Imprimir acórdão
Processo n.º 382/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no
n.º 4 do artigo 76º da Lei 28/82 de 25 de Novembro (LTC), pedindo a revogação do
despacho que, no Supremo Tribunal de Justiça, lhe não admitiu o recurso que
pretendia interpor, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da citada Lei.
Diz:
1. O ora reclamante havia apresentado a petição de recurso para o Tribunal
Constitucional, indicando as seguintes normas cujas inconstitucionalidades
pretendia ver sindicada:
arts. 399°, 400º 1 e) e f), 420° 1 e 4 e 185,1, todos do CPP.
2. O Meritíssimo Senhor Conselheiro Relator apreciou, em primeiro lugar, este
último artigo, o qual, manifestamente, extravasava do contexto processual em que
foi indicado, por mero lapso, já que o que se tinha pretendido era invocar o
art. 188°. Tem pois toda a razão, quando afirma que nenhuma das decisões aplicou
norma sobre “Apreensão de coisas perecíveis, perigosa ou deterioráveis'. Assim,
resta ao ora reclamante, nesta parte, conformar-se com a decisão, e confessar o
seu erro, que facilmente pode ser convolado de lapsus linguae em lapsus calami.
3. Passou depois o mesmo Ilustre Magistrado à análise do art. 400° 1 e) e f),
onde, salvo o sempre e muito devido respeito, agita o argumento do terror do 3°
grau (de jurisdição), defendendo a sonegação ao conhecimento do Tribunal
Constitucional da questão que se pretendia que fosse por este Alto Tribunal
apreciada, por isso que '...à pergunta sobre se essa norma seria
inconstitucional tem sido - e continua (...) a ser - negativa... ', citando a
este propósito um aresto de que foi relator o Excelentíssimo Senhor Conselheiro
Mário Torres.
Contudo, este entendimento, vocacionado para, no limite, fundamentar a extinção
do Tribunal Constitucional, já que em todos os processos de apreciação da
constitucionalidade de interpretação e aplicação de normas se poderá agitar a
terrífica bandeira do 3° grau (de jurisdição), não é sustentável em face do
alegado e a alegar pelo ora reclamante, como se crê que irá ser reconhecido pela
serena e isenta lucidez deste Alto Tribunal.
4. No concernente aos meios 'ínvios' a que mais uma vez, com uma insistência que
não pode deixar de ser menorizante da mandatária do ora reclamante, o que muito
se lamenta, até porque segundo um velho brocardo da praxe forense 'nos Tribunais
a delicadeza nunca é demais', a apreciação feita sobre a indicação do art. 420°
1 e 4, omite o entendimento que muito claramente defendida na Jurisprudência
mais recente.
Acresce que é ininteligível o 'distinguo' aludido sobre o poder de selecção de
causas por parte dos Tribunais superiores e o mero regime simplificado de
decisão. Conceitualmente, valorando referências subjectivas, concebe-se. Na
prática, é puramente temerário e aleatório.
O que pode transparecer deste argumento é, no fundo, uma aparência de quase
paternal protecção do STJ sobre o TC, que não quadra bem nem com os direitos do
arguido, nem com a dignidade deste Alto Tribunal.
O ora reclamante confessa que tem dificuldade em perceber que a declaração de
manifesta improcedência do recurso, por razões de mérito, possa ser emitida, sem
lhe ser dada a possibilidade de argumentar em sentido contrário. E que tal
declaração é sempre uma decisão infundamentada e uma petição de princípio. É um
precedente perigoso, até porque, quanto mais não seja, pode facilmente
confundir-se com o retorno ao princípio da oportunidade que, crê-se que há muito
tempo, cedeu perante o princípio da legalidade.
5. Sobre a indicação do art. 399º, tanto quanto se julga ter entendido, o aliás
douto despacho reclamado é pura e simplesmente omisso.
6. Acresce que está comprovado nos presentes autos que ora reclamante suscitou
durante o processo inconstitucionalidades, nos momentos aliás indicados no seu
requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional.
7. Quanto as restantes inconstitucionalidades invocadas pelo ora reclamante e
identificadas no requerimento de arguição de nulidades, apenas foram invocadas
nessa fase porque se prendem com decisão também só proferida nesse momento, pelo
que o ora reclamante não podia invocá-las antes de ter sido proferida aquela
decisão.
8. Assim sendo o ora reclamante requer que Vossa Excelência se digne ordenar que
o recurso interposto para este Alto Tribunal Constitucional seja admitido e
apreciado.
Sobre o mérito esta reclamação diz o representante do Ministério Público neste
Tribunal:
A presente reclamação carece obviamente de fundamento sério.
Cumpre notar, desde logo, que o recorrente não cumpre minimamente o ónus de
delimitar, em termos inteligíveis, qual a específica interpretação ou dimensão
normativa dos preceitos legais “arrolados” como “inconstitucionais”, e que
pretende controverter: não o faz manifestamente no requerimento de interposição
de recurso e continua a não o fazer no âmbito da presente reclamação,
desaproveitando, deste modo, a oportunidade de explicitar qual é, afinal, o
objecto normativo do recurso que pretende interpor (bem sabendo que, na
tramitação do processo de reclamação não cabe a prolação de “convite” para
aperfeiçoar o dito requerimento). Tal estratégia processual priva, em rigor, o
recurso de um verdadeiro objecto normativo, impedindo o Tribunal Constitucional
de conhecer quais as questões sobre que deveria fazer incidir os seus poderes
cognitivos.
Acresce que se não mostra suscitada, durante o processo e em termos
processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa
(cfr. as conclusões do recurso para o STJ, transcritas a p. 17 dos autos), sendo
manifesto que a interpretação redigida pelo STJ, do disposto nos art. 400º, n.º
1, alínea e) e f) e 420º (incluindo o n.º 4) do CPP não pode seguramente
qualificar-se como constituindo “decisão surpresa”, que, pelo seu carácter
“insólito” e “imprevisível”, dispensasse o recorrente do ónus de suscitação que
sobre si recaía.
2. Para uma melhor enunciação da questão que nos ocupa, é útil recordar
que o reclamante reclamara do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça,
nos seguintes termos:
A., recorrente nos autos em epígrafe, tendo sido notificado do alias douto
acórdão que indeferiu a aclaração por si requerida, vem muito respeitosamente
arguir nulidades e em consequência requerer a anulação do aliás douto acórdão
final global, com base nos seguintes termos e fundamentos:
1. Subjaz a tal aresto uma interpretação restritiva dos direitos do arguido, no
que tange aos art. 400° n.º1 al. e) e 399° do Código de Processo Penal que se
traduz na aplicação e interpretação inconstitucional destes preceitos legais,
por manifesta colisão com o disposto no art. 32° n.º 1 da CRP e em consequência
na violação do princípio constitucional das garantias de defesa.
2. Acresce que, por muito douta que seja a decisão de rejeição de qualquer
recurso, por manifesta improcedência, sem que seja concedido ao arguido o
direito de demonstrar a tese contrária, cingindo aos limites iniciais do
recurso, constitui também uma intolerável redução do exercício dos seus direitos
e consequentemente uma interpretação e aplicação inconstitucional do art. 420°
do CPP, por violação do disposto no já citado art. 32° n.º1 da CRP.
3. A permissão contida no art. 420°, de rejeição por manifesta improcedência, do
recurso, poderá aplicar-se apenas aos casos de inobservância de requisitos
formais e adjectivos, ou aos casos em que o recurso versa sobre a apreciação de
matéria vedada ao STJ.
4. É inconstitucional, a aplicação e interpretação daquele preceito legal,
quando permite uma apreciação sumária, sem audição do arguido, das pretensões
contidas no recurso, por esta ser insuficiente e não garantir plenamente os
direitos do arguido, quer na vertente do direito ao recurso, quer no princípio
do contraditório.
5. Para além disso, a condenação do recorrente a título de sanção, por aplicação
do disposto no n.º 4 do art. 420° do CPP, colide com direito ao recurso
consagrado constitucionalmente e coarcta os direitos do arguido.
6. Na verdade, nos autos em epígrafe, os recursos subiram ao STJ, por decisão
proferida em sede de reclamação dirigida ao Excelentíssimo Senhor Presidente
deste Tribunal, pelo que por tal razão e mesmo tendo sido rejeitado tal recurso
por inadmissível, não deveria ter aplicação o disposto no n.º 4 do mencionado
preceito legal.
7. Para além disso, nem sequer os motivos que levaram à rejeição por manifesta
improcedência no caso sub judice se enquadram nas atitudes que o legislador quis
sancionar, ou seja a lide temerária e a falta de seriedade na interposição do
recurso, ao estabelecer aquela norma.
