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Processo nº 523/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 9 de Junho de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
“1. Inconformado com o despacho, proferido em 10 de
Novembro de 2005 pela Juíza de Instrução Criminal de Faro e subsequente à
realização do 1º interrogatório ao arguido detido A., despacho esse que
determinou que esse arguido aguardasse os ulteriores termos de processo criminal
sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, interpôs o mesmo recurso para
o Tribunal da Relação de Évora.
Este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 14 de Março
de 2006, julgou extinto o recurso por inutilidade superveniente.
Para tanto, a esse aresto foi carreada a seguinte
fundamentação, após se ter transcrito o despacho recorrido: –
‘(…)
Resulta ainda dos autos que posteriormente
por despacho proferido ao abrigo do art. 213º do CPP a Mmª Juiz de Instrução
manteve a prisão preventiva do arguido.
Esse despacho não foi impugnado, pelo que
transitou em julgado.
Importa, antes do mais, conhecer a questão
prévia suscitada no exame preliminar, que consiste em saber se o presente
recurso perdeu utilidade em virtude de o despacho proferido ao abrigo do
disposto no art. 213º do CPP não ter sido impugnado, e por isso, ter transitado
em julgado.
Por despacho de 10/11/2005, subsequente ao
1º interrogatório de detido, a Mmª JIC determinou a aplicação da prisão
preventiva ao arguido, ora recorrente.
Desse despacho foi interposto o presente
recurso.
Posteriormente ao abrigo do disposto no
art. 213º, nº 1 do CPP, a Exmª JIC proferiu despacho, que não foi impugnado,
tendo por isso, transitado em julgado, mantendo a referida medida de coacção
aplicada ao arguido/recorrente.
O nº 1 do art. 213º do CPP impõe o reexame
oficioso, de três em três meses, dos pressupostos da medida de coacção da prisão
preventiva, podendo o Juiz determinar a sua manutenção, substituição, ou
revogação da própria medida.
Como se disse, o despacho da Mmª Juiz de
Instrução Criminal proferido ao abrigo do art. 213º, nº 1 do CPP, que manteve a
prisão preventiva do arguido não foi impugnado, pelo que transitou em julgado.
Vale por dizer que o requerente acabou por
se conformar com a medida de coacção que lhe foi fixada nesse despacho, que
resultou de um exame actualizado dos pressupostos da prisão preventiva, pelo que
a sua situação posterior ficou definida com este.
O despacho inicial proferido em 10/11/2005,
em que se fixou a prisão preventiva ao arguido, esgotou os seus efeitos, está
ultrapassado pelo novo e actual despacho.
Assim, não tendo sido interposto recurso do
despacho proferido ao abrigo do art. 213º do CPP, não se vislumbra qual o
interesse prático atendível que possa justificar com o prosseguimento do
presente recurso, pelo que este é manifestamente inútil
Neste sentido, se pronunciaram os Acórdãos
do Tribunal Constitucional nºs 722/97 publicado no Diário da República, 2ª
Série, de 13 de Fevereiro de 1998. 296/2003, de 12 de Junho e ainda o nº 418/03,
in D.R. 2ª Série, de 7 de Abril de 2004, constando deste que «o Tribunal
Constitucional tem vindo a reconhecer que falta o pressuposto processual da
utilidade, nos casos em que o recorrente haja renunciado a arguir a ilegalidade
da prisão preventiva e tem inferido essa renúncia de impugnação do despacho de
manutenção da prisão preventiva».
Impõe-se, pois, de harmonia com o disposto
mo art. 287º, al. e) do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 4º do CPP e do
art. 213 nº 1 deste mesmo diploma, declarar extinto por inutilidade
superveniente o presente recurso, pelo que consequentemente fica prejudicado o
seu conhecimento.
(…)’
Do acórdão de que parte se encontra extractada veio A.
arguir a respectiva nulidade, tendo, no requerimento consubstanciador dessa
arguição, dito, a dado passo: –
‘(…)
A interpretação conjugada do art. 287º, al.
e) do CPC, aplicado por remissão do art. 4º do CPP, e do art. 213º, nº 1 do CPP,
segundo a qual, em caso de manutenção superveniente da prisão preventiva por
nova decisão do Juiz de Instrução, se torna inútil o conhecimento do recurso da
decisão que primeiramente decretou essa medida de coacção, em sede de 1º
interrogatório judicial, mesmo que julgado depois do prazo previsto no artigo
219º do C.P.P., afasta a tutela jurisdicional efectiva do despacho que tenha
determinado a prisão preventiva e ofende, assim, o art. 32º, nº 1, conjugado com
o art. 20º, nº 5, ambos da CRP, sofrendo por isso de inconstitucionalidade
material.
(…)’
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 2 de Maio de
2006, desatendeu a arguida nulidade.
Para [ ] fundamentar o assim decidido foi dito, em síntese,
nesse aresto que, considerando que nos ‘termos do disposto no disposto na al. c)
do nº 1 do art. 379º, aplicável por força do estatuído no nº 4 do art. 425º,
ambos do CPP., é nula a sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre
questões que devesse apreciar’, o que era certo era que o acórdão arguido de
nulo não padecia ‘da invocada nulidade, pela simples razão de que a nulidade por
omissão de pronúncia, prevista na citada norma, só ocorre quando a decisão omite
qualquer pronúncia sobre determinada questão que devia conhecer’, sendo que isso
não ‘acontece quando o tribunal invocando determinadas razões deixa de se
pronunciar sobre a questão’, pois que, como assinalava o ‘Prof. Alberto dos
Reis, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pag. 143, com a autoridade
que lhe é sobejamente reconhecida, que «realmente uma coisa é o tribunal deixar
de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar e outra é invocar razão, boa
ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção»’, razão pela
qual, nesta última situação, ‘pode até estar-se perante um erro de julgamento,
mas não seguramente perante a nulidade decorrente de omissão de pronúncia’. E
concluiu o acórdão que no ‘caso em apreço, como resulta à evidência da exposição
que antecede, este Tribunal absteve-se de conhecer do mérito do recurso, como
fundamento de que a sua apreciação tinha ficado prejudicada, em virtude de
posteriormente à decisão recorrida, ter sido proferida outra, que não foi
impugnada, que ao abrigo do estatuído no art. 213º, nº 1 do CPP reexaminou os
pressupostos que determinaram a prisão preventiva naquele decretada, que
manteve’, motivo por que ‘o mencionado acórdão não enferma de nulidade por
omissão de pronúncia’.
Apresentou então o arguido nos autos requerimento por via
do qual manifestou a sua vontade de, ao abrigo da alínea b) do nº 1 [ ] do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, do ‘douto acórdão que se absteve de conhecer do mérito do
recurso e, do douto acórdão que posteriormente indeferiu a arguição de
nulidade’, requerendo que sejam julgadas ‘materialmente inconstitucionais as
normas constantes dos artigos 287º al. e) do C.P.P., aplicável por remissão do
art.º 4º do C.P.P. e, artigos 213º nº 1, 219º e 417º nº 2, todos do Código de
Processo Penal’, referindo que o ‘douto acórdão interpretou os artigos 287º al.
e) do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 4º do CPP e, dos
artigos 213º, nº 1, 219º e 417º nº 2, todos do mesmo diploma, com o sentido de
que, depois do decurso do prazo máximo de 30 dias referidos no art. 219º do
C.P.P., o reexame trimestral da prisão preventiva, torna inútil o conhecimento
do recurso do despacho que primeiramente decretou aquela medida de coacção
aplicada em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, mesmo que o
recorrente tenha continuado a manifestar o seu interesse no seu prosseguimento,
quando elaborou a sua resposta nos termos do nº 2 do art. 417º do C.P.P.’.
O recurso foi admitido por despacho exarado em 22 de Maio
de 2006 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora.
2. Porque esse despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº
3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que se não
deveria ter admitido o recurso quanto ao acórdão de 20 de Maio de 2006, e, no
que se reporta ao acórdão de 14 de Março do mesmo ano, na parte que a seguir
melhor se verá, deve ser negado provimento à impugnação, elabora-se, ex vi do nº
1 do artº 78-A da mesma Lei, a vertente decisão, não se deixando de vincar que o
requerimento de interposição de recurso não obedece, na sua integralidade, aos
requisitos ínsitos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da aludida Lei (por isso que
no mesmo não é indicada a peça processual em que a questão de
inconstitucionalidade normativa teria sido suscitada).
2.1. Como se viu, é intento do arguido que sejam sindicados
por este Tribunal, quer o acórdão de 14 de Março de 2006, quer o subsequente
prolatado em 2 de Maio.
Quanto a este segundo aresto, é manifesto, atento o relato
supra efectivado, que a razão de decidir no mesmo vertida – para alcançar o
juízo de não procedência da arguida nulidade – não se ancorou nas normas agora
referidas no requerimento de interposição de recurso, mas sim nas normas
adjectivas que regulam a forma como esse vício deve ser objecto de decisão.
Assim, e independentemente de outras considerações que,
eventualmente, tivessem sido feitas no acórdão de 2 de Maio de 2006, para
justificarem que, na óptica do Tribunal a quo, no aresto arguido de nulo, a sua
decisão tinha sido bem fundada, o que é indiscutível é que a ratio juris desse
acórdão de 2 de Maio de 2006 repousou na alínea c) do nº 1 do artº 379º, em
conjugação com o nº 4 do artº 425º, um e outro do diploma adjectivo criminal.
Ora, sendo pressuposto dos recursos visando a fiscalização
concreta da constitucionalidade a aplicação, como razão jurídica da decisão
desejada submeter à censura deste órgão de administração de justiça, da norma ou
das normas cuja desarmonia com a Lei Fundamental foi, precedentemente à prolação
daquela decisão, questionada, é evidente que, se nessa decisão, o motivo
jurídico não é constituído por tal norma ou por tais normas, não se pode abrir a
via da impugnação a que se reportam o nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e o nº 1
do artigo 280º do Diploma Básico.
Desta sorte, não se tomará conhecimento do recurso atinente
ao acórdão de 2 de Maio de 2006.
2.2. Pelo que concerne ao recurso incidente sobre o acórdão
de 14 de Março de 2006, mesmo admitindo que o ora impugnante somente teve
oportunidade de ser confrontado com o sentido interpretativo que foi conferido à
alínea e) do artº 287º do Código de Processo Civil, em conjugação com os artigos
4º e 213º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, e, por isso, não lhe fora,
antecedentemente ao proferimento de tal aresto, processualmente possível
suscitar qualquer questão de desconformidade constitucional quanto a tal
sentido, o que é certo é que diversos são os preceitos e as dimensões normativas
que foram referidos no requerimento corporizador da arguição de nulidade e
naqueloutro de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, no primeiro, o arguido sustentou padecer de vício de
enfermidade constitucional a ‘interpretação conjugada do art. 287º, al. e) do
CPC, aplicado por remissão do art. 4º do CPP, e do art. 213º, nº 1 do CPP,
segundo a qual, em caso de manutenção superveniente da prisão preventiva por
nova decisão do Juiz de Instrução, se torna inútil o conhecimento do recurso da
decisão que primeiramente decretou essa medida de coacção, em sede de 1º
interrogatório judicial, mesmo que julgado depois do prazo previsto no artigo
219º do C.P.P., afasta a tutela jurisdicional efectiva do despacho que tenha
determinado a prisão preventiva e ofende, assim, o art. 32º, nº 1, conjugado com
o art. 20º, nº 5, ambos da CRP’. Por intermédio do segundo, deseja que este
órgão jurisdicional julgue ‘materialmente inconstitucionais as normas constantes
dos artigos 287º al. e) do C.P.P., aplicável por remissão do art.º 4º do C.P.P.
e, artigos 213º nº 1, 219º e 417º nº 2, todos do Código de Processo Penal’,
referindo que o acórdão arguido de nulo ‘interpretou os artigos 287º al. e) do
Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 4º do CPP e, dos
artigos 213º, nº 1, 219º e 417º nº 2, todos do mesmo diploma, com o sentido de
que, depois do decurso do prazo máximo de 30 dias referidos no art. 219º do
C.P.P., o reexame trimestral da prisão preventiva, torna inútil o conhecimento
do recurso do despacho que primeiramente decretou aquela medida de coacção
aplicada em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, mesmo que o
recorrente tenha continuado a manifestar o seu interesse no seu prosseguimento,
quando elaborou a sua resposta nos termos do nº 2 do art. 417º do C.P.P.’
2.2.1. Referentemente ao artº 417º do Código de Processo
Penal, ressalta à saciedade que o mesmo não foi mencionado no requerimento
consubstanciador da arguição de nulidade, igualmente sendo inquestionável que
neste não foi minimamente impostada a dimensão normativa de acordo com a qual
‘mesmo que o recorrente tenha continuado a manifestar o seu interesse no seu
prosseguimento, quando elaborou a sua resposta nos termos do nº 2 do art. 417º
do C.P.P’.
Em consequência, quanto àqueles preceitos e dimensão, por,
no requerimento da arguição de nulidade, não ter ocorrido suscitação de qualquer
questão de desarmonia constitucional, e, decisivamente, por eles não terem sido
objecto de aplicação por banda do acórdão intentado impugnar, não pode este
Tribunal tomar conhecimento do objecto do recurso.
2.2.2. Pelo que tange à dimensão interpretativa dada aos
preceitos constantes da alínea e) do artº 287º do Código de Processo Civil, em
conjugação com os artigos 4º e 213º, nº 1, é certo que tais preceitos formaram a
razão de decidir do acórdão de 14 de Março de 2006.
Sendo certo que naquela decisão judicial se não fez a
mínima referência à ocasio em que foi proferido o despacho de reexame dos
pressupostos da prisão preventiva, igualmente certo é, como ressalta do acórdão
de 20 de Maio de 2006, que tal ocasio não ocorreu antes de decorrido o prazo a
que se refere o nº 1 do artº 213º do Código de Processo Penal. Aliás, como
deflui do requerimento de arguição de nulidade e do requerimento de interposição
de recurso para este Tribunal, o impugnante, neste particular, brande com um
sentido normativo de acordo com o qual a reapreciação ocorreu depois daquele
momento temporal.
Justamente por isso, face ao caso sub specie, é descabida a
transcrição (embora sem citação) que no requerimento de arguição de nulidade se
faz, do passo do Acórdão deste Tribunal nº 418/2003 (publicado na II Série do
Diário da República de 7 de Abril de 2004) – ponto 19 desse Acórdão.
Seja como for, não estando em causa uma situação como a que
deu lugar ao juízo de inconstitucionalidade constante de b) da Decisão do
mencionado Acórdão nº 418/2003, haverá que concluir-se que o recurso atinente ao
acórdão de 14 de Março de 2006 fica circunscrito à questão de saber se é, ou
não, inconstitucional uma interpretação normativa de onde resulte a inutilidade
do recurso ordinário incidente sobre despacho que aplicou a um arguido a medida
de coacção de prisão preventiva quando, posteriormente, veio a ser proferido e
não impugnado despacho de reapreciação dos pressupostos que determinaram a
inicial aplicação daquela medida de coacção, não tendo o proferimento do
despacho de reapreciação sido efectuado antes de decorrido o prazo do nº 1 do
artº 213º do diploma adjectivo criminal.
Ora, sobre esta específica questão teve já este Tribunal
ocasião de se pronunciar, por mais de uma vez.
Fê-lo, verbi gratia, nos seus Acórdãos números 727/97
(publicado na II Série do Diário da República de 13 de Fevereiro de 1998,
296/2003 (idem, idem, de 15 de Abril de 2004) e 119/2004 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), nos quais se concluiu pela não enfermidade
constitucional de tal interpretação.
Não se justificando estar-se aqui a reeditar a corte de
razões que conduziram aos juízos de não desconformidade constitucional (dada a
disponibilidade de consulta dos indicados arestos), juízos esses com os quais
inteiramente se concorda, já se justifica, nos termos do nº 1 do artº 78º-A, já
acima citado, que se profira esta decisão, por meio da qual, quanto a esta
específica vertente do recurso do acórdão de 14 de Março de 2006, se lhe nega
provimento.
Custas pelo impugnante, fixando-se a taxa de justiça em
seis unidades de conta.”
Da transcrita decisão veio o arguir reclamar nos termos do
nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o que fez por via de
requerimento em que se escreveu: –
“(…)
Com efeito, entendeu a douta decisão agora reclamada, estarem verificadas as
mesmas circunstâncias em que foram proferidos os acórdãos 727/97, 296/2003 e
119/2004. Fundamentos acompanhados pela decisão sumária agora em causa.
Salvo o devido respeito, não concordamos com a decisão de não sujeitar a
julgamento a argumentação do arguido.
Esta é uma questão que não é nova para o tribunal constitucional.
Da[í] que existem outros acórdãos que conduziram a juízos de
inconstitucionalidade diferentes dos citados nesta decisão sumaria.
No Ac. 71/2005, fazendo-se referência a diferentes acórdãos proferidos pelo
Tribunal Constitucional, decidiu-se:
a) julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso consagrado no
artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 287º, alínea e), do Código
de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4° do Código
de Processo Penal, se interpretada no sentido de se considerar
supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou ao arguido a medida
de coacção de prisão preventiva, quando esta decisão já foi substituída por
outra que determinou a cessação daquela medida de coacção;
Esta decisão, teve, é certo, o voto de vencido de dois Exmos. Juízes
Conselheiros.
Salvo o devido respeito, ainda que também por outras razões, mas seguramente
pelas que não quisemos deixar aqui de mencionar, não deveria esta decisão
sum[á]ria, nos termos do nº1 do art. 78º-A da L.T.C., decidir de matéria tão
delicada, e que tem merecido varias posições dos vários juízes conselheiros que
compõem este tribunal.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no seguinte sentido: –
“1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade, o reclamante confunde as diversas e autónomas
questões interpretativas que têm surgido, na jurisprudência constitucional,
acerca da inutilidade superveniente do recurso em que se questionou a aplicação
originária da medida de coacção de prisão preventiva.
3º
Sendo certo que – como dá nota a decisão reclamada – a
situação processual dos autos corresponde por inteiro à corrente jurisprudencial
consubstanciada nos Acórdãos nºs 727/97, 296/03 e 119/04, uma vez que o arguido
deixou transitar em julgado o despacho que supervenientemente lhe manteve tal
medida de coacção (e sendo absolutamente irrelevante o juízo formulado pelo
arguido acerca da utilidade do recurso pendente)-
4º
Tratando-se, como é óbvio, de interpretação normativa
perfeitamente distinta do invocado Acórdão nº 71/05, que versa sobre
problemática totalmente diversa (a manutenção do interesse em agir quando cessou
subsequentemente a dita medida de coacção privativa de liberdade).”
Cumpre decidir.
2. Como bem decorre do requerimento corporizador da
reclamação ora em apreço, o impugnante, referentemente à decisão em causa, tão
só questiona a parte da mesma em que foi apreciada o problema conexionado com a
questão de saber se seria, ou não, inconstitucional uma interpretação normativa
incidente sobre os preceitos constantes da alínea e) do artº 287º do Código de
Processo Civil, em conjugação com os artigos 4º e 213º, nº 1, do Código de
Processo Penal, e interpretação essa de onde resultasse a inutilidade de recurso
ordinário interposto de despacho que aplicou a um arguido a medida de coacção de
prisão preventiva quando, posteriormente, veio a ser proferido e não impugnado
despacho de reapreciação dos pressupostos que determinaram a inicial aplicação
daquela medida de coacção, não tendo a prolação do despacho de reapreciação sido
efectuada antes de decorrido o prazo do nº 1 daquele artº 213º.
Por outro lado, como igualmente deflui do dito
requerimento, o questionamento nele efectuado repousa unicamente na
circunstância de, na perspectiva do arguido, se não dever ter proferido decisão
nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, uma vez que, atinentemente a
tal questão, teria este Tribunal tomado já posição diversa, que redundou na
formulação de um juízo de inconstitucionalidade, o que teria sido levado a
efeito por intermédio do Acórdão nº 71/2005.
Há, aqui, um manifesto equívoco.
Na verdade, não é conhecida decisão deste Tribunal que,
reportadamente à questão em crise, tenha julgado desconforme com a Lei
Fundamental a dimensão normativa que veio a ser objecto de um juízo de não
inconstitucionalidade por banda da decisão reclamada.
O Acórdão nº 71/2005, citado pelo reclamante, debruçou-se
sobre um outro sentido normativo conferido aos preceitos vertidos na alínea e)
do artº 287º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal ex vi do
artº 4º do diploma adjectivo criminal, sentido esse de acordo com o qual era de
“considerar supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou ao
arguido a medida de coacção de prisão preventiva, quando esta decisão já foi
substituída por outra que determinou a cessação daquela medida de coacção”
(negrito acrescentado).
Não foi isso que ocorreu no caso apreciado pela decisão
reclamada, visto que neste estava em causa o proferimento de um despacho de
reapreciação dos pressupostos que fundaram aqueloutro que impôs a medida de
coacção de prisão preventiva, vindo aquele a manter (e não a cessar) tal medida.
Aliás, basta ler a fundamentação de tal aresto para se
concluir inequivocamente que a situação que nele foi objecto de análise não
detinha os mesmos contornos de anteriores acórdãos deste Tribunal que não
culminaram com juízos de inconstitucionalidade sobre a dimensão interpretativa
em questão nos vertentes autos (alguns deles também citados na decisão agora sub
iudicio), não se lobrigando nessa fundamentação o que quer que seja – antes pelo
contrário – no sentido de se infirmarem as razões que conduziram a esses juízos.
Neste contexto, era absolutamente justificável a prolação
da decisão em crise, ancorada na jurisprudência já seguida.
Em face do que se deixa dito, indefere-se a reclamação,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 27 de Junho de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos