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Processo n.º 434/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 14
de Março de 2006, que não admitiu o recurso que interpôs para o Tribunal
Constitucional, com invocação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do
despacho de 13 de Janeiro de 2006, que não tomou conhecimento de uma reclamação
deduzida ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil de um despacho
proferido no Tribunal da Relação do Porto.
O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido com fundamento em
que não fora suscitada nessa reclamação qualquer questão de constitucionalidade
normativa, nem recolocada qualquer questão deste tipo porventura suscitada
anteriormente.
A reclamante sustenta que o recurso deve ser admitido pelo seguinte:
“1) Na verdade, a contrariedade normativa Constitucional que se pretende ver
apreciada pelo venerando Tribunal Constitucional foi alegada, não nos pedidos
imediatamente improcedentes, segundo a decisão recorrida, mas em fase intercalar
do Processo.
2) Também sabe a Reclamante que tem havido alguma jurisprudência do Tribunal
Constitucional no sentido de não estarem assim cumpridos os requisitos de
admissão do Recurso de Constitucionalidade.
3) Contudo, a Reclamante insiste na tese contrária: É possível a leitura da Lei
que se baste em ter sido suscitada no Processo, em qualquer altura do processo,
a questão de Constitucionalidade.
4) Na verdade, só deste modo, é que a fiscalização normativa atribuída ao T.C.
se pode exercer plenamente, não sendo, de todo, proporcional limitar os Direitos
do Cidadão àquela fiscalização de Constitucionalidade (pelo menos Direito
Fundamental Análogo) tal como o faz a jurisprudência citada.
5) Enfim, também aqui tem aplicação o Art 18/3 da C.R.P.”
Sob este ponto de vista, Vossa Excelência mandará receber o Recurso, como é de
Direito e Justiça.”
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamentação séria, já que –
nem o reclamante suscitou tempestiva e adequadamente qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa – nem sequer no âmbito do requerimento de
interposição de recurso, conjugado com a presente reclamação, resulta
minimamente delineada, o que conduz a que o recurso interposto careça de objecto
idóneo.”
2. São as seguintes as ocorrências processuais relevantes para apreciação da
reclamação:
a) Em 12 de Janeiro de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
proferiu o seguinte despacho:
“Reclamação n.º 190/06, 2.ª Secção
I. A. e B. interpuseram recurso de agravo para este Supremo Tribunal do despacho
proferido pelo Exmo. Desembargador Relator a fls. 1013 e 1014, que indeferiu, na
primeira parte, o pedido de reforma do despacho de fls. 1003 e 1004 e, na
segunda, o pedido de levar à conferência o despacho que não admitiu o recurso
interposto para o Tribunal Constitucional.
Por despacho do Exmo. Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, por
dos despachos do relator caber apenas reclamação para a conferência ou
tratando-se de despacho que retenha ou não admita o recurso para o presidente do
tribunal que seria competente para dele conhecer.
Os recorrentes vieram requerer o esclarecimento deste despacho alegando que
deveria ter sido determinado, nos termos do art.º 688º, nº 5 do CPC, que o
recurso interposto seguisse os termos da reclamação.
Foi proferido novo despacho onde foi entendido não existir qualquer obscuridade
ou ambiguidade e determinado que o recurso para este Supremo Tribunal seguisse
os termos da reclamação a que se refere o art. 688.º, n.º 5 do CPC.
II. Cumpre apreciar e decidir.
No que concerne à primeira parte do despacho de fls. 1013 e 1014, que indeferiu
o pedido de reforma, dispõe o art. 670.º, n.º 2, 1ª parte, do CPC que “do
despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma
não cabe recurso”.
Assim sendo, a única forma de o impugnar seria a reclamação para a conferência,
nos termos do art.º 700.º, n.º 3, do CPC.
No respeitante à segunda parte do referido despacho que decidiu não levar à
conferência a decisão que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional,
refere-se que a mesma não é susceptível de impugnação.
Com efeito, em vez de reclamarem para a conferência, deviam os ora reclamantes
ter reclamado para o Tribunal Constitucional, a fim deste proferir decisão sobre
a questão que aquele despacho suscitava (art. 76.º n. 4 da LTC).
III. Pelo exposto, não se toma conhecimento da reclamação.
Custas pelos reclamantes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.”
b) Notificada deste despacho, a reclamante (e o seu co-requerente, a quem
deixa de fazer-se referência uma vez que não é parte na presente reclamação)
pediu a sua “aclaração revogatória”, nos seguintes termos:
“1) Diz Vossa Excelência que os Reclamantes questionam Despacho de não
recebimento do Recurso interposto do relator que indeferiu rectificação do
Despacho precedente;
2) Argumenta Vossa Excelência que não cabe reclamação para o Venerando
Presidente do S.T.J., mas reclamação para a Conferência;
3) Contudo, trata-se, evidentemente, de Despacho que não recebeu Recurso, aquele
de que se reclamou para o Excelentíssimo Senhor Presidente do S.T.J., e
4) De qualquer Despacho que não recebeu o Recurso, impõe a Lei, como única via
de discordância, a Reclamação para o Presidente do Tribunal Superior (Art.º 688
do CPC).
5) Por conseguinte, não procede o Argumento de caber aqui intercalar Reclamação
para a Conferência no Tribunal da Relação do Porto.
6) Deve, Vossa Excelência, portanto, decidir o Recurso deve ou não ser
convolado, do ponto de vista de Justiça Material, a fim de serem juntas
Alegações que possam ser tidas em sede de adaptação processual, como dirigidas,
justamente, ao Colectivo da 2ª Instância.
Só assim se decidirá de harmonia com a Lei e a Constituição já que a existências
das Inconstitucionalidades apontadas se encontra, implicitamente, reconhecida na
Douta Decisão de Vossa Excelência.”
c) Sobre este pedido recaiu o seguinte despacho:
“I. A. e B. requerem nos termos do art.º 669º, n.º 2, alínea b), do CPC a
reforma da decisão que indeferiu a reclamação, no respeitante à primeira parte
do nosso despacho onde dissemos que a forma de impugnação era a reclamação para
a conferência.
II. Cumpre decidir.
A reforma da sentença ou da decisão de mérito, ora permitida pelo n.º 2 do art.º
669.º do CPC, tem como pressuposto a existência de manifesto lapso do julgador
(como claramente referem as duas alíneas desse número).
Ora, não há qualquer lapso, que, aliás, nunca seria manifesto.
Com efeito, dissemos na primeira parte do nosso despacho o seguinte: “no que
concerne à primeira parte do despacho de fls. 1013 e 1014, que indeferiu o
pedido de reforma, dispõe o art.º 670.º, n.º 2, 1ª parte, do CPC que “do
despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma
não cabe recurso”.
Assim sendo, a única forma de o impugnar seria a reclamação para a conferência,
nos termos do art.º 700.º, n.º 3, do CPC”.
O recurso para o STJ de fls. 1020 foi convolado em reclamação (art.º 668.º, n.º
5 do CPC) por despacho de fls. 31, após pedido de aclaração do despacho de fls.
1021 que não o admitira.
Nele impugnava-se o despacho de fls. 1113 e 1114 que indeferira na sua primeira
parte o pedido de reforma do despacho de fls. 1003 e 1004.
Logo não podia caber, como se diz no despacho questionado, reclamação para o
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por estarmos perante um despacho que
indeferiu o pedido de reforma do despacho de fls. 1003 e 1004 que não admitira o
recurso para o Tribunal Constitucional.
III. Pelo exposto, indefere-se o requerimento de fls. 40 e segs.
Custas pelos requerentes, com a taxa de justiça de 3 UC.”
d) A reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com
requerimento do seguinte teor:
“Inconformados com a Douta Decisão de Vossa Excelência, dela pretendem interpor
Recurso para o Tribunal Constitucional, que cabe como Apelação, com subida
imediata nestes Autos de Reclamação, com efeito suspensivo, tendo em conta o
Art.º 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
Sendo certo que a contrariedade da disposição Inconstitucionalizável com
Princípio Constitucional foi alegada ao longo do Processo e no requerimento
indeferido, pondo em confronto o Artºs. 669, n.º 2 alínea b) e 754, ambos do
C.P.C., como os Artºs. 13, 20, 204, 280 da C.R.P.”
e) O recurso não foi admitido, por despacho de 14 de Março de 2006, do seguinte
teor:
“No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional dizem
os recorrentes que a “…contrariedade da disposição Inconstitucionalizável com
Princípio Constitucional foi alegada ao longo do processo e no requerimento
indeferido, pondo em confronto os artºs. 669.º, n.º 2, alínea b) e 754.º, ambos
do CPC, com os arts. 13º, 20º, 204º, 280.º da CRP”.
Tendo em conta que tanto na reclamação de fls. 1020 como o requerimento de fls.
40 e segs. não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, nem recolocada qualquer questão desse tipo, porventura suscitada
anteriormente ao longo do processo perante tribunal hierarquicamente inferior,
não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional (cf. Amâncio ferreira e a
jurisprudência constitucional para onde remete, in “Manual dos Recursos em
Processo Civil, 6ª edição, pp. 424 e seg.”).
Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 3UC, sem prejuízo do
benefício do apoio judiciário.”
3. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, de modo
processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Ora, a própria reclamante afirma (n.º 1 da reclamação) que “a
contraditoriedade normativa Constitucional que se pretende ver apreciada […] foi
alegada, não nos pedidos imediatamente improcedentes, segundo a decisão
recorrida, mas em fase intercalar do processo”. Reconhece, portanto, que não
suscitou a questão de constitucionalidade perante a entidade que proferiu a
decisão de que pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, como é seu
ónus. Com efeito, não basta ter sido suscitada, num qualquer momento anterior do
processo, uma questão que, em si mesmo, pudesse ser objecto idóneo de apreciação
pelo Tribunal Constitucional, para que deva dar-se por verificado o pressuposto
que agora se discute. O sujeito processual que tenha suscitado determinada
questão de constitucionalidade em momento anterior do processo tem o ónus de
voltar a colocá-la, de modo processualmente adequado, perante o tribunal
superior de cuja decisão pretenda recorrer (ou, por força do ónus de esgotamento
dos meios ordinários, possa recorrer) para o Tribunal Constitucional. É
exigência que anteriormente era controvertida, mas que na actual redacção do n.º
2 do artigo 72.º da LTC, resultante da Lei Orgânica n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, se tornou indiscutível.
E, contrariamente ao que a reclamante afirma – aliás, sem qualquer esforço
argumentativo, o que dispensa de mais detida fundamentação – esta solução
legislativa não constitui exigência desproporcionada. É conforme à natureza do
meio de acesso ao Tribunal Constitucional em fiscalização concreta (o recurso de
constitucionalidade), tem óbvia utilidade e não impõe ao interessado uma tarefa
de dificuldade desmesurada e sem relação com o objectivo atingir.
Deste modo, mesmo que fosse verdadeira a afirmação – e de modo algum pode
considerar-se demonstrada – de que o recorrente suscitara “em fase intercalar do
processo” qualquer questão de constitucionalidade relativamente a norma que
tenha sido aplicada pelo despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
que recaiu sobre a reclamação, o recurso para o Tribunal Constitucional não
poderia deixar de ser indeferido.
Confirma-se, portanto, o despacho agora sob apreciação, nos seus exactos termos.
4. Acresce dizer que, ainda que não se mantivesse o fundamento do despacho
reclamado, nunca a reclamação seria julgada procedente. Com efeito, a recorrente
não supriu na reclamação a falta de requisitos indispensáveis do requerimento de
interposição, designadamente a indicação da norma cuja inconstitucionalidade
quer ver apreciada e a peça processual onde alegadamente suscitou a respectiva
questão de constitucionalidade (n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC). Ora, como
constitui jurisprudência corrente, fazendo a decisão da reclamação caso julgado
quanto à admissibilidade do recurso (n.º 4 do artigo 77.º da LTC), o recorrente
tem de suprir na reclamação as deficiências de que enferme o requerimento de
interposição, de modo a que o Tribunal possa decidir definitivamente sobre a
admissibilidade do recurso.
5. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 26 de Maio de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060347.html ]