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Processo n.º 1051/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente a arguida A., Lda e recorrido o Ministério Público, foi aquela
condenada, por decisão do Subinspector-Geral do Ambiente, de 3 de Fevereiro de
2005, ao pagamento de uma coima de € 5000,00, bem como de € 100,00 de custas.
Notificada desta decisão em 21 de Março de 2005 (por carta registada com aviso
de recepção, assinado em 23 de Março de 2005), a recorrente pretendeu
impugná-la, remetendo a impugnação, via fax, às 23h51 do dia 22 de Abril de
2005. Por decisão de 20 de Maio de 2005, do 2º Juízo de Pequena Instância
Criminal de Loures, foi a impugnação rejeitada, por extemporânea.
2. Notificada desta decisão, veio a arguida recorrer para o Tribunal da Relação
de Lisboa, tendo formulado, para o que agora releva, as seguintes conclusões:
“[...] 2ª O Recorrente entende que da interpretação conjugada dos artigos 41, nº
l do RGCOC, art. 107, n.º4 do CPC e 145, n.º 5 e 6 do CPC, se retira que, quando
se impugna a decisão que aplica coima, o Recorrente terá mais três dias úteis,
além do prazo normal, para apresentar o seu recurso e respectivas alegações
desde que seja facultado a possibilidade de pagar a multa aplicável.
[...]
18ª A adopção de uma dimensão normativa diferente da defendida no capítulo
anterior implica concluir que a norma que se retira dos artigos 41, nº 1 do
RGCO, art.107, n.º 4 do CPC e 145, n.º 5 e 6 do CPC é inconstitucional por
violar o princípio da igualdade e o princípio da tutela judicial efectiva.[...]”
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Novembro de 2005, negou
provimento ao recurso. Para concluir dessa forma utilizou a seguinte
fundamentação:
“[...] Tal como resulta das conclusões das motivações, o objecto do recurso
reconduz-se à apreciação da existência de fundamento para rejeição do recurso de
impugnação da decisão da autoridade administrativa, por extemporaneidade e à
questão de saber se é aplicável ao caso o disposto no art.145, n.º 5, do CPC.
[...]
Na vigência do Dec. Lei nº 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi introduzida
pelo Dec. Lei n.º356/89, de 17-10, o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão
nº 2/94, de 10-3, fixou Jurisprudência Obrigatória, no sentido de que “não tem
natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3, do art.59, do Dec. Lei n.º
433/82, de 27-10, com a alteração introduzida pelo Dec. Lei n.º356/89, de
17-10”.
Daqui se conclui, assim, que se trata de um prazo de natureza administrativa.
O regime geral das contra-ordenações com a redacção daqueles diplomas, veio a
ser alterado pelo Dec. Lei n.º 244/95, de 14-9 e pelo Dec. Lei n.º109/01, de
24-12, tendo o primeiro destes diplomas alterado os arts.59 e 60, do regime em
causa, fixando em 20 dias o prazo para a impugnação judicial (n.º 3, do art.59)
e estabelecendo regras de contagem do prazo para impugnação no art.60[].
Destas alterações não resulta que fosse intenção do legislador alterar a
natureza do prazo, razão por que se deve manter válida a jurisprudência fixada
pelo citado acórdão nº2/94, no sentido de estarmos perante prazo de natureza
administrativa.[]
Tratando-se de prazo de natureza administrativa, não é aplicável o disposto nos
arts.145, n.º5, do C.P.C. e 107 , n.º 5, do C.P.P., o que é corroborado pelo
facto do legislador ter consagrado, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei
n.º 244/95, um regime especial relativo à contagem do prazo, que não faria
sentido caso entendesse ser de aplicável o regime geral do processo penal e do
processo civil[].
Existindo norma especial relativa à contagem do prazo em causa, o art.41, n.º1,
do RGCO não permite a aplicação dos citados arts.145, n.º 5, do C.P.C. e 107,
n.º 5, do C.P.P.
É certo, como refere a recorrente, que o Assento n.º1/01, de 8Mar.01[], decidiu
ser aplicável no processo contra-ordenacional o disposto no art.150, n.º l, do
C.P.C., por força do art. 41, n.º1, do RGCO, o que permite a remessa do recurso
para a autoridade administrativa, por correio sob registo, valendo como data do
acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.
Contudo, as duas situações não podem ser equiparadas. Em relação à entrega e
remessa das peças processuais para a autoridade administrativa, nada prevê o
RGCO, apenas regulando no art.59, n.º 3, que o recurso será feito por escrito e
apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, devendo constar de
alegações e conclusões, o que permite compreender que, com base no art.41, n.º
1, se recorra ao direito subsidiário para saber a forma como pode ser entregue o
recurso e, no caso de apresentação pelo correio, qual a data que vale como de
apresentação. Ao contrário, no que diz respeito à contagem do prazo e
possibilidade de prática do acto após o decurso do mesmo, o art.60, nº 1, prevê
a suspensão do mesmo aos sábados, domingos e feriados, prevendo o nº 2, como
única hipótese de prática do acto para além do decurso do prazo, o caso do mesmo
terminar em dia durante o qual não seja possível a apresentação, durante o
período normal, situação em que a admite no primeiro dia útil seguinte, não
existindo, assim, qualquer lacuna que careça de ser integrada.
A faculdade de praticar o acto, independentemente de justo impedimento, nos três
primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, prevista nos arts.145, n.º
5, do C.P.C. e 107, n.º 5, do C.P.P., ao contrário do que defende o recorrente,
não constitui uma derrogação ao princípio da preclusão e à gravidade da
consequência derivada do decurso dos prazos processuais, mas tão só um
alargamento do prazo. Se o legislador pretendesse derrogar aquele princípio
teria previsto a possibilidade do interessado ser notificado do decurso do prazo
e da concessão de prazo suplementar para praticar o acto, o que não acontece, já
que o referido prazo suplementar decorrerá sem qualquer interpelação ao
interessado, ficando precludido o direito de praticar o acto após o seu decurso,
só prevendo o n.º 6, do art.145, do C.P.C. a notificação oficiosa para pagamento
da multa, caso o acto tenha sido praticado num daqueles três dias e não tenha
sido requerido de imediato o pagamento da multa.
A razão de ser daquele prazo suplementar tem de ser vista não, apenas, como
forma de sanar deslizes dos intervenientes processuais que deixem decorrer por
esquecimento um prazo, mas principalmente como reconhecimento pelo legislador da
existência de processos tão variados e tão complexos que, em alguns casos, tomam
difícil a prática do acto no prazo normal previsto para a generalidade dos
casos, razão por que permitiu o alargamento do prazo, contra o pagamento de uma
sanção pecuniária.
Assim, embora este prazo suplementar possa ser aproveitado para sanar deslizes,
entendemos que não é essa a sua função principal pois, como referimos, com a
fórmula adoptada continua válido o princípio da preclusão e continuam a ser as
mesmas as consequências do decurso do prazo, apenas ocorrendo três dias úteis
depois.
A não aplicação do disposto nos arts.145, n.º 5, do C.P.C. e 107, n.º 5, do
C.P.P. ao prazo previsto no art.59, do RGCO, não ofende a unidade do sistema
jurídico, pois nada impede o legislador de estabelecer prazos diversos para
recurso, em função da natureza do processo ou da jurisdição em causa, sendo
certo que o prazo fixado naquele art.59 (20 dias, suspendendo-se o prazo aos
sábados, domingos e feriados) é superior ao prazo para recurso previsto no
Código de Processo Civil (art.685), no Código Processo Penal (art.411), ou no
RGCO, para o recurso interposto da decisão judicial (art.74).
Por outro lado, não será com o referido prazo suplementar de três dias úteis,
concedido contra o pagamento de uma sanção pecuniária, que serão perseguidos
objectivos como a “desburocratização” da administração e “aproximação entre os
serviços e as populações”.
Não é violado, ainda, o princípio da promoção do acesso à justiça, já que o
prazo legalmente concedido apresenta-se razoável para que o interessado tenha
condições práticas para impugnar judicialmente a decisão da autoridade
administrativa e para que seja possível o conhecimento do mérito do recurso
jurisdicional interposto.
[...]
Ao contrário do que pretende o recorrente, não se justifica o apelo a uma
interpretação mais favorável ao arguido, pois o princípio in dubio pro reo não é
cânone interpretativo, tratando-se de uma regra referente ao direito probatório,
que apenas se reporta a questões de facto, insusceptível de servir de
justificação a qualquer solução jurídica [].
Não é violado, ainda, o princípio da igualdade, o que só pode ocorrer com o
tratamento desigual do que é igual, situação que não é a dos autos, pois a
impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é o mesmo que a
impugnação da sentença que indefere essa impugnação (conclusão 1), tratando a
lei de forma diferente as duas situações, desde logo estabelecendo para a
primeira hipótese um prazo de 20 dias para recurso e para a segunda um prazo de
10 dias, contados de forma diferente (cfr. arts.59,60 e 74, do RGCO).
Em conclusão, o prazo previsto no art.59, do RGCO, não tem natureza de prazo
judicial, não sendo aplicável a ele o disposto nos arts.145, n.º 5, do C.P.C. e
107, n.º 5, do C.P.P., o que não ofende qualquer princípio constitucional,
nomeadamente os princípios consagrados nos arts.13, 20 e 268, nº 4, da
CRP.[...]”
4. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da LTC, o presente recurso, através do seguinte requerimento:
“[...], notificado do Acórdão de 8 de Novembro de 2005 e com ele não se
conformando, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos
termos do artigo 280º, número 1, alínea b ), da Constituição da República
Portuguesa e do artigo 70°, número 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional), o que faz com fundamento:
(i) na inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do Regime
Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do CPP e 145.º, n.º 5 e 6 do
CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual não se
considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo para
interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação - por violação do
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição e o princípio
da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da
Constituição da República Portuguesa conforme o invocado de modo adequado nas
Motivações e Conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr.
páginas 16 a 17 das alegações e 18.ª à 24.ª Conclusão);
(ii) a inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 9.º do Código Civil e
no art. 60.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual este artigo prevê a
única hipótese, de prática do acto para além do decurso do prazo em sede de
recurso de impugnação de contra-ordenação - por violação do princípio da
igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição e o princípio da tutela
jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º. n.º 4 da
Constituição da República Portuguesa, que só agora se invoca de modo adequado
porque a aplicação inconstitucional de tal norma só ocorreu no acórdão recorrido
e o referido acórdão não admite qualquer recurso ordinário. [...]”.
5. Proferiu, então, o relator do processo o seguinte despacho:
“1. Pretende a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a
constitucionalidade das seguintes normas:
“(i) [...] da norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das
Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do CPP e 145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na
interpretação [...] segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art.
145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de
contra-ordenação, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado
nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa [...];
(ii) [...] da norma contida nos artigos 9.º do Código Civil e no art. 60.º, n.º
1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, na interpretação [...]
segundo a qual este artigo prevê a única hipótese de prática do acto para além
do decurso do prazo em sede de recurso de impugnação de contra-ordenação, por
violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição e
do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e
268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa [...]”.
2. Ora, na decisão recorrida, está apenas em causa a questão de saber se existe
fundamento para rejeitar, por extemporaneidade, o recurso de impugnação da
decisão da autoridade administrativa, que entrou reconhecidamente no dia
seguinte ao termo do prazo, por não ser aplicável ao caso o disposto no art.145,
n.º 5, do Código de Processo Civil. Questão que o acórdão resolve concluindo que
“o prazo previsto no art.59, do RGCO, não tem natureza de prazo judicial, não
sendo aplicável a ele o disposto nos arts.145, nº 5, do C.P.C. e 107, n.º 5, do
C.P.P., o que não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente os
princípios consagrados nos arts.13, 20 e 268, nº 4, da CRP.”
3. Assim sendo, além de se entender que a “norma contida nos artigos 9.º do
Código Civil e no art. 60.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e
Coimas” não constitui ratio decidendi do acórdão recorrido, a verdade é que a
questão de constitucionalidade formulada em segundo lugar não tem qualquer
autonomia em relação à que a recorrente coloca em primeiro lugar. Com efeito,
embora reportada a preceitos diferentes, trata-se ainda aí da recolocação do
mesmo problema de constitucionalidade normativa, ou seja: saber se é ou não
compatível com a Constituição, designadamente com os princípios invocados pela
recorrente, a norma de que resulta que o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 145º
do Código de Processo Civil não se aplica ao prazo para impugnação judicial de
decisão administrativa que aplique uma coima. Mas, então, esta é a questão que
já está colocada em primeiro lugar pela recorrente.
4. Nestes termos, o recurso tem o seguinte objecto: “é a norma, extraída da
conjugação dos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e
Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.º 5 e 6 do Código de
Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art.
145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de
contra-ordenação, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13.º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional
efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República
Portuguesa?”
5. Com esta delimitação, notifique-se para alegações.”
6. Notificada, a recorrente alegou, juntando súmula de legislação,
jurisprudência e doutrina citada, e concluindo do seguinte modo:
“1.ª O princípio da tutela jurisdicional efectiva contempla como seu corolário o
“princípio da promoção do acesso à justiça” (também denominado princípio pro
actione ou princípio do favor do processo), segundo o qual as normas processuais
devem ser interpretadas (e também aplicadas) no sentido da validade ou da
eficácia dos actos processuais praticados pelo tribunal ou pelas partes (de
ambas, demandante e demandado), dos quais dependa o conhecimento do mérito das
pretensões formulado junto dos tribunais. [...]
4.ª O acórdão recorrido ao não considerar aplicável o art. 145.º, n.º 5 e 6 do
CPC, fixado genericamente pela lei para todos os prazos processuais
peremptórios, ao prazo de impugnação judicial de contra-ordenações adoptou uma
interpretação normativa contrária à interpretação literal, teleológica e
sistemática do art. 9.º, n.º 1 do Código Civil e do art. 41º, n.º 1 do RGCOC,
art. 107.º, n.º 4 do CPC e 145.º, n.º 5 e 6 do CPC.
5.ª Ainda que existissem dúvidas quanto ao sentido da aplicação do artigo 41.º
do RGCOC, e esta fosse de qualquer modo ambígua, por aplicação do princípio da
promoção do acesso à justiça, o sentido a adoptar sempre seria aquele que
permitisse concluir pela admissão do recurso no presente processo e pelo
conhecimento do mérito do recurso jurisdicional interposto, o qual, aliás, se
revela como o mais favorável ao arguido.
6.ª A não aplicação do art. 145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo de impugnação de
contra-ordenação consubstancia tão-somente um condicionante processual
desprovido de qualquer fundamento racional e sem qualquer conteúdo útil,
revelando um carácter manifestamente excessivo e desinserido da teleologia
própria da tramitação processual e cuja consagração, nessa medida, não prossegue
quaisquer interesses dignos de tutela.
7.ª A norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e
145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é
materialmente inconstitucional por violação do princípio da promoção da justiça
corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos
20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
8.ª A interpretação de tais disposições legais assenta no uso da regras gerais
de interpretação consagradas no artigo 10.º do Código Civil, adoptando-se ainda
um raciocínio em todo análogo à interpretação que é feita do mesmo art. 41.º do
RGCOC por parte do assento n.º 1/2001, de 20 de Abril, votado por unanimidade, o
qual fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que “como em processo penal,
também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da
impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo
requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima - artigos
41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de
Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo
Tribunal de Justiça n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro”
9.ª A interpretação do 41º, n.º 1 do RGCO, levada a cabo pelo Tribunal a quo,
inova de uma forma absolutamente surpreendente (face aos textos legais em vigor
e face às referida orientações jurisprudencial de carácter obrigatório) e criam
para a Recorrente uma interpretação das referidas normas legais com a qual ela
não poderia razoavelmente antecipar.
10.ª A norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e
145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é
materialmente inconstitucional por violação do direito a um processo equitativo
parte integrante do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos
artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
11.ª A Recorrente continua a desconhecer que as razões levaram “o legislador a
ser menos rígido” em relação aos demais prazos peremptórios “fixando um prazo
suplementar para a sua prática” e a ser mais exigente com o prazo peremptório
previsto no art. 59.º do RGCO.
12.ª A Recorrente desconhece por que razão o legislador, a adoptar-se a dimensão
normativa alcançada pelo Tribunal a quo, foi mais exigente no âmbito dos
processos em que não é exigido o patrocínio judiciário (cfr. art. 59.º, n.º 2 do
RGCOC) pois aí não previu qualquer “prazo suplementar para a sua prática com
multa” do que no âmbito dos processos em que o patrocínio judiciário é em “regra
geral” obrigatória (processo civil, cfr. art. 32.º, do CPC) ou é “sempre”
obrigatório (processo penal, cfr. art. 62.º do CPP, processo administrativo,
art. 11.º, n.º 1 do CPTA, processo do trabalho, cfr. art. 79.º do CPT e 32.º do
CPC).
13.ª Os artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e 145.º, n.º 5 e 6
do CPC, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo vedam à Recorrente a
possibilidade de ver acrescido um prazo “excepção ao princípio da preclusão” ou
um “prazo válvula de escape contra imprevistos” de três dias úteis.
14.ª Ora, como se demonstrou supra, caso a Recorrente estivesse a recorrer, em
situação totalmente idêntica à dos presentes autos de uma Sentença que
indeferisse a impugnação judicial veria o prazo normal de recurso dilatado por
mais três dias úteis. Isto sucede de igual modo no âmbito de qualquer outro ramo
de direito processual e com qualquer outro prazo processual peremptório.
15.ª Tal distinção e a diferença de prazo não se encontra materialmente fundada
porque não existem quaisquer motivos que justifiquem que o legislador exclua do
prazo a que se alude no art. 59.º do RGCOC a faculdade prevista no artigo 145.º,
n.º 5 e 6 do CPC.
16.ª Na verdade, incorrendo sobre o recorrente, em qualquer ramo de direito
processual, bem como, nas fases judiciais e administrativas do processo
contra-ordenacional, o mesmo ónus de contabilização dos prazos processuais, não
existe qualquer razão substancial que justifique a desigualdade de tratamento
ajuizada pelo Tribunal a quo.
17.ª A norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e
145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, a qual
não avança para qualquer justificação material no tratamento de prazos com igual
natureza peremptória, é materialmente inconstitucional por violação do princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.”
7. Notificado para responder, querendo, à alegação da recorrente, disse o
Ministério Público, a concluir:
“Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1 - Não cabendo ao Tribunal Constitucional qualificar juridicamente o prazo de
interposição do recurso da decisão sancionatória da autoridade administrativa,
previsto no artigo 59°, n.° 3, do RGCO, não viola o princípio da igualdade o
estabelecimento pelo legislador, no exercício da sua livre discricionariedade
legislativa, de regimes diferenciados para os prazos judiciais e de natureza
administrativa.
2 - A interpretação normativa em causa no presente recurso - excludente da
aplicabilidade ao acto de interposição do recurso na 'fase administrativa' do
processo do mecanismo de prorrogação consentido pelo artigo 145°, n.° 5 do
Código de Processo Civil - não restringe desproporcionadamente o acesso ao
direito e a efectividade da tutela judicial por parte do arguido.
3 - Configurando-se como adequado e suficiente o prazo de 20 dias para interpor
tal recurso - e vigorando ainda, nos termos gerais, o mecanismo do justo
impedimento, no caso de ocorrer situação anómala, que - sem culpa da parte -
dificulte ou impossibilite a prática atempada do acto.
4- Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
8. Por decisão não impugnada está o presente recurso limitado à apreciação da
inconstitucionalidade da norma que se extrai da conjugação dos artigos 41º, n.º
1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de
Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual
não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo
para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, por violação do
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição e do princípio
da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da
Constituição da República Portuguesa.
Antes de entrar na análise da constitucionalidade da norma questionada, importa,
porém, fazer duas prevenções: a primeira é a de que não compete ao Tribunal
Constitucional qualificar juridicamente o prazo de interposição do recurso da
decisão sancionatória da autoridade administrativa, previsto no artigo 59°, n.°
3, do RGCO, nem tão pouco tomar posição sobre a controvérsia respeitante à
respectiva natureza, mas apenas confrontar a norma aplicada na decisão recorrida
com os preceitos constitucionais – o que, no caso, implica verificar em que
medida viola a Constituição a não aplicação do mecanismo processual previsto no
n.º 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil ao prazo para interpor recurso
de impugnação da contra-ordenação; a segunda é a de que, de nenhum preceito da
Constituição da República Portuguesa decorre a obrigatoriedade da existência de
um tal mecanismo processual. Isto dito, vejamos, então.
9. Julgamento do objecto do recurso
9.1. Da alegada violação do princípio da igualdade
O princípio da igualdade postula, na sua formulação mais sintética, que se dê
tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento
diferente para as situações de facto desiguais (cfr., por todos, os Acórdão n.ºs
563/96, 319/00 e 232/03, disponíveis na página Internet do Tribunal
Constitucional no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/),
que procederam, cada um deles no seu tempo, a uma síntese da abundante
jurisprudência constitucional sobre o tema). Como o Tribunal tem reiteradamente
afirmado o princípio da igualdade não proíbe as distinções, mas apenas aquelas
que se afigurem destituídas de um fundamento racional. Como se escreveu, por
exemplo, no Acórdão n.º 187/01: “como princípio de proibição do arbítrio no
estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão
de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou
mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa
justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser
considerado relevante” Em suma, e no essencial, o que o princípio constante do
artigo 13º da Constituição impõe, sobretudo, é uma proibição do arbítrio e da
discriminação sem razão atendível.
Ora, centrando-nos no caso dos autos, dir-se-á que, na perspectiva do princípio
da igualdade, a norma que vem questionada não afronta a Constituição. É que,
como é manifesto, nenhum preceito constitucional impõe que os prazos judiciais e
os prazos não judiciais tenham de ter idêntico regime, no que se refere à
respectiva duração, contagem e carácter mais ou menos peremptório. Isso mesmo
resulta da Constituição, da lei e foi já afirmado pelo Tribunal Constitucional,
nomeadamente no acórdão n.º 473/01 (também disponível na página Internet do
Tribunal), onde se decidiu “não considerar inconstitucional, designadamente por
violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3
e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de
que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles
previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo
destas”, como aconteceria se se tratasse de prazo judicial. Nem tão pouco se
pode considerar que seja arbitrário, discriminatório ou sem razão atendível o
estabelecimento de regimes diversos para prazos qualificáveis como de natureza
judicial ou não judicial (administrativa), uma vez que tal diferença de regime
–aliás, mais ampla e não meramente centrada na aplicabilidade ou não do n.º 5 do
artigo 145º do Código de Processo Civil -, colhe o seu fundamento precisamente
na diversa natureza dos prazos em questão. Na verdade, como se afirmou no
Acórdão n.º 395/2002, “existe um fundamento racional para a diferenciação da
forma de contagem de actos que se praticam perante uma autoridade administrativa
e actos que se praticam perante um tribunal.” Acresce, finalmente, que, nestes
casos, essencial do ponto de vista do princípio da igualdade não será o
confronto, em abstracto, entre diferentes tipos de processo, mas antes o
confronto entre a posição dos diferentes sujeitos processuais no âmbito do mesmo
processo e, desta perspectiva, nada há que apontar à norma que vem questionada.
Improcede, por isso, nesta parte, o recurso que vem interposto.
9.2. Da alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva
consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição
Invoca ainda o recorrente que a norma questionada “é materialmente
inconstitucional por violação do princípio da promoção da justiça corolário do
princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º,
n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”. Não se vislumbra, porém, como.
Na verdade, não postulando a Constituição a necessidade de concessão de qualquer
prorrogação de prazos para a apresentação de recursos e tendo o recorrente vinte
dias para apresentar o seu recurso perante a autoridade administrativa, - acto
praticado na fase administrativa do processo e com um prazo, aliás, mais amplo
do que lhe é concedido para recorrer quer em processo civil, quer em processo
penal -, não se vê como, para utilizar as palavras do já citado acórdão n.º
473/2001, transponíveis para este caso, “é que a interpretação normativa que foi
adoptada na decisão recorrida, e que supra já identificámos, pode restringir
desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente
garantido.”
Improcede, por isso, também nesta parte, a alegação da recorrente.
10. Assim sendo, há que concluir que a norma que se extrai da conjugação dos
artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5
do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil,
segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do
CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não
viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da
tutela jurisdicional efectiva.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 4 de Maio de 2006
Gil Galvão
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Artur Maurício