Imprimir acórdão
Processo nº 261/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A., Lda., instaurou procedimento de injunção contra a Câmara Municipal do
Seixal, para pagamento de uma quantia referente a mercadorias vendidas.
Deduzida oposição, foi o requerimento de injunção remetido ao tribunal e
distribuído como acção sumária.
O Tribunal da Comarca de Matosinhos, por decisão de 2 de Junho de 2005,
considerou o seguinte:
A questão que se suscita é a da aplicação no tempo do regime introduzido pelo
D.L. n.° 32/2003, de 17.02.
Da conjugação dos artigos 7° e 8° do D.L. n.° 32/2003, de 17.02, resulta o
alargamento do domínio da injunção às obrigações emergentes de transacções
comerciais de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância.
Todavia, a nova redacção do artigo 7° do DL. n.° 269/98, de 1.09, restringe o
seu âmbito de aplicação às obrigações das transacções comerciais abrangidas pelo
referido D.L. n.° 32/2003, tal como estas são aí definidas no artigo 2.°,
conjugado com o artigo 3°.
Por seu turno, o artigo 9° do D.L. n.° 32/2003, de 17.02, determina que este
diploma “aplica-se às prestações de contratos de execução continuada ou
reiterada que se vençam a partir da data da sua entrada em vigor”.
Assim, apesar da regra geral consagrada no artigo 142º, n.° 2, do C. P. Civil
estabelecer que a forma de processo aplicável determina-se pela lei vigente à
data em que a acção é proposta e do D.L. n.° 32/2003 de 17.02 não regular
expressamente a sua aplicação no tempo relativamente aos contratos de execução
instantânea, do referido artigo 9° conclui-se que a regra é a de que o novo
regime da injunção aplica-se somente aos contratos de execução instantânea
celebrados após o início da sua vigência.
Posto isto, uma vez que a nova redacção do artigo 7° do D.L. n.° 269/98, de
1.09, faz aplicar o regime da injunção apenas às obrigações emergentes de
transacções comerciais abrangidas pelo D.L. n.° 32/2003, de 17.02 e estas, de
acordo com o disposto no seu artigo 9°, são aquelas que derivam de contratos de
execução instantânea futuros ou de contratos de execução continuada ou reiterada
já existentes, limitando-se, nestes últimos, às prestações vencidas a partir da
data da sua entrada em vigor, temos pois necessariamente que concluir que o novo
procedimento de injunção não é aplicável a contratos de execução instantânea
celebrados em data anterior ao início da sua vigência.
Ora, o artigo 10°, n.° 2, do D.L. n.° 32/2003, de 17.02, prevê uma vacatio legis
de 30 dias para a entrada em vigor do novo regime processual previsto nos seus
artigos 7° e 8°, estabelecendo expressamente que “os artigos 7° e 8° do presente
diploma entram em vigor no 30° dia posterior à sua publicação”.
Tendo em conta que este regime especial facilita ao credor a obtenção de um
título executivo mediante um procedimento simplificado e célere, como o da
injunção, independentemente do valor da dívida e desprovido das garantias do réu
nas acções comuns, a vacatio legis visou acautelar o interesse do próprio
devedor, salvaguardando‑o temporariamente deste novo instrumento processual mais
gravoso.
Assim, tendo o diploma em causa sido publicado em 17-02-2003 e entrado em vigor
no dia 19 de Março de 2003, facilmente se conclui que a requerente não poderia
ter utilizado o novo procedimento de injunção para obter um título executivo
relativamente às obrigações pecuniárias em causa, pois que respeitam a contratos
concluídos em data anterior ao início da vigência do aludido D.L. n.° 32/3003,
estando as prestações que pretende cobrar igualmente vencidas aquando da entrada
em vigor do diploma em análise.
Pelo exposto e porque se verifica erro na forma de processo que impede o
aproveitamento de qualquer acto praticado, pois a acção foi intentada através de
formulário simplificado, inadmissível em qualquer outra forma de processo, para
além de do procedimento de injunção ter resultado diminuição das garantias de
defesa da requerida, pois teve menos prazo para contestar, existe nulidade de
todo o processo o que constituiu uma excepção dilatória que conduz à absolvição
da instância - arts. 199º, 493º n.° 2 e 494º, n.° 1, al. b) do Cód. Proc.Civil.
Em consequência, foi declarada a “anulação de todo o processado” e absolvida da
instância a Câmara Municipal do Seixal.
2. A., Lda., interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto da decisão de
2 de Junho de 2005.
A Câmara Municipal do Seixal, por seu turno, interpôs recurso subordinado.
A recorrente A., Lda., pugnou, no recurso que interpôs, a aplicação do regime de
injunção ao caso dos autos (fls. 109 e ss.).
Nas contra‑alegações que apresentou, a Câmara Municipal do Seixal sustentou a
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da interpretação
do artigo 9º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, que a recorrente A.,
Lda., sustentou (fls. 137 e ss., em especial fls. 138 e 139).
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 26 de Janeiro de 2006, considerou
o seguinte:
VI. Quanto ao recurso da requerente “A.”.
O processo de injunção foi criado pelo DL 403/94, de 10/12, que no seu artigo 1°
preceituava “considera‑se injunção a providência destinada a conferir força
executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações
pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não exceda metade do valor da
alçada do tribunal de 1ª instância”.
Com este procedimento visou-se permitir ao credor de uma prestação, que se
consubstancie numa obrigação pecuniária, obter, de forma célere e simplificada,
um título executivo, condição indispensável ao cumprimento coercivo da mesma, e,
por outro lado, simplificar e desburocratizar a actividade jurisdicional, pelo
descongestionamento dos tribunais quanto a pretensões pecuniárias de pequeno
montante.
A criação desse procedimento célere, simplificado e desburocratizado assenta no
pressuposto da inexistência de verdadeiro litígio entre o requerente e o
requerido, pelo que o recurso daquele à actuação judicial visava apenas a
obtenção de um título executivo para poder aceder à acção executiva.
E concretiza-se em requerimento de injunção com a pretensão do requerente a que,
na falta de oposição do requerido na sequência de notificação desse
requerimento, é aposta, pelo secretário judicial, a fórmula executória
“execute-se” - artigo 5° do citado DL.
Trata-se de uma fase desjurisdicionalizada, em que não intervém o juiz, sem que
fiquem diminuídas as garantias das partes, asseguradas “quer pela via da
apresentação obrigatória dos autos ao juiz quando se verifique oposição do
devedor, quer pelo reconhecimento do direito de reclamação no caso de recusa,
por parte do secretário judicial, da aposição da fórmula executória na
injunção”.
Pelo DL 269/98, de 1/9, foi revogado o DL 403/94, mantendo-se o procedimento com
a mesma natureza e semelhantes formalidades. Mas foi ampliado o âmbito de
aplicação da providência. O artigo 7° (do regime jurídico dos procedimentos
destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de
contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, criado
pelo DL 269/98,) definia como “injunção a providência que tem por fim conferir
força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a
que se refere o artigo 1º do Decreto‑Lei n.° 269/98”, ou seja, das obrigações
pecuniárias de valor não superior à alçada do tribunal de lª instância.
Esta ampliação das possibilidade de recurso à providência de injunção
justifica-se com a “instauração de acções de baixa densidade que têm
crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e
cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos
perversos, que é inadiável contrariar”. Daí que “não podendo limitar-se o
direito de acção, importa que se encarem vias de desjudicialização” de certo
tipo de litígios, no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a
obtenção, “de forma célere e simplificada», de um título executivo e
descongestionar os tribunais de elevado número de acções, de baixos montantes,
em que apenas se visa o reconhecimento do crédito e um título executivo e em
que, na maior parte das vezes, não seriam contestadas.
Na mesma senda se publica o DL 32/2003, de 17/2 (que transpôs para a ordem
jurídica interna a Directiva n° 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 29/6) que alarga o âmbito de aplicação do regime da injunção e altera o
“regime jurídico dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de
obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do
tribunal de 1ª instância” (aprovado pelo DL 269/98). No artigo 7° deste “regime
jurídico” modificado preceitua-se “considera-se injunção a providência que tem
por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento
das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das
obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.°
32/2003, de 17 de Fevereiro”.
Por sua vez, o artigo 1° deste DL estipula que “o presente diploma transpõe para
a ordem jurídica interna a Directiva n.° 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 29 de Junho, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de
pagamento nas transacções comerciais”.
E é definida a transacção comercial como “qualquer transacção entre empresas ou
entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza,
forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação
de serviços contra uma remuneração” - artigo 3° desse DL.
Decorre do preâmbulo deste DL que se estabelecem medidas de luta contra os
atrasos de pagamento em todas as transacções comerciais, independentemente de
terem sido estabelecidas entre empresas, ou entre empresas e entidades públicas,
tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos
às empresas. Procura-se que o credor possa obter um título executivo num prazo
máximo de 90 dias sempre que a dívida não seja impugnada, daí se facilitar ao
“credor a obtenção desse título, permitindo-lhe o recurso à injunção
independentemente do valor da dívida”.
Pelo que “o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos
no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção,
independentemente do valor da dívida” (artigo 7°, nº 1, do DL 32/2003)”.
O credor que pretenda exigir o cumprimento de (quaisquer) obrigações pecuniárias
emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª
instância, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais delimitadas no
artigo 3° do DL 32/2003, estas independentemente do seu valor, pode recorrer ao
processo de injunção para obter um título executivo.
E com a finalidade de alargar a possibilidade de recurso ao processo de
injunção, se publica o DL 107/2005 (aqui não aplicável) que procede ao
alargamento do âmbito de aplicação do regime jurídico da injunção, que passa a
destinar-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de
contratos de valor não superior à alçada da Relação, actualmente fixada em
(euro) 14963,94”.
Dispõe o n° 2° do artigo 7° do DL 32/2003 que “para valores superiores à alçada
do tribunal de 1ª instância, a dedução de oposição no processo de injunção
determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma
de processo comum”.
Foi o que sucedeu na espécie em apreciação. Sendo o valor
(€ 5.048,77) da injunção superior à alçada do tribunal da 1ª instância e
apresentada oposição pela requerida, passou a seguir os termos do processo
sumário de declaração.
A requerida foi absolvida da instância por se julgar nulo todo o processo, dado
se entender que a requerente não podia recorrer ao procedimento injuntivo,
vencidas que estavam as obrigações (que se entenderam emergentes de contratos de
execução instantânea), antes da data da entrada em vigor do DL 32/2003.
Determina no seu artigo 10°, n° 1, “o presente diploma entra em vigor no dia
seguinte ao da sua publicação”. Só ressalva o preceituado nos artigos 7° e 8°
que “entram em vigor no 30.° dia posterior à sua publicação”.
Assim, ao 30° dia após a publicação todo o diploma esta em vigor.
Esta “vacatio legis” de 30 dias é justificada pelo facto do credor passar a
poder recorrer ao processo de injunção para obter um título executivo,
independentemente do valor da dívida (emergente de transacção comercial), e
assim permitir aos operadores económicos uma adequação ao novo procedimento.
Decorrida essa “vacatio”, o credor de uma obrigação pecuniária, de qualquer
valor, emergente de transacções comerciais (nos termos do artigo 2°, n° 1, do DL
32/2003) pode socorrer-se do processo de injunção para obter um título
executivo.
Como única excepção, determina o artigo 9°, do mesmo DL, que “o presente diploma
aplica-se às prestações de contratos de execução continuada ou reiterada que se
vençam a partir da data da sua entrada em vigor”.
A norma, referente à aplicação no tempo desse diploma legal, define o âmbito da
excepção, não havendo motivo para ampliar o campo de aplicação, que contraria o
objectivo da criação do mecanismo legal de obtenção célere de um título
executivo e combate ao atraso nos pagamentos se estendida a “reserva” a
situações não contempladas no texto nem no espírito da lei.
As normas que permitem o recurso à injunção e definem o seu regime têm natureza
processual e são de aplicação imediata.
Estabelece o artigo 142° do CPC:
“1 - A forma dos diversos actos processuais é regulada pela lei que vigore no
momento em que são praticados.
2 - A forma de processo aplicável determina-se pela lei vigente à data em que a
acção é proposta.”
A lei processual é de aplicação imediata.
A forma do processo é a que resultar da lei vigente na data da propositura da
acção (n° 2).
Por princípio, a lei só rege para o futuro (artigo 12°, n° 1 (1ª parte) do CC,
ficando salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei nova se
destina a regular.
Dada a natureza publicista e instrumental das normas processuais, são de
aplicação imediata (salvo se a lei preceituar de modo diferente, quer por
disposições transitórias gerais quer por disposições especiais).
Quanto à aplicação do diploma em causa no tempo, da aplicação imediata apenas se
excepciona o preceituado no artigo 9°, pelo que não há que fazer interpretação
de modo a deixar de aplicar o regime estabelecido a situações não contempladas.
Podendo surgir dúvidas sobre a aplicabilidade às obrigações emergentes de
contrato de execução continuada ou reiterada, a lei limita-se esclarecer a
situação mandando aplicar o procedimento às prestações vencidas a partir da sua
entrada em vigor.
Aí não estão excepcionadas as obrigações emergentes de contratos de execução
instantânea, vencidas antes da sua entrada em vigor.
Os contratos que estão na base do pedido, segundo se alega, são contratos de
compra e venda, seguramente contratos de execução instantânea. O cumprimento das
obrigações emergentes esgota-se num só momento; a conduta exigível do devedor
esgota-se num só momento, no caso, com o pagamento do preço acordado.
A norma do artigo 9° do DL 32/2003, não exclui do âmbito da aplicação imediata
da injunção as prestações de contratos de execução instantânea vencidas antes da
sua entrada em vigor.
A agravante podia recorrer ao processo de injunção regulado pelo DL 269/98, com
as modificações introduzidas pelo DL 32/2003, apesar das obrigações exigidas se
terem vencido antes da data da entrada em vigor deste último e ascenderem a
montante superior ao da alçada do tribunal de 1ª instância.
Por outro lado, nenhuma garantia da requerida se vê diminuída, posto que, após
oposição, o processo passa à esfera judicial, e a seguir os termos do processo
comum (artigo 7º, n° 2, do DL 32/2003), segundo o valor da causa (artigos 461° e
462° do CPC), e a controvérsia a ser decida pelo juiz. O agravo merece
provimento.
Em consequência, foi concedido provimento ao recurso interposto pela recorrente
A., Lda.
3. O Município do Seixal interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes
termos:
MUNICÍPIO DO SEIXAL, recorrido nos autos à margem identificados, tendo sido
notificado do Douto Acórdão, na parte em que concedeu provimento ao agravo
principal interposto pela A., vem interpor recurso para o Venerando Tribunal
Constitucional, nos termos da al. b) do n.° 1, dos n.°s 2 e 5 do art. 70° e dos
arts. 71°. segs., todos da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro, na redacção
introduzida pela Lei n.° 13-A/98 de 26 de Fevereiro, rectificada pela Decl. de
Rect. n.° 10/98 de 23 de Maio, o que faz nos termos e com os fundamentos
seguintes:
1.
Na contra-alegação do recurso principal interposto pela A., o ora recorrente
suscitara, à cautela e em abono da decisão do Tribunal de primeira instância,
nos termos da al. b) do n.° 1 do art. 70º da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro, a
inconstitucionalidade das normas constantes nos arts. 7° e 9° do Decreto-Lei n.°
32/2003, de 17 de Fevereiro, quando interpretadas e aplicadas como defendia o
agravante - e veio a ser reconhecido no Douto acórdão proferido nestes autos -,
ou seja, no sentido de o âmbito da excepção ínsita no art. 9° supra referido,
relativa à aplicação no tempo desse diploma legal às prestações vencidas dos
contratos de execução continuada, se não aplicar, por maioria de razão, às
prestações de contratos de execução instantânea.
2.
Para tanto, o ora recorrente fundamentou a invocada inconstitucionalidade por
violação do art. 13º da Constituição da República Portuguesa e do princípio
constitucional da igualdade nele subjacente.
3.
Efectivamente, como resulta dos termos da contra-alegação apresentada, entende o
ora recorrente que:
“(...) sempre se terá de extrair da interpretação do DL n..° 32/2003, de 17 de
Fevereiro que o novo regime de injunção se aplica apenas às prestações dos
contratos de execução instantânea vencidas após o início da sua vigência.
Na realidade, se assim é em relação às prestações dos contratos de execução
continuada, nos termos do art. 9° do referido Decreto-Lei, por maioria de razão
só assim poderá ser para as prestações dos contratos de execução instantânea.
Pois, se assim não fosse, como parece defender a agravante, resultaria a solução
juridicamente absurda de em relação a prestações de contratos celebrados em data
anterior à da entrada em vigor desta lei, cuja execução continuada se prolonga
no tempo para além dessa data, funcionar a limitação da sua aplicação apenas
quanto às prestações novas, vencidas em data posterior àquela (não se aplicando,
assim, às prestações vencidas anteriormente), o mesmo não sucedendo em relação
às prestações integralmente vencidas antes da entrada em vigor do novo regime
legal, de contratos de execução instantânea, que não se prolonga no tempo em
relação à data da entrada em vigor da mesma lei.
Tal interpretação, que se impugna e se refuta, consubstanciaria uma clara e
manifesta violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no art.
13° da CRP, pois não se vislumbra qualquer razão válida para a consequência
perversa dela resultante de o legislador ter vedado a aplicação do novo regime
legal a prestações de contratos vencidas antes da entrada em vigor da lei (mesmo
prolongando-se os efeitos desses contratos para além dessa data), o mesmo não
sucedendo em relação a outras prestações nas mesmas condições e que, ainda por
cima, se reportam a contratos cuja execução cessou integralmente antes da
entrada em vigor do novo regime legal.
É que, na verdade, só em relação às prestações de contratos de execução
continuada teve o legislador a necessidade de expressamente prever - no art. 9°
do Decreto-Lei n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro - as regras de aplicação do novo
regime legal no tempo, atentas as dúvidas que poderiam resultar para o
intérprete e o aplicador do direito, pelo facto de os efeitos desses contratos
se prolongarem no tempo em relação à data do início da produção de efeitos da
nova lei.
Pois, quanto às prestações de contratos de execução instantânea não surgem
quaisquer dúvidas quanto à aplicação da lei no tempo, atento o principio geral
de direito da aplicação das leis novas para as situações futuramente
constituídas, isto é, in casu, só para prestações vencidas após a data da
entrada em vigor do novo regime legal, quer decorram de contratos de execução
instantânea, quer de contratos de execução continuada”.
4.
Todavia, no Douto acórdão proferido nos autos, foi acolhida a tese da agravante
e concedido provimento ao agravo principal, com a interpretação e aplicação das
normas constantes nos arts. 7° e 9º do DL n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro, cuja
inconstitucionalidade se suscitara, não tendo sido acolhidos os fundamentos
invocados pelo ora recorrente, então agravado.
Nestes termos, por estar em tempo, ter legitimidade e não caber recurso
ordinário da decisão proferida nos autos, ex vi do n.° 1 do art. 678° do C.P.C.,
conjugado com o art. 24° da LOTJ, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.°
323/2001, de 17 de Dezembro, interpõe‑se o presente recurso para o Tribunal
Constitucional de harmonia com as citadas disposições legais.
Junto do Tribunal Constitucional o Município recorrente apresentou alegações que
concluiu do seguinte modo:
1ª
Da interpretação e aplicação dos arts. 7º e 9° do DL n.° 32/2003, de 17 de
Fevereiro, perfilhadas no acórdão recorrido e que se reputam inconstitucionais,
por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13° da CRP, resulta
que, em relação a prestações pecuniárias de pagamento de preço de contratos
celebrados em data anterior à da entrada em vigor desta lei, cuja execução
continuada se prolonga no tempo para além dessa data, funciona a limitação da
sua aplicação no tempo apenas quanto às prestações novas, de valor superior à
alçada dos tribunais de primeira instância, vencidas em data posterior àquela
(não se aplicando, assim, às prestações vencidas anteriormente), não sucedendo a
mesma limitação de valor e de aplicação temporal (até por maioria de razão) em
relação às prestações de idêntica natureza, integralmente vencidas antes da
entrada em vigor do novo regime legal, de contratos de execução instantânea, que
não se prolonga no tempo em relação à data da entrada em vigor da mesma lei,
assim resultando um tratamento desigual injustificado relativamente a prestações
de pagamento do preço de obrigações pecuniárias.
2ª
Tal interpretação e aplicação do direito, que se impugna, consubstancia uma
clara e manifesta violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no
art. 13° da CRP, pois não se vislumbra qualquer razão válida para a consequência
perversa dela resultante de o legislador ter vedado a aplicação do novo regime
legal a prestações de contratos vencidas antes da entrada em vigor da lei (mesmo
prolongando-se os efeitos desses contratos para além dessa data), o mesmo não
sucedendo em relação a outras prestações de idêntica natureza e nas mesmas
condições e que, ainda por cima, se reportam a contratos cuja execução cessou
integralmente antes da entrada em vigor do novo regime legal.
3ª
Só em relação às prestações de contratos de execução continuada teve o
legislador a necessidade de expressamente prever - no art. 90 do Decreto-Lei n.°
32/2003, de 17 de Fevereiro - as regras de aplicação do novo regime legal no
tempo, atentas as dúvidas que poderiam resultar para o intérprete e o aplicador
do direito, pelo facto de os efeitos desses contratos se prolongarem no tempo em
relação à data do início da produção de efeitos da nova lei.
4ª
Não colhe o argumento ínsito na decisão recorrida de estar em causa a aplicação
de normas processuais (em regra de aplicação imediata), porquanto o DL n.°
32/2003, de 17 de Fevereiro, contém normas de natureza processual e normas
substantivas, todas elas sujeitas às regras da aplicação no tempo previstas no
citado art. 9º do Decreto-Lei em apreço.
5ª
Ao contrário do decidido, e aliás como julgado na decisão do tribunal de 1ª
instância, a aplicação imediata do regime da injunção às obrigações de valor
superior à alçada dos tribunais de primeira instância, vencidas antes da entrada
em vigor do DL n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro, implica, efectivamente, uma
diminuição das garantias de defesa do requerido, designadamente a considerável
redução do prazo para oferecer contestação, assim, também, se revelando
injustificado o tratamento desigual quando estão em causa prestações de
contratos de execução continuada ou prestações de contratos de execução
instantânea, como resulta da decisão recorrida.
6ª
O juízo de constitucionalidade que se invoca no presente recurso é,
efectivamente, salvo melhor opinião, o que mais se coaduna com a interpretação
sistemática do DL n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro e com os imperativos de
igualdade de tratamento relativamente à possibilidade de obtenção de títulos
executivos para cobrança de obrigações pecuniárias, pois pelo facto de estas se
inserirem em contratos de execução instantânea ou continuada não é minimamente
alterada a sua natureza jurídica, nada justificando, assim, a diferença de
tratamento e a redução de garantias de defesa quando estejam em causa prestações
de contratos de execução instantânea, como resulta da aplicação do direito
perfilhada no acórdão recorrido.
7ª
Impõe-se extrair da interpretação do DL n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro que o
novo regime de injunção se aplica apenas às prestações dos contratos de execução
instantânea de valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância,
vencidas após o início da sua vigência, à semelhança do que sucede com as
prestações dos contratos de execução continuada, como se encontra expressamente
previsto no art. 9º daquele diploma legal.
8ª
Deve fixar-se jurisprudência no sentido de serem julgadas inconstitucionais, por
violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, as normas dos
arts. 7º e 9º do DL n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro, quando interpretadas e
aplicadas no sentido de que das mesmas resulte a faculdade de os credores de
prestações pecuniárias de pagamento de preço, de contratos de execução
instantânea, vencidas antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei, poderem
recorrer ao procedimento de injunção para obtenção de título executivo para a
respectiva cobrança, independentemente do valor dos créditos, enquanto que, em
prol das garantias de defesa dos devedores, para os credores de prestações
pecuniárias de pagamento de preço, de contratos de execução continuada, também
vencidas antes da entrada em vigor da mesma lei, já ser expressamente recusada a
mesma faculdade, quando o valor dos créditos excede a alçada dos tribunais de
primeira instância, em virtude de tal interpretação literal dos preceitos
consubstanciar um tratamento desigual e discriminatório de situações jurídicas
idênticas, implicando uma injustificável diminuição das garantias de defesa dos
devedores de prestações pecuniárias de pagamento de preço de contratos de
execução instantânea em relação aos devedores de prestações da mesma natureza de
contratos de execução continuada, violar a interpretação sistemática do diploma
e, consequentemente, o espírito do legislador.
Nestes termos, e nos mais de direito, com o Douto suprimento de V.Exas., deve
ser dado provimento ao presente recurso e fixar-se jurisprudência no sentido de
serem julgadas inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade
consagrado no art. 13° da CRP, as normas dos arts. 7° e 9° do DL n.° 32/2003, de
17 de Fevereiro, quando interpretadas e aplicadas como o foram no acórdão
recorrido, isto é, no sentido de que das mesmas resulte a faculdade de os
credores de prestações pecuniárias de pagamento de preço, de contratos de
execução instantânea, vencidas antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei,
poderem recorrer ao procedimento de injunção para obtenção de título executivo
para a respectiva cobrança, independentemente do valor dos créditos, e não
apenas quando estes sejam inferiores à alçada dos tribunais de primeira
instância, à semelhança do expressamente previsto para as prestações de
contratos de execução continuada, com que farão Vossas Excelências a boa e
costumada
JUSTIÇA
A recorrida não apresentou contra‑alegações.
Cumpre apreciar.
II
Fundamentação
4. A norma cuja conformidade à Constituição é submetida à apreciação do
Tribunal Constitucional nos presentes autos tem a seguinte redacção:
Artigo 9º
Aplicação no tempo
O presente diploma aplica‑se às prestações de contratos de execução continuada
ou reiterada que se vençam a partir da data da sua entrada em vigor.
O Município recorrente considera inconstitucional, por violação do princípio da
igualdade, a interpretação do preceito em causa que não impede a aplicação do
regime de injunção às prestações já vencidas no caso de contratos de execução
instantânea, diferentemente do que acontece com os contratos de execução
continuada.
O regime transitório, que excepciona as normas de aplicação no tempo do direito
processual, reportado aos contratos de execução continuada, justifica‑se por
afastar da aplicação imediata da lei as situações mais complexas e provavelmente
mais duvidosas (as dos contratos de execução continuada ou reiterada), nos quais
o fraccionamento da execução permite autonomizar as prestações.
Ora, o mecanismo da injunção serve para desjurisdicionalizar e descongestionar
os tribunais, havendo a necessidade de a nova estrutura, num período
transitório, realizar eficazmente tal objectivo. Assim, não remetendo para esse
procedimento grande volume de acções que tivessem por objecto contratos de
execução instantânea, como também, noutra perspectiva, podendo inflaccionar esse
sistema, logo à partida, com um número incomportável de processos, se frustraria
a finalidade pretendida pelo legislador. É, deste modo, compreensível a opção do
legislador de não submeter todas as categorias de contratos a tal regime, mas
apenas aqueles para os quais, numa visão de política da administração da
justiça, isso se torne mais necessário.
Para este balanceamento não pode deixar de se reconhecer ao legislador uma
considerável margem de opção.
A isto acresce a circunstância fundamental de o direito a oposição judicial,
assim como o essencial das garantias de acesso ao direito dos devedores, serem
assegurados com o regime da injunção.
Deste modo, não viola o princípio da igualdade a norma que não exceptua os
contratos de execução instantânea da regra da aplicação imediata do regime da
injunção. Com efeito, e como se disse, razões de descongestionamento dos
tribunais, assumidas pela lei, que são, em última análise, razões de maior
eficácia da justiça, impedem que a diferenciação seja injustificada ou
desproporcionada em face do artigo 13º da Constituição.
5. Improcede, portanto, o presente recurso de constitucionalidade.
III
Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 9º do Decreto-Lei nº 32/2003,
de 17 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual não se excepciona da regra
da aplicação imediata as prestações já vencidas decorrentes de contratos de
execução instantânea;
b) Negar, consequentemente, provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça
Em 20 UCs.
Lisboa, 27 de Junho de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos