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Processo nº 328/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da
constitucionalidade vindos do Tribunal da Relação de Coimbra em que figura como
recorrente o Ministério Público, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu o
seguinte acórdão:
O RECURSO:
O presente recurso vem interposto pelo arguido A. e refere-se à decisão do
Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Aveiro, que indeferiu o requerimento
para prorrogação da suspensão da pena.
Na motivação, diz nas conclusões:
1 O arguido requereu a prorrogação do período de suspensão da execução da pena
inicialmente fixado no douto acórdão proferido e transitado em julgado em 18 de
Março de 1888 - cfr. fls. 87 verso e 141 a 144 dos autos.
2 Seguidamente, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho de fls. 166:
“Por despacho de fls. 116/117 foi revogada a suspensão da execução da pena de
prisão aplicada nos autos ao arguido e foi determinado que o mesmo cumprisse
dois anos de prisão.
Tal despacho foi notificado ao arguido e transitou em julgado – Cfr.120 Vem
agora o arguido. a fls.. 141 a 144 requerer que se prorrogue o período de
suspensão da execução da pena inicialmente fixado. Ora, tal requerimento, não
obstante os fundamentos nele constantes não pode ser atendido atento o facto de
a decisão ter transitado em julgado, tendo-se esgotado o poder jurisdicional em
relação à questão nele apreciada”.
3 Ora, o arguido não se conformando com o teor do douto despacho, veio dele
interpor recurso, fundamentando o seguinte:
4 O arguido entende, salvo melhor opinião que o douto despacho proferido de
fls.. 116/117 não transitou em julgado, uma vez que o arguido até à presente
data não foi notificado do teor do mesmo.
Com efeito.
5 O tribunal procedeu à notificação do teor daquele despacho por via postal
registado e com aviso de Recepção (A/R).
6 Sucede porém, que o arguido não recebeu essa carta.
7 Na verdade, a assinatura aposta naquele A/R não corresponde à assinatura do
arguido - cfr. fls. 120 dos autos e a assinatura aposta no auto em que o arguido
prestou Termo de Identidade e Residência.
8 Acresce ainda, que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo transitou em
julgado 18 de Março de 1999 - cfr. fls. 87 verso dos autos.
9 Assim, a partir desta data, o arguido não estava obrigado a comunicar ao
Tribunal a sua nova residência ou lugar onde pudesse ser encontrado, isto é, a
partir do trânsito em julgado do douto acórdão, o arguido deixou de estar
obrigado as medidas impostas pelo artigo 196º do C.P.P.
10 No entanto, em 18 de Janeiro de 2002, o tribunal procedeu à notificação do
douto despacho proferido a fls. 116/117, por meio de carta registada com A/R, já
o arguido não residia naquela residência para a qual foi enviada a notificação.
11 Salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que a forma da
notificação do douto despacho de fls. 116/117, que revogou a suspensão da
execução da pena não foi executada de forma correcta.
12 Assim, entendemos que a notificação desta decisão teria que ser efectuada
obrigatoriamente, por contacto pessoal com o arguido através da entidade
policial competente de acordo com o disposto no artigo 113º. n.º l. al. a) e nº
7 do C.P.P., uma vez, que não se trata de uma notificação de um mero expediente
do tribunal.
13 Além disso, já tinham decorrido três anos, desde a data que se realizou a
audiência de julgamento até à data que foi efectuada a notificação do despacho
de fls.116/117 (18/01/2002). Sendo por isso, normal que o arguido tivesse casado
e mudado de residência.
14 Mas, mesmo que assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio
se aduz, quando o arguido veio aos autos requerer a prorrogação do período de
suspensão da execução da pena, juntando prova para o efeito – cfr. fls.. 141 a
144, deveria o Tribunal não obstante entender que a decisão de fls. 116/117 já
ter transitado em julgado, ter em conta a prova indicada pelo o arguido,
marcando uma data para o arguido prestar declarações e para a produção da prova
testemunhal, uma vez que,
15 O nosso Código Penal assenta na concepção básica de que a pena privativa de
liberdade, constitui a ultima ratio da política criminal” - Figueiredo Dias,
Direito Penal Português, 53.
16 O arguido discorda da douta decisão, por considerar manifestamente injusta,
violando-se com a sua aplicação o Princípio Consagrado no Código Penal quanto à
escolha da medida da pena art. 70º do Código Penal.
17 Pois, à luz do princípio basilar do nosso direito penal segundo o qual a
prisão é a ultima ratio e consagrado no art. 70º do Código Penal, o Tribunal
dará preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realiza de
forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
18 No entanto, o arguido entende salvo, o devido respeito, que o Tribunal deverá
ponderar se a revogação é a única forma e a cláusula da ultima ratio.
19 Importa acentuar que a revogação automática só terá lugar se o delinquente
vier a ser punido com pena de prisão efectiva - Vd. Professor Jorge Figueiredo
Dias pág. 357, o que não sucede no caso concreto.
20 Podendo assim, o Tribunal decidir pela prorrogação da pena suspensa nos
termos da al. d) do art.55° do Código Penal ou, por substituição da pena de
prisão a favor da comunidade.
21 Portanto, foram violadas as normas consagradas no art. 55º do Código Penal e
no artigo 113º do C.P.P.
Nestes termos pede a V. Ex.as:
Somos de parecer que, o presente recurso merece provimento, e em consequência,
conforme V. Ex.as Doutamente suprirão:
a) revogarão o douto despacho de fls.116:
b) considerar nula a notificação de fls. 120 e consequentemente
c) ordenar a notificação ao arguido do despacho proferido a fls. 116/117 por
contacto pessoal com o arguido através da entidade policial, de acordo com o
disposto no artigo 113º nº l e nº 7 do C.P.P.
d) Caso assim, não se entenda deverá prorrogar-se o período de suspensão da
execução da pena inicialmente fixado no acórdão proferido a 02 de Março de 1988.
A DECISÃO RECORRIDA E OS DADOS DO PROCESSO
Da decisão recorrida, retira-se:
A Ilustre Advogada a favor de quem a procuração de fls. 145 foi conferida é
defensora oficiosa do arguido nos presentes autos.
Assim, e nos termos da lei, não pode juntar aos autos procuração para
representar o mesmo arguido.
Desentranhe e devolva a procuração em causa.
Por despacho de fls. 116/117 foi revogada a suspensão da execução da pena de
prisão aplicada nos autos ao arguido e foi determinado que o mesmo cumprisse
dois anos de prisão.
Tal despacho foi notificado ao arguido e transitou em julgado - Cfr. fls. 120.
Vem agora o arguido, a fls. 141 a 144 requerer que se prorrogue o período de
suspensão da execução da pena inicialmente fixado.
Ora, tal requerimento, não obstante os fundamentos nele constantes não pode ser
atendido atento o facto de a decisão supra referida ter transitado em julgado,
tendo-se esgotado o poder jurisdicional em relação à questão nele apreciada.
Atento o exposto, indefere-se ao requerido.
Notifique.
Após trânsito, cumpram-se os mandados de detenção oportunamente emitidos.
(...)
PARECER DO] MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE TRIBUNAL
Expõe o Senhor Procurador Geral Adjunto:
(...)
Vem interposto pelo arguido – A. do despacho de fls. 166, que lhe indeferiu o
requerimento de fls.. 141 e sgs - em que solicitava prorrogação do período de
suspensão da execução da pena - com o fundamento de ter transitado em julgado o
despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao
arguido, ora recorrente.
Não mostram os autos que tenha havido resposta do Ministério Público na 1ª
instância à motivação do recurso, de cuja admissão foi notificado - fls.199.
Analisando:
Por despacho de fls. 116/117 foi revogada a suspensão da execução da pena de
prisão aplicada ao arguido por acórdão e fls. 82 e sgs. (2 anos de prisão
suspensa pelo período de 3 anos).
Tal despacho veio a ser notificado ao arguido por via postal registado com prova
de recepção - fls. 119.
Nos termos da al. b) do n.º 1 do artº 113º do CPP as notificações efectuam-se
mediante via postal registada, por meio de carta ou aviso registados.
E, nos termos da al. c) do nº 6 se o destinatário não for encontrado, a carta ou
o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo
destinatário que com ele trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto
com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso.
No caso dos autos o Aviso referente à notificação do despacho de fls. 116/117
foi assinado em 18.01.02 por B., tendo o funcionário dos CTT identificado essa
pessoa, através do seu B.I, como se alcança do rosto do referido Aviso.
Pelo que mostra-se, a nosso ver, devidamente notificado o ora recorrente do
despacho que lhe revogou a suspensão da execução da pena.
E, considerando-se efectuada a notificação a partir do 3º dia útil posterior ao
do seu envio (artº 113º, 2, do CPP), que foi em 17.01.02. já há muito transitara
o referido despacho de revogação, quando deu entrada em juízo (23.5.05) o
requerimento do arguido de fls. 141/144, objecto do despacho recorrido.
E, a ser assim, a não merecer qualquer censura o despacho recorrido, que
indeferiu o referido requerimento por intempestivo.
Quanto ao mais que consta das conclusões do recurso, nomeadamente, das
referenciadas sob os números 14 a 20, e, não obstante os seus fundamentos,
quer‑nos parecer, que, por a matéria nelas versada não constar do despacho
recorrido, que tão só e apenas se debruçou sobre a intempestividade do
requerimento de fls. 141/144, não se deverá das mesmas tomar conhecimento.
***
Correram os vistos.
***
DECIDINDO
As conclusões fixam o objecto do recurso - Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 7/10/92, no Proc. nº 4O528 e, face às conclusões acima transcritas,
discute-se neste recurso:
A notificação do arguido, para efeito do trânsito de despacho
O presente é manifestamente improcedente como se demonstrará.
Como se verifica a fls. 118 e 120 dos autos, o arguido foi notificado do
despacho de fls. 118, que revogou a suspensão da execução da pena, através da
carta registada, remetida para a sua residência, a constante dos autos, vindo
indicado no aviso de recepção a identificação da pessoa que o assinou, tudo de
acordo com o disposto nos artigos 113º/1/b/2/6/c) do Código de Processo Penal.
Assim, a notificação é legal e regular, considerando-se, in casu, efectuada em
17/1/02.
Quando o arguido deu entrada em 23/5/05 ao requerimento a pedir a prorrogação da
suspensão da execução da pena, já há muito tinha transitado o despacho que a
revogava.
Daqui resulta clara e inequivocamente que a pretensão do recorrente é
infundamentada, não podendo o recurso deixar de ser rejeitado, nos termos e com
os efeitos dos artigos 417º/3/c), 419º/4/a) e 420º do Código de Processo Penal.
Nestes termos: acorda-se em rejeitar o recurso.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade
nos seguintes termos:
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação vem nos termos do art.º
280,5 da CRP e do art.º 72.º,1, al. a) e 3 da Lei n.º 28/82, de 15/11 - Lei do
Tribunal Constitucional - interpor recurso para o Tribunal Constitucional do
douto Acórdão de fls.222/226.
A questão de constitucionalidade que se coloca é a de saber se a notificação ao
arguido da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão por
via postal registada para a residência do arguido constante do TIR, medida de
coacção já extinta, por força do disposto na al e) do n.º 1 do art.º 214.º do
CPP, é admissível.
O recurso é interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 70.º daquela Lei
e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a constante do
art.º 113.º, 9, do CPP, ao interpretar tacitamente que a decisão que revoga a
suspensão da execução da pena de prisão não precisa ser notificada pessoalmente
ao arguido, que já foi julgada inconstitucional no Acórdão n.º 422/05 de
17.08.2005, proferido no Processo n.º 572/05 do Tribunal Constitucional
publicado no DR. II-S, de 22.09.05 - de que se teve conhecimento após prolação
do parecer que se emitiu nos autos ao abrigo do disposto no art.º 416.º do CPP –
e onde se entendeu:
“julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 113.ºn.º 9, 411.º, n.º
1 e 335.º, n.º 5,do Código de Processo Penal, conjugadas com o artigo 56.º, n.º
1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de
interposição de recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a suspensão da
execução da pena de prisão se conta da data em que se considera efectivada a sua
notificação dessa decisão por via simples.”
O recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos.”
O recorrente produziu alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - O recurso previsto na alínea g) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82
pressupõe uma perfeita coincidência normativa entre a dimensão normativa, já
julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, e a que foi aplicada
pela decisão recorrida.
2 - Tal coincidência normativa não se verifica, já que o juízo de
inconstitucionalidade, emitido pelo acórdão n° 422/05, assentou decisivamente na
circunstância processual de a notificação ao arguido da decisão revogatória da
suspensão de execução da pena se ter operado por via postal simples - sendo que,
no caso dos autos, ele foi notificado dessa decisão mediante via postal
registada com prova de recepção.
3 - Termos em que não deverá conhecer-se do recurso, por inverificação dos
respectivos pressupostos.”
Cumpre apreciar e decidir.
2. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao
abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional de
acordo com a qual cabe recurso das decisões dos tribunais que apliquem norma
anteriormente julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Constitui, assim, pressuposto processual do recurso interposto
a plena coincidência entre a norma anteriormente julgada inconstitucional e a
norma aplicada pela decisão recorrida.
O Acórdão fundamento invocado pelo Ministério Público é o nº
422/2005, no qual o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucionais,
por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as
normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do
Código de Processo Penal, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do
Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de interposição de
recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a suspensão da execução de pena
de prisão se conta da data em que se considera efectivada a sua notificação
dessa decisão por via postal simples.
Nos presentes autos, o arguido A. foi notificado da decisão que
revogou a suspensão da execução da pena de prisão por via postal registada com
prova de recepção.
Deste modo, verifica-se que a dimensão normativa julgada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 422/2005 não
coincide com a dimensão normativa que constituiu a ratio decidendi do acórdão
recorrido, já que este considerou como termo a quo do prazo do recurso, não a
notificação por via postal simples, mas antes a notificação da decisão
revogatória da suspensão da execução da pena de prisão por via postal registada
com prova de recepção (cfr. fls. 119 dos autos).
Não se verifica, portanto, o pressuposto processual do recurso
da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
consistente na aplicação pela decisão recorrida da norma anteriormente julgada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão fundamento, pelo que
não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso de
constitucionalidade.
3. Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 18 de Maio de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos