Imprimir acórdão
Processo nº 316/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Por decisão proferida em 11 de Fevereiro de 2005 no
1º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Braga foi concedido provimento ao
recurso interposto por A. da decisão tomada em 22 de Outubro de 2004 pelo Centro
Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Braga e por intermédio da qual
foi indeferido o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário na
modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos
com determinado processo e nomeação e pagamento de honorários a patrono
escolhido.
Em 14 de Junho de 2005, a Juíza do 2º Juízo Criminal
daquele mesmo Tribunal proferiu o seguinte despacho: –
“Fls 42: Como bem sabe o reclamante, A., não beneficia de apoio
judiciário nos presentes autos (o que foi judicialmente decidido, com trânsito
em julgado.
As guias remetidas referem-se às custas em que foi condenado no
Tribunal da Relação de Guimarães, por ter sido desatendido na reclamação
apresentada.
Notifique.
*
No mais, como se promove.”
Do transcrito despacho arguiu A. a respectiva nulidade
por omissão de pronúncia, dizendo: –
“(…)
1)- No ponto n.º 3 do requerimento que é decidido pelo douto despacho ora
arguido de nulidade o aqui arguente alude à responsabilidade do arguido e
demandado pelas custas e demais encargos de todo o processado, incluindo
incidentes, por acordo homologado a fls. 297 a 299 dos autos principais.
2)- Uma tal alegação, relevante para a questão decidenda, não obteve
apreciação e decisão, devendo ter obtido em submissão ao dever de julgar (art.
156º, C.P.C., ex vi art. 4º C.P.P.);
3)- O que constitui NULIDADE nos termos da norma processual supra aludida;
4)- Acresce que a douta decisão não toma conhecimento da questão de Apoio
Judiciário concedido ao arguente para os presentes autos e seus apensos por
decisão proferida em 2005.02.11, já há muito transitada em julgado, pelo 1º
Juízo Criminal desta comarca, no proc. n.º 8033/04.1 TB BRG;
5)- Esta decisão judicial reporta-se à data da entrada da respectiva
petição, em 2004.08.04, e produz efeitos sobre todo o processado, segundo as
normas do art. 17º, n.º 2, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, (LAJ) como é
consabido e pacífico;
6)- A decisão que originou a taxa de justiça em causa terá sido proferida
em 2005.01.17, a crer na indicação dada na douta decisão aqui arguida de
nulidade;
7)- Sem discutir aqui, por despiciendo, a questão da competência funcional
para apreciar aquele recurso de impugnação de decisão administrativa – na nossa
modesta opinião, deste juízo e não daquele (art. 29º, n.º 1, in fine, da Lei
30-E/87), o que teria evitado a presente situação – tal decisão é de
conhecimento oficioso, competindo à autoridade administrativa ou ao Tribunal que
a proferiu ter informado este Tribunal, de acordo com o n.º 2 do art. 27º da
mesma Lei.
8)- Interpretação diferente da aduzida no presente articulado quanto às
normas supra invocadas – art.s 17º, n.º 2, e 27º, n.º 2, da LAJ, art. 379º, n.º
1, alínea c) e n.º 3, do C.P.P., e art. 156º. C.P.C. – sempre violará os
imperativos dos art. 20º, n.º 1, 202º, n.º 2 e 203º da Constituição da República
Portuguesa, inconstitucionalidades interpretativas aqui expressamente arguidas
para os legais efeitos.”
Por despacho de 21 Setembro de 2005 foi desatendida a
arguida nulidade, escrevendo-se nele: –
“O reclamante, A., veio arguir nulidade do despacho proferido a fls.
53 [reporta-se ao despacho de 14 de Junho de 2005], ao abrigo do disposto no
art.º 379º. n.ºs 1, alínea c), e 3, do Código de Processo Penal (CPP), por
entender que houve omissão de pronúncia sobre a matéria a que alude o
requerimento de fls. 42, entrado em juízo a 17/05/2005, e ainda sobre questão
relacionada com o apoio judiciário de que diz beneficiar nestes autos.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão
do reclamante, por entender não existir qualquer omissão no despacho acima
indicado.
Cumpre apreciar e decidir.
Foi certamente por lapso que o reclamante invocou o art.º 379º, n.º
1, alínea c), e n.º 3, do CPP, pois este dispositivo legal prevê casos de
nulidade da sentença. É que, de acordo com o art.º 97º, n.º 1, alínea a), do
CPP, a sentença é o acto decisório dos juízes que decide a final do objecto do
processo.
Ora, como facilmente se conclui pela sua mera leitura, o acto
decisório proferido a fls. 53 trata-se de um despacho, tal como o define a
alínea b) do n.º 1 do art.º 97º daquele diploma legal, e não uma sentença.
Logo, a requerida sanação da nulidade alegada pelo reclamante carece
de razão de ser, pois invocou, para a fundamentar, uma norma não aplicável ao
caso concreto.
De qualquer modo, sempre seria de indeferir a pretensão do
reclamante, pois, salvo o devido respeito, assenta em pressupostos erróneos.
Como resulta de forma clara do despacho proferido a fls. 53, que
incidiu sobre o requerimento do aqui reclamante, de fls. 42, as custas devidas e
as competentes guias emitidas referem-se às custas em que foi condenado o
reclamante pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão de 8 de Fevereiro
de 2005, em que viu desatendida a reclamação que apresentou ao abrigo do art.º
405º do CPP.
Portanto, o referido despacho deu cabalmente conta ao reclamante da
origem e da natureza das guias para pagamento das custas devidas e, l[ó]gica e
necessariamente, da responsabilidade que lhe incumbe pelo respectivo pagamento,
já que a sua condenação em custas deriva precisamente do facto de ter originado
a actividade processual que terminou com a decisão desfavorável à sua
reclamação.
Por outro lado, como se disse já no mencionado despacho de fls. 53,
e como é do conhecimento do reclamante, não beneficia de apoio judiciário nestes
autos, situação esta que foi definida por decisão judicial há muito proferida e
transitada em julgado.
Consequentemente, nada mais havia a decidir ou a esclarecer a esse respeito,
determinada que estava a sua responsabilidade pela liquidação das guias emitidas
relativas às custas devidas, por força da supra referida decisão do Tribunal da
Relação de Guimarães.
Pelo exposto, julgo improcedente a nulidade invocada pelo
reclamante.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça e, 1 (uma)
unidade de conta, nos termos do art.º 84º do Código das Custas Judiciais.
Notifique.”
Fez então A. a apresentar nos autos requerimento no qual
manifestava a sua intenção de, deste último transcrito despacho, recorrer para o
Tribunal Constitucional, requerimento esse com o seguinte teor: –
A., com os sinais dos Autos em epígrafe, notificado da douta decisão
de fls. 66 e seguinte, não podendo com ela concordar, muito menos conformar-se,
face à errada interpretação dada aos art.s 17º, n.º 2, e 27º n.º 2, da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, no sentido ali transparecente de que o apoio
judiciário de que actualmente beneficia desde a data do respectivo requerimento
na secretaria da autoridade administrativa competente não abrangerá os demais
Apensos e Autos principais, mormente as custas emergentes de decisão do
Venerando Tribunal da Relação de Guimarães datada posteriormente ao sobredito
requerimento, considera uma tal interpretação dessas normas contrária à letra e
ao espírito da lei e violadoras do princípio constitucional do direito ao acesso
à justiça e aos tribunais imposto de forma peremptória no n.º 1 do artº 20º da
Constituição da República Portuguesa, questão suscitada previamente no § 8 do
requerimento decidido pelo douto despacho ora arguido de inconstitucionalidade
interpretativa, pelo que vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artº 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual redacção, requerendo a sua admissão para os subsequentes
termos processuais.
O presente recurso deixará de ter utilidade após decisão da
Reclamação pendente no Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e/ou do
Recurso extraordinário de Revisão pendente nos Autos principais (fls. 474), se
proceder (em) como se espera.”
A Juíza do aludido 2º Juízo Criminal, por despacho de 31
de Outubro de 2005, não admitiu o recurso intentado interpor, sustentando, em
síntese, que não foi interposto recurso ordinário do despacho de 21 de Setembro
de 2005, pretendido impugnar perante o Tribunal Constitucional, pois que tal
despacho era perspectivável como decisão interlocutória susceptível de recurso
nos termos dos artigos “399º e 400º do Código de Processo Penal, este último a
contrario” e “401º e seguintes e 410º e seguintes” do mesmo corpo de leis.
É deste despacho que, por A., vem deduzida reclamação
para este órgão de administração de justiça, dizendo: –
“O douto despacho de inadmissão do recurso sustenta-se na falta de
esgotamento de tod[o]s os meios recursivos exigido[s] pelo disposto no art. 70º,
n.º 2, da supra citada Lei que, especificadamente, invoca.
Olvida no entanto, o Tribunal a quo que o aludido recurso incide
sobre errada interpretação e aplicação do art.º 17.º, n.º 2, e 27.º, n.º 2, da
Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, em violação ao imperativo do art.º 20.º,
n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, diploma legal que só admite
recurso em última instância para os tribunais de comarca como emerge do disposto
no seu art.º 29.º, n.º 1 da citada Lei de Apoio Judiciário.
Se houvesse recurso para o Venerando Tribunal da Relação sempre a
arguição de nulidade da douta decisão de fls. 53, origem da presente
discordância, não poderia ter sido efectuada e julgada fora de sede recursiva,
segundo o comando do art.º 379.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Por ser inadmissível recurso da sobredita decisão de fls. 53 é que
essa nulidade foi arguida perante o Tribunal a quo e decidida por este a fls. 66
e 67.
Ou seja, estão esgotadas as instâncias ordinárias, sendo, por isso
mesmo, admissível o recurso interposto para este Tribunal Constitucional, salvo
e melhor, mais douta e esclarecida opinião.
Termos em que se requer a revogação do douto despacho de fls. 78, substituindo
por outro, superior, que admita o recurso para os ulteriores termos processuais,
sem prejuízo de apresentação do recurso ordinário se assim vier a ser julgado
adequado por este Tribunal Constitucional”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se, na primeira vez, no
sentido de ser solicitada ao Tribunal a quo cópia d despacho recorrido e da
«reclamação» que teria sido endereçada ao Tribunal da Relação de Guimarães,
«reclamação» essa que era referida na parte final do requerimento de
interposição de recurso e, na segunda vez, no sentido de, pela circunstância de
não ter sido, na sequência da sua «promoção» anterior, enviada cópia daquela
«reclamação», ser pedida tal cópia.
Porque se entendeu que dos autos constavam já todos os
elementos necessários ao proferimento de decisão, foi determinado que poderiam
os autos ser inscritos em tabela para julgamento.
Cumpre decidir.
2. É manifesta a sem razão do ora reclamante.
Como tem sido jurisprudência tomada, sem equívocos, por
este órgão de administração de justiça, nas reclamações a que alude o artº 77º
da Lei nº 28/82, tendo em conta o que se comanda no seu nº 4, incumbe ao
Tribunal Constitucional verificar se, nas situações de não admissão de recurso,
independentemente do fundamento que levou à não admissão no tribunal a quo,
outro ou outros existe ou existem que conduzam à conclusão segundo a qual o
recurso, de qualquer forma, não seria passível de admissibilidade.
Neste contexto, no caso sub specie, não estará este
Tribunal cingido à apreciação do fundamento determinante da admissão do recurso
que, como se viu, foi o de o despacho pretendido recorrer ainda ser passível de
recurso ordinário.
Na verdade, o requerimento por via do qual foi
manifestada a vontade de interpor recurso para o Tribunal Constitucional
reportava-se, inequivocamente, como bem deflui da transcrição acima efectuada,
ao despacho lavrado em 21 de Setembro, também supra transcrito.
Ora, tal despacho limitou-se a desatender a nulidade
arguida relativamente ao despacho de 14 de Junho de 2005.
Sendo isto assim, torna-se desde logo por demais claro
que o suporte jurídico da decisão se baseou nos normativos adjectivos criminais
reguladores da arguição de actos processuais e não nos artigos 17º, nº 2, e 27º,
nº 2, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, o que vale por dizer que o
despacho desejado colocar sob a censura deste Tribunal não utilizou, como ratio
juris daquela, estes últimos preceitos.
Situando-nos, como nos situamos, perante um recurso
esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
mister é, inter alia, que a decisão pretendida colocar sob a censura do Tribunal
Constitucional tenha aplicado, como sua razão jurídica, a norma cuja
incompatibilidade com a Lei Fundamental foi questionada precedentemente à sua
prolação.
Ora, como se viu, o despacho de 21 de Setembro de 2005,
para alcançar a decisão do mesmo constante, não se ancorou nas normas que são
invocadas no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
O que tanto basta para que o recurso não pudesse ser
admitido.
Mas mesmo que porventura se entendesse – o que somente
se concebe para efeitos meramente argumentativos – que aquele despacho, ao
discretear do forma como discreteou nos seus parágrafos oitavo a décimo, não se
limitava a explicitar as razões pelas quais era perspectivado que o despacho de
14 de Junho de 2005 não enfermava de nulidade, antes constituindo um tal
discretear uma directa pronúncia sobre a questão de saber se o impugnante tinha,
ou não, de proceder ao pagamento das custas em que foi condenado no Tribunal da
Relação de Guimarães, ainda assim a reclamação ora em apreço não poderia
proceder.
Efectivamente, na admissão desse raciocínio hipotético,
o que é certo é que, então, não estaria em causa uma tomada de decisão sobre um
recurso da decisão administrativa por via da qual foi indeferido o pedido de
atribuição do benefício de apoio judiciário.
Estaria, isso sim, em causa a questão de saber se o
benefício anteriormente concedido para um dado processo pendente num outro
tribunal era, ou não, extensível a outros autos que corriam termos em diverso
tribunal, nomeadamente, se se repercutia na remessa de guias contadas neste
último.
Ora, o proferimento de decisão sobre esta específica
questão, como é por demais claro, não se pode minimamente confundir com
aqueloutra incidente sobre o recurso da decisão administrativa que não concedeu
o benefício de apoio judiciário e que não será passível de recurso para a 2ª
instância.
Não pode, por isso, cobrar atendimento o argumento,
esgrimido pelo recorrente, que o despacho pretendido recorrer não era recorrível
por força do que se prescreve no artº 29º, nº 1, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de
Dezembro.
Em face do que se deixa dito, indefere-se a vertente
reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa
de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 4 de Maio de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício