Imprimir acórdão
Processo n.º 235/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
A senhora Advogada A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei 28/82 de
15 de Novembro (LTC), da decisão que na Relação de Lisboa lhe não admitiu o
recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional nos termos que
seguidamente se indicam:
A, outrora Advogada constituída nos autos em referência, tendo sido notificada,
por carta registada de 16.12.05, da decisão proferida em 15.12.05, não se
conforma, de todo em todo, com a mesma, porque dá uma interpretação
inconstitucional às normas dos arts. 68º/1/c/ e 520º/b/ do CPPenal, ao
responsabilizar-se a ex-mandatária.
Consequentemente, vem recorrer do referido Acórdão para o Venerando Tribunal
Constitucional de Lisboa, informando ainda V. Exas que vai dar conhecimento do
caso ao Ex.mo Senhor Conselheiro-Presidente do Conselho Superior da
Magistratura, para os fins que tiver por convenientes.
O recurso sobe imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Este requerimento foi, no entanto, indeferido por despacho do seguinte teor:
Relativamente ao recurso respeitante à norma do art. 68ºdo CPP não se admite o
mesmo por duas razões:
A primeira prende-se com a sua inadmissibilidade legal, por não preencher
nenhuma das alíneas do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o
que resolve definitivamente a questão. A segunda prende-se com o facto do
requerimento em causa não satisfazer os requisitos a que alude o art. 75º-A da
citada Lei, “ex vi” art. 76º.
Relativamente ao recurso para o T.C. respeitante à norma do art. 520º al. e) do
CPP, igualmente não se admite o recurso, por não terem sido esgotados os meios
ordinários de recurso – art. 400º e 407º al. d) do CPP.
É este despacho que a recorrente impugna através da seguinte reclamação:
(…)
2. A reclamante não se conforma com a referida Decisão, porque ao abrigo do n.º
5 do art. 75-A da Lei 28/82, de 15/11, ao Ex.mo Relator competia
vinculativamente convidar a recorrente a, no prazo de 10 dias, prestar as
necessárias indicações, designadamente indicar as especificações que devem
constar do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional.
Tais especificações passarão a ser feitas logo que seja efectuado o convite
imperativamente determinado pela Lei, no que diz respeito às normas do art. 68º
e 520º do CPP.
(...)
3. A interpretação dada pelo TR Lx é de tal forma inconstitucional que ninguém
de boa fé concebe que a Advogada Constituída seja transformada em parte
exactamente quando já faleceu a sua constituinte!
Isto é uma posição judicial inesperada e só pode surgir como surgiu num ambiente
de pura vindicta do Tribunal para com a Advogada reclamante.
A Advogada ex-mandatária não pode ser responsabilizada pelo falecimento da sua
constituinte, nem pela atitude omissiva de não se constituírem Assistentes os
seus herdeiros!
A Advogada não é parte e enquanto ex-mandatária deixa de ter quaisquer
obrigações ou ónus quer em relação ao Tribunal, quer em relação aos herdeiros,
os quais escolherão como advogado quem entenderem, estando no seu pleno direito
de não quererem Advogado e de não se constituírem Assistentes e, nessa medida,
de não prosseguirem a tramitação subsequente dos autos.
Neste enquadramento o ex-mandatário está fora e além de qualquer compromisso
processual e não pode ser obrigado pelo Tribunal a fazer seja o que for para
prosseguimento do processo.
A ex-mandatária não pode ser responsabilizada ao nível das normas dos art.
68º/1/c e 520º/b do CPPenal.
E quando o TRLx avança nesse sentido completamente absurdo torna-se imponderado,
em termos que qualquer cidadão, minimamente lúcido, fica surpreso e
escandalizado!
O TRLx está a fugir à questão e a emaranhar-se num corporativo exótico e
bolorento – os juízes são criticáveis como as demais pessoas – e, por isso
mesmo, estamos perante Deliberações e Decisões totalmente inesperadas e até
inacreditáveis, relativamente às quais não era possível qualquer prognose, isto
é, não é possível “adivinhar” que o TRLx chegasse a essa encruzilhada vingativa:
o poder independente dos juízes não está nas UC’s, mas sim na pedagogia
persuasiva!
Por isso, é que nem todos os juízes são iguais, porque há juízes persuasivos e
juízes aplicadores de UC’s vingativas!
4. Donde, dado o inesperado e surpresa do caso insólito a que estamos a
assistir, a ora reclamante só podia suscitar a questão da ilegalidade/
inconstitucionalidade no requerimento de interposição de recurso de 4.01.06 de
fls. 870.
Não havia lugar à prognose!
A única oportunidade processual era e foi incontestavelmente aquela.
5. Após convite imperativo a que deve proceder-se nos termos do n.º 5 do Art.
75º-A da Lei 28/82 de 15/11, ver-se-á que o recurso respeitante à norma do art.
68º do CPP tem base legal e jurisprudencial.
6. E relativamente ao recurso para o Tribunal Constitucional respeitante à norma
do art. 520º do CPP é manifesto, para quem não tenha uma visão vingativa, e
considere os Advogados com a imunidade necessária ao exercício do mandato e o
patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça (art. 208º
da Constituição), que o pensamento punitivo baseado nas UC’s dos Ex.mos Srs.
Juízes Desembargadores é um autêntico desastre processual!
A razão é sempre a mesma: A advogada ex-mandatária não é parte, não pode ser
corporativamente envolvida no processo para satisfazer os caprichos vingativos
dos Ex.mos Senhores Desembargadores!
A ex-mandatária poderá colaborar com TRLx, mas não tem que prestar contas e ser
responsabilizada pelo facto de ter falecido a sua constituinte!
Com o óbito da sua constituinte esgotaram-se quaisquer meios ordinários de
recurso: não há recursos para além da morte, a não ser para os herdeiros, mas
nunca para a ex-mandatária!
Há um atrevimento e uma perversidade processual inadmissível e inaceitável, que
ronda as raias do ridículo e do escândalo, de forma que convocar as normas dos
art. 400º e 407º/d/ do CPP, relativamente a uma ex-mandatária e para além do
processo ser um círculo vicioso terrível a nível doutrinário e jurisprudencial!
5. Quanto ao Documento junto a fls. 872 e 875, uma vez que não ocorreu o
trânsito em julgado e o recurso está dirigido ao Tribunal Constitucional,
regressa de novo ao processo e fica aí inserido, como é de Lei.
O referido documento é muito elucidativo e clarividente relativamente ao caso em
apreço e a sua devolução ao processo é relevante.
6. Mantém-se o recurso já interposto em 4.01.06, a fls.
As interpretações dadas às normas dos art. 68º e 520º do CPC são decisões
surpresa, face ao art. 208º da Constituição, porque a ex-mandatária não poder
ser responsabilizada.
Donde requer a admissão do referido recurso.
Pedido
a. É competente para apreciar a reclamação o TR Lisboa, de harmonia com o
preceituado no art. 688º/3 do CPC, a incidir sobre o deferimento;
b. Mas, compete ao Tribunal Constitucional, em secção, o julgamento de
reclamação do despacho que indefira o requerimento de recurso (art. 76º e 77º/1
da Lei 28/82 de 15 de Novembro).
Nestes termos requer a V. Exas – Exmos Doutores Juízes Desembargadores que seja
alterado o despacho reclamado, mandando admitir o recurso em causa, seguindo
imediatamente o recurso para o Tribunal Constitucional, nos próprios autos, com
efeito suspensivo, ex vi do preceituado nos art. 69º e ss. da Lei 28/82 de 15 de
Novembro, incorporando-se o presente apenso no processo principal (primeira
parte do n.º 4 do art. 688º do Cód. Proc. Civil).
E requer a V. Exas – Exmos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em
Secção, de harmonia com os art. 76º e 77º /1 da Lei 28/82, de 15 de Novembro,
que julguem procedente por provada a presente reclamação.
O representante do Ministério Público neste Tribunal entende que a reclamação é
manifestamente improcedente.
Vejamos:
Compete desde logo ao recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 75º-A da LTC,
indicar no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional a alínea do n.º 1 do artigo 70º da mesma LTC ao abrigo da qual o
recurso é interposto e, de seguida, enunciar determinados elementos que,
conforme o tipo de recurso interposto, constituem seus requisitos. Dispõe-se,
todavia, no n.º 5 do mesmo preceito que se do requerimento de interposição de
recurso não constarem estas menções, o tribunal convidará o recorrente a prestar
o necessário esclarecimento no prazo de 10 dias.
Sem que a recorrente tivesse sido previamente notificada para suprir qualquer
deficiência do seu requerimento, o pedido foi imediatamente indeferido, com um
duplo fundamento: quanto à norma constante do artigo 520º alínea b) do Código de
Processo Penal, em virtude de a decisão recorrida ainda admitir recurso
ordinário; quanto à norma constante do artigo 68º do mesmo Código, por não estar
previsto em 'nenhuma das alíneas do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro', além de o requerimento 'não satisfazer os requisitos a que alude o
artigo 75º-A da citada Lei, ex vi artigo 76º', ambos da LTC.
Ora, quando o recorrente, inconformado com o despacho de não recebimento do seu
recurso, dele pretende reclamar directamente para o Tribunal Constitucional, nos
termos do n.º 4 do artigo 76º da LTC, impõe-se que indique, na sua reclamação,
todos os elementos que devem obrigatoriamente constar do requerimento de
interposição do recurso, pois só assim pode o Tribunal Constitucional apurar da
verificação cumulativa de todos os requisitos do pretendido recurso.
Na verdade, e ao contrário do que parece pensar a reclamante, a decisão a
proferir pelo Tribunal Constitucional, no caso de revogar o despacho de
indeferimento, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, razão pela
qual se impõe que a pretensão se mostre instruída com os elementos de onde possa
resultar a verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso.
Todavia, conforme a reclamante, aliás, reconhece, do requerimento de
interposição de recurso não constam todos os elementos que possibilitem uma
decisão definitiva quanto ao recebimento do recurso, pois nada se diz, por
exemplo, sobre a alínea do n.º 1 do artigo 70º da LTC ao abrigo da qual o
recurso seria interposto, indicação essencial e indispensável a essa decisão,
deficiência que, na reclamação apresentada, a reclamante deliberadamente não
supre, o que desde logo inviabilizaria a possibilidade de deferir a reclamação,
por não se saber, sequer, a que específicos pressupostos deve obedecer a
interposição deste recurso.
Assim, e por não haver necessidade de outras considerações, decide-se indeferir
a reclamação, confirmando o despacho de não admissão do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se em 20 UCs a taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Maio de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos