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Processo n.º 897/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. A. (empresa de trabalho temporário), interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea f), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão de 19 de Novembro de 2003 do Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa
(3º Juízo), julgou ilícito do despedimento de B. e a condenou a pagar a esta a quantia de € 19 441,45. O despacho que admitiu o recurso não vincula este Tribunal (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), pelo que, entendendo-se que não deve conhecer-se do objecto do recurso, se passa a proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A da LTC.
2. Interessa, para tanto, pôr em destaque as seguintes ocorrências processuais: a) Por acórdão de 19 de Novembro de 2003, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente acção intentada por B. contra a ora recorrente, considerando, além do mais, que a indicação dos motivos que justificavam a celebração do contrato, inserta no contrato de trabalho temporário a termo incerto, não satisfazia as exigência da alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º
358/89, de 17 de Outubro, e que, em consequência, o vínculo jurídico se consolidava como contrato de trabalho sem termo com a empresa de trabalho temporário (a ré, ora recorrente) e não com o utilizador de trabalho temporário. b) A ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com requerimento do seguinte teor:
“não se conformando com a douta decisão proferida no Acórdão que revogou a decisão da 1ª Instância, vem da mesma interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos previstos na al. f), do n.º 1, do art.º 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. O presente Recurso tem por fundamento a interpretação ilegal, efectuada pelo Tribunal recorrido, da al. a), do n.º 1, do art.º19.º e do n.º 6, do art.º 11.º, ambos do Dec. Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que constituíram ‘ratio decidendi’ da decisão, não tendo a ilegalidade sido suscitada anteriormente por se tratar da primeira decisão desfavorável à ora Recorrente e em que esta foi posta perante a interpretação e os fundamentos da decisão ora posta em crise.” c) Já no Tribunal Constitucional, o relator proferiu o seguinte despacho:
“Convido a recorrente a indicar a norma ou princípio legal que considera violado, bem como a enunciar, com precisão, o sentido normativo aplicado pela decisão recorrida e que considera ilegal (al. f) do n.º 1 do art.º 70.º e art.º
75.º-A, n.ºs 2, 5 e 6, da LTC).” d) A recorrente respondeu nos seguintes termos:
“A., recorrente no processo supra referenciado, notificada que foi do douto despacho de fls. 186 vem, em cumprimento do determinado, indicar o seguinte:
1º- No douto acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o conteúdo do n.º 2, da cláusula 1ª, do contrato de trabalho temporário celebrado entre a ora recorrente e a recorrida constitui fórmula vaga, genérica e meramente conclusiva, sem concretização das razões que determinaram a contratação da Autora como trabalhadora temporária.
2º- Da cláusula em questão (doc. n.º 1 , junto com o P.I.) consta, como motivação do contrato que ‘O presente contrato é justificado por acréscimo excepcional de actividade do utilizador, decorrente da celebração de contrato de prestação de serviços com entidade que opera nas redes de telecomunicações, para desenho, construção, instalação e manutenção das referidas redes e respectivos equipamentos...’
3º- Entende a recorrente que a interpretação vertida no douto acórdão, quando considera que os factos constantes da mencionada cláusula não concretizam as razões que determinaram a contratação da Autora viola (a contrario) a correcta interpretação e sentido da exigência constante da al. b), do n.º 1, do art.º
19.º, do Dec. Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro; salvo o devido respeito – que é muito – afigura-se que no acórdão se confunde sindicância dos motivos constantes do contrato com falta de menção concreta dos factos que integram esses motivos.
4º- Na sequência da interpretação sobre a insuficiência da concretização dos factos e motivos da contratação, o acórdão recorrido vem imputar a responsabilidade e consequências da mesma à ora recorrente, julgando o contrato de trabalho como contrato sem termo, com a consequente ilicitude do despedimento e desvalorizando a aplicação ao caso concreto do preceito constante do n.º 6, do art.º 11.º, do mencionado diploma, com o argumento pouco esclarecedor de que
‘...não está em causa a falsidade das razões invocadas para contratar temporariamente a trabalhadora...’
5º- Considera-se que tal interpretação viola, também ela, a ratio legis do referido preceito, uma vez que o mesmo é claro quando atribui ao utilizador a responsabilidade pelos elementos que fornece aquando da sua solicitação à empresa de trabalho temporário..., sem estabelecer qualquer diferença entre a insuficiência destes e a sua eventual falsidade ou desconformidade com os verdadeiros motivos, ou mesmo a ausência total destes; Aliás, fica sem se saber como é que, num primeiro momento, o Tribunal da Relação conclui pela inexistência de elementos concretos para se apurar se ocorreram razões objectivas para a contratação temporária da trabalhadora para, logo a seguir, formular um juízo seguro de inexistência de falsidade das razões invocadas. Salvo melhor opinião a decisão de responsabilizar a recorrente pela alegada falta da menção exigida na al. b), do n.º 1, do art.º 19.º, viola o disposto no n.º 6, do art.º 11.º, do Dec. Lei n.º 358/89, que traduz um perfeito e assumido propósito crescente do legislador em responsabilizar o utilizador nas questões que gerem ilicitude, no recurso ao trabalho temporário, que perpassa, aliás, por todo o diploma.”
3. Ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que “apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)”. A ilegalidade que por esta via é submetida ao controlo do Tribunal Constitucional é, somente, a que resulte de violação de lei com valor reforçado ou de estatuto da região autónoma (cf. artigo 280.º da Constituição, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/04, de 24 de Julho). A questão de ilegalidade submetida ao Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea f) com referência à alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º – as hipóteses das alíneas d) e e) estão liminarmente excluídas, porque não estamos perante matéria de estatuto das regiões autónomas – exige, sempre, que se estabeleça a relação entre uma norma constante de acto legislativo e uma “lei interposta” com valor paramétrico. Ora, é manifesto que não é deste tipo a questão que a recorrente quer ver resolvida no presente recurso. O que se pretende submeter ao Tribunal Constitucional é uma pura questão de direito ordinário quanto à interpretação pelo tribunal da causa da alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º
358/89, de 17 de Outubro. Não um problema da determinação da validade dessa norma por referência a norma constante de lei de valor reforçado, qualidade que evidentemente não tem o n.º 6 do artigo 11.º do mesmo diploma legal, que a recorrente indica como violado. Tanto basta para que se conclua pelo não conhecimento do objecto do recurso.
4. Decisão Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 8 (oito) unidades de conta.”
2. A recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:
“1º- A recorrente reitera os fundamentos constantes da Resposta apresentada ao douto despacho do Senhor Juiz Relator, de fls. 186;
2º- As normas, cuja legalidade de interpretação e aplicação pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi suscitada pela Recorrente, situam-se no domínio do interesse e ordem públicas, conforme é pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência dominantes;
3º- No caso concreto, vedada que está a possibilidade de recurso ordinário, por razões ligadas à alçada do Tribunal, fica impossibilitada a sindicância da decisão constante do acórdão recorrido;
4º- Atenta a natureza das normas em questão, afigura-se à ora reclamante – salvo melhor opinião – ser passível a apreciação da legalidade da interpretação efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos constantes da Resposta apresentada, ao abrigo da al. f), do n.º 1, do art.º 70.º, da LTC. Termos em que, se requer a V. Exas. a revogação da decisão sumária, que decidiu não conhecer do objecto do recurso.”
A recorrida sustenta que a reclamação nada adianta que minimamente ponha em causa os fundamentos da decisão sumária, que deve ser mantida.
3. As razões aduzidas pela reclamante em nada abalam os fundamentos da decisão sumária, que se confirma.
Mesmo que fosse exacta a afirmação da recorrente de que as normas em causa se situam “no domínio do interesse e ordem públicas”, é manifesto que essa circunstância, por si só ou conjugadamente com a inadmissibilidade de recurso ordinário por razões ligadas à alçada do tribunal da causa, é irrelevante para a questão da admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, que não tem competências de hiper-revisão em matéria de direito ordinário.
O Tribunal apenas lembra que, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da Constituição, têm valor reforçado “além das leis orgânicas, as leis que careçam de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas” (Sobre o sentido e alcance do conceito constitucional de “lei com valor reforçado”, cfr. Acórdão n.º 374/2004, publicado no Diário da República, II série, de 30 de Junho de 2004 e também disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt). Só o desrespeito por esse valor paramétrico pode ser submetido a controlo pelo Tribunal Constitucional, em recurso interposto ao abrigo da alínea f) com referência à alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Desde logo, exige-se a dualidade de actos normativos (outras leis), não tendo sentido colocar a questão entre dois preceitos do mesmo diploma legal.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso e condenando a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2005
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050007.html ]