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Processo n.º 76/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão de 22 de Setembro de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
conceder parcial provimento ao recurso interposto por a. do acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 2004, que, no âmbito do processo
comum colectivo n.º 16783/01.8TDLSB, negou provimento ao recurso por ele
interposto da decisão da 8.ª Vara Criminal de Lisboa (se bem que, em
consequência de alteração legislativa superveniente, tivesse reduzido para 9
anos de prisão a pena correspondente ao crime de tráfico agravado de
estupefacientes, e para 15 anos a pena correspondente ao cúmulo jurídico) que o
havia condenado, como co-autor de um crime de associação criminosa e de um crime
de tráfico agravado de drogas ilícitas, nas penas parcelares de 12 anos de
prisão e de 10 anos de prisão e na pena conjunta de 16 anos de prisão.
Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça reduziu as penas parcelares a
que o arguido tinha sido condenado para 6 anos de prisão e 8 anos de prisão,
respectivamente pelos crimes de colaboração prestada a associação criminosa e de
tráfico comum (não agravado) de drogas ilícitas, e reduziu a pena conjunta para
10 anos de prisão. Pode ler-se nesse aresto:
«5. QUESTÃO PRÉVIA
5.1. O tribunal colectivo declarou perdidos a favor do Estado “todos os bens e
direitos pertencentes aos arguidos e à sociedade “B. S.A.” e, designadamente, os
bens apreendidos a fls. 346, incluindo o direito de crédito de fls. 353, de fls.
371 e 372, a mercadoria dos contentores apreendidos ….” e “….” o saldo já
apreendido de duas contas tituladas pela firma “B.” no C., S.A. sob os números
49/372444 (20.424,45 €) e 90/1960950 (153.488,87 € + 27.837.92 USD + 64.012,03
USD + 123.900€)”. Porém, a Relação(11) limitou essa perda ao “dinheiro e
direitos apreendidos à sociedade – o cheque de fls. 353 que foi passado à sua
ordem e os saldos das contas bancárias que no acórdão se referem”:
«Cremos haver no acórdão recorrido um lapso quando se decreta o perdimento “de
todos os bens e direitos pertencentes aos arguidos e à sociedade B., SA,
designadamente os bens apreendidos”. A tomar-se à letra tal segmento do
dispositivo, todo o património dos arguidos, conhecido ou não nos autos, seria
confiscado e não parece ser esse o sentido da decisão: a palavra
“designadamente” estará ali a mais, representando um lapso de escrita e deve
assim ser suprimida, ao abrigo do preceituado no artigo 380.º, n.º 1, alínea b),
e n.º 2, do C.P.P. Entendida deste modo a decisão, estarão em causa apenas
dinheiro e direitos apreendidos à sociedade – o cheque de fls. 353 que foi
passado à sua ordem e os saldos das contas bancárias que no acórdão se referem.»
5.2. Sendo assim, só a “B.., SA” – além do MP(12) – teria legitimidade para
recorrer dessa decisão: “Têm legitimidade para recorrer aqueles (...) que
tiverem a defender um direito afectado pela decisão” (art. 401.º, n.º 1, al. d),
do CPP).
5.3. Mas já não o arguido, pois que tal decisão não foi “proferida contra ele
[arguido]” (art.º 401.º, n.º 1, al. b)), mas contra a “B., SA”. É certo que era
A. o “legal representante” da sua sucursal em Portugal (“B., SA – Sucursal em
Portugal”), mas não foi nessa qualidade, mas na de “arguido”, que o recurso foi
interposto.
5.4. Termos em que – por ilegitimidade do recorrente – se não conhece, nessa
parte, do recurso de A..
6. QUESTÕES ADJECTIVAS
6.1. Seria nulo o acórdão recorrido se não contivesse a assinatura dos
respectivos juízes (omissão suprível pela recolha, enquanto fosse possível, das
assinaturas em falta) – art.ºs 668.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC e 374.º, n.º
3, al. e), do CPP). O recorrente, porém, não invoca a omissão das assinaturas
mas a “ilegibilidade” de duas delas, o que não configura “nulidade” (art.º
118.º, n.º 1, do CPP) nem, sequer, “irregularidade” (art.º 118.º, n.º 2). E, não
se pondo em causa que “o arguido tem o direito de saber quem o julga e o
condena”, bastar‑lhe-á consultar, para tanto, a acta da audiência de
julgamento(13).
6.2. Insiste o recorrente em que “a omissão da contestação no acórdão da 8.ª
Vara e a redução da acusação de 13 folhas para 4, sem explicitação de factos,
causa nulidade que o TRL não atendeu”. No entanto, a Relação pronunciou-se
detida e esgotantemente sobre essa questão(14) em termos que, em recurso para o
Supremo, teria cabido ao recorrente contrariar, argumento por argumento, e não
em termos genéricos e, até, concretamente ininteligíveis (“A fundamentação do
TRL não é consonante com provas concretas e certezas inequívocas”). Aliás, o
recorrente não indica agora – como não indicara já no recurso para a Relação
(que, “percorrendo a acusação, se não deparou com omissão alguma, antes
verificando que o tribunal colectivo sintetizara, de forma aceitável, o conjunto
de factos articulados na acusação”) – “um único facto relevante que tenha sido
omitido na decisão sobre matéria de facto”. Nem contesta que “quanto às questões
jurídicas [suscitadas na contestação] ligadas à cláusula CIF, não podia o
tribunal pronunciar-se sobre elas em sede de factos provados ou não provados”.
6.3. Reclama o recorrente que “o TRL não procedeu ao reexame crítico requerido
na conclusão 25.ª [15] nem apreciou os depoimentos das testemunhas indicadas in
fine”. No entanto, o tribunal colectivo – perante essas provas (cujo reexame
crítico ora acusa de omisso) – já havia concluído (conclusão que a Relação não
pôs em causa) que «em 20 de Novembro de 2001, o arguido A. comunicou, em nome da
“B.” à “G.” que ia devolver os contentores, tendo sido este arguido que se
deslocou aos escritórios desta firma onde foram entregues os documentos dos
contentores, tendo em 26 de Novembro de 2001 sido cancelados esses documentos
pelo arguido H. em nome da “I., S.A.” e que “o transporte dos contentores estava
sujeito à cláusula CIF – cost, insurance and freight – sendo o lugar de
cumprimento o cais do porto de destino da mercadoria – Lisboa”. Não haveria, por
isso, que reexaminar as provas documentais ou testemunhais que haviam conduzido
o tribunal colectivo – sem concreta impugnação do recorrente – à comprovação de
tais factos. A dedução – em termos de qualificação da sua conduta – que o
recorrente pretendia que a Relação deles extraísse (contra aquela que 1.ª
instância deles extraíra) não tem a ver com o reexame crítico da respectiva
prova documental nem com a reapreciação dos “depoimentos das testemunhas
indicadas in fine”.
6.4. Insurge-se também o recorrente contra o acórdão da Relação por este não ter
explicitado a razão por que, apesar de ele ter “rejeitado a mercadoria”, ainda
assim o considerou “participante numa organização para introduzir cocaína”. Nem
a razão por que “sendo a voluntas do recorrente importar parafina, alimentos,
alumínios e produtos em geral (cfr. pacto social da B.)”, pôde ele ter
pretendido “importar estupefaciente”. Nem “o motivo por que das paletes em
alumínio que o recorrente importou e acabou por recusar, o tribunal retira a
conclusão de que o recorrente quis introduzir drogas”. E nem a razão por que da
“linguagem [utilizada] ao telefone” (“panelas”, “sapatilhas”) “o tribunal
retirou a conclusão de que o recorrente quis introduzir drogas” e não a de que
seriam alumínios (“metal branco com o qual se fazem utensílios domésticos,
panelas por ex.”) e “paletes” (“em sentido popular, sapatos”) os bens a que essa
linguagem se pretendia referir.
6.5. Porém, a Relação a esse respeito foi bem explícita. Desde logo, ao remeter
para o acórdão do tribunal colectivo (que considerou, a esse respeito,
“amplamente explícito”), assumindo-a, a fundamentação das “razões” da
comprovação do “conhecimento dos factos e articulação do plano de actuação dos
arguidos e a sua integração numa organização criminosa”. Depois, ao repudiar a
relevância jurídico-penal da invocada “cláusula CIF” por, além do mais, ser “de
toda a evidência que, demonstrada através da prova abundantemente descrita no
acórdão a vontade do recorrente de dar o seu concurso para a introdução, em
Portugal, da cocaína expedida do Panamá”, “nada interessando”, por isso, “o
conteúdo do contrato comercial, de aparência legal, sob o qual se procurava
dissimular esse acto ilícito”. Depois, ao chamar a atenção para que “no tipo
legal [de tráfico de drogas ilícitas], não se pune apenas a posse de
estupefacientes, mas também a sua importação ou mesmo o simples fazer transitar
produtos qualificados pela lei como tal”. Enfim, e quanto à questão da “rejeição
da recepção dos contentores”, também a Relação se remeteu para a expressa
referência, (“em termos que não merece[ra]m [à Relação] o mínimo reparo”) que o
tribunal colectivo lhe fizera “em sede de apreciação da prova, desvalorizando-a
enquanto eventualmente consubstancial da vontade de desistir do propósito
criminoso”.(16)
· “Note-se que, no dia da chegada dos contentores a Lisboa (15 de
Novembro de 2001), o arguido A., em nome da B., tinha intenção de levantar os
contentores, pelo que as razões constantes do fax referido só podem ser vistas
como ilusão formal para justificar a mudança de posição da organização. Aliás, é
de notar que foi o próprio arguido A. (que aparentemente nada queria ter a ver
com o negócio, pois acabou por rejeitar a mercadoria) quem teve a ideia de
reenviar tais contentores para Espanha, com destino a empresa a designar;
encontrando-se a burocracia para tal fim já na posse dos arguidos, sendo do
conhecimento de ambos, aquando da sua detenção. Assim, no dia 10 de Dezembro de
2001 ambos os arguidos conversaram por telefone, às 1:51-1:55, perguntando
H.pelo alumínio e se A. não via inconveniente em tirá-lo, ao que este lhe
sugeriu, demonstrando receio em desalfandegar a mercadoria, que se enviassem os
contentores para Espanha, para uma empresa que lhe fosse indicada (cfr. sessão
n.º 641, transcrita a fls. 583 a 589)”.
· “Posteriormente, no dia 19 de Dezembro de 2001, quando já era notório
que o negócio não estava a correr bem, pois os contentores tinham chegado a 15
de Novembro de 2001, M. foi morto na Colômbia, facto que N. (?) deu conhecimento
ao arguido A. no dia seguinte”. (cfr. sessão n.º 1076 transcrita a fls. 599 a
601).
· “Por esse facto o arguido H. telefonou ao arguido A., no dia 22 de
Dezembro de 2001, às 14:20, informando-o de que estava disposto a deslocar-se a
Madrid para conversar com N. e, se necessário, deslocar-se a Lisboa para,
juntamente com A., ambos tratarem da transferência dos contentores para uma
empresa espanhola, de acordo com a ideia inicial do próprio A., indicando-lhe
ainda o número do seu telefone pessoal para o A. o contactar e para este o
transmitir ainda a N.” (cfr. sessão n.º 1171, transcrita a fls. 1252 a 1257).
· “Em 03 de Janeiro de 2002, às 19:04, o arguido H. telefonou ao arguido
A. e voltou a insistir na necessidade de se encontrarem a fim de tratarem do
levantamento dos dois contentores, informando-o que estavam nas mãos de A., e
que a morte de M. não fora por causas naturais mas sim porque cometera alguns
erros, e que os sócios do mesmo na Colômbia estavam interessados em ‘sacar’ os
contentares. O arguido H. disse ainda que tinha já carta branca para colaborar
com A. porque falara disso no país dele com o patrão da organização a que
pertencia, com os sócios de M. (‘D. M.’), sendo a empresa ‘I.’ no Panamá agora
por si gerida” (cfr. sessão n.º 1492, transcrita a fls.1261 a 1273).
6.6. Não se justifica, pois, que “o TRL reaprecie a matéria de facto supra
descrita, documentos referidos e prova de fls. 403, 898, vozes de fls. 253, 257
e depoimentos de P., Q.”. E, menos ainda, a prévia “tradução dos étimos em
língua castelhana – sapatilhas/alumínios/panelas – por tradutor certificado”.
Pois, contra o que possa parecer ao recorrente, não constitui “nulidade” (n.º 3
do artigo 188.° do CPP) a “não transcrição em língua castelhana – mas apenas da
respectiva tradução para português – das conversações, alvo de escuta
telefónica, em que se falou essa língua”. Pois que, como bem decidiu a Relação,
“norma legal alguma impõe que, em tais casos, se proceda à transcrição na língua
original usada na conversação, muito menos a invocada pelo recorrente, na qual
apenas se determina que o juiz ordene a transcrição dos elementos recolhidos ou
de alguns deles, se os considerar relevantes para a prova ou ordene a sua
destruição no caso contrário”. Aliás, “sendo a transcrição [do art.º 188.º, n.ºs
3 e 4] um acto processual”, sempre lhe seria “aplicável o disposto no artigo
92.º, n.º 1, do mesmo Código(17), que manda utilizar a língua portuguesa, sob
pena de nulidade”(18).
6.7. De resto, “a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto,
esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo
pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela
competência, reeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes
à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas
todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as
que o poderiam ter sido” (19).
6.8. Com efeito, o reexame/revista (pelo STJ) exige/subentende a prévia
definição (pelas instâncias) dos factos provados (art.º 729.º, n.º 1, do CPC).
E, no caso, a Relação – avaliando a regularidade do processo de formação de
convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso –
manteve-os, em definitivo, no rol dos “factos provados”.
6.9. A revista alargada ínsita no art.º 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP pressupunha (e
era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de
1987) (20)um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e
do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei
restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso
dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao
recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não
impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito
instrumentais desta, designadamente “a inobservância de requisito cominado sob
pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada”).
6.10. Porém, essa revista alargada (do STJ) deixou de fazer sentido – em caso de
prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998
(Lei n.º 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser
susceptíveis de impugnação, “de facto e de direito”, perante a Relação (art.ºs
427.º e 428.º, n.º 1).
6.11. Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do
tribunal colectivo, de duas, uma: se visar exclusivamente o reexame da matéria
de direito (art.º 432.º, al. d)), dirige o recurso directamente ao Supremo
Tribunal de Justiça (21) e, se o não visar, dirige-o, “de facto e de direito”, à
Relação, caso em que da decisão desta, se não for “irrecorrível nos termos do
art.º 400.º”, poderá depois recorrer para o STJ (art.º 432.º, al. b)).
6.12. Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá
que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em
matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais “erro(s)” – das
instâncias “na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da
causa”)(22).
7. PRESUNÇÕES JUDICIAIS
7.1. “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” (art.º 125.º do
CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, “as ilações que o
julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto [des]conhecido”: art.º
349.º do CC); Daí que a circunstância – invocada pelo recorrente – de a
presunção judicial não constituir “prova objectiva” não contrarie – “por
dispensar prova concreta, positiva” (!) – o princípio da livre apreciação da
prova, que permite ao julgador apreciar a “prova” (qualquer que ela seja, desde
que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre
convicção (art.º 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante
factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de
“firmar um facto desconhecido”.
7.2. E nem se diga – como diz o recorrente – que “a presunção judicial viola o
princípio da presunção da inocência”. Pois que, na aplicação da regra processual
da “livre apreciação da prova” (art.º 127.º do CPP), não há que lançar mão,
limitando-a, do princípio “in dubio pro reo” exigido pela constitucional
presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada
segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não
conduzir “à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e
invencível sobre a existência ou inexistência do facto”. O “in dubio pro reo”,
com efeito, “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão
judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do
julgador” (cfr. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997).
7.3. A este respeito, convém recordar que “verificar cada um dos enunciados
factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a
prova, o processo probatório” e que “para levar a cabo essa tarefa, o tribunal
está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que
apelidaremos de razoável”. E isso porque “a prova, mais do que uma demonstração
racional, é um esforço de razoabilidade”: “no trabalho de verificação dos
enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo,
assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados
num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não
é reprodutível”. Donde que “não seja qualquer dúvida sobre os factos que
autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido”, mas apenas a chamada dúvida
razoável (‘a doubt for which reasons can be given’)”. Pois que “nos actos
humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de
dúvida”. “Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por
conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as
decisões morais”. Enfim, “a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo
tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza
contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do
tribunal” (ibidem).
7.4. Daí que, nos casos [como será este] em que as regras da experiência, a
razoabilidade (repete-se: “a prova, mais do que uma demonstração racional, é um
esforço de razoabilidade”) e a liberdade de apreciação da prova convencerem da
verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”,
sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva
e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não haja –
seguramente – lugar à intervenção dessa “contra -face (de que a “face” é a
“livre convicção”) da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou
da racionalidade objectiva” que, fundada na presunção de inocência, é o “in
dubio pro reo” (cuja pertinência “partiria da dúvida, suporia a dúvida e se
destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua
concretização”).
7.5. Tendo-se o tribunal colectivo (e a Relação) fundado – como consta dos
respectivos acórdãos – em vasta prova documental, pericial e testemunhal (e, nos
casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, também em presunções
judiciais), não é correcto afirmar-se, como afirma o recorrente na sua alegação
como se esse fosse o caso (que não é), que “não podem relevar, de forma isolada,
meios de obtenção de prova excepcional” (como “meros excertos de transcrições de
escutas telefónicas”), “sem recurso a outros elementos ou provas”.
7.6. Escapará, de qualquer modo, à sindicância do tribunal de revista o alegado
“erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa”
(art.º 722.º, n.º 1, do CPC): “A fundamentação do acórdão não constitui
pressuposto da sua eficácia pois nem o destinatário nem a comunidade jurídica
podem ser ‘convencidos’ da sua justiça (…). É uma fundamentação viciada nas
premissas com conclusão errada sem explicitação do iter lógico da
‘Goldbrook’”(23).
8. APREENSÕES
8.1. Insurge-se o arguido contra o acórdão da Relação por – segundo ele – “não
explicitar por que razão a intervenção do JIC de Portugal só ocorreu após a
apreensão/destruição da droga na Holanda”, por que “é válida a colocação dos 5
gramas nos contentores, acto executado pela polícia holandesa”, sem
“autorização/desautorização” do juiz de instrução português, “por que motivo o
JIC português não foi a primeira pessoa a tomar contacto com a apreensão – art.
179.º, n.º 3, do CPP” e “por que razão tudo ocorreu em país estrangeiro à
revelia daqueles preceitos, na intercepção dos contentores que são
correspondência/encomendas”. Não teve, porém, em conta que Portugal e os Países
Baixos, enquanto signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico
Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas(24), se concediam e
concedem mutuamente “o mais amplo auxilio judiciário possível em investigações,
procedimentos criminais e processos judiciais por infracções estabelecidas de
acordo com o n.º 1 do artigo 3.º[25]” (art.º 7.º, n.º 1), incluindo – além da
“recolha de testemunhos e declarações”, “comunicação de actos judiciais”,
“realização de buscas e apreensões” e do “exame de objectos e lugares” – o
“fornecimento de informações e elementos de prova”, o “fornecimento de originais
ou de cópias autenticadas de documentos e registos pertinentes (…)” e “a
identificação ou apreensão de produtos, bens, instrumentos ou outras coisas para
efeitos de prova” (n.º 2). Com efeito, dominam, neste âmbito, “a lei e a prática
internas” da Parte requerida (n.ºs 3 e 4). Donde que a legalidade dos actos de
apreensão e de substituição do bem apreendido por uma sua amostra houvesse de
ser apreciada “em conformidade com a legislação da Parte requerida (...)” (n.º
12). E a verdade é que o recorrente, em parte alguma, contesta a legalidade –
perante as leis locais – da intervenção das autoridades holandesas.
8.2. Acresce (v. fls. 14) que a apreensão determinada pelo MP de Roterdão foi
efectuada na sequência de “cooperação” pedida pelo MP português “com vista à
entrega controlada [da droga apreendida]” e ao “envio [para Portugal] das provas
recolhidas naquela cidade”. A “apreensão”, de acordo com o pedido de cooperação,
foi feita de molde a que a carga fosse “deixada sem marcas visíveis da
intervenção” e a “não alertar os donos da carga”. Nesta – segundo esse acordo
(que teve em conta que “a lei holandesa não permitiria às autoridades desse
país, em tempo útil [o navio sairia entretanto de Roterdão, prosseguindo
viagem], obter autorização do Procurador Geral do Reino para o envio de maiores
quantidades” – “viria produto inócuo, de substituição, e uma pequena porção (5
g) da cocaína que originalmente constituía a carga”.
8.3. E, quanto à apreensão (da amostra da droga apreendida na Holanda) que, mais
tarde, teve lugar em Portugal, o recorrente invoca – para fundar a proibição
legal (!) da prova correspondente(26) – a inerente “intromissão na
correspondência [!], sem o consentimento do respectivo titular” (art.º 126.º,
n.º 3, do CPP). Como se um carregamento comercial de toneladas de alumínio (e
droga) do Panamá para Portugal constituísse “correspondência privada” e a sua
apreensão “intromissão na correspondência”!
8.4. Subsidiariamente, invocou ainda o recorrente a nulidade da apreensão da
“amostra de cocaína” (escondida no carregamento de escória de alumínio
importado), já que não precedida de autorização ou ordem do juiz. E isso porque
– nos termos do art.º 179.º (“Apreensão de correspondência”) – “a apreensão,
mesmo nas estações de correios e telecomunicações, de cartas, encomendas,
valores, telegramas ou qualquer outra correspondência” depende, “sob pena de
nulidade”, de autorização ou ordem do juiz. Mas, como resulta de tal disposição,
só a apreensão da “correspondência (postal)” (nela incluídas as “encomendas
[postais]” susceptíveis de constituir “correspondência”, isto é, troca de
mensagens escritas) é que está sujeita – compreensivelmente – a tal regime de
protecção da privacidade e intimidade dos utentes dos serviços de “correios e
telecomunicações”. O que obviamente não é o caso.
8.5. De resto, o acórdão da Relação pronunciou-se a esse respeito em termos que
merecem acatamento:
«A tese do recorrente arranca do pressuposto de que os contentores são
“encomendas” no sentido com que o termo é usado no artigo 179.º do C.P.P. e que,
como tal, constituiriam “correspondência” estando a respectiva apreensão sujeita
à disciplina estabelecida nesse preceito. Parece-nos, porém, indefensável tal
posição. Na verdade, o formalismo consagrado na norma justifica-se pelas
cautelas que é necessário tomar em matéria de quebra do sigilo da
correspondência, constitucionalmente garantido. O artigo 34.º, n.º 1, da
Constituição proíbe toda a ingerência das autoridades públicas na
correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação “salvos
os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”. E, como referem V.
Moreira e G. Canotilho (Constituição Anotada, 1978, p. 102) a inviolabilidade da
correspondência está relacionada com o direito à intimidade pessoal, previsto no
artigo 2.º. Já se vê, em face disto, que dois contentores contendo escória de
alumínio, expedidos do Panamá para Portugal por via marítima, estando o seu
conteúdo, enquanto mercadoria comercial, sujeita, para além do mais, a
fiscalização alfandegária, não constituem “correspondência” naquele sentido nem
a sua abertura atenta, de qualquer modo, contra o direito à intimidade pessoal.
Assim sendo, as apreensões efectuadas estariam apenas sujeitas à autorização,
ordem ou validação da autoridade judiciária estabelecida no n.º 3 do artigo
178.º do CPP para as apreensões em geral [“As apreensões são autorizadas,
ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária”]. E a verdade é
que quer a apreensão efectuada na Holanda quer a que foi realizada em Portugal
da amostra introduzida nos contentores pelas autoridades daquele país foram
validadas expressamente (cfr. fls. 14/15) ou implicitamente (fls. 635) pelo
Ministério Público, que é autoridade judiciária (cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea
b), do CPP).»
9. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
9.1. Se bem que “o comportamento do arguido” – tal como vem definido pelas
instâncias – não integre a promoção, fundação, financiamento, chefia e direcção
de “associação criminosa” (na medida em que não terá “promovido”, “fundado”,
“financiado”, “chefiado” ou “dirigido” o tal “grupo organizado composto por
cidadãos colombianos e panamianos – entre os quais M., natural da Colômbia,
responsável pela empresa ‘I.., SA’ – que tinha como objectivo a prática de
importação/exportação de estupefacientes” e “pretendia utilizar esta empresa e a
‘B. S.A.’ criadas para o efeito, para importar/exportar tais produtos
estupefacientes”), a verdade é que, “conhecendo os factos (…), a natureza (…) da
cocaína e o carácter criminoso da sua conduta”, “prestou colaboração, directa ou
indirecta” àquele grupo, assumindo até a “representação legal”, em Portugal, da
sucursal portuguesa da “B., SA” (constituída para dar “cobertura” – simulando a
“importação e exportação de diversos produtos” de comercialização lícita – à
importação dissimulada de cocaína) e dele tendo recebido “quantias monetárias
para gastos [na Europa, nomeadamente em Portugal] com os trâmites das
importações e como contrapartida pela actividade desenvolvida”. Ao arguido
caberia – por conta dos lucros – uma determinada “comissão”.
9.2. Com efeito, foi a “R.” «que expediu, desde o Panamá, a mando da ‘I., SA’,
dois contentores, através do navio ‘…, da companhia ‘S.’, tendo como
destinatário a ‘B.’ e destino final o porto de Lisboa. O desalfandegamento da
mercadoria – bem como o posterior encaminhamento da cocaína nela dissimulada
“para local que lhe fosse, então, comunicado” (27) – competiria ao arguido, como
“colaborador”, em Lisboa, da organização criminosa que operava a coberto da “I.”
e da “B.”. E foi nessa qualidade que ele “contactou a ‘G.’, no início de
Novembro de 2001, para tratar do despacho destes dois contentores provenientes
do Panamá e expedidos, a mando da ‘I.., SA’, pela ‘R.”. Só que – como o arguido
sabia (“Os arguidos conheciam os factos descritos e diligenciaram por os
realizar, apesar de conhecerem a natureza estupefaciente da cocaína e o carácter
criminoso da sua conduta”) – um dos contentores tinha, dissimulados na carga
(exportada com o único propósito de a dissimular), 416,17 kg de cocaína. Aliás,
“o arguido actuou por acordo e em conjugação de esforços” com o tal “grupo
organizado” (“composto por cidadãos colombianos e panamianos com o objectivo a
prática de importação/exportação de estupefacientes”).
9.3. Ora, esta “colaboração” – a uma “organização de duas ou mais pessoas que,
actuando concertadamente, vis[ava] praticar alguns dos crimes previstos nos
artigos 21.º e 22.º” – é [e já era ao tempo] criminalmente punível (art.º 28.º
do Decreto-Lei n.º 15/93), “com pena de prisão de 5 a 15 anos de prisão”.
10. TRAFICO AGRAVADO?
10.1. Relativamente ao ora arguido, as penas previstas no art.º 21.º poderiam
ser “aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo” (art.º 24.º do
Decreto-Lei n.º 15/93) se se tivesse apurado que “o agente (...) procurava obter
avultada compensação remuneratória”.
10.2. Porém, ignora-se – ainda que ele recebesse “quantias monetárias para
gastos com os trâmites das importações e como contrapartida pela actividade
desenvolvida” – qual o montante (e se “avultado” ou não) dessas contrapartidas.
10.3. É certo que a operação que o arguido concretamente “apoiou” (o da
exportação/importação, entre o Panamá e Lisboa, de 416,17 kg de cocaína, a
coberto de 29 paletes de escória de alumínio) lhe viria a valer – se bem
sucedida – determinada “comissão”.
10.4. Ignora-se porém qual o seu percentil (se elevado, modesto ou escasso) e,
em termos absolutos, qual o seu valor aproximado. Pois que o saber-se,
simplesmente, que “em Portugal, no ano de 2001, um grama de cocaína custava, a
preço médio e a retalho, a quantia de 53,51 €” não permite apurar nem sequer
calcular (mesmo no pressuposto de “que a quantidade de cocaína apreendida
renderia [no retalho] quantia superior a € 21.200.000”) qual o “lucro” que o
“grupo” viria a retirar [ou “pretenderia obter”] da venda [a grosso] da cocaína
exportada e, menos ainda, em que medida o arguido (mero colaborador, ainda que
qualificado, da associação criminosa) viria – com a sua “comissão” – a partilhar
dele (28) ou que, com essa “comissão”, “procurava obter”.
10.5. Ignorando-se assim (pois que a matéria de facto não fornece os dados
correspondentes)(29) se “o agente procurava [ou não] obter avultada compensação
remuneratória”, não se lhe poderá assacar a agravante – que as instâncias,
precipitadamente, lhe assacaram – da alínea c) do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º
15/93. (…)»
[notas de rodapé no original]
Notificado deste acórdão, o arguido requereu a sua aclaração e suscitou a
nulidade do processado, nos seguintes termos:
«Quanto à questão prévia:
A) Nulidade: ausência de prova:
Reza o art.º 2.º do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
que:
“Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção tem o direito de fazer
examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade…”
A defesa foi ostracizada in totum em sede de Instrução – documentos juntos em 6
de Fevereiro de 2003 – em Julgamento e neste Alto tribunal.
Os direitos da B. foram omitidos até hoje!
A não valoração da contestação/ defesa do recorrente… conclusões 13, 14, 15, 16,
e o alheamento aos documentos juntos com a Contestação configuram nulidade do
acórdão deste Alto Tribunal.
Os art.ºs 35.º e 36.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, exigem algo mais que a sua
simples referência/aplicação, sendo indispensável explicitar em concreto o
itinerário cognoscitivo que levou a concluir por esta ou aquela decisão.
Inexiste no Colendo Acórdão um só facto que demonstre a proveniência dos
dinheiros e que, nos termos dos art.ºs 35.º e 36.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, faça
reverter os mesmos a favor do Estado. A decisão deste Alto Tribunal não
explicita em concreto:
– Que negócios(?) – Que rendimentos(?) ou quais as vendas de estupefacientes(?)
foram realizadas(?) de que tenham resultado valores… que serviram e se presumem
derivar da actividade ilícita para “alimentar” esses dinheiros e direitos?
Deu-se como assente ipso facto que a Sociedade B., S.A. foi criada para o efeito
de importar/exportar estupefacientes… e que os falados dinheiros e direitos ou
eram produto de actos de tráfico ou estavam destinados a esse fim… fls. 17…
Ou eram… ou estavam… destinados ao tráfico mas não se explicita em concreto:
Quando é que a B. praticou esses actos? Com quem? Quando? Como? Por que forma?
Que proventos obteve deste ou daquele negócio? E como se provou tal “destino”
para “esse fim” se o legal representante da B. e esta nunca foram notificados
para requerer fosse o que fosse nos autos?
B) Nulidade do processado: ausência de notificação da B., S.A., com sede em
Gibraltar:
A B.é uma entidade alheia ao arguido: nunca foi notificada nos autos pelo que há
nulidade do processado face ao entendimento exarado a folhas 17 do acórdão que
urge declarar!
A B. (mãe) está sedeada em Gibraltar… O arguido A. representa a sucursal, em
Portugal, da B.… Enquanto representante da sucursal em Portugal… coloca-se a
questão: tinha legitimidade para recorrer?
O art.º 401.º, al. d), do Cód. de Processo Penal revela – bem como o n.º 2 – o
interesse em agir…
Os autos não revelam notificação – até à data – na pessoa da B., S. A., com sede
em Gibraltar, pelo que o recorrente, enquanto representante da sucursal em
Portugal podia demonstrar algum interesse em agir: direito de crédito apreendido
afectado pela decisão – art.º 401.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP.
E sendo sucursal da empresa-mãe aplica-se o art.º 7.º do Código de Processo
Civil:
“Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro,
as sucursais… ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar ou ser
demandadas…”
A ausência de notificação configura nulidade insanável porquanto:
- é pessoa colectiva sedeada em Gibraltar;
- não é arguida nos autos nem foi demandada;
- nunca foi notificada do perdimento.
Bem julgar exige que se fundamentem as sentenças com seriedade, não só para
fornecer uma argumentação juridicamente sólida, como também para enunciar aquela
que realmente guiou o Juiz…O julgamento só pode ter lugar com o todo reunido
depois de um segmento da realidade ser reconstituído de forma significativa e
ser tido como digno de ser apreciado globalmente… (in Antoine Garapon, Bem
Julgar, Piaget, 320.)
Urge declarar esta nulidade do processado por ausência da notificação da B. com
sede em Gibraltar, do perdimento dos direitos de crédito.
C) Ausência de fundamentação:
Na sua magnifica obra o Sr. Professor Figueiredo Dias ensina que “o produto do
crime não se identifica com vantagens do crime mas objectos criados ou
produzidos pela actividade criminosa…”.
“A lei apenas contempla aqueles instrumentos ou produtos que, atenta a sua
natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade social, se
mostrem especialmente vocacionados para a prática de actividade criminosa e
devam por isso considerar-se…, objectos perigosos.” (in Consequências Jurídicas
do Crime, pág.s 618-621.)
Como é geralmente aceite pela Doutrina e Jurisprudência, a perda de instrumentos
e produtos do crime regulada no art.º 109.º, n.º 1, do Código Penal, e mesmo nos
art.ºs 35.º e 36.º, n.º 1, DL n.º 15/93 – não é uma pena, mesmo acessória, tendo
finalidade meramente preventiva.
Os art.ºs 35.º e 36.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, exigem algo mais que o facto de o
arguido ser condenado por um crime:
- objecto para prática de infracção – objecto produzido pela infracção –
recompensa prometida ou dada ao agente de uma infracção.
Em suma: têm de ser objectos criados pelo crime…
O TRL e este Alto Tribunal partiram de petição de princípio, errada nos
pressupostos, com argumentos lógicos ad hominen… não fundamentando como chegaram
à conclusão que os direitos de crédito estavam destinados a esse fim (tráfico)…
O DL n.º 15/93 nos seus art.ºs 35.º e 36.º exige um must para além do crime
indiciado/julgado/pena aplicada… Parte o acórdão desta actividade ilícita da
B.para em consequência haver de concluir-se (sic) Concluir-se o quê? Quais
vendas? A quem? Como? Por que preço? Quando? De que forma? Em que
circunstâncias? Que rendimentos e onde?
A todas estas questões o acórdão deste Alto Tribunal não responde… nem pode
porque inexistem factos a consubstanciar a resposta a tais questões!!!...
O dinheiro depositado numa conta bancária é um direito de crédito sobre o Banco.
Há crimes que não se coadunam com a materialização de qualquer “produto”
relacionado com o crime. A esse respeito “Produto do Crime”, o Mestre Figueiredo
Dias veio considerar que:
“… mais emblemática se afigura a definição de produto do crime. Ao contrário do
que costuma pensar-se, “produto” não se identifica com vantagens retiradas do
crime mas com objectos criados ou produzidos pela actividade criminosa.”
(in Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, pág. 61.)
Segundo Menezes Cordeiro:
“… juridicamente é impossível decretar a perda de saldos bancários enquanto
coisas pois estes apenas representam um direito de crédito do depositário sobre
a Instituição Bancária” (in Manual de Direito Bancário, Almedina, págs. 467 e
ss.).
Nos dinheiros depositados em Banco inexiste perigosidade do objecto em si mesmo
considerado, pelo que inexiste justificação jurídico-penal para que se declara a
perda. Acresce:
“… não ser possível encontrar qualquer sentido político-criminal para o
decretamento da perda de objectos não perigosos. Não existe aí uma finalidade
relevante do ponto de vista da prevenção: quer porque no objecto em causa não
reside qualquer particular aptidão para o cometimento de novos crimes, quer
porque a segurança comunitária não é posta em perigo pela manutenção do objecto
no tráfico…” “tratar-se-ia de uma reedição das penas cruéis que nem o mais
exasperado pensamento da pena acessória poderia suportar e que seria, entre nós,
inconstitucional face ao disposto no art.º 18.º, n.º 2, da CRP.” (Prof.
Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 631).
Este Alto Tribunal decidiu em caso similar que:
“… Um veículo automóvel e dinheiro não são objectos que se mostrem especialmente
vocacionados para a prática de lenocínio, nem existem elementos que permitam
considerar existente um perigo de utilização para a prática de outros crimes…”.
“… Embora se trate de bens adquiridos no contexto de uma actividade criminosa,
podendo por isso tal aquisição suscitar alguma reprovação ética, não devem só
por isso ser declarados perdidos a favor do Estado já que, como se referiu, a
finalidade da perda a favor do Estado dos instrumentos e produtos do crime é
exclusivamente preventiva, não podendo sequer ser considerada uma pena
acessória. A reprovação das condutas delituosas faz-se através da punição e não
da privação de bens que com elas se relacionem. Deste modo não poderá subsistir
a declaração de perda do veículo automóvel e das quantias depositadas em contas
bancárias ‘congeladas’ em nome do recorrente…” (in Acórdão do S.T.J. de 29 de
Outubro de 2003; Proc. n.º 2301/03 – 3.ª Secção – Relator: Sr. Cons. Políbio
Flor – “Vasco Maçarico e Pensão Águia).”
O Colendo Acórdão deve pronunciar-se sobre estas questões e declarar a nulidade
do processado.»
Por acórdão, tirado em conferência em 28 de Outubro de 2005, o Supremo Tribunal
de Justiça indeferiu, por manifestamente infundada, essa reclamação, com os
seguintes fundamentos:
«(…)
3. UMA BREVÍSSIMA APRECIAÇÃO
3.1. Repare-se, desde logo, que o ora requerente – embora reconhecido, na
sentença de 1.ª instância, como representante em Portugal da “B., S.A. –
Sucursal em Portugal” – não pediu, oportunamente, a notificação – fosse à “B.,
S.A.” fosse à “B., com sede em Gibraltar” – quer da decisão do tribunal
colectivo que declarara o perdimento a favor do Estado de “todos os bens e
direitos pertencentes aos arguidos e à sociedade B., S.A.” quer, depois, a da
Relação que acabara por limitar essa perda ao “dinheiro e direitos apreendidos à
sociedade – o cheque de fls. 353 que foi passado à sua ordem e os saldos das
contas bancárias que no acórdão se referem”.
3.2. Acresce que, independentemente desse pedido de notificação formal, o ora
requerente – uma vez que representará “legalmente” [!] a “B., S.A. – Sucursal em
Portugal” e tomara conhecimento – ainda que noutra veste – da decisão a ela
respeitante, poderia ter providenciado para que esta empresa (que ele próprio
“representava”!), enquanto terceiro afectado pelas decisões do tribunal
colectivo e da Relação, delas viesse a interpor (se o entendesse) o pertinente
recurso (“Têm legitimidade para recorrer aqueles que tiverem a defender um
direito afectado pela decisão”: art.º 401.º, n.º 1, d), do CPP).
3.3. E – nesta perspectiva – nada no futuro obstará, até, a que a “B., S.A.”(3),
quando oportunamente venha a ser executada a decisão de perdimento, oponha – ao
tribunal da execução – a omissão da notificação, ao interessado, da decisão
exequenda...
3.4. No entanto, o que A., como “arguido preso e recorrente nos autos”, não pode
é pedir agora ao tribunal de recurso – que se limitou a não conhecer do seu
recurso, na parte em que, sem legitimidade, pretendia “defender um direito [de
terceiro] afectado pela decisão (recorrida)” – que “declare a nulidade”
(eventualmente) decorrente da não notificação à interessada da decisão
recorrida:
a) Por um lado, ao STJ - como tribunal de recurso (estranho, como tal, à decisão
recorrida e às notificações que dela tenham ou devessem ter sido feitas) -
apenas competiria conhecer dos recursos interpostos, da decisão recorrida, por
quem detivesse e demonstrasse legitimidade para dela recorrer; e, cabendo-lhes
em exclusivo a legitimidade para recorrer da decisão que pessoalmente as afectou
ou possa ter afectado, o certo é que a B. e a B. SA, sua sucursal em Portugal,
[ainda] não recorreram!
b) E, por outro, porque A., como “arguido preso e recorrente nos autos”, não
detém, como tal (ou seja, como terceiro relativamente à B.), legitimidade para
exigir do tribunal de recurso que – a favor de um estranho à lide e extravasando
os limites objectivos e subjectivos do recurso – declare(4) a (eventual)
“nulidade” da falta de notificação a esse terceiro das decisões das instâncias
que a possam ter afectado.»
[notas de rodapé no original]
2.Veio, então, o arguido interpor recurso de constitucionalidade dizendo no seu
requerimento de recurso:
«A) – O recurso tem em vista ver declarada a violação do direito ao recurso –
art.º 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental e do princípio do contraditório, quando
entendido, como o S.T.J. decidiu, que inexiste interesse em agir e legitimidade
ao arguido-recorrente – gerente de SUCURSAL de empresa sedeada em Gibraltar,
para recorrer de decisão que afecta aquela empresa, ao arrepio do art.º 7.° do
Código de Processo Civil e art.º 2.° do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem; no sentido expendido pelo S.T.J. o art.º 401.º, n.º 1,
b), do C.P.P., viola o art.º 32.º, n.º 1, da CRP, constituindo decisão-surpresa
o não conhecimento do recurso.
B) – O recurso tem por fim declarar a inconstitucionalidade dos art.ºs 35.º e
36.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, por violação dos art.ºs 18.º, n.º 2, 32.º, n.º
1, 62.º e 205.º da CRP, na hermenêutica sufragada pelo STJ e pelo T.R.L. quando
entendidos que basta a mera referência a um propósito criminoso sem
especificação de factos “provado que a Sociedade ‘B., S.A.’ foi criada para o
efeito de importar/exportar estupefacientes, daqui decorre, como consequência
que todo o seu património estava afecto a esse fim ou provinha dessa actividade
e que os falados dinheiros e direitos ou eram produto de actos de tráfico ou
estavam destinados a esse fim.”
C) – O recurso tem em vista declarar a inconstitucionalidade dos art.ºs 425.º,
n.º 4, e 379.º, n.º 1, c), do C.P.P., por violação do art.º 32.º da C.R.P. e
art.º 2.° do Protocolo n.º 7 da C.E.D.H., quando entendidos, como o foram pelo
S.T.J., que o TRL não está obrigado a proceder a reexame crítico conforme
requerido na conclusão 25.ª, nem a apreciar os depoimentos de testemunhas, nem a
proceder a renovação da prova com tradutor idóneo.
D) – A omissão da Contestação no Acórdão da 8.ª Vara, a redução da Acusação de
13 folhas para 4, sem explicitação dos factos, causa nulidade que o T.R.L. não
atendeu e a que o STJ aderiu na íntegra – violação dos art.ºs 374.º, n.º 2, do
CPP, nulidade do art.º 379.º, n.º 1, a) e c), do CPP, e violação dos art.ºs
32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º da Lei Fundamental – violação do Contraditório e
Princípio da Defesa.
E) – Pretende-se seja declarada a inconstitucionalidade do art.º 188.º, n.º 3,
do CPP – por violação do art.º 6.°, n.º 3, e), da C.E.D.H., quando entendido,
como o foi pelo STJ que não constitui nulidade a inexistência de transcrição em
Língua Castelhana das vozes escutadas e que os autos se bastam com a tradução
livre.
F) – O Acórdão do STJ adere na íntegra aos fundamentos do T.R.L. baseando-se em
prova proibida e nula – art.º 126.º, 178.º e 179.º do CPP, e art.º 32.º, n.º 6,
da Lei Fundamental:
a) – Presume-se a inocência até ao recebimento da mercadoria sob pena de
inversão do ónus da prova e violação do art.º 32.º, n.º 2, da CRP, e art.ºs 6.°
e 8.°, n.º 1, da C.E.D.H., (Prof. Costa Andrade, “Proibições de Prova”, Coimbra
Ed., 1992, pág. 140 e ss.; Sr.s Juízes Cons. Melo Franco e Herlander Martins,
“Dicionário, Conceitos e Princípios”, CIF, pág. 170, e “Tribuna da Justiça”,
pág. 45, fls. 16, Ac. S.T.J. de 20-5-88), sendo certo que a recusa, por parte do
recorrente, em receber as mercadorias expedidas demonstram rejeição, não
participação no crime e inexistência de associação criminosa.
b) – A prova obtida – abertura de contentores, contendo 5 gramas de cocaína
aposta por polícias holandeses, que não foi encomendada ou recebida pelo
recorrente – é prova nula – art.º 32.º, n.º 6, da C.R.P., art.º 126.º, 178.º e
179.º do C.P.P., e art.º 8.º, n.º 1, da C.E.D.H. – parte-se de presunção de
culpa… para o absurdo da condenação sem respeito pela presunção de inocência até
final… presunção judicial não é prova objectiva.
G) – Tem ainda em vista ser declarado que o art.º 28.º do DL n.º 15/93 é
inconstitucional por:
- violação dos art.ºs 8.º da C.E.D.H, 124.º, 125.º, 187.º e 188.º do CPP, e
art.ºs 32.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, da C.R.P., quando entendido que para a
condenação basta a referência a meio de prova excepcional sem recurso a outros
meios de prova coadjuvantes;
- violação dos art.ºs 423.º, n.º 2, do CPP, 32.º, n.º 1, e 205.º da C.R.P., e
art.º 2.° do Protocolo n.º 7 da C.E.D.H., quando se basta com a mera referência
a factos provados sem os reexaminar, alegando-se apenas que os mesmos não
suscitam dúvidas – fls. 20, 23 e ss..
H) – A inconstitucionalidade dos art.ºs 374.º, n.º 2, e 425.º do C.P.P., por
violação dos art.ºs 32.º, n.º 1, e 205.º da Lei Fundamental e Protocolo n.º 7 –
2 da C.E.D.H., pois o Acórdão do STJ dispensou fundamentação ao arrepio da
garantia do dever de fundamentação da Decisão Judicial – Ac. do S.T.J. de
17-6-2004, Proc. n.º 5060/03, www.dgsi.pt – Proc. n.º 04P1407, Ac.s Trib. Const.
n.ºs 680/98 e 636/99.
I) – A inconstitucionalidade do art.º 412.º, n.º 3, al. b) e c), do CPP, pois o
TRL, ao rejeitar nos termos do art.º 412.º, n.º 3, b) e c), a renovação da prova
e o reexame crítico dos depoimentos juntos com Motivação de Recurso sem dar
oportunidade à defesa em 11 meses de suprir eventual lacuna, violou o direito ao
recurso – art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P., e Ac. do Trib. Const. n.º 320/2002, de
9-7, com força obrigatória geral.
J) – A inconstitucionalidade dos art.ºs 410.º, n.º 2, 412.º, n.º 3, al. b), e
425.º do CPP, por violação dos art.ºs 29.º, n.º 6, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e
205.º da CRP, e art.º 2.º do Protocolo n.º 7 da CEDH, quando entendidos, como o
foram pelo TRL, secundado pelo STJ, que é inútil apreciar a matéria de facto na
globalidade porque o recorrente não indicou “concretos segmentos de
depoimentos”, e não se deu oportunidade à defesa, em 330 dias, de suprir a
eventual lacuna:
- as transcrições nunca são apreciadas na íntegra no TRL, pois o recurso é
limitado a “pontos de facto” e não à matéria de facto na íntegra. O TRL não ouve
e nem conhece o arguido e testemunhas, pelo que inexiste reexame da declaração
de culpabilidade, incorrendo em incumprimento do princípio do duplo grau de
jurisdição de facto – cfr. Dr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito – Novo
Código de Processo Penal, 1988, 379; Prof. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional, 4.ª edição, 1987, parte III, cap. 3, v/v, 1.7; “Cadernos
Democráticos – Estado de Direito, Ed. Gradiva, pág. 69; Prof. Figueiredo Dias,
“Tribuna da Justiça”, 6-6, 1985.
As inconstitucionalidades foram arguidas no recurso interposto da 8.ª Vara para
o TRL, e deste para o STJ, conforme conclusões respectivas.»
No Supremo Tribunal de Justiça foi proferido, em 22 de Novembro de 2005,
despacho de convite para aperfeiçoamento deste requerimento de recurso de
constitucionalidade, nos seguintes termos:
« “O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de
requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do art.º 70.º ao abrigo da
qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade
se pretende que o Tribunal aprecie.” (art.º 75.º-A, n.º 1, da LTC).
“Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo
70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio
constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em
que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade (…)” (art.º 75.º-A,
n.º 2).
“Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos
previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa
indicação no prazo de 10 dias.” (art.º 75.º-A, n.º 5).
Ora, o requerimento de fls. 2927 não indicou a(s) alínea(s) do n.º 1 do artigo.
70.º ao abrigo da qual o recurso – de 7 de Outubro de 2005 – foi interposto.
E também foi demasiado vago quanto à indicação do momento processual em que as
arguidas inconstitucionalidades foram suscitadas: “As inconstitucionalidades
foram arguidas no recurso interposto da 8.ª Vara para o TRL e deste para o STJ,
conforme conclusões respectivas”.
Quanto à indicação das normas pretensamente afectadas de inconstitucionalidade,
o requerimento de interposição, se bem que profuso, foi, as mais das vezes,
excessivamente confuso. Conseguiu quiçá indicar mais normas “inconstitucionais”
que aquelas que o próprio acórdão recorrido aplicou:
CPP (art.ºs 126.º, 178.º, 179.º, 188.º, n.º 3, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al
a), 379.º, n.º 1, al. c), 401.º, n.º 1, al. b), 412.º, n.º 3, al. b), 412.º, n.º
3, al. c), 425.º e 425.º, n.º 4;
DL n.º 15/93 (art.ºs 28.º, 35.º e 36.º, n.º 1).
Porém, dos art.ºs 126.º, 178.º, 179.º e 425.º do CPP e, bem assim, dos art.ºs
28.º e 35.º do DL n.º 15/93 (todos eles constituídos por múltiplas normas), não
indicou quais, individualizadamente, as normas (art.º 70.º, n.º 1, al. b), da
LTC) que, de si inconstitucionais, tenham sido aplicadas pela decisão recorrida
ou que, se não estruturalmente inconstitucionais, tenham tido uma aplicação
especificamente inconstitucional.
Assim sendo, convido o recorrente a, em 10 dias, completar sinteticamente o seu
requerimento com as seguintes indicações:
a) qual ou quais a(s) alínea(s) do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o
recurso foi interposto;
b) quais as precisas normas que, de entre as aplicadas pela decisão recorrida (o
acórdão de 22 de Setembro de 2005 do STJ), considera estruturalmente
inconstitucionais ou aplicadas com um sentido inconstitucional;
c) qual, em relação a cada uma, o preciso sentido inconstitucional que nelas
detectou (por referência ao respectivo item do acórdão recorrido);
d) quais as concretas conclusões dos seus recursos em que cada uma de tais
inconstitucionalidades já tivesse sido anteriormente suscitada.»
O recorrente respondeu a esse convite dizendo:
«1 – O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei do
Tribunal Constitucional;
2 – As normas aplicadas pela Colenda Decisão recorrida que se consideram
inconstitucionais são:
a) art.º 401.º, n.º 1, a), b) e d), do CPP, quando entendido, como o STJ
decidiu, que inexiste interesse em agir e legitimidade ao arguido-recorrente –
gerente de sucursal da empresa sedeada em Gibraltar, para recorrer de decisão
que afecta a B.: art.º 7.° do Código de Processo Civil e art.º 2.° do Protocolo
n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; no sentido expendido pelo
S.T.J. o art.º 401.º, n.º 1, b), do C.P.P., viola o art.º 32.º, n.º 1, da CRP,
constituindo decisão-surpresa o não conhecimento do recurso. (violação do
direito do arguido a recorrer de qualquer decisão em pé de igualdade com o
Ministério Público);
b) art.ºs 35.º e 36.º, n.º 1, do DL n.º 15/93: violam os art.ºs 18.º, n.º 2,
32.º, n.º 1, 62.º e 205.º da CRP – in Conclusão 39.ª (violação do direito ao
património e colisão de direitos);
c) art.ºs 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP: violam o art.º 32.º da
CRP e art.º 2.º do Protocolo n.º 7 da CEDH, quando entendidos que o TRL não é
obrigado a proceder a reexame crítico: in Conclusões 3.ª e 4.ª (violação da
reapreciação da declaração de culpabilidade por Tribunal Superior ao que
proferiu a decisão);
d) art.ºs 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a) e c), do CPP: violam os art.ºs
32.º, n.º 1 e 5, e 205.º da Lei Fundamental – in Conclusão 5.ª (violação do
contraditório e da defesa);
e) art.º 188.º, n.º 3, do CPP: violação do art.º 6.º, n.º 3, al. e), da CEDH, in
Conclusão 12.ª (violação do direito a traduzir em termos correctos palavras
proferidas em língua estrangeira);
f) art.ºs 126.º, 178.º e 179.º do CPP: violação do art.º 32.º, n.º 2 e 6 da Lei
Fundamental e art.ºs 6.º e 8.º, n.º 1, da CEDH; in Conclusão 14.º (violação da
presunção da inocência até final contra a presunção judicial de culpa ab initio,
que não é prova objectiva);
g) art.ºs 28.º do DL n.º 15/93: por violação dos art.ºs 8.º da CEDH, 124.º,
125.º, 187.º e 188.º do CPP, e art.ºs 32.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, da CRP, in
Conclusões 20.ª e 21.ª (violação do dever de fundamentação e de reexame da
declaração de culpabilidade);
h) art.ºs 374.º, n.º 2, e 425.º do CPP: por violação dos art.ºs 32.º, n.º 1, e
205.º da Lei Fundamental, e Protocolo n.º 7 – 2.º da CEDH: Proc. n.º 04P1407,
Ac. Trib. Const. n.ºs 680/98 e 636/99 – in Conclusão 24.ª (violação do dever de
fundamentação);
i) art.º 412.º, n.º 3, al.s b) e c), do CPP: violação do art.º 32.º, n.º 1, da
CRP, e Ac. do Trib. Const. n.º 320/2002, de 9-7, com força obrigatória geral, in
Conclusão 25.ª (violação do direito ao recurso);
j) art.ºs 410.º, n.º 2, 412.º, n.º 3, al. b), e 425.º do CPP: violação dos
art.ºs 29.º, n.º 6, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e 205.º da CRP, e art.º 2.º do
Protocolo n.º 7 da CEDH, in Conclusão 29.ª (violação do direito ao recurso in
totum).»
3.Por despacho datado de 6 de Dezembro de 2005, o recurso não foi admitido. Pode
ler-se nesse despacho:
«Convidado a completar sinteticamente o seu requerimento de recurso, o
recorrente A. não individualizou, de entre as contidas nos art.ºs 126.º, 178.º,
179.º e 425.º do CPP, e 28.º e 35.º do DL n.º 15/93 (todos eles constituídos por
múltiplas normas), as normas (art.º 70.º, n.º 1, al. b), da LTC) que, de si
inconstitucionais, tivessem sido aplicadas pela decisão recorrida ou que, se não
estruturalmente inconstitucionais, tenham tido, aí, uma aplicação
especificamente inconstitucional.
Convidado ainda a indicar qual, em relação a cada uma, o preciso sentido
inconstitucional que nelas detectou (por referência ao respectivo item do
acórdão recorrido) também não o fez (jamais tendo sequer referenciado sequer o
correspondente item do acórdão recorrido).
Por outro lado, não consta da fundamentação ou decisão do acórdão recorrido
qualquer alusão ao art.º 36.º, n.º 1, do DL n.º 15/93.
Quanto ao art.º 401.º, n.º 1, al. d), do CPP, não se negou à B., S.A.,
legitimidade para recorrer da decisão que porventura tenha afectado, com o
decretado confisco, os seus bens. Só que a entidade legítima para a impugnar
seria a B. e não o arguido (mau grado este ser – qualidade, porém, que não
invocou – o legal representante da sua sucursal em Portugal):
«O tribunal colectivo declarou perdidos a favor do Estado “todos os bens e
direitos pertencentes aos arguidos e à sociedade ‘B., S.A.’”. Porém, a Relação
limitou essa perda ao “dinheiro e direitos apreendidos à sociedade – o cheque de
fls. 353 que foi passado à sua ordem e os saldos das contas bancárias que no
acórdão se referem”. Sendo assim, só a “B., S.A.” – além do MP – teria
legitimidade para recorrer dessa decisão: “Têm legitimidade para recorrer
aqueles (…) que tiverem a defender um direito afectado pela decisão” (art.º
401.º, n.º 1, al. d), do CPP). Mas já não o arguido, pois que tal decisão não
foi “proferida contra ele [arguido]” (art.º 401.º, n.º 1, al. b), do CPP), mas
contra a “B., S.A.”. É certo que era A. o “legal representante” da sua sucursal
em Portugal (“B., S.A. – Sucursal em Portugal”), mas não foi nessa qualidade,
mas de “arguido”, que o recurso foi interposto.»
«Repare-se, desde logo, que o ora recorrente – embora reconhecido, na sentença
de 1.ª instância, como representante em Portugal da “B., S.A. – Sucursal em
Portugal” – não pediu, oportunamente, a notificação – fosse à “B., S.A.”, fosse
à “B., S.A., com sede em Gibraltar” – quer da decisão do tribunal colectivo que
declarara o perdimento a favor do Estado de “todos os bens e direitos
pertencentes aos arguidos e à sociedade ‘B., S.A.’ ” quer, depois, a da Relação
que acabara por limitar essa perda ao “dinheiro e direitos apreendidos à
sociedade – o cheque de fls. 353 que foi passado à sua ordem e os saldos das
contas bancárias que no acórdão se referem”.
Acresce que, independentemente desse pedido de notificação formal, o ora
requerente – uma vez que representará “legalmente”[!] a “B., S.A. – Sucursal em
Portugal” e tomara conhecimento – ainda que noutra veste – da decisão a ela
respeitante, poderia ter providenciado para que esta empresa (que ele próprio
“representava”!), enquanto terceiro afectado pelas decisões do tribunal
colectivo e da Relação, delas viesse a interpor (se o entendesse) o pertinente
recurso (“Têm legitimidade para recorrer aqueles que tiverem a defender um
direito afectado pela decisão”. art.º 401.º, n.º 1, al. d), do CPP). E – nesta
perspectiva – nada no futuro obstará, até, a que a “B., S.A.”(1), quando
oportunamente venha a ser executada a decisão de perdimento, oponha – ao
tribunal da execução – a omissão da notificação, ao interessado, da decisão
exequenda… No entanto, o que A., como “arguido preso e recorrente nos autos”,
não pode é pedir agora ao tribunal de recurso – que se limitou a não conhecer do
seu recurso, na parte em que, sem legitimidade, pretendia “defender um direito
[de terceiro] afectado pela decisão [recorrida]” – que “declare a nulidade”
(eventualmente) decorrente da não notificação à interessada da decisão
recorrida: a) Por um lado, ao STJ – como tribunal de recurso (estranho, como
tal, à decisão recorrida e às notificações que dela tenham ou devessem ter sido
feitas) – apenas competiria conhecer dos recursos interpostos, da decisão
recorrida, por quem detivesse legitimidade para dela recorrer; e, cabendo-lhes
em exclusivo a legitimidade para recorrer da decisão que pessoalmente as afectou
ou possa ter afectado, a B.e a B., S.A., sua sucursal em Portugal [ainda] não
recorreram! b) E, por outro lado, porque A., como “arguido preso e recorrente
nos autos” não detém, como tal (ou seja, como terceiro relativamente à B.),
legitimidade para exigir do tribunal de recurso que – a favor de um estranho à
lide e extravasando os limites objectivos e subjectivos do recurso – declare(2)
a (eventual) “nulidade” da falta da notificação a esse terceiro das decisões das
instâncias que a possam ter afectado.»
Não se vê assim que esta decisão haja violado o direito ao recurso (pois que a
B., notificada na pessoa do seu representante em Portugal, não recorreu, podendo
ter recorrido). E, quanto à pretensa violação do princípio do contraditório, só
a B. – e não o arguido A. – a poderia ter invocado.
Quanto à pretensa inconstitucionalidade dos art.ºs 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1,
al. c), do CPP (por alegada falta de reexame crítico por parte da Relação), o
Supremo, na sua decisão, constatou que o tribunal colectivo – perante as provas
cujo reexame crítico ora se acusa de omisso – já havia concluído (conclusão que
a Relação não pôs em causa) que “em 20 de Novembro de 2001, o arguido A.
comunicou, em nome da “B.” à “G.”, que ia envolver os contentores, tendo sido
este arguido que se deslocou aos escritórios desta firma onde foram entregues os
documentos dos contentores, tendo em 26 de Novembro de 2001 sido cancelados
esses documentos pelo arguido H. em nome da “I., S.A.” e que “o transporte dos
contentores estava sujeito à cláusula CIF – cost, insurance and freight – sendo
o lugar de cumprimento o cais do porto de destino da mercadoria – Lisboa”.
Não haveria, por isso, que reexaminar as provas documentais ou testemunhais que
haviam conduzido o tribunal colectivo – sem concreta impugnação do recorrente –
à comprovação de tais factos. A dedução – em termos de qualificação da sua
conduta – que o recorrente pretendia que a Relação deles extraísse (contra
aquela que a 1.ª Instância deles extraíra) não tem a ver com o reexame crítico
da respectiva prova documental nem com a reapreciação dos “depoimentos das
testemunhas indicadas in fine”.
Quanto à omissão da contestação no acórdão do tribunal colectivo (que o ora
recorrente vê como “violação do contraditório e da defesa” e aplicação
inconstitucional dos art.ºs 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP),
o Supremo constatou ter-se a Relação pronunciado detida e esgotantemente sobre
essa questão(3) em termos que, em recurso para o Supremo, teria cabido ao
recorrente contrariar, argumento por argumento, e não em termos genéricos e,
até, concretamente ininteligíveis (“A fundamentação do TRL não é consonante com
provas concretas e certezas inequívocas”). Aliás, o recorrente não indicou ao
Supremo – como não indicara já no recurso para a Relação (que, “percorrendo a
acusação, se não deparou com omissão alguma, antes verificando que o tribunal
colectivo sintetizara, de forma aceitável, o conjunto de factos articulados na
acusação”) – “um único facto relevante que tenha sido omitido na decisão sobre
matéria de facto”. Nem contesta que “quanto às questões jurídicas [suscitadas na
contestação] ligadas à cláusula CIF, não podia o tribunal pronunciar-se sobre
elas em sede de factos provados ou não provados”.
Quanto à invocada inconstitucionalidade da norma do art.º 188.º, n.º 3, do CPP
(“violação do direito de traduzir em termos correctos palavras proferidas em
língua estrangeira”), o Supremo entendeu – sem ofensa das normas constitucionais
– “não se justificar que o TRL reaprecie a matéria de facto supra descrita,
documentos referidos e prova de fls. 403, 898, vozes de fls. 253, 257 e
depoimentos de P., Q.”. E, menos ainda, a prévia “tradução dos étimos [sic] em
língua castelhana – sapatilhas/alumínios/panelas – por tradutor certificado”.
Pois, contra o que possa parecer ao recorrente, não constitui “nulidade” (n.º 3
do artigo 188.° do CPP) a “não transcrição em língua castelhana – mas apenas da
respectiva tradução para português – das conversações alvo de escuta telefónica,
em que se falou essa língua”.
Pois que, como bem decidiu a Relação, “norma legal alguma impõe que, em tais
casos, se proceda à transcrição na língua original usada na conversação, muito
menos a invocada pelo recorrente, na qual apenas se determina que o juiz ordene
a transcrição dos elementos recolhidos ou de alguns deles, se os considerar
relevantes para a prova ou ordene a sua destruição no caso contrário”. Aliás,
“sendo a transcrição [do art.º 188.º, n.º 3 e 4] um acto processual”, sempre lhe
seria “aplicável o disposto no artigo 92.º, n.º 1, do mesmo Código(4), que manda
utilizar a língua portuguesa, sob pena de nulidade”(5). E, de resto, “a
competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de
cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o
eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no
Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe
são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a
tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter
sido”(6). Com efeito, o reexame/revista (pelo STJ) exige/subentende a prévia
definição (pelas instâncias) dos factos provados (art.º 729.º, n.º 1, do CPC).
E, no caso, a Relação – avaliando a regularidade do processo de formação de
convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso
manteve-os, em definitivo, no rol dos “factos provados”.
Quanto aos art.ºs 374.º, n.º 2, do CPP (“violação do dever de fundamentação”), o
recorrente, apesar de convidado a fazê-lo, não indicou quais os itens da decisão
recorrida que possam ter feito dessas normas uma aplicação inconstitucional.
O art.º 412.º, n.º 3, do CPP (“violação do direito ao recurso”), tê-lo-á
aplicado a Relação e não o Supremo (e só da decisão deste se recorreu). E o
mesmo se dirá, finalmente, das alusões feitas no requerimento do recurso ao
art.º 410.º, n.º 2, do CPP (v. alínea j) do requerimento).
Assim sendo, e uma vez que o recurso (previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC) se revela manifestamente infundado, indefiro-o.»
[notas de rodapé no original]
4.O recorrente deduziu então a presente reclamação, com os seguintes
fundamentos:
«1 – O recurso foi interposto atempadamente ao abrigo do art.º 70.º, n.º 1, al.
b), da LTC.
2 – E foi interposto tendo em vista que as normas aplicadas pela colenda decisão
recorrida que se consideram inconstitucionais são:
a) art.º 401.º, n.º 1, a), b) e d), do CPP, quando entendido, como o STJ
decidiu, que inexiste interesse em agir e legitimidade ao arguido-recorrente –
gerente de sucursal da empresa sedeada em Gibraltar, para recorrer de decisão
que afecta a B.: art.º 7.° do Código de Processo Civil e art.º 2.° do Protocolo
n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; no sentido expendido pelo
S.T.J. o art.º 401.º, n.º 1, b), do C.P.P., viola o art.º 32.º, n.º 1, da CRP,
constituindo decisão-surpresa o não conhecimento do recurso. (violação do
direito do arguido a recorrer de qualquer decisão em pé de igualdade com o
Ministério Público);
b) art.ºs 35.º e 36.º, n.º 1, do DL n.º 15/93: violam os art.ºs 18.º, n.º 2,
32.º, n.º 1, 62.º e 205.º da CRP – in conclusão 39.ª (violação do direito ao
património e colisão de direitos);
c) art.ºs 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP: violam o art.º 32.º da
CRP e art.º 2.º do Protocolo n.º 7 da CEDH, quando entendidos que o TRL não é
obrigado a proceder a reexame crítico: in Conclusões 3.ª e 4.ª (violação da
reapreciação da declaração de culpabilidade por Tribunal Superior ao que
proferiu a decisão);
d) art.ºs 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a) e c), do CPP: vioalm os art.ºs
32.º, n.º 1 e 5, e 205.º da Lei Fundamental – in Conclusão 5.ª (violação do
contraditório e da defesa);
e) art.º 188.º, n.º 3, do CPP: violação do art.º 6.º, n.º 3, al. e), da CEDH, in
Conclusão 12.ª (violação do direito a traduzir em termos correctos palavras
proferidas em língua estrangeira);
f) art.ºs 126.º, 178.º e 179.º do CPP: violação do art.º 32.º, n.º 2 e 6, da Lei
Fundamental e art.ºs 6.º e 8.º, n.º 1, da CEDH; in Conclusão 14.º (violação da
presunção da inocência até final contra a presunção judicial de culpa ab initio,
que não é prova objectiva);
g) art.ºs 28.º do DL n.º 15/93: por violação dos art.ºs 8.º da CEDH, 124.º,
125.º, 187.º e 188.º do CPP, e art.ºs 32.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, da CRP, in
Conclusões 20.ª e 21.ª (violação do dever de fundamentação e de reexame da
declaração de culpabilidade);
h) art.ºs 374.º, n.º 2, e 425.º do CPP: por violação dos art.ºs 32.º, n.º 1, e
205.º da Lei Fundamental, e Protocolo n.º 7 – 2.º da CEDH: Proc. n.º 04P1407,
Ac. Trib. Const. n.ºs 680/98 e 636/99 – in Conclusão 24.ª (violação do dever de
fundamentação);
i) art.º 412.º, n.º 3, al.s b) e c), do CPP: violação do art.º 32.º, n.º 1, da
CRP, e Ac. do Trib. Const. n.º 320/2002, de 9-7, com força obrigatória geral, in
Conclusão 25.ª (violação do direito ao recurso);
j) art.ºs 410.º, n.º 2, 412.º, n.º 3, al. b), e 425.º do CPP: violação dos
art.ºs 29.º, n.º 6, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e 205.º da CRP, e art.º 2.º do
Protocolo n.º 7 da CEDH, in Conclusão 29.ª (violação do direito ao recurso in
totum).
3 – A rejeição sucessiva dos recursos e apelos da defesa no STJ e no TRL faz
lembrar a lição de Cunha Gonçalves:
“… Os juízes têm e devem ter a faculdade de julgar segundo os ditames da sua
Consciência, que se presume inflexível e recta, conforme o critério da sua
razão, que se supõe lúcida e esclarecida, e as directivas da sua inteligência,
que mercê de prévios estudos se reputa culta e abarrotada de ciência jurídica…
Podem estes postulados falhar na prática; mas os erros da Justiça, esgotados
todos os recursos, devem ser tidos por mazelas incuráveis, que os litigantes
vencidos hão-de suportar como suportariam o cancro ou um terramoto.” (in Cunha
Gonçalves, Tratado, XIII, pág. 492.)
O último reduto da Justiça é a admissão do recurso e julgamento no Tribunal
Constitucional mas Vossas Excelências melhor decidirão se é admissível ou não o
recurso.»
Admitidos ao autos no Tribunal Constitucional, foram com vista ao Ministério
Público, que se pronunciou pela seguinte forma:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente. Na verdade, o reclamante –
apesar da oportunidade processual que lhe foi conferida – não cumpriu o ónus de
delimitar, em termos inteligíveis e adequados, o objecto do recurso que
pretendia interpor para este Tribunal, indicando e especificando quais os
sentidos ou dimensões normativas, pretensamente aplicadas no acórdão recorrido,
que pretendia questionar (persistindo, aliás, em idêntico comportamento na
presente reclamação, em que se limita a reeditar o arrazoado anteriormente
produzido).”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
5.Pode adiantar-se já que a presente reclamação não pode ser deferida, por não
se verificarem os pressupostos indispensáveis para se poder tomar conhecimento
do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor.
Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, após resposta ao convite a
aperfeiçoamento do mesmo, o recurso vem intentado ao abrigo do disposto no
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Para se poder
conhecer de tal recurso torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos
ordinários, que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo
tribunal recorrido e que a inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido
suscitada durante o processo.
Este último requisito, como o Tribunal Constitucional tem vindo repetidamente a
decidir e se diz, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da
República [DR], II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não
num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser
suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal
modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a
quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade)
respeita”. É, na verdade, este o sentido que corresponde à natureza da
intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou
reexame, portanto, de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter
apreciado – cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, publicado no DR, II série,
de 10 de Janeiro de 1995, onde se escreveu que “a exigência de um cabal
cumprimento do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da
questão de constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma
secundária’. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e
não a um primeiro julgamento) de tal questão” (assim, também, por exemplo, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no DR, II série, de 20 de Junho de 1995).
Por outro lado, recorde-se que, no nosso sistema de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar a
conformidade com a Constituição da República de normas – ou de suas determinadas
interpretações, devidamente identificadas –, mas não já das decisões judiciais
em si mesmas. E se a norma que se pretende ver apreciada corresponde apenas a
uma dimensão interpretativa de um ou mais preceitos, exige-se, pelo menos, que
se enuncie ou se deixe clara tal interpretação. Como este Tribunal afirmou, por
exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II série, de 21 de Junho de 1995), impõe-se
que o recorrente tenha
“(...) indicado (…) o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada
preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da
Constituição.
De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara
e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República,
2.ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
Tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou
interpretação normativos que o reclamante reputa inconstitucional torna-se,
aliás, particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual
se imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários
segmentos normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos
interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade
diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas distintas (no mesmo
sentido, cf., também, o Acórdão n.º 116/2002, in DR, II, Série, n.º 106, de 8 de
Maio de 2002).
6.Vejamos se no presente caso estão reunidos os pressupostos acima referidos
para se poder tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade que o
reclamante pretendeu interpor.
Em relação aos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) (alínea d)
do requerimento de recurso), 126.º, 178.º e 179.º (alínea f) do requerimento de
recurso), todos do Código de Processo Penal, o reclamante não indicou, nem no
seu requerimento de interposição de recurso, nem na sua resposta ao convite a
aperfeiçoamento desse requerimento, qual a dimensão normativa, ou interpretação,
dessas disposições legais que reputava inconstitucional e que, na sua
perspectiva, teria sido aplicada na decisão recorrida, o mesmo acontecendo na
presente reclamação.
Tal identificação era um ónus do reclamante, e um ónus cujo cumprimento era
essencial para se poder apreciar a constitucionalidade de uma qualquer
particular interpretação das disposições em causa, só esse cumprimento
permitindo, por exemplo, averiguar se o sentido normativo impugnado foi ou não
efectivamente aplicado pela decisão recorrida, e sendo certo que os preceitos
aos quais foi imputada a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, se podem
revestir de várias dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis de
suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis,
também, de respostas distintas.
Aliás, a conclusão não seria diferente se não estivesse apenas em causa uma
especifica dimensão interpretativa daquelas normas, mas a sua conformidade
constitucional em si mesmas – isto é, numa interpretação puramente declarativa,
ou enunciativa –, já que, nesse caso, o recurso seria manifestamente infundado,
sendo claro que tais normas (respectivamente, relativas aos requisitos da
sentença e sua nulidade, prevendo métodos proibidos de prova, e quais os
objectos susceptíveis de apreensão e seus pressupostos, incluindo para a
correspondência), numa tal interpretação, não padecem de qualquer
inconstitucionalidade.
De todo o modo, não tendo o recorrente indicado os sentidos das disposições
aplicáveis que entendia inconstitucionais, pode dizer-se, como salienta o
Ministério Público, que “não cumpriu o ónus de delimitar, em termos inteligíveis
e adequados, o objecto do recurso que pretendia interpor para este Tribunal”.
Por falta de verificação de um requisito indispensável para tanto – e não sendo
já possível novo convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso –, não
podia, pois, em relação às referidas disposições legais, o Tribunal
Constitucional tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade.
7.Quanto aos artigos 35.º e 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de
Janeiro (alínea b) do requerimento de recurso), sobre perda a favor do Estado de
“[t]oda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no
presente diploma”, verifica-se que esta disposição legal não foi aplicada na
decisão recorrida, muito menos como sua ratio decidendi, tendo tal decisão
assentado, em relação à perda de bens e direitos, na falta de legitimidade do
recorrente (ponto 5, “Questão Prévia”). Pelo que, faltando esse pressuposto,
também não se poderia, em relação a ela, tomar conhecimento do recurso.
8.Quanto aos restantes artigos impugnados pelo reclamante (alíneas a), c), e),
g), h), i) e j), do requerimento de interposição de recurso): o reclamante
indicou no requerimento de interposição de recurso as pretensas interpretações
normativas com que as referidas disposições legais teriam sido aplicadas na
decisão recorrida e cuja constitucionalidade pretendia ver aferida. E fê-lo pela
seguinte forma:
«A) – O recurso tem em vista ver declarada a violação do direito ao recurso –
art.º 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental e do princípio do contraditório, quando
entendido, como o S.T.J. decidiu, que inexiste interesse em agir e legitimidade
ao arguido-recorrente – gerente de SUCURSAL de empresa sedeada em Gibraltar,
para recorrer de decisão que afecta aquela empresa, ao arrepio do art.º 7.° do
Código de Processo Civil e art.º 2.° do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem; no sentido expendido pelo S.T.J. o art.º 401.º, n.º 1,
b), do C.P.P., viola o art.º 32.º, n.º 1, da CRP, constituindo decisão-surpresa
o não conhecimento do recurso.
B) (...)
C) – O recurso tem em vista declarar a inconstitucionalidade dos art.ºs 425.º,
n.º 4, e 379.º, n.º 1, c), do C.P.P., por violação do art.º 32.º da C.R.P. e
art.º 2.° do Protocolo n.º 7 da C.E.D.H., quando entendidos, como o foram pelo
S.T.J., que o TRL não está obrigado a proceder a reexame crítico conforme
requerido na conclusão 25.ª, nem a apreciar os depoimentos de testemunhas, nem a
proceder a renovação da prova com tradutor idóneo.
D) (…)
E) – Pretende-se seja declarada a inconstitucionalidade do art.º 188.º, n.º 3,
do CPP – por violação do art.º 6.°, n.º 3, e), da C.E.D.H., quando entendido,
como o foi pelo STJ que não constitui nulidade a inexistência de transcrição em
Língua Castelhana das vozes escutadas e que os autos se bastam com a tradução
livre.
F) (…)
G) – Tem ainda em vista ser declarado que o art.º 28.º do DL n.º 15/93 é
inconstitucional por:
- violação dos art.ºs 8.º da C.E.D.H, 124.º, 125.º, 187.º e 188.º do CPP, e
art.ºs 32.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, da C.R.P., quando entendido que para a
condenação basta a referência a meio de prova excepcional sem recurso a outros
meios de prova coadjuvantes;
- violação dos art.ºs 423.º, n.º 2, do CPP, 32.º, n.º 1, e 205.º da C.R.P., e
art.º 2.° do Protocolo n.º 7 da C.E.D.H., quando se basta com a mera referência
a factos provados sem os reexaminar, alegando-se apenas que os mesmos não
suscitam dúvidas – fls. 20, 23 e ss..
H) – A inconstitucionalidade dos art.ºs 374.º, n.º 2, e 425.º do C.P.P., por
violação dos art.ºs 32.º, n.º 1, e 205.º da Lei Fundamental e Protocolo n.º 7 –
2 da C.E.D.H., pois o Acórdão do STJ dispensou fundamentação ao arrepio da
garantia do dever de fundamentação da Decisão Judicial – Ac. do S.T.J. de
17-6-2004, Proc. n.º 5060/03, www.dgsi.pt – Proc. n.º 04P1407, Ac.s Trib. Const.
n.ºs 680/98 e 636/99.
I) – A inconstitucionalidade do art.º 412.º, n.º 3, al. b) e c), do CPP, pois o
TRL, ao rejeitar nos termos do art.º 412.º, n.º 3, b) e c), a renovação da prova
e o reexame crítico dos depoimentos juntos com Motivação de Recurso sem dar
oportunidade à defesa em 11 meses de suprir eventual lacuna, violou o direito ao
recurso – art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P., e Ac. do Trib. Const. n.º 320/2002, de
9-7, com força obrigatória geral.
J) – A inconstitucionalidade dos art.ºs 410.º, n.º 2, 412.º, n.º 3, al. b), e
425.º do CPP, por violação dos art.ºs 29.º, n.º 6, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e
205.º da CRP, e art.º 2.º, do Protocolo n.º 7 da CEDH, quando entendidos, como o
foram pelo TRL, secundado pelo STJ, que é inútil apreciar a matéria de facto na
globalidade porque o recorrente não indicou “concretos segmentos de
depoimentos”, e não se deu oportunidade à defesa, em 330 dias, de suprir a
eventual lacuna:
- as transcrições nunca são apreciadas na íntegra no TRL, pois o recurso é
limitado a “pontos de facto” e não à matéria de facto na íntegra. O TRL não ouve
e nem conhece o arguido e testemunhas, pelo que inexiste reexame da declaração
de culpabilidade, incorrendo em incumprimento do princípio do duplo grau de
jurisdição de facto – cfr. Dr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito – Novo
Código de Processo Penal, 1988, 379; Prof. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional, 4.ª edição, 1987, parte III, cap. 3, v/v, 1.7; “Cadernos
Democráticos – Estado de Direito, Ed. Gradiva, pág. 69; Prof. Figueiredo Dias,
“Tribuna da Justiça”, 6-6, 1985.
As inconstitucionalidades foram arguidas no recurso interposto da 8.ª Vara para
o TRL, e deste para o STJ, conforme conclusões respectivas.»
[sublinhados aditados]
Por sua vez, a resposta apresentada pelo reclamante na sequência do despacho de
convite para aperfeiçoamento deste requerimento de interposição de recurso em
nada clarificou os termos da interposição do mesmo.
Pela simples consulta das dimensões normativas enunciadas e seu confronto com a
decisão recorrida verifica-se, porém, que, na verdade, aquilo que o reclamante
realmente pretende trazer a apreciação deste Tribunal não são verdadeiras
questões de constitucionalidade normativa, antes pretendendo uma reapreciação do
decidido pelas instâncias, com o qual não concorda.
Assim, é claro que nas referidas alínea h), i) e j) o que o recorrente impugnou
foi a concreta actuação do tribunal recorrido, e não qualquer norma ou
interpretação normativa.
Quanto à norma indicada na alínea a), por sua vez, ela não foi aplicada pelo
tribunal recorrido com o sentido identificado pelo recorrente, pois aquele não
negou legitimidade “arguido-recorrente – gerente de SUCURSAL de empresa sedeada
em Gibraltar”, antes entendeu que o recurso não fora interposto na qualidade de
“legal representante”, ou gerente, da sociedade, e sim apenas na de arguido. O
mesmo acontece quanto à norma indicada na transcrita alínea c), pois, além de
não estar em causa uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa (como
resulta da própria referência ao alegado na “conclusão 25.ª”), no ponto 6.3 da
decisão recorrida afirmou-se claramente que a dedução pretendida pelo recorrente
“não tem a ver com o reexame crítico da respectiva prova documental nem com a
reapreciação dos ‘depoimentos das testemunhas indicadas in fine’ ”. E também as
normas indicadas na alínea g) do requerimento de recurso não foram aplicadas na
decisão de que se pretendeu recorrer, pois o Supremo Tribunal de Justiça não
entendeu que “para a condenação basta a referência a meio de prova excepcional
sem recurso a outros meios de prova coadjuvantes” ou que bastasse “a mera
referência a factos provados sem os reexaminar, alegando-se apenas que os mesmos
não suscitam dúvidas” (cfr., além de outros, o ponto 7.5 da decisão recorrida).
Por último, verifica-se, quanto à dimensão normativa a que se referia a alínea
e) do requerimento de recurso, que, apesar de o recorrente se ter referido no
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao problema da transcrição de
expressões utilizadas na conversação na sua língua original, não suscitou
perante esse Tribunal qualquer questão de constitucionalidade relativa a tal
norma (a do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Não pode, pois,
tomar-se conhecimento do recurso também quanto a esta norma.
9.Conclui-se, assim, que, seja por o reclamante não ter delimitado a questão de
constitucionalidade normativa a que se reporta o recurso, seja por se referir
apenas à decisão em si mesma considerada, ou a normas não aplicadas pelo
tribunal recorrido, seja, por último, por se reportar a uma norma cuja
constitucionalidade não fora por ele impugnada perante o tribunal recorrido, não
podia o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso. Razão
pela qual é de confirmar o despacho reclamado, que não admitiu tal recurso,
indeferindo-se a presente reclamação.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Março de
2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
(11) «Provado que a sociedade “b., SA” foi criada para o efeito de
importar/exportar estupefacientes, daqui decorre, como consequência, haver de
concluir-se que todo o seu património estava afecto a esse fim ou provinha dessa
actividade e que os falados dinheiros e direitos ou eram produto de actos de
tráfico ou estavam destinados a esse fim. Não merece reparo, pois, quanto ao
aludido ponto, a decisão recorrida.»
(12) Que pode recorrer “de quaisquer decisões” (art.º 401.º, n.º 1, al. a), do
CPP).
(13) “O acórdão recorrido está assinado pelos desembargadores que intervieram na
audiência de julgamento, a que se refere a acta de fls. 2446, a saber, os Dr.s
D., E. e F.” (cfr. resposta do MP à motivação do recurso).
(14) «Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, a), e
374.º, n.º 2, do CPP, é nula a sentença que não contiver a enumeração dos factos
provados e não provados. O tribunal tem, pois, de se pronunciar sobre os factos
que constituem o objecto do processo e este é constituído pela acusação e pela
contestação, devendo essa pronúncia ainda estender-se – embora com as limitações
estabelecidas nos artigos 358.º e 359.º do mesmo Código – aos factos não
constantes dessas peças mas que resultem da discussão da causa. Essa pronúncia
há-de incidir exclusivamente sobre factos, e sobre factos relevantes, ou seja,
os que interessam à aplicação do direito, que a respectiva enumeração visa
precisamente possibilitar. Ora, percorrendo a contestação, constatamos que o
recorrente (cf. fls. 1607 e seguintes), no essencial, se defende por negação e
que, para além disso, discorre em termos jurídicos sobre a cláusula CIF aposta à
expedição dos contentores. E, sendo assim, não tinha o tribunal que se
pronunciar sobre os factos negativos articulados quando os deu como provados na
forma positiva. Tomemos um exemplo: Foi dado como provado que a empresa B. foi
constituída para facilitar a importação de produtos estupefacientes (ponto 14 do
acórdão); e, assim sendo, nenhuma utilidade revestiria, por estar implícito ali,
dar como não provado que “o arguido não constituiu a B. com quaisquer fins
criminosos, como foi alegado na contestação (cfr. artigo 7.º desta).»
[15] (25.ª) «a) “Não quero nada, vai tudo para trás” (cfr. fls. 253., a 17 de
Nov. de 2001); b) “O vosso fornecedor que fique com a mercadoria. não quero mais
nada” (fls. 257, a 18 de Nov. de 2001); c) “Não estamos interessados na
mercadoria” (20 de Nov. e 18 de Dez. de 2001 – fax 403/898). Consubstanciam
actos de recusa da recepção da mercadoria. – v. depoimentos das testemunhas J.
(...) e L.(…)»
(16) Aliás, constituía dado adquirido da investigação que o arguido só “tentou
protelar ao máximo o (...) levantamento [dos contentores], acabando por acordar
o seu reencaminhamento para Espanha, assim se furtando a mais contactos directos
com os mesmos” depois de “ter sido avisado de que as autoridades holandesas
poderiam ter controlado e descoberto a cocaína no interior dos contentores”
(fls. 631). Aliás, “quando os carregamentos chegam por via marítima, em
contentores, a identificação da carga, falsamente declarada [...], faz-se quase
por intuição dos agentes alfandegários. As pessoas a quem vem destinada a
mercadoria têm até 45 dias para a levantar. Findo esse prazo, as autoridades
podem abrir os contentores. Na maior parte dos casos, os destinatários, que
normalmente possuem contactos nos portos para os avisarem se o seu contentor
está sob suspeita, preferem aguardar duas ou três semanas até reclamarem a
carga” (O., Público, 11 de Agosto de 2005).
(17) “Nos actos processuais (...), utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de
nulidade”.
(18) “Ademais, daí não resultaria qualquer prejuízo, designadamente para o
arguido, caso se lhe levantassem dúvidas acerca da fidelidade da tradução, pois
sempre lhe estava aberta a possibilidade de usar do meio previsto no n.º 5
daquele artigo 188.º (examinar o auto de transcrição e obter cópia das
gravações) para formular um juízo sobre o ponto; o recorrente não o fez na
altura oportuna – a da fase do julgamento na 1.ª instância; e as dúvidas que
agora suscita nas conclusões 21.ª e 28.ª são irrelevantes, porque extemporâneas,
não tendo cabimento, na fase de recurso, a diligência requerida na parte final
daquela última conclusão.”
(19) Ibidem.
(20) «Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do CPP/87, “o recurso pod[ia] ter como
fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só
ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a
decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação
(ou entre a fundamentação e a decisão); c) erro notório na apreciação da prova”.
Assim, o artigo 410.º, n.º 2, do CPP consagra[va], entre nós, um recurso
doutrinalmente chamado de “revista ampliada”, querendo isto significar que o
tribunal “ad quem” – o STJ e as Relações quando tiver havido renúncia ao recurso
em matéria de facto – não tem que se restringir à tradicionalmente denominada
“questão de direito”, antes podendo alargar os poderes de cognição a vícios,
documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal “a quo”, que contendam
com a apreciação do facto. “Concretiza-se este recurso de revista ampliada na
possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer da insuficiência
para a decisão da matéria de facto provada, quando a decisão de direito não
encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio
“lógico-subsuntivo”, de verificar contradição insanável da fundamentação, sempre
que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta
precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente
esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos, e de concluir por
um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das
pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se
concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada
no artigo 127.º, n.º 2, do CPP, quando afirma que “a prova é apreciada segundo
as regras da experiência” (...) » (Maria João Antunes, anotação ao ac. do STJ de
6 de Maio de 1992, RPCC, Ano 4-1, ps. 118 e segs.).
(21) Ou à Relação, se se entender admissível, nestes casos, a “opção”.
(22) “Salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa
espécie de prova para a existência do facto ou que fixe [ou anule] a força de
determinado meio de prova” (art.º 722.º, n.º 2, do CPC).
(23) Aliás, não havia muito a dizer, ante a sua simplicidade, sobre o iter da
B.: “A., elemento fundamental da organização desde que esta passou a operar em
Portugal, teve a seu cargo a constituição da empresa – B. – destinatária do
produto estupefaciente, com o fim de, sob a capa de importações legais de
mercadoria – que também efectua[va] – importar o produto estupefaciente enviado
pela rede criminosa” (fls. 631).
(24) Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º
29/91, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91 (DR, I-A,
de 6/9/91).
[25] “A produção, o fabrico, a extracção, a preparação, a oferta, a
comercialização, a distribuição, a venda, a entrega em quaisquer condições, a
corretagem, a expedição, a expedição em trânsito, o transporte, a importação ou
a exportação de quaisquer estupefacientes e substâncias psicotrópicas (…)”.
(26) “A prova obtida – abertura de contentores, contendo 5 g de cocaína aposta
por policias holandeses, que não foi encomendada ou recebida pelo recorrente – é
prova nula (art.º 32.º, n.º 6, da CRP, art.º 126.º, 178.º e 179.º do CPP, e
art.º 8.º, n.º 1, da CEDH)”
(27) E, bem assim, “angariar clientes para a mercadoria lícita a importar, o que
também serviria, simultaneamente, para não levantar suspeitas quanto às
importações”.
(28) “Os lucros pecuniários alcançados com a venda da cocaína seriam repartidos
entre todos, recebendo cada um a sua comissão.”
(29) Ignorando-se, também, qual a natureza e proveniência das quantias (143.500
escudos e 1.110.000 pesetas) que o arguido, no dia 17 de Janeiro de 2002, tinha
consigo, pois que se não provou – embora “não seja de excluir essa
possibilidade” (fls. 630) – que “os outros contentores anteriormente importados
nos mesmos moldes dos apreendidos tivessem eles, também, transportado cocaína
dissimulada.”
(3) E só ela, porque só a pessoa “afectada” detém, para tanto, legitimidade e
interesse em agir.
(4) Num incidente – como este – de reclamação, por nulidades [da “decisão” e não
do “processado” anterior ao próprio recurso], contra a decisão do recurso!
(1) E só ela, porque a pessoa “afectada” detém, para tanto legitimidade e
interesse em agir.
(2) Num incidente de reclamação, por nulidades [da “decisão” e não do
“processado” anterior ao próprio recurso], contra a decisão do recurso!
(3) “Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, a), e
374.°, n.º 2, do CPP, é nula a sentença que não contiver a enumeração dos factos
provados e não provados. O tribunal tem, pois, de se pronunciar sobre os factos
que constituem o objecto do processo e este é constituído pela acusação e pela
contestação, devendo essa pronúncia ainda estender-se – embora com as limitações
estabelecidas nos artigos 358.º e 359.º do mesmo Código – aos factos não
constantes dessas peças mas que resultem da discussão da causa. Essa pronúncia
há-de incidir exclusivamente sobre factos, e sobre factos relevantes, ou seja,
as que interessam à aplicação do direito, que a respectiva enumeração visa
precisamente possibilitar. Ora, percorrendo a contestação, constatamos que o
recorrente (cfr. fls. 1607 e seguintes) no essencial, se defende por negação e
que, para além disso, discorre em termos jurídicos sobre a cláusula CIF aposta à
expedição dos contentores. E, sendo assim, não tinha o tribunal que se
pronunciar sobre os factos negativos articulados quando os deu como provados na
forma positiva. Tomemos um exemplo: Foi dado como provado que a empresa B. foi
constituída para facilitar a importação de produtos estupefacientes (ponto 14 do
acórdão); e, assim sendo, nenhuma utilidade revestiria, por estar implícito ali,
dar como não provado que “o arguido não constituiu a B. com quaisquer fins
criminosos, como foi alegado na contestação (cfr. artigo 7.º desta).”
(4) “Nos actos processuais (...), utiliza-se a língua portuguesa. sob pena de
nulidade”.
(5) “Ademais, daí não resultaria qualquer prejuízo, designadamente para o
arguido, caso se lhe levantassem dúvidas acerca da fidelidade da tradução, pois
sempre lhe estava aberta a possibilidade de usar do meio previsto no n.º 5
daquele artigo 188.° (examinar o auto de transcrição e obter cópia das
gravações) para formular um juízo sobre o ponto; o recorrente não o fez na
altura oportuna – a da fase do julgamento na 1.ª Instância; e as dúvidas que
agora suscita nas conclusões 21.ª e 28.ª são irrelevantes, porque extemporâneas,
não tendo cabimento, na fase de recurso, a diligência requerida na parte final
daquela última conclusão.”
(6) Ibidem.