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Processo n.º 939/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial
do Montijo recorre, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da sentença de 28 de Setembro de 2005,
proferida naquele tribunal, na qual foi recusada, com fundamento em
inconstitucionalidade orgânica, a aplicação da norma prevista no n.º 1 da Base
LVI das Bases de Concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de
Junho.
2 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“(...)
O(a) arguido(a) encontra-se acusado de não ter procedido ao
pagamento de taxas de portagem nas vias reservadas ao pagamento pelo sistema Via
Verde.
Tal contravenção encontra-se prevista e punida na Base LII, LIII, no nº 1 da
Base LVI, das Bases de Concessão aprovadas pelo Dec.-Lei n.º 168/94 de 15 de
Junho e art. 57.º, 58.º e 61.º do Segundo Contrato de Concessão aprovado pela
Resolução do Conselho de Ministros n.º 121-A/94.
O n.º 1 da Base LVI das Bases de Concessão aprovadas pelo Dec.-Lei n.º 168/94,
de 15 de Junho prevê a aplicação de uma pena de multa de montante mínimo igual a
20 vezes o valor de portagem fixado para os veículos de classe 1 e máximo igual
a 20 vezes o valor de portagem fixado para os veículos de classe 4, para a falta
de pagamento de qualquer taxa de portagem.
Esta norma inserta num diploma elaborado pelo Governo ao abrigo do disposto no
art. 201.º, n.º 1, a) da Constituição da República Portuguesa, actualmente art.
198.º, n.º 1, a).
Ou seja, no exercício das funções legislativas que lhe permite fazer
Decretos-Lei em matérias não reservadas à Assembleia da República.
De facto, o escopo fundamental do Dec.-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho é o da
concessão da concepção, do projecto, da construção, do financiamento, da
exploração e da manutenção da nova travessia sobre o rio Tejo em Lisboa.
Por esse motivo, não terá sido solicitada qualquer autorização à Assembleia da
República.
No entanto, o diploma supra referido tem inserta uma norma que estipula
expressamente a aplicação de uma pena de multa.
Constitui por esse motivo uma tipificação ao nível do direito criminal ou de
mero ilícito de contra-ordenação social.
Ora, a possibilidade de legislar sobre estas matérias está vedada ao Governo,
pois face ao estipulado nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 168.º, actual art.
165.º, n.º 1, c) e d): 'é da exclusiva competência da Assembleia da República
legislar sobre a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos
pressupostos, bem como processo criminal e sobre o regime geral da punição das
infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e
do respectivo processo.”
Ou seja, o Governo legislou sobre a aplicação de uma multa, matéria e reserva
relativa de competência da Assembleia da República sem ter tido autorização
prévia para o efeito.
Mais, a norma que atribui competência aos portageiros para levantarem autos de
notícia, equiparando-os a funcionários públicos também se encontra inserta na
Base LVI, n.º 4 das Bases de Concessão aprovadas pelo Dec-Lei n.º 168/94, de
15/6.
Esta norma não podia ter sido elaborada pelo Governo pois também se encontra no
âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República.
Note-se que tais autos fazem fé em juízo.
A necessidade de a Assembleia da República autorizar o Governo a legislar sobre
tais matérias já foi até reconhecida pelo legislador quando através da Lei nº
20/90. de 3 de Agosto foi concedida autorização ao Governo para legislar sobe
processamento e julgamento de contravenções e transgressões.
Foi com base nessa Lei que o Governo, posteriormente elaborou o Dec.‑Lei n.º
17/91, de 10 de Janeiro no qual se estabeleceram as normas para o processamento
das contravenções e transgressões.
Resulta expressamente da mencionada Lei de Autorização legislativa que a
autorização em causa é dada ao abrigo do art. 168.º, n.º 1, c) e d), actual art.
165.º, n.º 1, c) e d) da CRP.
Ou seja, o legislador não tem qualquer dúvida que a matéria das contravenções
constitui matéria da competência relativa da AR.
Segundo Gomes Canotilho[1] o art. 168.º da CRP 'ao referir o ilícito de mera
ordenação social, omitindo toda a referência à figura das contravenções (que era
tradicional no direito português até ao Código Penal de 1982) a Constituição
deixa entender claramente que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo,
pela que as contravenções que subsistirem ou que forem de novo criadas têm de
ser tratadas de acordo com a natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera
ordenação social).'
Do supra referido resulta que a norma referida na acusação que imputa ao arguido
a prática da contravenção em causa padece do vício da inconstitucionalidade
orgânica.
Cabe a este Tribunal efectuar um controlo difuso e concreto da
constitucionalidade, podendo e devendo o juiz recusar a aplicação de uma norma
inconstitucional.
Esse princípio resulta claramente do disposto no art. 204.º da nossa Lei
Fundamental que dispõe: 'Nos feitos submetidos a julgamento não podem os
Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os
princípios nela consignados.”
'O dever judicial de não aplicar normas inconstitucionais estende-se a todos os
casos em que os Tribunais são chamados a aplicar normas infraconstitucionais,
portanto independentemente de qualquer feito submetido a julgamento e mesmo
quando desempenham funções não jurisdicionais, como consequência directa do
princípio da subordinação à lei, o que começa por ser submissão à Lei
Fundamental.[2]
*
(...) Face ao exposto e por considerar organicamente inconstitucional a norma
prevista no n.º 1 da Base LVI das Bases de Concessão aprovadas pelo Dec.-Lei n.º
168/94, de 15 de Junho, não podendo este tribunal aplicá-la, recusa-se o
recebimento da acusação dirigida contra o(a) arguido(a) Louresfor, Comércio de
Automóveis, S.A..
(...).”
3 – Notificado desta decisão, o Representante do Ministério Público
interpôs, nos termos supra referidos, recurso para este Tribunal, tendo o mesmo
sido admitido.
4 – Em sede de alegações, o Representante do Ministério Público
junto do Tribunal Constitucional pugnou pela procedência do recurso,
sustentando, em síntese, que
“(...)
1 - As normas dos nºs 1 e 4 da Base LVI, anexa ao Decreto-Lei n.º
168/94, de 15 de Junho, reportando-se à punição com multa contravencional dos
comportamentos integradores do não pagamento ou pagamento viciado de portagem e
à competência dos portageiros para levantamento de autos de notícia, devem ter
um tratamento correspondente ao que é conferido às contra-ordenações,
relativamente as quais a Constituição não exige a prévia definição do tipo e de
punição concreta em lei parlamentar, que igualmente se não impõe na equiparação
a funcionários públicos das autoridades com poderes de disciplina de tráfego,
afectos à entidade concessionária.
2 - Tais normas, que não introduzem, aliás, qualquer inovação na ordem jurídica,
não padecem do vício de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que o Governo
não carecia credencial parlamentar para as produzir sob a forma de Decreto-Lei.
(...)”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – A presente questão de constitucionalidade foi recentemente
apreciada nos Acórdãos desta 2ª Secção nºs 226/2006 e 227/2006, a propósito das
normas da Base XVII anexa ao Decrteto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, e n.º
230/2006, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, este incidindo
justamente sobre as normas em causa do presente recurso (nºs 1 e 4 da base LVI
anexa ao Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho).
Escreveu-se neste Acórdão n.º 230/2006:
“3. As normas que o tribunal a quo considerou inconstitucionais foram aprovadas
ao abrigo do artigo 201.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, correspondente ao
actual artigo 198.º, n.º 1, alínea a).
O tribunal recorrido considerou que a matéria abrangida pelas normas integra a
reserva parlamentar referida nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da
Constituição, pelo que recusou a aplicação de tais normas por
inconstitucionalidade orgânica.
Porém, tal juízo de inconstitucionalidade não procede pelas razões que seguem”.
E, no referido Acórdão n.º 226/2006, afirmou-se:
4. As normas transcritas supra correspondem, respectivamente, aos nºs 7 e 10 da
Base XVIII anexa ao Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto, na redacção do
Decreto-Lei n.º 193/92, de 8 de Setembro. O Tribunal Constitucional
pronunciou-se sobre a conformidade à Constituição do referido n.º 7 que, tal
como o actual n.º 1 da Base XVIII consagrava a punição da contravenção
consistente na passagem na portagem sem título. No Acórdão n.º 61/99 (DR II
Série, de 31 de Março de 1999) considerou o Tribunal Constitucional o seguinte:
(…)
3.1. Efectivamente, haverá, em primeira linha, que acentuar que,
independentemente da questão de saber se, após a Revisão Constitucional operada
pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, é possível a criação, ex
novo, de contravenções, o que é certo é que a norma em apreço veio instituir (e
para se utilizarem algumas das palavras do art. 3º do Código Penal de 1886) a
previsão de um comportamento consubstanciado na prática de um “facto voluntário”
“punível” (in casu tão só com uma pena pecuniária) e que “consiste unicamente na
violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e
regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica” (cfr., sobre o
conceito de contravenção, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 218 a 221, e
Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, ed. Da A.A.F.D.L., I, 168).
De outro lado, atento o momento temporal em que a norma em apreço foi editada
(1992), a sanção pecuniária nela prevista não podia ser convertível em prisão,
por se ter de haver por revogado, pela entrada em vigor do Código Penal aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, o art. 123º do Código Penal
aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 (cfr., quanto a este último
aspecto, por entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números 188/87 e 308/94,
publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 5 de Agosto
de 1987 e 29 de Agosto de 1994).
Ora, torna-se inquestionável que o comportamento em causa (o não pagamento da
«taxa» de portagem devida pela utilização das auto-estradas) não pode ter uma
ressonância ética tal que o haja de o qualificar como um crime; e, se se
ponderar que esse comportamento foi, já em 1992, tido como integrando um ilícito
passível de ser publicamente sancionado com uma pena meramente pecuniária, então
(tal como se disse no referido Acórdão n.º 308/94, embora a propósito de outra
norma) há-de concluir-se que “o tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser
o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Constituição não exige a
prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar”.
Neste particular, não se pode olvidar que a prática do facto punível pela norma
sub specie representa, sem que grandes dúvidas a esse respeito se possam
levantar, uma infracção no domínio estradal, cumprindo recordar que práticas
semelhantes foram sancionadas anteriormente, verbi gratia pelos Decretos-leis
números 43.705, de 22 de Maio de 1961 (punição, com pena pecuniária, pelo não
pagamento da taxa de portagem pela utilização do lanço de auto-estrada
Lisboa/Vila Franca de Xira – cfr. Art. 6º), e 47.107, de 19 de Julho de 1966
[punição, com pena pecuniária, pelo não pagamento da taxa de portagem pela
utilização da Ponte sobre o Tejo – hoje denominada Ponte 25 de Abril – cfr. Art.
3º, § 4 -, e a que, por intermédio do Decreto-Lei n.º 199/95, de 31 de Julho,
veio a ser dada a natureza de contra-ordenação - cfr. Art. 1º, alínea c)).
3.1.2. E, a este propósito, convém respigar alguns passos que se podem ler no
citado Acórdão n.º 308/94.
Assim, disse-se nesse aresto, a propósito da questão de saber se era possível,
no caso ali apreciado, a criação de um novo tipo contravencional:
“(…)
Ou seja: o Governo poderia criar aqui esta nova infracção contravencional, uma
vez que não lhe corresponde sanção restritiva de liberdade, isto a admitir que a
figura das contravenções ainda tem cobertura constitucional (…)
Tradicionalmente, quer a definição de cada concreto ilícito contravencional,
quer a fixação da respectiva pena, sempre puderam ser efectuadas por
regulamento, inclusivamente por regulamentos locais, como expressamente
resultava do preceituado no artigo 486º do velho Código Penal de 1886. E o mesmo
entendimento se manteve na generalidade da doutrina e na jurisprudência, após a
entrada em vigor da Constituição de 1976.
Com a revisão constitucional de 1982, suscitou-se o problema de saber qual o
destino, em geral, da figura das contravenções. A este propósito, escrevem J. J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., anotação X ao artigo 168º, pág. 673):
Ao referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à
figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao
Código Penal de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela
desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que
subsistirem (ou que forem ex novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a
natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social).
Ora, dúvidas não restam que, no caso vertente, não deparamos com uma infracção
com a ressonância ética suficiente para poder ser qualificada como de natureza
criminal. E, assim sendo, e também porque lhe não corresponde qualquer sanção
privativa ou restritiva da liberdade, o tratamento que lhe deve ser conferido
há-de ser o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Constituição
não exige a prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar.
É bem verdade que, estabelecendo-se na Lei Fundamental que cabe à Assembleia da
República – ou ao Governo, quando por ela devidamente autorizado – legislar
sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social [artigo 168º,
n.º 1, alínea d)] e constando do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que
veio fixar esse regime geral, que «só será punido como contra-ordenação o facto
descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua
prática» (artigo 2º), bem se poderia perguntar se não é hoje exigível a
intervenção legislativa para a definição e a punição em concreto de cada
contra-ordenação.
Tal solução, contudo, não se impõe, para além de se afigurar manifestamente
contrária a todas as opções do legislador nesta matéria – assinale-se que se
privaria o Governo, no exercício do poder regulamentar, e as autarquias locais,
estas em qualquer caso, do poder de definir contra-ordenações. Trata-se, no
fundo, de aqui reeditar, e com reforçados motivos, as razões que já
anteriormente valiam para justificar a intervenção regulamentar em matéria
contravencional.
Neste sentido, assinalam, em anotação ao artigo 2º do Decreto-Lei n.º 433/82,
Manuel Lopes Rocha, Mário Gomes Dias e Manuel C. Ataíde Ferreira
(Contra-Ordenações, Escola Superior de Polícia, pág. 17):
Parece não haver dúvidas de que o preceito não exclui a possibilidade de os
regulamentos da administração central e local criarem contra-ordenações e
preverem as correspondentes coimas, desde que dentro dos limites da lei.
É esta, aliás, a opinião de da doutrina quanto às contravenções (Cf. J. de Sousa
e Brito, ‘A lei penal na Constituição’, nos Estudos sobre a Constituição, 2º
Vol. pp. 238 e segts; de Maia Gonçalves, ‘Código Penal Português na Doutrina e
na Jurisprudência’, 6ª ED., pág. 826; e, especificamente quanto às
contra-ordenações, o Parecer n.º 4/81, da Comissão Constitucional, nos
‘Pareceres da Comissão Constitucional’, Vol. 14º, págs. 240 e segts.). Uma
achega para esta doutrina poderá hoje ver-se no art. 168º, 1, alínea d), da Lei
Fundamental embora o argumento que daí pode tirar-se não seja, só por si,
decisivo.
Historicamente, aliás, e entre nós, as coimas eram as sanções cominadas para as
transgressões a posturas e regulamentos municipais (cf. Código Penal de 1886,
art. 485º; Luís Osório, ‘Notas ao Código Penal’, Vol. 4º, notas ao art. 485º).
O que o art. 2º do Decreto-Lei n.º 433/82 verdadeiramente quer dizer não é coisa
diferente do que diz o correspondente art. 1º, 1, do Código Penal, isto é,
tornar claro que, também no domínio do ilícito de mera ordenação social, vigora
o princípio da legalidade, num dos seus aspectos mais significativos, o da não
retro-actividade da lei sancionadora.
(…)”
(…)”
As considerações desenvolvidas pelo Tribunal Constitucional no aresto transcrito
são aplicáveis nos presentes autos. Com efeito, também agora a norma em
apreciação consagra a punição de uma infracção que não tem a ressonância ética
bastante para que lhe possa ser atribuída natureza criminal, e a punição
prevista não se traduz na privação da liberdade. Desse modo, o regime aplicável
será o das contra‑ordenações, não sendo exigível, na perspectiva constitucional,
a emissão de lei parlamentar.
5. O tribunal a quo julgou igualmente inconstitucional a norma que permite o
levantamento do auto de notícia pelo portageiro, e que equipara este agente a
funcionário (…). Considerou o tribunal que está em causa matéria também
abrangida pela reserva parlamentar.
Da argumentação desenvolvida na decisão recorrida resulta que o fundamento do
juízo de inconstitucionalidade orgânica assenta na circunstância de tais autos
de notícia fazerem fé em juízo.
Ora, o Tribunal Constitucional já afirmou mais de uma vez que a fé em juízo
(nomeadamente dos autos de notícia) não acarreta qualquer presunção de
culpabilidade, nem envolve, necessariamente, qualquer manifestação arbitrária do
princípio in pro reo (Acórdãos nºs 87/87 e 118/87 – DR II Série, de 16 de Abril
e de 2 de Junho de 1987, respectivamente).
E, decisivamente, tratando-se de uma infracção que, nesta matéria, segue o
regime das contra-ordenações, como se demonstrou anteriormente, carece de
fundamento a inclusão da questão da competência para lavrar o auto de notícia no
âmbito da reserva parlamentar.
Não se trata, pois, de matéria abrangida pela reserva parlamentar. Improcede,
portanto, o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida».
Esta argumentação, que aqui se reitera, é completamente transponível
para o caso dos autos, sendo, ainda, de acentuar, relativamente ao último
fundamento aduzido, que nada impede que o legislador atribua poderes de direito
administrativo aos particulares, desde que estes, na sua actuação, fiquem
sujeitos, como é o caso, às exigências constitucionais a que os órgãos e agentes
administrativos estão subordinados, constantes do art. 266º, n.º 2, da
Constituição e às exigências legais, sendo que a actuação dos “portageiros” se
situa estritamente no âmbito do exercício desses poderes de direito
administrativo.
O recurso merece, pois, provimento.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não julgar organicamente inconstitucionais as normas dos nºs 1 e 4 da
Base LVI anexa ao Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho, revogando,
consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformada de acordo com o
presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 2 de Maio de 2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos
[1] in Constituição Anotada;
[2] (op cit, pg. 797)