8. Entendemos assim, que houve também incorrecta e inconstitucional
interpretação e aplicação do disposto no art. 420° n.º 4 do CPP.
Este requerimento obteve a seguinte decisão:
1. Os pedidos de aclaração
1.1. [...] e A., em 27SET05, pediram a aclaração do acórdão de rejeição do
recurso principal: «O aresto rejeitou, por inadmissibilidade e/ou manifesta
improcedência, o recurso. O arguido tem direito de saber em concreto se o seu
recurso foi rejeitado ou não apenas por inadmissibilidade e, na eventualidade de
ter sido rejeitado também por manifesta improcedência, quais os fundamentos
subjacentes tão curiosa decisão».
1.2. Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu em 03Nov05 esse pedido.
2. Os pedidos de declaração de inconstitucionalidade
2.1. Notificados do acórdão aclaratório em 11Nov05, os arguidos, em 24,
invocaram, como se de «arguição de nulidades» se tratasse, a
«inconstitucionalidade» da «interpretação que subjaz a tal aresto, restritiva
dos direitos do arguido, no que tange aos art. 400° n.º 1 al. e) e 399° do
Código de Processo Penal» e, bem assim, a da «aplicação e interpretação [do art.
420.1 do CPP], quando permite uma apreciação sumária, sem audição do arguido,
das pretensões contidas no recurso».
2.2. Sustentaram ainda que, «mesmo tendo sido rejeitado tal recurso por
inadmissível, não deveria ter aplicação o disposto no art. n.º 4 do mencionado
preceito legal», por «os motivos que levaram à rejeição por manifesta
improcedência no caso sub judice não se enquadrarem nas atitudes que o
legislador quis sancionar (a lide temerária e a falta de seriedade na
interposição do recurso)». E daí, também, a «incorrecta e inconstitucional
interpretação e aplicação do disposto no art. 420° n.º 4 do CPP»:
«1. Subjaz a tal aresto uma interpretação restritiva dos direitos do arguido, no
que tange aos art. 400° n.º 1 al. e) e 399° do Código de Processo Penal, que se
traduz na aplicação e interpretação inconstitucional destes preceitos legais,
por manifesta colisão com o disposto no art. 32° n. ° 1 da CRP e em consequência
na violação do princípio constitucional das garantias de defesa. 2. Acresce que,
por muito douta que seja a decisão de rejeição de qualquer recurso por manifesta
improcedência sem que seja concedido ao arguido o direito de demonstrar a tese
contrária, cingindo aos limites iniciais do recurso, constitui também uma
intolerável redução do exercício dos seus direitos e consequentemente uma
interpretação e aplicação inconstitucional do art. 420° do CPP, por violação do
disposto no já citado art. 32° n.º 1 da CRP. 3. A permissão contida no art. 420º
de rejeição por manifesta improcedência, do recurso, poderá aplicar-se apenas
aos casos de inobservância de requisitos formais e adjectivos, ou em aos casos
em que o recurso versa sobre a apreciação de matéria vedada ao STJ. 4. É
inconstitucional, a aplicação e interpretação daquele preceito legal, quando
permite uma apreciação sumária, sem audição do arguido, das pretensões contidas
no recurso, por esta ser insuficiente e não garantir plenamente os direitos do
arguido, quer na vertente do direito ao recurso, quer no principio do
contraditório. 5. Para além disso, a condenação do recorrente a titulo de
sanção, por aplicação do disposto no n. ° 4 do art. 420° do CPP, colide com
direito ao recurso consagrado constitucionalmente e coarcta os direitos do
arguido. 6. Na verdade, nos autos em epigrafe, os recurso subiram ao STJ, por
decisão proferida em sede de reclamação dirigida ao Presidente deste Tribunal,
pelo que por tal razão e mesmo tendo sido rejeitado tal recurso por
inadmissível! não deveria ter aplicação o disposto no art. n. ° 4 do mencionado
preceito legal. 7.Nem sequer os motivos que levaram à rejeição por manifesta
improcedência no caso sub judice se enquadram nas atitudes que o legislador quis
sancionar, ou seja, a lide temerária e a falta de seriedade na interposição, ao
estabelecer aquela norma. 8. Entendemos assim, que houve também incorrecta e
inconstitucional interpretação e aplicação do disposto no art. 420° n. ° 4 do
CPP»
2.3. O MP, na sua resposta de 27DEZO5, pronunciou-se pelo indeferimento dos
pedidos:
«A [primeira] questão (…) já fora suscitada e objecto de pronúncia no acórdão de
3 de Novembro (cfr. n. ° 3.5). A [segunda] questão (…) encontra-se igualmente,
de alguma forma, respondida no mesmo ponto do acórdão: «A lei ordinária, ela
própria, apenas garante a recorribilidade dos acórdãos, das sentenças e dos
despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei». O juízo de
manifesta improcedência, assente numa apreciação liminar dos fundamentos do
pedido, não colide com as garantias de defesa. Não se trata de incumprimento dos
requisitos formais de determinado pedido, que poderiam obstar ao seu
conhecimento (caso em que, na perspectiva constitucional, se justifica o convite
à correcção), mas apenas apurar se o referido pedido está claramente (no que
respeita ao seu mérito) votado ao insucesso. Dito de outro modo: a possibilidade
de rejeição de um recurso por manifesta improcedência não viola o direito
constitucional ao recurso. Por último, não será certamente a decisão do
presidente do STJ incidindo sobre a reclamação do despacho de não admissão do
recurso) que isenta o recorrente do regime do n. ° 4 do art. 420° do Cód Proc.
Penal. O n. ° 4 do art. 405 do Cód Proc. Penal estabelece que a decisão do
presidente do tribunal superior (no caso de deferimento da reclamação não
vincula o tribunal de recurso. Não se vê razão (em sede de garantias) para que o
juízo formulado por um colectivo de juízes conselheiros sobre a
inadmissibilidade (e consequente rejeição merecesse restrições consoante fosse,
ou não, precedido de uma decisão individual do presidente do STJ»
3. Brevíssima apreciação
3.1. «É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o
disposto nos artigos 379.º e 380º, sendo o acórdão ainda nulo quando lavrado
contra o vencido» (art. 425.4 do CPP).
3.2. Por outro lado, «a violação ou Inobservância das disposições da lei do
processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente
cominada na lei» (art. 118.1).
3.3. Daí que só sejam arguíveis – perante o próprio tribunal se a decisão não
admitir recurso (art. 668.3 do C PC) – as nulidades do acórdão proferido em
recurso se lavrado contra o vencido ou quando não contiver as menções, de entre
as correspondentemente aplicáveis, referidas no art. 374.2, ou o tribunal deixar
de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhecer de questões de
que não podia tomar conhecimento.
3.4. Porém, nenhuma dessas eventuais nulidades o recorrente arguiu, antes se
tendo limitado a aproveitar o incidente (facultado pela lei, tão só, «para
arguir nulidades») para, antes, invocar a inconstitucionalidade de algumas das
normas aplicadas no acórdão.
3.5. Ora, o Incidente de arguição de nulidades não é o momento processual
próprio para invocação de inconstitucionalidades. Nem poderá tolerar-se que tal
incidente seja aproveitado como meio ínvio de «preparar» um recurso
constitucional fundado na aplicação, pela decisão recorrida, de «norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» (art. 70.1.b da
LTC).
3.6. De qualquer modo, para que «o acórdão ora reclamado» pudesse ser – como o
recorrente declarou pretender – «anulado e substituído por outro que admita o
recurso interposto e designe data para a realização da audiência», importaria
que enfermasse – não de uma qualquer aplicação inconstitucional das normas
aplicadas – mas de uma «nulidade», «expressamente cominada na lei» (art. 118.1
do CPP) e especificamente arguida pelo interessado (art. 120.1), que, por si,
conduzisse à invalidação e repetição do acto nulo (art. 122.1 e 2). E, como se
viu, nenhuma nulidade de catálogo foi, oportunamente, arguida pelo reclamante.
3.7. Poderia admitir-se quando muito, ao abrigo do disposto o art. 669.1.b do
CPC (se aplicável, ao processo penal, por força do art. 4.º do CPP), a reforma
do acórdão quanto à sanção processual aplicada.
3.8. No entanto, não só à rejeição do recurso por manifesta improcedência
corresponde, de preceito (art. 420.4 do CPP), a condenação do recorrente em
sanção processual de 3 e 10 UC (independentemente dos requisitos exigidos, pelo
art. 456.1 e 2 do CPC, para a condenação em multa por litigância de má fé), como
tal «manifesta improcedência» – diversamente do que o reclamante entende – não
tem a ver com os «casos de inobservância de requisitos formais e adjectivos» e,
menos ainda, com aqueles «em que o recurso verse sobre a apreciação de matéria
vedada ao STJ» (que serão aqueles em que se «verifique causa que devia ter
determinado a sua não admissão nos termos do art. 414.2» - art. 420.1, 2.ª
parte), mas antes, como no caso, «quando seja manifesto que o recurso, por
razões (...) de mérito, não pode proceder».
4. Decisão
Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para os
apreciar, indefere os pedidos de anulação formulados, contra os acórdãos
condenatório e aclaratório de O7JUL e O3Nov05, pelos cidadãos A. e [...], e
condena-os nas custas do incidente, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça e 1
(uma) UC de procuradoria, por cada um.
Foi na sequência deste acórdão que o reclamante quis interpor o recurso de
inconstitucionalidade, que formalizou nos seguintes termos:
A., arguido e recorrente nos autos em epígrafe, tendo sido notificado do aliás
douto acórdão neles proferido em 19 p.p., que veio decidir desfavoravelmente a
arguição de nulidades e de questões de inconstitucionalidade suscitadas em torno
do também aliás douto acórdão nos mesmos autos prol atado em 3 de Novembro e em
7 de Julho de 2005 e não se podendo com eles conformar, vem muito
respeitosamente interpor recurso para o Alto Tribunal Constitucional, para o
que, em obediência ao estatuído no art. 75° da Lei 28/82, de 15 de Novembro com
as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas, se passa a indicar o
seguinte:
1. A alínea do nº 1 do art.70°, ao abrigo da qual o recurso é interposto é a al.
b);
2. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie são as dos art.
a) 399°,
b) 400° n. º1 al. e),
c) 400° n. º1 al. f),
d) 420° e
e) 420° n.º 4, e ainda
f)185° n.º1, todos do Cód. Proc. Penal.
3. As normas da nossa Lei Fundamental que se consideram violadas com a
interpretação e aplicação que foram feitas daqueles incisos legais são:
e) 32° n.º 1, e
f) 208° n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
4. As peças processuais nas quais o recorrente já suscitou a questão da
inconstitucionalidade, foram as seguintes:
a) Requerimento de arguição reclamação do aliás douto acórdão proferido no
Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos presentes autos, em 7 de Julho de
2005;
b) Requerimento para aclaração do mesmo e aliás douto acórdão;
g) Motivação do recurso interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça
do aliás douto acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
h) Motivação do recurso interposto para este último Venerando, Tribunal do aliás
douto acórdão proferido na 1ª instância.
Termos em que, com o sempre e muito douto suprimento de Vossa Excelência se
requer que o presente recurso – que não foi preparado com aproveitamento de meio
ínvio, como se exarou, em letra de forma no aliás douto acórdão de 19 p.p. –
seja aceite, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O requerimento foi indeferido por despacho do seguinte teor:
[...] Pretendem os arguidos A. e [...] – através dos seus requerimentos de
09FEV06 – recorrer constitucionalmente dos acórdãos de 07JUL05 (que rejeitou,
por inadmissibilidade e manifesta improcedência os recursos por eles opostos ao
acórdão da Relação de Lisboa que, em 29ABR04, fixara respectivamente em 8 anos
de prisão e em 7,5 anos de prisão as penas conjuntas correspondentes aos
concursos criminosos por que haviam sido julgados, em 25MAR03, na 7ª Vara
Criminal de Lisboa), de 03NOV05 que indeferiu o seu pedido de aclaração do
acórdão anterior) e de 19JAN06 (que indeferiu igualmente o seu pedido de
anulação dos dois acórdãos precedentes). O recurso para o Tribunal
Constitucional foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da
LTC, nele se tendo indicado, como «normas cuja inconstitucionalidade se pretende
que o tribunal aprecie», as dos art.s 399º e 400.1 e) e f), 420.1 e 4 e 185.1 do
CPP.
Quanto à norma do art. 185.1 («Apreensão de coisas perecíveis, perigosas ou
deterioráveis»), nenhuma das decisões recorridas a aplicou.
Quanto às dos art. 400.1 e) e f), «ao Tribunal Constitucional não compete
apreciar a correcção da interpretação do direito ordinário feita pela decisão
recorrida, mas tão só apurar se essa interpretação, que recebe como um dado da
questão, é, ao não, conforme às normas e princípios constitucionais». A esse
respeito, «tudo se passa» – no caso – «como se existisse uma norma legal que, de
forma clara e explícita, dissesse que não havia recurso para o STJ de acórdãos
das Relações que tivessem confirmado (mesmo que parcialmente, desde que in
melius) decisão da 1ª instância, quando o limite máximo da moldura penal dos
crimes, individualmente considerados, por que o arguido fora condenado não
ultrapassasse 8 anos de prisão. Ora, «à pergunta sobre essa se essa norma seria
inconstitucional, a resposta do Tribunal Constitucional tem sido – e continua
(…) a ser – negativa, pela elementar razão de que não é constitucionalmente
imposto, mesmo em processo penal, um terceiro grau de jurisdição» (Tribunal
Constitucional 03JAN06, relator- Cons. Mário Torres, ac. n.º 2/06, proc. n.º
954/05-2
E, enfim, quanto às do art. 420.1 e 4, o ora recorrente pretende ter invocado a
«questão» da sua (pretensa) inconstitucionalidade no requerimento de arguição de
nulidades.
Porém, o incidente de arguição de nulidades não é o momento processual próprio
para invocação de inconstitucionalidades. Nem poderá tolerar-se – como não se
tolerará agora – que tal incidente seja aproveitado como meio ínvio de
«preparar» um recurso constitucional fundado na aplicação, pela decisão
recorrida, de «norma cuja inconstitucionalidade haja sido [mas efectivamente o
não tenha] suscitada durante o processo» (art. 70.1.b da LTC).
De qualquer modo, e quanto à «aplicação e interpretação [do art. 420.1 do CPP] ,
quando permite uma apreciação sumária, sem audição do arguido, das pretensões
contidas no recurso», recorda-se aqui o que a esse respeito já se disse no
acórdão de 19JAN06: «É importante precisar que o que aqui se equaciona não é a
possibilidade de os tribunais superiores seleccionarem as causas que lhes são
submetidas mas sim um regime simplificado de decisão quando seja manifesto que o
recurso, por razões processuais ou de mérito, não pode proceder».
E o mesmo se dirá – repetindo o que já oportunamente se disse – quanto à alegada
inconstitucionalidade da norma do art. 420.4 do CPP: «Não só à rejeição do
recurso por manifesta improcedência corresponde, de preceito (art. 420.4 do
CPP), a condenação do recorrente em sanção processual de 3 e 10 UC
(independentemente dos requisitos exigidos, pelo art. 456.1 e 2 do CPC, para a
condenação em multa por litigância de má fé), como tal «manifesta improcedência»
– diversamente do que o reclamante entende – não tem a ver com os «casos de
inobservância de requisitos formais e adjectivos» e, menos ainda, com aqueles
«em que o recurso verse sobre a apreciação de matéria vedada ao STJ» (que serão
aqueles em que se «verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão
nos termos do art. 414.2» - art. 420.1, 2ª parte), mas antes, como no caso,
«quando seja manifesto que o recurso, por razões (...) de mérito, não pode
proceder».
Os recursos não são pois admissíveis quanto às inconstitucionalidades não
suscitadas durante o processo (art. 70.1.b da LTC), e, quanto às demais, é de
indeferir porque «manifestamente infundados»: «O requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido (...), no caso dos
recursos previstos nas alíneas b) e f) do n. º 1 do artigo 70º, quando forem
manifestamente infundados» (art. 76.2 da LTC). [...]
III
[...] E indefiro, também, os recursos de constitucionalidade, de 9FEV06, dos
cidadãos A. e [...].
3.1. Cumpre decidir, começando por sublinhar que se a decisão do Tribunal
Constitucional revogar o despacho de indeferimento 'faz caso julgado quanto à
admissibilidade do recurso' (n.º 4 do artigo 77º da LTC); tal determina que, ao
apreciar a reclamação, o Tribunal deva pronunciar-se não só sobre o específico
fundamento que motivou o despacho de não recebimento do recurso, mas sobre a
verificação de todos os demais pressupostos exigidos pelo tipo de recurso
interposto.
3.2. Deve ter-se em atenção, depois, que o reclamante se conformou com o
despacho reclamado na parte em que decidiu não admitir, como objecto do recurso,
norma constante do artigo 185º n.º 1 do Código de Processo Penal, pelo que não é
agora oportuno tratar desta matéria.
3.3. De seguida, caberá dizer – porque o reclamante em certa medida
questiona na reclamação esta matéria – que devendo o tribunal recorrido
'apreciar a admissão' de recurso de inconstitucionalidade, nos termos do artigo
76º n.º 1 da LTC, não lhe está vedado poder indeferir o requerimento de
interposição do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da LTC, por motivo de manifesta improcedência, conforme está expressamente
previsto no n.º 2 do artigo 76º da mesma LTC; esta solução, que constitui um
afloramento da genérica proibição de praticar actos processuais inúteis, não
traduz qualquer compressão intolerável no direito do recorrente, pois tal
decisão pode ser impugnada (como efectivamente aconteceu) perante o próprio
Tribunal Constitucional – n.º 4 do artigo 76º da LTC.
Não pode, por isso, afirmar-se que ocorra sonegação da questão ao conhecimento
do Tribunal Constitucional, como infundadamente alega o reclamante.
4. À pretensão do reclamante opõe o Ministério Público um argumento
inultrapassável, ao afirmar, como acima se deixou transcrito, 'que o recorrente
não cumpre minimamente o ónus de delimitar, em termos inteligíveis, qual a
específica interpretação ou dimensão normativa dos preceitos legais “arrolados”
como “inconstitucionais”, e que pretende controverter: não o faz manifestamente
no requerimento de interposição de recurso e continua a não o fazer no âmbito da
presente reclamação, desaproveitando, deste modo, a oportunidade de explicitar
qual é, afinal, o objecto normativo do recurso que pretende interpor (bem
sabendo que, na tramitação do processo de reclamação não cabe a prolação de
“convite” para aperfeiçoar o dito requerimento). Tal estratégia processual
priva, em rigor, o recurso de um verdadeiro objecto normativo, impedindo o
Tribunal Constitucional de conhecer quais as questões sobre que deveria fazer
incidir os seus poderes cognitivos.'
Na verdade, exigindo-se, conforme jurisprudência constante e uniforme, que o
recorrente indique, no requerimento de interposição, qual a concreta dimensão
normativa impugnada, deve concluir-se que a mera indicação dos preceitos legais
impugnados não satisfaz este ónus do recorrente. Conforme se relata no Acórdão
n.º 39/2003, recordando o entendimento do Tribunal sobre o assunto:
«Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95, “Tendo a questão de
constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre
outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de
determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos
que, se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa
enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que
houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os
operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não
pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”. Porém, in casu,
verifica-se que nem no requerimento de interposição do recurso nem na resposta
ao despacho de aperfeiçoamento – (...) – o recorrente identifica a exacta
dimensão ou interpretação normativa dos preceitos do Código de Processo Penal e
do Código de Processo Civil, por si referidos, cuja inconstitucionalidade
pretende ver apreciada, limitando-se a referir que tais preceitos são
inconstitucionais na interpretação que lhes é dada pelo Supremo Tribunal de
Justiça. Ora, tal forma de proceder não é suficiente para que se possa
considerar cumprido o ónus referido supra.
Efectivamente, pretender ver apreciada a inconstitucionalidade de um preceito
na interpretação normativa que lhe é dada por uma decisão judicial não é ainda
identificar essa interpretação normativa. Na verdade, ao limitar-se a remeter
para a “interpretação que lhes (aos preceitos) é dada pelo Supremo Tribunal de
Justiça”, o recorrente mais não está do que a transferir – de forma inadmissível
– para o Tribunal ad quem – no caso o Tribunal Constitucional – o ónus, que
sobre ele impende, de delimitar o objecto do recurso. Acresce que a não
indicação das exactas interpretações normativas dos preceitos referidos cuja
inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada coloca ainda o
Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se
encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso que
pretendeu interpor, ou seja: (i) saber se o recorrente suscitou, durante o
processo, a inconstitucionalidade dessa dimensão normativa; (ii) saber se a
decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa
cuja inconstitucionalidade foi suscitada. Por tudo o exposto, torna-se evidente
que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por
falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade».
Ora, os preceitos legais arrolados no requerimento de interposição do recurso
pelo reclamante comportam manifestamente diversas dimensões normativas, pelo que
se, por hipótese, fosse admitido este seu requerimento, o Tribunal ficaria
efectivamente sem saber qual o objecto do recurso.
Tal é o suficiente, sem que outros motivos devam a ser analisados, para concluir
pela falta de verificação dos pressupostos legais de admissibilidade do recurso
interposto.
5. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a
decisão de não recebimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Maio de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos