderia ter qualquer efeito útil no processo, uma vez que, como
já ficou dito na decisão sumária reclamada, a decisão recorrida não poderia vir
a ser reformulada com base num eventual juízo de inconstitucionalidade, por se
fundar, de modo decisivo, em fundamento diverso daquele que fundaria esse juízo.
Dada a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, não se pode, por
a sua decisão não ter qualquer repercussão na decisão recorrida, tomar
conhecimento do recurso.
Pelo que a presente reclamação tem de ser indeferida.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
os reclamantes em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de
taxa de justiça.
Lisboa, 27 de Junho de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos