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Processo n.º 262/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do
disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), da decisão sumária do relator, de 20 de Março de 2006, que decidiu, no
uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do
objecto do presente recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Outubro de
2005 e de 12 de Janeiro de 2006. O referido primeiro acórdão rejeitara, por
manifestamente improcedente, recurso da ora recorrente e de B. e C., SA, contra
o acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª Secção da 3.ª Vara Criminal de Lisboa,
de 20 de Abril de 2005, que condenara: (i) a ora recorrente, como autora
material da prática de três crimes de difamação, previstos e punidos pelas
disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, do Código Penal
e 30.º e 31.º, n.º 1, da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 200 dias de
multa para cada crime e, em cúmulo jurídico, na pena única de 400 dias de multa
à taxa diária de € 10,00, o que perfaz o montante de € 4000,00 ou,
subsidiariamente, em 266 dias de prisão; (ii) B., como autora material de três
crimes de difamação, previstos e punidos pelas mesmas disposições, na pena de
150 dias de multa para cada crime e, em cúmulo jurídico, na pena única de 250
dias de multa à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante de € 1250,00 ou,
subsidiariamente, em 166 dias de prisão; e (iii) os três demandados,
solidariamente, no pagamento da quantia de € 50 000,00 a cada um dos
demandantes cíveis (D., E. e F.), a título de indemnização/compensação por
danos não patrimoniais. Por seu turno, o segundo acórdão, de 12 de Janeiro de
2006, indeferiu pedido de aclaração do anterior acórdão, deduzido pela ora
recorrente.
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a
recorrente, inconformada com «as decisões que [rejeitaram] o recurso em sede de
matéria de facto (…) única e simplesmente por se ter omitido a formalidade
constante do n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal», que constariam
dos dois referidos acórdãos, funda o recurso na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC, «na medida em que a segunda douta decisão recorrida aplica norma
cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o decurso dos presentes autos»,
acrescentando:
«Na verdade, no requerimento que impetrou a aclaração do douto
Acórdão inicialmente proferido, a ora recorrente invocou a
inconstitucionalidade da interpretação das disposições contidas no artigo 412.º,
n.º 4, e 420.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, que permite a rejeição
do recurso pela mera omissão da referência ‘às voltas da cassete’, por violação
do direito ao recurso plasmado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP. Na verdade, tão
drástica medida afigura‑se violadora do direito ao recurso, até porque ocorre
sem que a arguida/recorrente haja sido convidada a aperfeiçoar o seu esforço.
Com efeito, tal representa a imolação de uma garantia com assento
constitucional de todos os arguidos (vide o mencionado artigo 32.º, n.º 1, da
CRP) às aras de uma mundividência exasperadamente formal.
Caberá, desde já, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo
75.º‑A da Lei do TC, referir que se pretende que o Tribunal Constitucional
declare que a rejeição de um recurso em matéria de facto pela simples omissão da
referência aos suportes técnicos em que tenham sido gravadas – sem que haja um
convite ao aperfeiçoamento de tal omissão – viola o direito ao recurso plasmado
no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.”
O recurso foi admitido por despacho do Desembargador Relator do
Tribunal da Relação de Lisboa, decisão que, como é sabido, não vincula o
Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto,
entende‑se que, no caso, o recurso é inadmissível, o que permite a prolação de
decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
2. A admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como é o presente caso – depende da verificação
cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido
suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito
aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de
inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da
questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de
proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações
especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder
jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas
situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de
oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes
de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe
era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional
que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de
constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter
proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em
princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido
que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua
aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar
a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão
judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve “lapso manifesto” do juiz
quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos
factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem
necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por
maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de
constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
3. Recordados estes critérios, e reconhecendo a própria recorrente a
evidência de que, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação
de Lisboa, não suscitou a questão de inconstitucionalidade normativa que
pretende ver apreciada, está apenas em causa saber se a sua suscitação em
pedido de aclaração do acórdão que fez aplicação da dimensão normativa agora
apodada de inconstitucional, se pode considerar adequada e tempestiva.
O acórdão de 13 de Outubro de 2005, quanto à questão da apreciação
da matéria de facto, consignou o seguinte:
«4.3. Possibilidade de apreciação da matéria de facto – Ónus imposto
pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
As recorrentes pretendem impugnar a matéria de facto.
No caso em apreço, este Tribunal poderia conhecer de facto, em conformidade com
o preceituado no artigo 428.º do CPP, uma vez que houve documentação da prova
produzida, oralmente, na audiência em 1.ª Instância.
Sucede, porém, que, em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 431.º
do CPP, e sem prejuízo do disposto no artigo 410.º do mesmo Código, a decisão
sobre a matéria de facto só pode ser modificada, havendo documentação da prova,
se esta tiver sido impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3.
Com efeito, estabelece este normativo que, quando impugne a decisão proferida
sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar, além do mais, ‘as provas
que impõem decisão diversa da recorrida’ (alínea b)), devendo tal especificação
fazer‑se ‘por referência aos suportes técnicos’, em conformidade com o
preceituado no n.º 4 do mesmo artigo 412.º.
Discutindo o acerto da factualidade dada como provada no acórdão recorrido, não
deram as recorrentes cumprimento a tal ónus, sendo certo que, em parte alguma da
motivação e muito menos nas conclusões, especificam, por referência aos
suportes técnicos, as provas que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa da
impugnada, isto é, não indicando a localização (início e termo) da gravação dos
depoimentos através dos quais fundamentam a sua discordância relativamente aos
pontos de facto que consideram incorrectamente julgados.
E, assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o
tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, ex
vi alínea b) do artigo 431.º do CPP (cf., neste sentido, o Acórdão da Relação de
Lisboa, de 30 de Outubro de 2002, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII,
tomo IV, pág. 140), a significar que esta Relação não deve nem pode sindicar a
decisão de facto impugnada, o que equivale por dizer que os poderes de cognição
se encontram circunscritos, no caso, à matéria de direito, sem prejuízo da
ocorrência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
E não se diga que o entendimento por nós perfilhado viola a Lei Fundamental.
Na verdade, decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 140/2004, de 10 de
Março de 2004, in Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004, ‘não
julgar inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do
Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e
nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação
nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência
do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais
deficiências’.
Impõe‑se, nesta parte, a rejeição do recurso.»
Só após esta tomada de decisão da Relação – implicando, salvo
situações excepcionais, no caso não verificadas, o esgotamento do seu poder
jurisdicional sobre a questão decidida – é que, sob a veste de pedido de
aclaração do primeiro acórdão, veio a recorrente aduzir o seguinte:
«Entendeu o Douto Colégio de Desembargadores, invocando para o efeito a
disposição plasmada no artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
rejeitar liminarmente o recurso tempestivamente interposto pela ora exponente,
fazendo radicar tão drástica decisão numa dupla ordem de razões.
Por um lado, invoca‑se a segunda parte do sobredito inciso legal,
designadamente quando este remete para o n.º 2 do artigo 414.º do mesmo diploma
– que, por sua vez, em nova remissão interna, ao mencionar a falta de
‘motivação’, traz imanente o regime plasmado nos n.ºs 1 a 4 do artigo 412.º,
ainda e sempre do Código de Processo Penal.
Ou seja, o requerimento de interposição de recurso, dizendo‑se de forma lapidar,
não obedeceria – na hermenêutica propugnada no Acórdão tido em mira – à
procedimentalidade legalmente observável.
Ora, é indiscutível que a interposição de recurso em processo penal tem um
conjunto de formalidades taxadas na Lei; nomeadamente, os recursos que pretendem
alargar o respectivo âmbito à apreciação da prova efectuada pela primeira
instância obriga a que se elenquem os pontos de facto considerados
incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º), as provas que
impõem decisão diversa da proferida (alínea b) do mesmo preceito), sendo certo
que o n.º 4 do mencionado artigo 412.º do Código de Processo Penal esclarece
que, havendo gravação da prova, as especificações atinentes às preditas
materialidades se efectuam por referência aos suportes técnicos.
Ora, é apodíctico que o esforço recursivo ensaiado pela ora exponente não
cumpria estritamente o recorte imposto pelos artigos examinados.
Todavia, como o próprio Acórdão premune, a decisão tomada não se mostra imune a
críticas, designadamente a de se perfilar como «inimiga» da Constituição. De
resto, é nesta evidente linha de raciocínio que emerge a referência a um
Acórdão do Tribunal Constitucional que confortará a posição assumida pelo Douto
Colégio de Desembargadores. Contudo, salvo o respeito devido pela douta opinião
em causa, afigura‑se que a situação sub judice é incontornavelmente diferente
daquela que deu origem ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004,
publicado na II Série do Diário da República.
Na realidade, no mencionado aresto do Tribunal Constitucional a hipótese aí em
análise convoca uma dupla omissão do recorrente na observância da tramitação
definida no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4. Com efeito, além da ausência das
especificações aludidas no n.º 4 do artigo 412.º, constatava‑se, ainda, a falta
da indicação dos meios de prova passíveis de imporem decisão diversa (alínea b)
do n.º 3 do artigo 412.º). Ora é, inexoravelmente, esta última carência que
permite ao Tribunal Constitucional reflectir sobre uma eventual indefinição do
objecto do recurso.
Efectivamente, tal concepção ressuma absolutamente evidenciada do subsequente
trecho: ‘Finalmente, e tomando ainda por referência esta última jurisprudência,
não se vê em que medida tais especificações podem redundar num ónus
excessivamente pesado para o recorrente/assistente, já que, pretendendo este
impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há‑de saber o que nesta
decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação,
podendo portanto expressá‑lo na motivação’.
Ou seja, é claro que, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, o
Tribunal Constitucional reputa de proporcionais e adequados os ónus legalmente
taxados, cumprindo, portanto, à voz do inconformismo enunciar o que quer ver
modificado e qual o leit‑motiv que vislumbra que corrobore o sentido da
alteração que propugna.
Ora, a exponente, na motivação e conclusão do recurso interposto, cumpriu
cabalmente – nem os Meritíssimos Desembargadores o põem em causa – o acervo de
ónus insertos nas três alíneas do n.º 3 do artigo 412.º. Na verdade, a
deficiência surpreendida ocorre, tão‑só, quanto ao disciplinado no n.º 4 do
mesmo inciso legal – isto é, na indicação das especificações efectuadas por
referência aos suportes técnicos, as vulgares «voltas das cassetes».
Assim, a questão que emerge com indesmentível acuidade é – retomando, com a
devida vénia, o excurso efectuado no pluri-mencionado Acórdão n.º 140/2004 do
Tribunal Constitucional – se ‘está aqui em causa apenas uma certa insuficiência
ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto
é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação’ ou, ao invés,
tal indicação ‘é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação
da matéria de facto, e não um ónus meramente formal’.
Ora, ao contrário do que conclui o mencionado Acórdão do Tribunal
Constitucional – circunstancialismo que, como já se discorreu, só emergiu por
força da particular densidade da omissão da formalidade elencada na alínea b) do
n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal – está‑se em crer que a falta
de referência às famigeradas «voltas das cassetes» é, única e simplesmente, uma
deficiência formal das conclusões.
De facto, o complemento das conclusões com a indicação em falta em nada
alteraria a substância do recurso, uma vez que o objecto deste estava
perspicuamente definido pela menção ao acervo probatório em que a recorrente fez
ancorar o seu dissenso relativamente à decisão em matéria de facto. Ora, assim
sendo, é indesmentível que o cumprimento do estatuído no artigo 412.º, n.º 4,
não extrapolava o conceito de mera formalidade.
Nesta confluência, este vício formal – que passa, apenas, pela insuficiência
das conclusões – numa sede em que vigoram necessariamente as mais amplas
garantias de defesa, é susceptível de convocar um juízo de
inconstitucionalidade, exactamente pela violação do disposto no artigo 32.º,
n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
De resto, tal espécie de entendimento vinha a ser sufragado de forma naeminem
discrepante pelo Tribunal Constitucional, quer a propósito das omissões das
formalidades contidas no artigo 412.º, n.º 2, quer ainda tendo em mira os
artigos 59.º e 63.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – vide
Acórdão com força obrigatória geral n.º 320/2002, de 9 de Julho de 2002,
publicado no Diário da República, I Série‑A, de 7 de Outubro de 2002, e o amplo
excurso que aí se faz sobre os momentos fundantes da espécie de decisão tomada.
Ora, é esse circunstancialismo que parece emergir olvidado pelo douto acórdão
tido em mira, que sacrifica o direito ao recurso da exponente, sem lhe dar a
oportunidade de suprir a deficiência – meramente formal – detectada.
Outro motivo de perplexidade da exponente quadra‑se com a subsunção do seu
recurso à categoria daqueles tidos por «manifestamente infundados».
Desde logo, porque um dos segmentos em que radicava o seu inconformismo perante
a decisão proferida pela Vara Criminal de Lisboa prendia‑se à delicada – para
dizer o mínimo – conjugação entre o direito de informar e a honra e a
consideração das pessoas eventualmente visadas.
Ora, a aludida materialidade não se quadra – na óptica prismática da exponente
– com a «especificação sumária dos fundamentos da decisão» – artigo 420.º, n.º
3, do Código de Processo Penal (de resto, o Douto Colégio de Desembargadores não
deixa de dar nota desta incompatibilidade de tal espécie de assunto com uma
decisão meramente sumária, na medida em que explana sobre o tema, no douto
acórdão, de páginas 35 in fine a 38 in limine. Além do mais, neste aludido
excurso, citam‑se dois reputados autores – para fixar a problemática – e
chamam-se à colação diversos incisos legais...).
Ou seja, é o próprio conteúdo do acórdão que desmente a colagem do problema em
análise à tipologia das questões de meridiana e líquida resolução que tornam
supérflua a subsequente tramitação processual!
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 380.º do CPP, aplicável ex vi
artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, vem a exponente requerer se dignem os
M.mos Desembargadores aclarar se:
a) Levaram em linha de conta que a única omissão de que padece o esforço
recursivo da requerente é a falta de menção aos suportes técnicos onde a prova
se encontra registada – ou seja, um mero complemento formal insusceptível de
colidir com a substância do recurso?
b) Se a rejeição do recurso, atenta a singela emergência duma mera
irregularidade formal, não contende com os direitos de defesa da arguida,
nomeadamente o direito ao recurso, taxado no artigo 32.º, n.º l, da CRP, como
foi entendido – se bem que a propósito das omissões dos ónus a que aludem as
diversas alíneas do n.º 2 do artigo 412.º do mesmo Código – pelo Acórdão n.º
320/2002 do Tribunal Constitucional, in Diário da República, I Série‑A, de 7 de
Outubro de 2002.
c) Se, atenta ainda a natureza da falta, não é este citado Acórdão com força
obrigatória geral aquele que melhor se coaduna com a hipótese sub judice, ao
invés daquele convocado no texto do Acórdão exarado?
Finalmente,
d) Se a natureza da questão em discussão no presente processo – atinente à
colisão de direitos constitucionalmente consagrados, a honra e o direito de
informar – se coaduna com a análise perfunctória postulada pelo n.º 3 do artigo
420.º de mera apreciação sumária? De resto, neste conspecto, se o acórdão, ao
explanar de fls. 35 a 38 sobre tal matéria, não se contradiz intrinsecamente,
ao se não limitar a essa espécie de exame superficial sugerido pelo texto
legal?»
Este pedido de aclaração foi indeferido pelo acórdão de 12 de
Janeiro de 2006, por se entender que, tendo a reclamante inteiramente
compreendido os fundamentos da anterior decisão e apenas com os mesmos não
concordando, não ocorria a reclamada obscuridade/ambiguidade, pois, no fundo, o
que a reclamante pretendia era reiterar a sua discordância com o julgado e não
que fosse esclarecida qualquer nebulosidade ou falta de clareza.
4. Relatadas as vicissitudes processuais relevantes, impõe‑se a
conclusão de que, sendo pacificamente aceite que a recorrente não suscitou –
antes da prolação do acórdão de 13 de Outubro de 2005, designadamente na
motivação do recurso por ele rejeitado – a questão de inconstitucionalidade que
pretende ver apreciada no presente recurso, só poderia ser considerada adequada
e tempestiva a sua suscitação em pedido de aclaração desse acórdão (ou noutro
incidente pós‑decisório) em situações excepcionais em que: (i) o poder
jurisdicional do tribunal a quo, por força de norma legal específica, não se
esgotasse com a prolação da decisão recorrida – o que não é o caso; (ii) o
recorrente não tivesse disposto de oportunidade processual para suscitar a
questão de inconstitucionalidade – o que também não é o caso, pois a ora
recorrente dispôs, para o efeito, da motivação do recurso penal por ela
interposto; ou (iii) não fosse exigível que suscitasse a questão de
inconstitucionalidade – o que ainda não é o caso, pois o entendimento sufragado
no primeiro acórdão não pode ser considerado uma decisão‑surpresa, por ser de
todo inesperado, insólito ou anómalo, tornando inexigível que o interessado
previsse a possibilidade de ser adoptado e, cautelarmente, arguísse a sua
inconstitucionalidade.
Por falta do requisito da suscitação pela recorrente, em termos
processualmente adequados, perante o tribunal recorrido, antes de proferido
acórdão que decidiu o recurso penal, da questão de inconstitucionalidade do
critério normativo nesse acórdão adoptado, o presente recurso é inadmissível, o
que determina o não conhecimento do respectivo objecto. Saliente‑se, por
último, que, face a esta omissão da recorrente, a circunstância de no dito
acórdão se tecerem espontaneamente considerações sobre a não
inconstitucionalidade do critério normativo adoptado não basta para
possibilitar o conhecimento do recurso, já que, em rigor, a exigência formulada
no n.º 2 do artigo 72.º da LTC concerne ao pressuposto da legitimidade do
recorrente (cf. Acórdão n.º 371/2005 desta 2.ª Secção, publicado no Diário da
República, II Série, n.º 205, de 25 de Outubro de 2005, p. 15 140, e com texto
integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e a recente Decisão
Sumária n.º 103/2006, do ora relator), que manifestamente se não verifica e é
insusceptível de ser considerada suprida pela existência daquelas
considerações.
5. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
1.2. A reclamação da recorrente apresenta a seguinte
fundamentação:
“Há poucos dias, o signatário leu, por mero acaso e num qualquer documento de
esclarecimento eleitoral tecido a propósito das eleições para a Associação
Sindical dos Magistrados Judiciais, uma impressiva, e de si desconhecida,
história:
Contava o articulista – M.mo Juiz de um dos Juízos Criminais de Coimbra – um
facto ocorrido entre um ignoto, mas destemido, moleiro de Potsdam e um
omnipotente Imperador (que vinha nomeado, mas que a memória, evidentemente
idiossincrática, não permitiu reter). Diz‑se que o nomeado detentor do poder
quis assenhorear‑se dos modestos pertences do moleiro. Todavia, este
retorquiu‑lhe que não consentia a prepotência e a arbitrariedade do acto,
recusando a entrega que lhe era exigida. Quando o Imperador – perplexo com a
indizível (para ele!) atitude – indagou da respectiva justificação, ouviu como
réplica, «há Juízes em Berlim».
O signatário, fosse ele Juiz, também se arrepiaria com esta profissão de fé na
capacidade de os Tribunais se imporem perante todos os poderes e defenderem o
fraco perante o poderoso, tratando todos de igual, apenas motivados pela boa
aplicação da lei e do Direito e iluminados pela fundamental ideia de se fazer
Justiça.
Na verdade, a crença do moleiro na independência dos Tribunais, na
imparcialidade dos Juízes e no primado da Lei, é uma tocante homenagem à nobreza
da função judicial e a incontornável força motriz da pacificação social e
comunitária, desiderato imanente à ideia de Justiça.
Ora, deve dizer‑se que o Tribunal Constitucional emerge como uma ideia sublimada
dos Tribunais; com efeito, quando os órgãos judiciais ordinários se apegam
demasiado ao teor literal dos incisos legais, ainda existe o órgão fiscalizador
da adequação das soluções legais à Constituição, designadamente para que a
Justiça material não seja sacrificada a um estrénuo rigor da forma.
No entanto, óbvia e evidentemente, nem sempre aos recorrentes assiste razão nas
manifestações de inconformismo. De resto, quando a falência da argumentação
expendida atinge um qualquer paroxismo de carência de fundamento, cabe aos
Ex.mos Relatores rejeitarem imediatamente o esforço efectuado. Contudo, ao
alegórico moleiro ainda resta a faculdade de uma última manifestação de
dissídio, por crença na razoabilidade do que propugna.
Nos presentes autos o Ex.mo Sr. Relator entendeu, em douta decisão sumária,
rejeitar o recurso apresentado por uma razão, salvo o devido respeito,
marcadamente formal.
Efectivamente, segundo se aduz, os preceitos legais sob o manto dos quais a
recorrente interpôs o recurso não têm o respectivo requisitório reunido na
hipótese em apreço.
Na verdade, faltou a prévia invocação da inconstitucionalidade em peça
juridicamente vinculante, dado que a incontornável inclusão da sobredita
alegação em sede de pedido de aclaração é inócua, uma vez que o «Acórdão
aclarante» – esgotado que se mostra o poder jurisdicional sobre a materialidade
em causa – nunca poderia mudar o sentido da decisão proferida.
Desde logo, dir‑se‑á que a construção jurídica levada a cabo pelo M.mo Juiz
Conselheiro subscritor de tão apurado edifício teorético se mostra imune a
qualquer crítica conceptual; na verdade, o rigor formal do edifício erigido é
impressivamente eloquente.
Todavia, o Ex.mo Douto Relator ainda acrescenta uma outra tipologia
argumentativa para complementar a apologia efectuada.
Designadamente, acrescenta‑se, para se afastar a admissibilidade do recurso, que
a recorrente teve anterior ensejo para suscitar a questão da
inconstitucionalidade, já que o entendimento sufragado no douto Acórdão da
Relação de Lisboa não pode ser considerado como decisão‑surpresa.
Ora, é com este segmento do decidido que a recorrente está em veemente
dissídio.
Para ilustrar tal inconformismo convirá – na óptica do signatário – atentar nos
contornos da situação sub judice:
– A recorrente manifestou intenção de recorrer de facto e de direito de uma
decisão condenatória de que foi alvo;
– Aquando do requerimento de interposição de recurso em matéria de facto, mau
grado haver indicado os factos que reputava de incorrectamente julgados e dos
meios de prova que aconselhariam decisão diversa da recorrida, omitiu as
remissões dos preditos meios de prova para os registos magnéticos da audiência
de discussão e julgamento – como impõe o n.º 4 do artigo 412.º do Código de
Processo Penal.
– Por via da existência – inescapável – da aludida omissão, o recurso veio a ser
rejeitado.
Ora, de acordo com a decisão sumária exarada nos autos, a recorrente deveria ter
premunido a eventualidade de a aludida actividade hermenêutica emergir e,
cautelarmente, suscitado a putativa inconstitucionalidade do (im)provável
entendimento.
Ou, dito de outra forma, a recorrente quando omitiu a referência aos suportes
onde se encontrava registada a prova – exemplificando: o facto «X» resulta do
depoimento da testemunha «Y», cujo depoimento se encontra na cassete «N», lado
A, de voltas 0897 a 1234 – deveria ter efectuado um excurso sobre a garantia do
recurso plasmada no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e extrair daí conclusões sobre a
inimizade constitucional de uma qualquer futura rejeição do mesmo por
inobservância da legalidade aplicável. Ou seja, quem olvida o cumprimento
mecânico de uma mecânica formalidade legal deve lembrar‑se de esgrimir
argumentos que retirem efeitos ao seu esquecimento...
Ora, salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer lastro para o jogo
paradoxal de esquecimentos e lembranças supra referenciado.
E, acrescente‑se, se fosse esse o caminho maioritariamente trilhado pelo
Tribunal Constitucional não se vê como poderosas lições de Direito
Constitucional aplicado – como o são, inescapavelmente, os Acórdãos tirados a
propósito das omissões dos recorrentes da obrigação de produzir «conclusões» em
sede de recurso penal em matéria de direito e «recurso» de impugnação judicial
da decisão administrativa – conheceriam a luz das coisas verdadeiramente
significantes: também aí os recursos haveriam de conhecer a rejeição, porque o
recorrente devia ter previsto a rejeição ou, ao menos, prever que essa, a
emergir, seria inconstitucional ...
Face ao exposto, deve a presente reclamação ser julgada procedente e, como tal,
revogada a decisão sumária proferida, substituindo‑a por outra que admita o
recurso interposto.”
1.3. O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional apresentou a seguinte resposta:
“1.º – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2.º – Na verdade, e para além do não cumprimento do ónus de
suscitação tempestiva e adequada da questão de constitucionalidade a que vem
reportado o recurso, verifica‑se que a dimensão normativa dos preceitos legais
em causa, aplicada no acórdão recorrido, não coincide com o sentido normativo
especificado pelo recorrente.
3.º – A rejeição liminar do recurso, interposto quanto à matéria de
facto, não assentou na mera omissão da referência «às voltas da cassete» nas
conclusões da motivação do recurso, mas na circunstância de a Relação ter
entendido que o vício ou insuficiência detectada afecta irremediavelmente – não
apenas as conclusões – mas toda a estrutura argumentativa da própria motivação,
não se adequando o convite ao aperfeiçoamento ao suprimento de uma deficiência
substancial no cumprimento do ónus de motivação ou fundamentação do recurso
incidente sobre a matéria de facto.”
1.4. Os recorridos D., E. e F. também apresentaram
resposta, do seguinte teor:
“1 – Pese embora o elevado nível retórico do requerimento em análise, e a
eloquência com que esgrime os seus argumentos, razão nenhuma assiste à ora
reclamante.
2 – Não pondo em causa – e expressamente aceitando – que «faltou a prévia
invocação de inconstitucionalidade em peça juridicamente vinculante», vem a
reclamante insurgir‑se contra a decisão reclamada na parte em que considerou
que «a recorrente teve anterior ensejo para suscitar a questão da
inconstitucionalidade, já que o entendimento do douto Acórdão da Relação de
Lisboa não pode ser considerado como decisão surpresa».
3 – E sustenta a reclamante aquela sua discordância com o impressivo argumento
de que a tese sustentada pela douta decisão reclamada pressupõe que «quem olvida
o cumprimento mecânico de uma mecânica formalidade legal deve lembrar‑se de
esgrimir argumentos que retirem efeitos ao seu esquecimento ...», para depois
concluir que «não se vislumbra qualquer lastro para o jogo paradoxal de
esquecimentos e lembranças supra referenciado».
4 – A tese da reclamante seria, certamente, merecedora de aturada reflexão em
outras circunstâncias, que não as do presente processo. Porém, nem só de teoria
vive o direito. Vejamos, então, os factos e, por falar em paradoxos de
esquecimentos e lembranças, recordemos o que a reclamante teima em olvidar.
5 – A abrir as conclusões do recurso interposto perante o Tribunal da Relação de
Lisboa, diz a ora reclamante:
«1 – O Tribunal a quo não procedeu como lhe competia, através do competente
funcionário de justiça à transcrição das declarações e depoimentos prestados
oralmente em audiência de julgamento, sendo certo que não foi prescindida a
documentação;
2) Ficaram, assim, as recorrentes impedidas de – querendo, como querem, impugnar
a decisão proferida sobre a matéria de facto – especificar os pontos de
divergência por referência aos suportes técnicos;»
6 – Tais conclusões reflectem o que previamente haviam alegado as recorrentes na
motivação de recurso: «Ficaram, assim, as recorrentes impedidas de – querendo,
como querem, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto –
especificar os pontos de divergência, por referência aos suportes técnicos,
conforme prescreve o n.º 4 do artigo 412.º do CPP» – sublinhados nossos
(parágrafo 7 de fls. 4 da motivação do recurso interposto perante o TRL).
7 – Da factualidade acima apontada resulta, claramente, que não estamos perante
qualquer situação de «esquecimento» no que toca ao cumprimento das exigências
previstas no n.º 4 do artigo 412.º do CPP.
8 – Na verdade, as então recorrentes sabiam, e expressamente o afirmaram, que
estavam a faltar ao cumprimento de uma formalidade por lei exigida.
9 – Identificaram mesmo a disposição legal que contém tal exigência, jamais lhe
apontando qualquer desconformidade constitucional.
10 – Pelo contrário, as então recorrentes manifestaram inequivocamente aceitar a
validade daquela disposição legal, reconheceram que, naquele recurso, não
cumpriam as exigências por ela impostas, imputando tal incumprimento ao facto de
o Tribunal não lhes ter facultado, durante o prazo de recurso, a transcrição
dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conduta que apelidaram de
inconstitucional.
11 – Ou seja, e em limite, para a ora reclamante, quando muito, seria
inconstitucional a norma contida no artigo 100.º do CPP, quando interpretada no
sentido de que a transcrição não tem de ser facultada às partes durante o prazo
de recurso (questão à qual, aliás, a jurisprudência unânime responde em sentido
contrário), sendo certo que tal questão não é objecto do recurso entretanto
interposto perante este Tribunal.
12 – Neste contexto, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não pode,
efectivamente, configurar uma decisão surpresa. Na verdade, a tese da ora
reclamante apenas serve, em face da factualidade acima indicada, para
demonstrar, a contrario, isso mesmo, pois que lhe subjaz a ideia de que, não
estando em causa a falta de cumprimento de uma formalidade por esquecimento ou
ignorância, então seria exigível ao recorrente que se lembrasse de esgrimir os
tais argumentos que relevassem não o esquecimento, mas a falta consciente.
13 – Foi o que sucedeu nos presentes autos, e contra factos não há argumentos...
Termos em que deve ser indeferida a reclamação apresentada e confirmada a douta
decisão reclamada.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão sumária ora reclamada fundamentou o não
conhecimento do objecto do recurso na não verificação do requisito específico de
admissibilidade e de legitimidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, consistente na suscitação, pelo próprio recorrente, durante
o processo, da inconstitucionalidade da norma aplicada, como ratio decidendi, na
decisão recorrida, de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu tal decisão, em termos de este ficar obrigado a conhecer da questão de
constitucionalidade.
A decisão que teria feito aplicação da norma cuja
inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada foi o acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Outubro de 2005, que rejeitou, por
manifestamente improcedente, o recurso penal perante ele deduzido. E a própria
recorrente jamais sustentou que, antes da prolação desse acórdão, tivesse
suscitado a questão de constitucionalidade em causa.
A decisão sumária ora reclamada não se quedou, porém,
por esta constatação, antes prosseguiu a investigação no sentido de apurar se o
presente caso não seria um daqueles casos excepcionais em que se poderia
considerar o recorrente dispensado do ónus de prévia suscitação da questão de
inconstitucionalidade. E concluiu pela negativa, já que não se verificavam as
situações excepcionais em que: (i) o poder jurisdicional do tribunal a quo, por
força de norma legal específica, não se esgotava com a prolação da decisão
recorrida; (ii) o recorrente não dispôs de oportunidade processual para
suscitar a questão de inconstitucionalidade; ou (iii) não fosse exigível que
suscitasse a questão de inconstitucionalidade, atento o carácter inesperado da
interpretação normativa que viria a ser acolhida na decisão recorrida. E
entendeu‑se que não se verificava nenhuma destas duas últimas situações, já
que, por um lado, a recorrente dispôs de oportunidade processual de suscitar a
questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso endereçado ao Tribunal
da Relação de Lisboa, e, por outro lado, o entendimento sufragado no acórdão de
13 de Outubro de 2005 não pode ser considerado uma decisão‑surpresa, por ser
de todo inesperado, insólito ou anómalo, tornando inexigível que o interessado
previsse a possibilidade de ser adoptado e, cautelarmente, arguísse a sua
inconstitucionalidade.
Nenhum destes fundamentos é, em rigor, contestado pela
reclamante, que, no fundo, pretende que nos casos em que uma parte omite, por
“esquecimento” a ela exclusivamente imputável, o cumprimento de um ónus
processual, deve concomitantemente considerar‑se dispensada de suscitar a
inconstitucionalidade das consequências que a lei (ou a interpretação normativa
seguida nos tribunais) associa a esse “esquecimento”, o que constitui tese, de
todo em todo, insustentável.
Impõe‑se, assim, a confirmação da decisão sumária
reclamada.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 27 de Abril de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos