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Processo n.º 23/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de
Abril de 2003 (fls. 4063‑4140), foi, além do mais, concedido parcial provimento
ao recurso interposto pelo arguido A. contra o acórdão do Tribunal Colectivo da
6.ª Vara Criminal de Lisboa, de 24 de Outubro de 2002 (fls. 3809 a 3842),
reduzindo de 9, 13 e 16 anos de prisão para 8, 12 e 14 anos de prisão,
respectivamente, as duas penas parcelares (uma, por prática de um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º,
alínea c), do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e a outra por prática de
um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 1, do
mesmo diploma) e a pena única em que fora condenado.
O acórdão da Relação foi notificado, por carta registada
expedida no próprio dia 22 de Abril de 2003 (cf. cota de fls. 4150), ao Dr.
Filipe Mimoso de Freitas, que o referido arguido havia constituído seu
mandatário, em 21 de Abril de 2003, na sequência da revogação do mandato
conferido à sua anterior defensora (cf. fls. 4058‑4060).
Em 19 de Maio de 2003, o arguido apresentou o seguinte
requerimento, subscrito pelo referido mandatário e endereçado ao Desembargador
Relator do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 4268‑4269):
“1. O arguido, tal como resulta das decisões anteriormente proferidas, viu‑se,
não inocente mas violentamente condenado nas penas arbitradas, penas que se
mostraram confirmadas após a repetição do julgamento, assim se repetindo no
tempo a violência e a desproporção entre os actos praticados, o dolo, a sua
culpa, esta como paradigma limite da respectiva pena.
2. Inconformado, sem meios económicos que lhe possam garantir, já não um
patrocínio de qualidade, tão‑só uma representação digna e empenhada, tomou
conhecimento, através do seu mandatário, de que havia já sido proferida decisão
por esta instância judicial, decisão cujo teor ainda desconhece, uma vez que a
mesma não lhe foi notificada.
3. O arguido pretende exercer o seu direito a recorrer da decisão proferida,
com a qual jamais se conformará, estando certo de que constitui seu direito
ver‑se notificado de tal acórdão, estribando a sua convicção no prescrito no n.º
9 do artigo 113.º do CPP, de tal direito decorrendo que o prazo, para a prática
dos actos processuais subsequentes à notificação, apenas correrá termos a partir
da data da última notificação.
4. Não se põe em causa que este direito do arguido irá ser observado, apenas por
uma questão de lealdade processual se recordando que o arguido não prescinde de
tal exercício, sendo certo que diverso entendimento, ou seja, se se perfilha o
entendimento de que o acórdão apenas deverá ser notificado ao seu mandatário,
sempre se violará o direito do arguido a recorrer das decisões que se lhe
mostrarem desfavoráveis, direito ao recurso que se consagra nos artigos 399.º e
seguintes do CPP, nomeadamente artigo 401.º, n.º 1, alínea b), disposições que
sempre se conjugarão com o citado n.º 9 do artigo 113.º, também do artigo 411.º
de tal diploma legal, tudo com violação grosseira do n.º 1 do artigo 32.º da
CRP.
Termos em que, e em conclusão,
Vem requerer-se a V. Exa., tão logo se mostre notificado o arguido para, como se
requereu anteriormente, se pronunciar acerca da nomeação oficiosa do ora
mandatário, seja o mesmo, e os demais arguidos, notificado do acórdão proferido
por este Tribunal da Relação, após o que, e só então, nos termos do disposto nos
artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, ambos do CPP, correrão os prazos para
interposição do pretendido recurso.”
Tal pretensão foi indeferida por despacho do
Desembargador Relator, de 27 de Maio de 2003 (fls. 4276), por se considerar que
a disposição do artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal (CPP), que
prevê a notificação pessoal ao arguido de certas decisões, não é aplicável aos
acórdãos proferidos nos tribunais superiores.
O arguido interpôs recurso desse despacho para o Supremo
Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido pelo Desembargador Relator do
Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 4289 verso).
Entretanto, o mandatário constituído pelo arguido veio,
em 15 de Julho de 2003, renunciar ao mandato (fls. 4307), tendo, por despacho do
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Outubro de 2003,
sido nomeado defensor oficioso o Dr. Pedro Madureira (fls. 4322).
Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de
Fevereiro de 2005, considerando irrecorrível (mas apenas reclamável para a
conferência) a decisão singular do Desembargador Relator, determinou‑se a
remessa dos autos ao Tribunal da Relação a fim de o dito despacho ser submetido
a conferência (fls. 4407‑4415).
Por acórdão de 5 de Abril de 2005 (fls. 4424), o
Tribunal da Relação de Lisboa manteve o despacho reclamado.
Desse acórdão interpôs o arguido recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, terminando a respectiva motivação (fls. 4448‑4450) com a
formulação das seguintes conclusões:
“1. O artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal apenas é
aplicável quanto ao Acórdão e quanto à sua forma e requisitos, mas não o sendo
quanto à sua notificação. Pelo menos quanto à notificação é omisso, e perante
tal omissão sempre terá que ser utilizado o regime geral do artigo 113.º, n.º 9,
do mesmo diploma legal;
2. Entendemos que tal douta decisão de que agora se recorre viola a letra
imperativa da lei (ex vi artigo 113.°, n.º 9, do CPP), sendo que tal
interpretação viola o direito do arguido de recurso aos diversos graus de
jurisdição de decisões contra si proferidas;
3. Ao arguido deve ser dado conhecimento do acórdão para que este tenha
conhecimento (por notificação) dos fundamentos da sua condenação, para que
contra esta possa reagir, para que possam ser salvaguardados todos os seus
direitos de defesa. Não esquecendo que ainda que o advogado (esse sim
notificado) não veja fundamentos para impugnar a decisão, poderá sempre o
arguido recorrer a outro causídico para fazer valer os seus direitos. Ora, se
não for notificado do acórdão, vê desde logo o seu direito de recorrer das
decisões que lhe são desfavoráveis irremediavelmente limitado em função da
acessibilidade e acessibilidade de contacto de outras pessoas;
4. Por tudo o exposto, ficam assim limitados os direitos de defesa do arguido,
sendo por essa razão o entendimento do douto tribunal a quo violador do disposto
no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
5. Tendo existido clara violação do artigo 113.°, n.º 9, do Código
de Processo Penal, por total ausência de previsão de regime de notificação do
acórdão no que concerne ao artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma legal;
6. Porque uma coisa é não ser obrigatória a presença do arguido na
audiência num tribunal superior, onde apenas serão discutidas questões de
direito próprias de pessoas com conhecimentos técnicos, outra coisa é a
notificação de um acórdão que o arguido poderá querer que seja outro advogado a
prosseguir com o processo, e tendo expressa necessidade de saber quais os
motivos da sua condenação;
7. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os
preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.”
Ao recurso foi negado provimento por acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 7 de Dezembro de 2005 (fls. 4464‑4478), com a seguinte
fundamentação:
“XIII – A presente questão não se identifica com a que vem sendo
discutida e que consiste em saber se o prazo para interpor recurso de acórdão
proferido em recurso se conta a partir do seu depósito na secretaria ou da sua
notificação.
Mas, não se identificando, não se pode dizer que entre elas não
exista qualquer relação. Pelo contrário, se se entender que o prazo se conta a
partir do depósito na secretaria, fica prejudicada a outra. Já não interessa
saber se a notificação havia ou não de ser pessoal, porque para efeitos de
começo do prazo que nos interessa, a data da notificação, levada a cabo por
qualquer dos modos, irrelevaria.
Temos, então, em primeira linha, a questão de saber qual o acto
processual que encerra o início do prazo de recurso.
XIV – Esta questão conduz‑nos directamente ao artigo 411.º, n.º 1,
do CPP, assim redigido:
«1 – O prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta‑se a partir da
notificação da decisão ou, tratando‑se de sentença, do respectivo depósito na
secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta‑se a
partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever
considerar‑se presente.»
Temos aqui – na primeira parte, que é a que nos interessa – uma norma ordinária
relativa às sentenças.
O prazo conta‑se a partir do depósito na secretaria.
Mas esta disposição pode ser entendida em:
Termos absolutos, ou seja, deve ser assim em todos os casos;
Em termos relativos, fazendo pressupor a sua aplicação aos casos em que o
arguido e o defensor, ou só este, estão presentes (não nos interessando aqui os
casos das demais pessoas com legitimidade para recorrer).
Se acolhermos esta interpretação em termos relativos, temos que, não
estando presente nenhum dos dois, o começo do prazo só pode ter lugar com a
notificação (remetendo agora para o que abaixo se vai dizer quanto à
necessidade de notificação a ambos ou só ao defensor).
[XV] – Estamos perante a possibilidade de reacção relativamente a decisão
judicial desfavorável, sendo ainda certo que se trata da sentença que, por via
de regra, é a decisão que mais «mexe» com direitos das pessoas.
Não pode, pois, surpreender que tenhamos de atentar nas disposições
constitucionais interessantes, mormente no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição,
na parte que consigna o direito ao recurso.
Na definição do sentido e alcance de tal disposição, no que agora nos importa, o
Tribunal Constitucional vem entendendo que, se nem o arguido nem o defensor
estavam presentes à leitura da sentença, a contagem do prazo nos termos
determinados naquele artigo 411.º, n.º 1, é inconstitucional – Acórdãos n.ºs
87/2003, de 14 de Fevereiro, e 109/99, de 10 de Fevereiro (este a contrario
sensu).
Este entendimento está também expresso no Acórdão deste Supremo Tribunal de
Justiça, de 29 de Abril de 2004 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do
Supremo Tribunal de Justiça, ano XII, tomo 2, 2004).
Cremos nós que este entendimento deve prevalecer. A regra geral
relativa aos prazos dos recursos dos actos judiciais é a de que se contam a
partir da notificação. Nem outra coisa se poderia considerar, já que, com a
notificação, a parte interessada toma conhecimento da decisão e pode estudá‑la
em ordem a saber da sua desfavorabilidade, das consequências desta, da sua
discutibilidade jurídica e aí por diante.
Regra geral ainda é que as decisões são notificadas por actuação do tribunal.
Se a parte está presente em acto publicado, decerto que seria redundante impor
ao tribunal que notificasse quem já soube, pela presença, do que se passou.
Mas, estando ausente, é ao tribunal que incumbe levar ao conhecimento dos
interessados o que se decidiu. E isto relativamente a decisões com delicadeza
bem inferior à que, por regra, têm as sentenças criminais.
Neste modo geral de ver as coisas, introduziu o legislador uma regra
não conforme. Dispôs, no artigo 411.º, n.º 1, referido, que o prazo de recurso
das sentenças se conta a partir do depósito destas na secretaria. Mas esta regra
não pode, em termos razoáveis, ser interpretada como postergadora do direito que
normalmente os interessados têm de que as notificações lhe cheguem e que só a
partir delas comece a correr o prazo para as impugnarem. Seria reduzir os
direitos destes numa situação em que se justificava antes a sua ampliação.
O que se quis consignar com o preceito tem antes a ver com o escopo de evitar o
que se verificava com alguma frequência nos tribunais. Por razões de eficiência
e celeridade «dava‑se» a sentença por apontamento verbal. Começava, logo então,
a correr o prazo de recurso e só depois – às vezes bem depois – a sentença era
escrita, depositada e junta ao processo. Com o prazo a correr contra eles, os
sujeitos processuais não tinham o instrumento essencial que pretendiam atacar. E
daí consignar‑se que o momento de referência era o do depósito na secretaria,
porque, então, a peça processual estava à disposição.
Deste modo, o artigo 411.º, n.º 1, no respeitante às sentenças, não deve ser
interpretado – mesmo abstraindo agora da dita posição do Tribunal
Constitucional – no sentido de encurtar o prazo de recurso (cf., a este
propósito, Prof. Costa Andrade, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano
13.º, n.º 3, p. 422). Quando a notificação é, por qualquer razão, feita só
depois do depósito, há que ter em conta o escopo acabado de referir, passando
assim a valer a data daquela.
Podemos, então, tirar uma primeira conclusão para o nosso caso: não nos
interessa a data do depósito do acórdão da Relação, interessando‑nos apenas o
da notificação deste
[XVI] – Extraída, assim, esta primeira conclusão, o caminho que se
nos depara é precisamente o do âmago da questão que enunciámos em XI. Deve ser
atendida a data da notificação. Mas do defensor do arguido ou deste?
[XVII] – Neste domínio, cremos haver grande diferença entre o que se passa na
primeira instância e em sede de recurso.
Ali, o arguido está, por via de regra, presente. Se não o estiver, considera‑se
notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado
ou constituído (artigo 373.º, n.º 3). Este artifício deve, todavia, ceder, por
razões constitucionais, para efeitos de começo de contagem do prazo de recurso,
devendo considerar‑se antes a data da notificação pessoal – assim os Acórdãos do
Tribunal Constitucional n.ºs 274/2003, 429/2003 e 464/2003, que se podem ver no
respectivo sítio.
Em sede de recurso, não se trata da regra da comparência, que pode comportar
excepções, mas da regra da não comparência ou da dispensabilidade desta. É o que
resulta do artigo 421.º, n.º 2, sempre do CPP. Tudo se passa ab initio do
recurso com o defensor, o que bem se compreende, atentas as regras puramente
técnicas que enformam este.
E esta diferença tem sido considerada na jurisprudência do Tribunal
Constitucional, que, colocado expressamente perante a questão da necessidade ou
não de notificação pessoal do arguido das decisões dos tribunais superiores,
escreveu o seguinte no Acórdão n.º 59/99:
«Sendo isto assim, são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as
garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo
for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi
tomada.
Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge‑se, sem violação das
garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu
defensor – constituído ou nomeado oficiosamente –, contanto que se trate do
primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal
de recurso.
Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem
sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido,
apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe
há‑de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no
tribunal superior.
De harmonia com tais deveres, há‑de concluir‑se que o arguido, por
intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo
defensor), ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser
considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de
imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus
puniendi.
Outro tanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor
meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela
notificado, não compareceu.»
Numa primeira análise, poderia pensar‑se que esta orientação não teria sido
seguida no Acórdão n.º 476/2004, mas cremos não ser assim. Conforme resulta, a
nosso ver, do ponto 6, neste aresto entendeu‑se que a linha de fronteira entre
a constitucionalidade e a inconstitucionalidade passava pelo efectivo
conhecimento por parte do arguido do conteúdo da decisão condenatória. Se este
conhecimento não teve lugar, mesmo que notificado o defensor, então teria lugar
a inconstitucionalidade. Por isso, ali se precisa que os recorrentes alegam que
não tiveram conhecimento pessoal do acórdão, considerando‑se a seguir que não
compete ao Tribunal Constitucional pronunciar‑se sobre a veracidade de tal
alegação nem sobre o ónus de prova do conteúdo da mesma. Isso será matéria da
lei ordinária.
[XVIII] – Ora, o papel do defensor resulta dos artigos 32.º, n.º 3,
e 208.º da Constituição da República, 114.º da LOFTJ e, entre outras
disposições, dos artigos 62.º e seguintes do CPP.
No exercício das suas funções, cabe ao defensor prestar ao arguido «o mais
completo e esclarecedor conselho de que for capaz» (Prof. Figueiredo Dias,
Direito Processual Penal, p. 487, reproduzido pelo Prof. Marques da Silva, Curso
de Processo Penal, vol. I, p. 312).
Pensamos, então, corresponder ao fora do comum, do normal, a não comunicação, ao
arguido, de acórdão proferido em recurso, por parte do defensor. No fundo,
estamos a repisar o que escreveu o Tribunal Constitucional na parte transcrita
supra daquele Acórdão n.º 59/99.
Daqui retirando a ideia, assente então num critério de razoabilidade, de que
cabe ao arguido alegar e provar que tal comunicação não existiu ou que, tendo
existido, não foi levada a cabo de modo a ele formar fundadamente o desígnio de
recorrer ou de não recorrer.
Decerto que, ponderando a questão em termos de razoabilidade, também aceitemos
a ideia – veiculada neste mesmo aresto – de que o defensor nomeado, em
audiência, em substituição do primitivo que não compareceu, tem uma posição que
não permite o aludido raciocínio sobre a comunicação ao arguido do teor do
acórdão. Mas isso não releva aqui: o defensor notificado do acórdão da Relação
tinha até sido constituído pelo arguido e veio a seguir a tramitação por muito
tempo, tendo sido pela sua mão que foi levantada a questão que está na base do
presente recurso.
[XIX] – Ora, como se referiu nos factos provados (n.º XII), no
requerimento de folhas 4268, o arguido não alude a qualquer falta de
comunicação entre ele e o defensor.
Daí que tenhamos como assegurados os seus direitos de defesa – mormente o
direito ao recurso – com a notificação a este.”
É contra este acórdão que pelo arguido vem interposto o
presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada
pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), visando a apreciação da
constitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9 [por
manifesto lapso, o recorrente refere n.º 7], e 425.º, n.º 4, do Código de
Processo Penal (CPP), “ao não preverem expressamente a obrigação de notificação
dos acórdãos dos tribunais superiores ao seu principal interessado, colocam
inevitáveis limitações no direito ao recurso pelo arguido”.
Neste Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou
alegações, concluindo:
“(…) o n.º 4 do artigo 425.º e o n.º 9 do artigo 113.º, ambos do CPP, ao não
preverem expressamente a notificação aos arguidos dos acórdãos dos tribunais
superiores, colocam inevitáveis limitações ao direito ao recurso, incorrendo
assim estes artigos, pela omissão, na violação da previsão da totalidade das
garantias de defesa, que consagra o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.”
Por seu turno, o representante do Ministério Público no
Tribunal Constitucional apresentou contra‑alegação, concluindo:
“1 – Não viola o princípio constitucional das garantias de defesa e do direito
ao recurso em processo penal a interpretação normativa dos preceitos dos artigos
113.º, n.º 9, e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual o
prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se conta a
partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido,
ao qual incumbe o dever profissional e deontológico de a comunicar ao arguido,
dever esse que não há evidência de ter sido incumprido.
2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2..1. O recorrente liga o critério normativo impugnado
aos preceitos dos artigos 113.º, n.º 9, e 425.º. n.º 4, do CPP, mas este último
(“É correspondente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos
artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o
vencido, ou sem o necessário vencimento”) é claramente imprestável para o
efeito, surgindo mais apropriada a invocação do n.º 6 do dito artigo 425.º, que
dispõe que “o acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao
Ministério Público”, conjugado com o n.º 1 do artigo 411.º, que manda contar o
prazo de 15 dias para interposição de recursos “a partir da notificação da
decisão”. Mas reconhece‑se que o questionado critério normativo radica
fundamentalmente no n.º 9 do artigo 113.º do CPP, que dispõe:
“As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem
ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam‑se as notificações
respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para
julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção
e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais,
porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste
caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta‑se a partir da
data da notificação efectuada em último lugar.”
Antes de entrarmos na apreciação da questão de
constitucionalidade, importa referir que, como é sabido, não compete ao Tribunal
Constitucional pronunciar‑se sobre a bondade, ao nível da interpretação do
direito ordinário, do critério adoptado no acórdão recorrido, no sentido de que
a regra do n.º 9 do artigo 113.º do CPP, na parte em que manda notificar as
“sentenças”, não apenas ao defensor ou advogado, mas igualmente ao próprio
arguido, apenas visa as sentenças dos tribunais de 1.ª instância e não também os
acórdãos dos tribunais superiores. [Anote‑se que no Projecto de Lei n.º 519/IX,
do Partido Socialista, de revisão do Código de Processo Penal (Diário da
Assembleia da República, IX Legislatura, 3.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º
20, de 3 de Dezembro de 2004), se propõe a inserção, no segundo período do n.º 9
do artigo 113.º, a seguir a “à sentença”, da expressão “ao acórdão de recurso”]
Do que ora cumpre é apurar se esse critério normativo,
que se assume como um dado da questão, é, ou não, constitucionalmente conforme.
2.2. No Acórdão n.º 422/2005, desta 2.ª Secção, deu‑se
conta das decisões relevantes do Tribunal Constitucional sobre esta
problemática, começando por referir justamente o Acórdão n.º 59/99, no qual,
embora se tenha decidido “julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do
artigo 32.º da Lei Fundamental, a norma constante do n.º 5 [correspondente ao
actual n.º 9] do artigo 113.º do Código de Processo Penal, quando interpretada
no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso
pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o
primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também
não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para
ela convocado”, se desenvolveu fundamentação da qual claramente resultava que
diferente seria o sentido da decisão se se tratasse do primitivo defensor. Na
verdade, lê‑se nesse acórdão:
“(...) são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as
garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo
for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi
tomada.
Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge‑se, sem
violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde
que o seu defensor – constituído ou nomeado oficiosamente –, contanto que se
trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo
tribunal de recurso.
Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre
esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no
sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há‑de, com
propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no tribunal
superior.
De harmonia com tais deveres, há‑de concluir-se que o arguido, por
intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo
defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser
considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de
imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus
puniendi.
Outrotanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor
meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela
notificado, não compareceu.
Aqui, esse defensor não estará vinculado a deveres funcionais e
deontológicos que lhe imponham a dação de conhecimento ao arguido do resultado
do julgamento realizado no tribunal superior, já que a sua intervenção
processual se «esgotou» na audiência e somente para tal intervenção foi
nomeado.
Numa tal situação, e só nessa, é que este Tribunal perfilha a óptica
segundo a qual norma constante do n.º 5 do artigo 113.º do Código de Processo
Penal, desse jeito interpretada, se revela contrária ao n.º 1 do artigo 32.º da
Constituição, por isso assim se não almejam as garantias que o processo
criminal deve assegurar ao arguido.”
Ao referido Acórdão foi aposto voto de vencido do
respectivo Relator, Cons. Bravo Serra, por entender ser constitucionalmente
imposta a notificação pessoal ao arguido das decisões condenatórias, sejam
tomadas em primeira instância ou em recurso, não havendo razão lógica para
distinguir entre umas e outras para efeitos da sua comunicação pessoal ao
arguido, a fim de lhe possibilitar saber dos motivos da condenação e
eventualmente reagir contra ela; e, por outro lado, embora reconhecendo a
existência do dever deontológico de o primitivo defensor (constituído ou
nomeado) comunicar ao arguido o resultado do decidido no tribunal de recurso, o
certo é que, “se a comunicação não tiver lugar, objectivamente ficam postergados
os direitos de defesa do mesmo arguido, o qual, numa tal situação, ficou no
total desconhecimento dos motivos fácticos ou jurídicos que o levaram a ser
considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de
imposição de pena, que lhe foi imposta pelo Estado, ao exercitar o seu jus
puniendi”, pelo que, “perante essa e para essa eventualidade, (...) em nome das
garantias de defesa constitucionalmente consagradas, a lei ordinária deve
prescrever (ou nesse sentido deve ser interpretada a norma, já existente, ora em
apreciação) a notificação pessoal do arguido da decisão condenatória tomada no
tribunal de recurso”.
No Acórdão n.º 109/99, o Tribunal Constitucional não
julgou inconstitucional a norma, extraída da leitura conjugada dos artigos
411.º, n.º 1, e 113.º, n.º 5 (correspondente ao actual n.º 9), do CPP, segundo a
qual com o depósito da sentença na secretaria do tribunal o arguido que,
justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura
pública da mesma, deve considerar‑se notificado do seu teor para o efeito de, a
partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa
audiência, esteve presente o seu mandatário. Segundo o entendimento do
Tribunal, tal norma não importava “um encurtamento inadmissível das
possibilidades de defesa do arguido”, porquanto:
“De facto, estando o defensor do arguido presente na audiência, em
que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do
tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa
sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato – pode, nos dias que
se seguirem, relê‑la, repensá‑la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com
o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual
utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do
conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido,
há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender‑se, interpondo, se
quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo
recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e
sem estar pressionado por qualquer urgência.
O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair
process.”
Por seu turno, no Acórdão n.º 378/2003, o Tribunal
Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3,
conjugado como o artigo 113.º, n.º 7 (correspondente ao actual n.º 9), do CPP,
ambos na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretados no
sentido de que o arguido, que estivera presente na audiência de julgamento e
fora notificado da data da leitura da sentença, mas faltara a esta sessão de
leitura, se considera notificado com a leitura da sentença feita perante o
primitivo defensor nomeado ou perante advogado constituído. Nesse aresto, depois
de se reproduzirem as partes essenciais da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99
e 109/99 e de se rebater alegação de violação do princípio da igualdade,
consignou‑se:
“8. Por fim, o argumento de que «o arguido não toma conhecimento
pessoal em momento algum da censura penal resultante da condenação e,
designadamente, dos termos condicionais em que lhe é concedido o perdão» só
poderia valer se se desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que
impendem sobre o defensor do arguido, como, correctamente, se sublinhou nos
citados Acórdãos n.ºs 59/99 e 109/99. E isto, acrescente‑se agora, apenas se se
considerasse que o arguido, ciente que estava de ter praticado um facto punível
– de resto, no caso concreto, confessado –, e de que a sentença seria proferida
em data determinada, revelava em relação a esta indiferença.
Porém, mesmo somadas estas duas condições, ainda daí não resultaria
uma violação das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, porque
delas não resulta que a inércia e a indiferença perante as decisões judiciais
possam ser transformadas em vantagens. Como escreveu o Ministério Público neste
Tribunal:
«é evidente que, no caso ora em apreciação, o arguido sabia
perfeitamente em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, já que, no
termo da audiência de julgamento em que esteve presente, foi notificado da data
em que viria [a] ocorrer a leitura da sentença – ao contrário do que ocorre com
a leitura do acórdão no Tribunal Superior, em que (...) o arguido não tem (sem a
efectiva colaboração do defensor) conhecimento da data em que tal decisão é
publicitada.
Ora, neste circunstancialismo, discorda‑se inteiramente da
argumentação expendida na decisão recorrida, já que o arguido dispôs de plena
oportunidade para ter acesso à decisão condenatória contra si proferida,
bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que bem sabia
que tal decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer
a própria secretaria judicial.
O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença
só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do
próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe
era plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou totalmente (e
injustificadamente) do sentido e conteúdo da mesma.»
Ora esta eventual negligência e desinteresse não merece, certamente,
tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido.”
Já no Acórdão n.º 476/2004 o Tribunal Constitucional
julgou inconstitucionais os artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, interpretados no sentido de que a notificação de uma decisão
condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso
seria a notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da
notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha
obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória. Para fundamentar esta
decisão, desenvolveu o referido Acórdão a seguinte fundamentação:
“5. Jurisprudência anterior sobre questão normativa muito próxima
da que é formulada neste processo foi definida, sobretudo, pelo Tribunal
Constitucional no Acórdão n.º 59/99 e, posteriormente, nos Acórdãos n.ºs 109/99
(Diário da República, II Série, de 15 de Junho de 1999) e 378/2003 (disponível
em www.tribunalconstitucional.pt). Nesses arestos estava em causa a contagem do
prazo para a interposição do recurso a partir da notificação ao defensor do
arguido ou do depósito da sentença na secretaria do Tribunal, em situações em
que o arguido não assistira justificadamente à leitura pública da sentença.
Os critérios decisórios desses arestos conjugaram duas perspectivas:
a de que uma garantia efectiva do direito ao recurso pressupõe que ao arguido
seja dado conhecimento da decisão que foi tomada (na medida em que o arguido
deve ter oportunidade de organizar a sua defesa); e a de que tal garantia não é
posta em causa pelo facto de a notificação da decisão ser feita na pessoa do
defensor (ou de este, estando presente na leitura da sentença, ter adquirido
conhecimento do conteúdo decisório), na medida em que, desse modo, são criadas
as condições para o defensor «ponderar e decidir, juntamente com o arguido,
sobre a conveniência de interpor recurso» (Acórdão n.º 109/99).
Assim, na linha de uma abundante jurisprudência anterior, o Tribunal
Constitucional tem reconhecido um princípio de «oportunidade» de acesso pessoal
do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar
posteriormente a sua defesa (sobre esta linha decisória, cf. o Acórdão n.º
199/86 – Diário da República, II Série, de 25 de Agosto de 1986, em que se
afirmou peremptoriamente «Dispensar a notificação de decisões condenatórias
ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem conhecimento, fazendo
correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a
todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no n.º 1
do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois os interessados
vêem‑se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso»; e ainda o
Acórdão n.º 41/96, de 23 de Janeiro, inédito, em que se realça que o direito ao
recurso exige uma oportunidade efectiva de este ser exercido).
Em todos os casos precedentes, embora as decisões tenham sido ora de
inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal
Constitucional atendeu sempre à efectiva possibilidade de exercício do direito
ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo
decisório que o afecta na concretização dessa oportunidade.
Se é verdade que, na jurisprudência deste Tribunal, se admitiu, por
vezes, que o conhecimento do defensor poderia ser bastante, também é certo que
nesses casos se entendeu sempre que a comunicação entre o defensor e o arguido
seria meio adequado e normal de o arguido tomar conhecimento do conteúdo
decisório que lhe respeitava e que, de todo o modo, não estava posta em causa,
em concreto, a referida oportunidade de o arguido poder, perante o conhecimento
desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso.
6. A especialidade do presente processo resulta, porém, de ter sido
colocada perante o tribunal recorrido a questão da inconstitucionalidade do
critério normativo segundo o qual a garantia do direito ao recurso se basta
sempre e só com a contagem do prazo para a sua interposição a partir da
notificação ao defensor, mesmo que a comunicação entre defensor e arguido não
tenha tido lugar.
E, na verdade, os recorrentes alegam precisamente que não tiveram
conhecimento pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer, na data da
notificação ao seu defensor, pois na reclamação para o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça do despacho de não recebimento do recurso do acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães, referem, precisamente, que apenas tomaram
conhecimento do teor do acórdão da Relação através de uma notificação recebida
em data posterior (27 de Outubro de 2003) e não na data da notificação à
respectiva defensora.
Ora, não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar‑se sobre as
circunstâncias concretas do caso quanto à veracidade daquela alegação, nem
sequer sobre se o recorrente, segundo o Direito aplicável, teria o ónus de
provar uma tal alegação ou se, tendo‑o, o terá cumprido. Todavia, no plano das
suas competências próprias, o Tribunal Constitucional terá de decidir a questão
normativa suscitada, considerando a resposta dada à mesma pelo tribunal
recorrido.
Assim, o Tribunal Constitucional entende que foi suscitada pelo
arguido a inconstitucionalidade de um critério de contagem do prazo do recurso
a partir da notificação do conteúdo decisório de um acórdão ao defensor sem o
conhecimento, no mesmo momento, pelo arguido do respectivo conteúdo e que,
perante tal questão, a resposta dada pelo despacho recorrido foi a de que tal
conhecimento efectivo pelo arguido seria irrelevante.
O tribunal recorrido não definiu o Direito aplicado de acordo com
critérios relacionados com a pertinência da alegação do recorrente, mas
entendeu como bastante o critério normativo segundo o qual a comunicação ao
defensor do conteúdo decisório definiria o momento a partir do qual se contaria
o prazo para a interposição do recurso, sem quaisquer outras condições ou
requisitos.
Firmada esta interpretação do objecto do recurso, quer na óptica do
recurso interposto quer na perspectiva da decisão recorrida, o Tribunal
Constitucional considera que aquele critério, ao considerar irrelevante o
efectivo conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório de uma decisão
judicial, não cumpre plenamente a garantia efectiva do direito ao recurso
consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Assim, não pode ser
indiferente para a plenitude daquela garantia, constitucionalmente consagrada,
que o recorrente não tenha tido conhecimento pessoal do conteúdo decisório no
momento a partir do qual se iniciaria o prazo para ponderar o exercício do
direito ao recurso.
Não se pronuncia o Tribunal Constitucional sobre se, no presente
caso, tal situação efectivamente se verificou ou se o recorrente a provou
cabalmente, mas apenas sobre a afectação do direito ao recurso por um critério
que considere irrelevante a ponderação de circunstâncias que impeçam o
recorrente de tomar conhecimento pessoal do conteúdo decisório da decisão de que
poderá recorrer e que, assim, afaste a possibilidade de discutir a verificação
das mesmas circunstâncias. É, consequentemente, esse o plano em que o presente
juízo de constitucionalidade se situa e é também esse o critério que deverá
presidir à reforma da decisão recorrida, a qual deverá aplicar ao caso concreto,
de acordo com as suas circunstâncias, o presente juízo de
inconstitucionalidade.”
O entendimento sustentado no Acórdão n.º 476/2004 foi
reiterado, por último, pelo Acórdão n.º 418/2005, num caso em que fora “posta ao
Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade da norma segundo a
qual a garantia do direito ao recurso «se basta sempre e só com a contagem do
prazo para a sua interposição a partir da notificação ao defensor, mesmo que a
comunicação entre defensor e arguido não tenha tido lugar»”.
Resulta da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99, 109/99
e 378/2003 que se deu por adquirido um relacionamento normal e de efectivo
acompanhamento entre defensor oficioso (desde que se tratasse do defensor
primitivo) ou mandatário constituído e arguido, que tornavam segura a efectiva
comunicação por aqueles a este do conteúdo das decisões que lhes foram
notificadas ou a cuja leitura assistiram; quando a efectivação dessa comunicação
foi posta em crise, como ocorreu nos casos sobre que versaram os Acórdãos n.ºs
476/2004 e 418/2005, já aquela notificação ou leitura perante o defensor ou
mandatário não foi tida como suficiente.
2.3. No presente caso, é patente que não se verifica
nenhuma daquelas situações de dúvida fundada sobre a efectiva transmissão, pelo
mandatário ou defensor do arguido a este, da comunicação recebida do tribunal.
Recorde‑se que o ora recorrente, insatisfeito com a
actividade desenvolvida pela sua anterior mandatária, revogou o mandato e
constituiu novo mandatário, em 21 de Abril de 2003. Foi já a este mandatário que
foi endereçada, em 22 de Abril de 2003, a carta registada de notificação do
acórdão da Relação. E do requerimento apresentado em 19 de Maio de 2003,
inicialmente transcrito, resulta expressamente que esse mandatário lhe deu
conhecimento da prolação do acórdão da Relação.
Neste contexto – independentemente, repete‑se, da
questão de saber se não seria melhor direito a interpretação do n.º 9 do artigo
113.º do CPP no sentido de que, tal como as sentenças de 1.ª instância, também
os acórdãos dos tribunais superiores deveriam ser pessoalmente notificados aos
arguidos –, não se pode considerar que o critério normativo seguido no acórdão
recorrido viole, em termos intoleráveis, as garantias de defesa do arguido e
designadamente o seu direito ao recurso. A notificação do acórdão condenatório
ao seu mandatário recém‑constituído, associado aos deveres deontológicos que
sobre este recaem, designadamente o de dar conhecimento ao seu constitutinte do
teor das notificações recebidas e de acertar com ele os meios de reacção a
utilizar, surgem, à partida, como suficientes para assegurar tais garantias e
direito. É que o mandato, derivado de uma escolha do próprio arguido, assenta,
em regra, numa relação de confiança pessoal que nem sempre existe no caso de
defensor oficialmente nomeado e, muito menos, no caso de defensores ad hoc. E,
por outro lado, resulta do dito requerimento, de forma positiva, a constatação
da existência da comunicação, pelo mandatário ao arguido, da prolação do
acórdão.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma que resulta da
conjugação dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 425.º, n.º 6, do Código de
Processo Penal, interpretados no sentido de o prazo para interposição de recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça se conta a partir da notificação do acórdão
da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o
cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido; e,
consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão
recorrido, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Maio de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel de Moura Ramos