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Processo n.º 1037/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 2004.
2 – O articulado da reclamação tem o seguinte teor:
«A., Recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a decisão ora proferida pelo Relator vem, nos termos do artigo 78°-A da Lei do Tribunal Constitucional, interpor
RECLAMAÇÃO
Para a Conferência do Tribunal Constitucional, o que faz nos termos seguintes: Artigo 78º-A
(Exame preliminar e decisão sumária do relator)
1. Se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.
3. Da decisão sumária do relator pode reclamar-se para a conferência, a qual é constituída pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente, pelo relator e por outro juiz da respectiva secção, indicado pelo pleno da secção em cada ano judicial.
4. A conferência decide definitivamente as reclamações, quando houver unanimidade dos juizes intervenientes, cabendo essa decisão ao pleno da secção quando não haja unanimidade.
Face ao exposto, dá-se por integralmente reproduzido o requerimento de interposição de RECURSO, requerendo que a pretensão do reclamante seja apreciada em sede de Conferência.
No entanto, Importa desde já dizer - tal como era referido no requerimento de interposição de recurso - que o requerimento que não foi Motivado, face à posição assumida - em tom diga-se, de repreensão, de Distinta Conselheira desse venerando tribunal e Ilustre Prof. de Direito Penal, por o requerimento de recurso vir já motivado quando, apenas após o recebimento de recurso deve, ser junta a Motivação - de acordo com o artigo 78º n.5 '(...), o relator manda notificar o recorrente para apresentar alegações.'.
Face ao exposto, dá-se por integralmente reproduzido o requerimento de interposição de recurso, RECLAMA-SE para a Conferência, prevista no artigo 78º-A da lei do tribunal constitucional, afim de que a mesma admita o recuso interposto, ordene a prossecução dos autos, designadamente afim de o arguido poder motivar e explanar a sua defesa.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, respondeu dizendo que
«1 - A presente reclamação - deduzida sem que o reclamante haja logrado sequer impugnar a decisão reclamada, no plano do objecto idóneo e dos pressupostos do recurso de constitucionalidade - é manifestamente improcedente.
2 - Termos em que deverá confirmar-se, por inteiro, tal decisão.».
4 – A decisão reclamada é a seguinte:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 2004, através de requerimento do seguinte teor:
«A., Recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a decisão ora proferida e considerando que não se pronunciou o Venerando Tribunal sobre a violação do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, vem interpor
RECURSO
Para O Tribunal Constitucional, o que faz nos termos seguintes:
- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do número 1 do artigo 70° da Lei
28/82, de 15 de Novembro, por não aplicação do Princípio do Contraditório único que assegurava as garantias de defesa do arguido, violando consequente o disposto no art.º 32° da Constituição da República Portuguesa. De facto, tendo a Relação alterado o n.º 1 da matéria de facto, relativamente ao contrato de arrendamento, não foi assegurado cabal e plenamente o princípio do contraditório e as garantias de defesa do ora Recorrente. No entendimento do ora requerente, face aos documentos juntos nos autos, e à importância para a decisão apenas estão assegurados os direitos do arguido se face a esta alteração se pudesse novamente pronunciar, designadamente produzindo prova testemunhal e ser assegurado o contraditório com as testemunhas de acusação. A leitura do artigo 431º do Código de Processo Penal que não seja consentânea com o direito de defesa do(s) arguido(s) é inconstitucional como se comprovará em sede de alegações, dizendo-se desde já que apenas se admite a leitura do artigo 431º do C.P.P. que permite alteração da matéria de facto quando essa alteração não entre em claro confronto com a prova que serviu ao tribunal para fundamentar a decisão anterior. Ou seja, se anteriormente o tribunal diz que o arguido - atenta a prova produzida - desde determinada data estava em determinado local e agora, face à nova prova, conclui que ele não estava nesse local, ou deixa e considerar como credível o depoimento que fundamentou a anterior decisão ou confronta o anterior depoimento. Ao alterar simplesmente a matéria de facto sem daí tirar qualquer conclusão, e sem permitir que a prova testemunhal que fundamentou a anterior decisão seja agora confrontada com a nova decisão coloca o(s) arguido(s) em desvantagem no que à sua defesa diz respeito.
Da peça processual Acresce que, o recorrente já tinha suscitado a violação do Princípio do contraditório no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, posição que agora vem sendo reforçada com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não se pronunciou em concreto sobre a suscitada violação das regras constitucionais.
- São aplicáveis as normas respeitantes ao recurso de Apelação.
- O recurso é a subir de imediato, com efeito suspensivo e em separado, ao abrigo do artigo 219° n.º 2 do artigo 406º e 407º do Código de Processo Penal e do número 3 do artigo 78º da Lei 28/82, de 15 de Novembro.».
2 – O acórdão recorrido decidiu, no que diz respeito ao recorrente, não conhecer do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na parte relativa à sua condenação pelo crime de detenção de arma de fogo, por a respectiva decisão não admitir recurso [arts. 432º, alínea b), e 400º, n.º 1, als. e), e f), do CPP], e negar provimento ao recurso na parte respeitante à arguição da nulidade do acórdão da Relação por haver alterado o n.º 1 da matéria de facto provada “sem obedecer ao princípio do contraditório” e na parte respeitante ao pedido de atenuação da pena.
3 – Na parte que releva para a apreciação das questões agora a decidir o acórdão recorrido discreteou pelo seguinte modo:
«2.2.2. Do recurso do arguido A.
2.2.2.1. Arguir a nulidade do acórdão recorrido por a Relação ter alterado o n.°
1 da matéria de facto provada sem «obedecer ao princípio do contraditório», ultrapassa a nossa compreensão do que razoavelmente pode constituir o objecto de um recurso. Então não foi o Recorrente que impugnou esse facto, adiantando as razões da sua discordância sobre a decisão da 1ª instância? E não pode a Relação alterar a matéria de facto fixada pela 1ª instância nos termos do art.º 431º do CPP que é justamente a norma que o Tribunal a quo expressamente invocou para introduzir aquela alteração? A prova produzida não foi contraditada na audiência e na motivação do recurso? A alegação é, nesta parte, mais do que manifestamente improcedente, abusiva.
2.2.2.2. A pretensão da redução e até da atenuação especial da pena vem fundada na integração social e familiar do Arguido, no tempo já decorrido, no nascimento de mais uma filha, na manutenção de boa conduta.
Não lhe assiste, porém, razão.
A moldura penal do crime que praticou vai de 4 a 12 anos de prisão, nos termos do art.º 21º do DL 15/93. O grau de ilicitude situa-se num plano de gravidade média, atendendo ao volume do negócio, à organização montada para o efeito, à quantidade e qualidade da droga comercializada; O seu comportamento merece severa censura pela avidez de lucro fácil, sem qualquer sensibilidade aos gravíssimos problemas sociais e familiares que a venda de estupefacientes causa, sendo certo que auferia os rendimentos próprios da exploração de um café; Actuou com dolo directo; São enormes, como repetidamente se vem dizendo, as exigências de prevenção geral positiva e não menores as de prevenção especial. A seu favor, nada de relevante se provou: desconhecimento de antecedentes criminais e, eventualmente, integração familiar. Nesta conformidade, os 5 anos de prisão a que foi condenado, situados bem abaixo do ponto médio daquela moldura, pecarão, quando muito, por defeito.
2.2.2.3. Quanto à pena do crime de detenção ilegal de munições de arma de fogo.
Como se relatou, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta suscitou, nas suas alegações orais, a questão prévia da irrecorribilidade da decisão que recaiu sobre esta matéria.
E com inteira oportunidade e razão.
De facto, constitui jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, hoje estabilizada, a de que, para efeitos do disposto no art.º 400º do CPP, no caso de concurso de infracções, a moldura penal relevante para aferir da recorribilidade das decisões das relações, proferidas em recurso, é a correspondente a cada crime e não a do próprio concurso, formada nos termos do art.º 77º, n.º 2 do C.Penal. O crime em apreço foi punido no quadro do artigo 275º, n.ºs 3 e 4 do C Penal, que prevê para os factos pena de prisão inferior a 5 anos. A Relação confirmou a condenação imposta pela 1ª instância. Por isso, nos termos dos arts. 432º-b) e 400º, n.º 1-e), e f), essa decisão não
é passível de recurso.
3. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: a) não conhecer do recurso do arguido A. na parte relativa à condenação pelo crime de detenção ilegal de munições de arma de fogo, por a respectiva decisão da Relação não admitir recurso; b) julgar, no mais, improcedente esse recurso e igualmente improcedentes os recursos das arguidas B. e C.; c) confirmar o acórdão recorrido.».
4 – Na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora recorrente concluiu pelo seguinte modo:
«1. Da Nulidade da Decisão Da falta de apreciação crítica da prova
A decisão ora proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, determinou a alteração do artigo 1º da matéria de facto apurada. Com o devido respeito que é muito o Venerando Tribunal não poderia ter feito esta alteração sem obedecer ao princípio do contraditório. O Contrato de arrendamento e a conclusão que se retiraria do mesmo, deveria ser sujeito a uma análise crítica da prova que produz, designadamente confrontando as autoridades policiais. Assegurando assim cabal e plenamente o princípio do contraditório, e as garantias de defesa do arguido (conforme artigo 32° da Constituição da República Portuguesa) Pelo exposto, deverá ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferindo um outro [que] ordene - face aos elementos de prova que a Relação de Lisboa, considerou e a primeira instância não - o reenvio dos autos à 3ª Vara Criminal de Lisboa, a fim de ser feita uma apreciação crítica dos elementos de prova que a Relação considerou importantes e não tinham sido anteriormente considerados ou, Eventualmente, ordene a repetição da prova relativamente ao ora recorrente A., como é de Justiça. A Decisão recorrida deve ser declarada Nula e ordenada a baixa dos autos novamente ao Tribunal de 1ª Instancia, para que esse Tribunal tome posição sobre o exame crítico da prova produzida e transcrita visto serem várias as contradições constantes da mesma. Ou, ainda, se se considerar que perante a posição ora assumida – ao considerar relevante o contrato de arrendamento como elemento de prova que permita situar temporalmente a prática dos factos, eventualmente ilícitos - depoimentos que se anulam em dúvidas insanáveis deverá por aplicação do princípio do in dubio pro reo ser o ora recorrente absolvido nos presentes autos
Direito Violado a) Princípio do In Dubio Pro Reo e artigo 127° do Código de Processo Penal; b) Artigo 410°, n.º 2, alíneas b), e c); c) Ou assim não se entendendo, o art.º 163° e enquanto violadora do n.º 2 do art.º 374º (aqui com a consequência cominada na al. a) do n.º 1 do art.º 379º), todos do C. P. Penal. II. Caso o Tribunal assim não entenda e, por mera cautela de patrocínio, ainda se dirá que, considerando o fim das penas, a sanção aplicada deverá ser reduzida ou especialmente atenuada Do Direito violado Artigos 50º, 71º e 72º do Código Penal III. Da pena de prisão de 3 meses por posse de arma proibida De acordo com o princípio da proporcionalidade e da justiça requer-se que, a ser condenado, seja, de acordo com o princípio de Justiça, como outros arguidos dos presentes autos, seja condenado apenas em multa. Direito violado Princípio de Justiça
Pelo exposto, requer-se a V. Ex.as Venerandos Conselheiros que revoguem a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra em conformidade com os elementos de prova ora considerados pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Assim não se entendendo, o que só por cautela se admite, deverá ser substituída a pena aplicada por outra que permita a suspensão da sua execução, de acordo com critérios de ressocialização».
5 – Porque se configura uma situação enquadrada no n.º 1 do art.º
78º-A, da LTC passa a decidir-se imediatamente.
A tal não obsta o facto de o recurso ter sido admitido pelo Tribunal
a quo, porquanto a decisão não vincula o Tribunal Constitucional, como estabelece o n.º 3 do art. 76º da LTC.
6 – Estabelecem os art.ºs 280º, n.º 1, al. b), da CRP, e 70º, n.º 1, al. b), da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, só podem constituir objecto desse recurso constitucional normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi da decisão (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no DR II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra,
1998, p. 821). O recurso de consitucionalidade tal como foi gizado pelo legislador constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas - tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como suporte normativo da concreta decisão proferida. Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos admitidos na ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e princípios constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e despachos), os actos administrativos e os actos políticos. Deste modo, não pode no recurso de constitucionalidade sindicar-se a correcção jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça directamente das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios constitucionais. A violação directa das normas e princípios constitucionais pela decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar entre nós o meio constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais. Não obstante o recurso de constitucionalidade respeitar a uma decisão judicial e a decisão naquele proferida no sentido da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da(s) norma(s) jurídica(s) nele sindicadas poder afectar a manutenção da decisão, na medida em que um juízo nele tirado sobre a questão de constitucionalidade em sentido desconforme com o efectuado na decisão proferida pelo tribunal recorrido obrigará à reforma desta, o objecto do recurso é tão só a norma jurídica que constitua a ratio decidendi da decisão. Nesse recurso apenas cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre se a norma jurídica concretamente aplicada é ou não constitucionalmente válida.
Acresce, por outro lado, que a questão de inconstitucionalidade dessas normas há-de ser suscitada em tempo e de modo funcionalmente adequado para que o tribunal recorrido pudesse conhecer dela [cfr. Cardoso da Costa - A jurisdição constitucional em Portugal - in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss.]. A suscitação durante o processo tem sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional. É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa
é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso. É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cfr., entre outros, os acórdãos n.º
496/99, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, pp. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, pp. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., pp.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., pp. 821, e n.º 364/00, inédito).
Do ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se ter de confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos. Nesta linha, importa reconhecer que não basta, pois, que se indique a norma que se tem por inconstitucional, antes é necessário que se problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Tais exigências têm sido deveras reiteradas pela nossa jurisdição constitucional. De forma contínua e sistemática, tem este Tribunal estabelecido que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de aplicação do Direito - concretizado num acto de administração ou numa decisão dos tribunais - mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cfr. Acórdãos n.ºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996). [§]É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade.
[§]Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...) – cf. os Acórdãos n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, n.º 178/95, publicado no Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995, n.º 521/95, inédito, e n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994.
7 – Ora, examinando as conclusões das alegações do recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que em ponto algum das mesmas aquele problematiza qualquer questão de inconstitucionalidade ou de validade à face da Lei Fundamental da norma constante do art.º 431º do Código de Processo Penal que refere no seu requerimento de interposição de recurso, norma essa cuja aplicação fora, de resto, pedida, pelo mesmo recorrente, no recurso interposto para a Relação, tendo, entre o mais, por objecto a alteração do julgamento efectuado pela 1ª instância relativamente à matéria de facto constante do n.º 1 do probatório. Anote-se, de resto, que o recorrente nem sequer a refere em tais conclusões, mesmo na parte em que procede à enunciação das normas jurídicas que tem por violadas.
O recorrente limita-se a controverter o procedimento concreto que foi adoptado pelo acórdão recorrido quanto à apreciação do seu recurso na parte relativa à alteração da matéria de facto que constava do n.º 1 do probatório: em vez de ter julgado a questão de facto e ter procedido à alteração da matéria de facto pelo modo que ficou a constar do n.º 1 do mesmo probatório, o princípio do contraditório impunha – sustenta - que o Tribunal da Relação mandasse baixar o processo à 1ª instância para aí se proceder a uma análise crítica da prova que implicasse o confronto entre a declaração constante do documento relativo ao arrendamento do estabelecimento comercial denominado Café D., segundo a qual este apenas teria sido tomado de arrendamento pelo recorrente em data posterior em Maio de 2001 (cfr. alegações para a Relação), e as autoridades policiais. Em rectas contas, o que o recorrente impugna é o modo como o Tribunal a quo entendeu e aplicou directamente o princípio constitucional do contraditório e das garantias de defesa às circunstâncias específicas do caso concreto.
Temos, portanto, de concluir que o recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma constante do art.º 431º do Código de Processo Penal (CPP).
Mas independentemente de uma tal conclusão, constata-se também que o recorrente não sindica a constitucionalidade de qualquer norma de direito infraconstitucional – no caso o art.º 431º do CPP – mas a constitucionalidade da decisão judicial em si própria, no que concerne ao modo como esta entendeu e aplicou directamente as normas e princípios constitucionais – no caso, o princípio do contraditório e o princípio das garantias de defesa consagrados no art.º 32º da Constituição.
Ora, já se viu que esta não pode constituir objecto idóneo do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
De tudo resulta que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso por falta dos referidos requisitos ou pressupostos específicos.
8 – Destarte, atento tudo o exposto, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 8 UC.».
B – Fundamentação
5 – Como se colhe do seu requerimento de reclamação, o reclamante refuta apenas a decisão sumária proferida pelo relator, sem controverter, seja no que for, a bondade dos fundamentos em que a mesma se baseia. No fundo, o reclamante limita-se a pedir, de modo genérico, o reexame pela conferência do decidido. Ora, a fundamentação expendida é de acolher, pelo que aqui se renova.
Assim sendo, a reclamação não pode deixar de ser indeferida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2005
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050003.html ]