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Processo n.º 138/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 126 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga de 11
de Março de 2003, foi decidido, designadamente, condenar o arguido A., pela
prática, em co-autoria, com a arguida B., de um crime de falsificação de
documento previsto e punido pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código
Penal, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfaz a
pena de multa de € 1.200,00, e ainda condenar o arguido C., pela prática de um
crime de uso de documento falso, previsto e punido pelo artigo 256º, n.º 1,
alínea c), do Código Penal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €
4,00, o que perfaz o global de multa de € 1.000,00.
Inconformados, os arguidos A. e C.. interpuseram recurso para o Tribunal
da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 5 de Dezembro de 2005, de fls.
1077 e seguintes, decidiu, nomeadamente, negar provimento ao recurso da
mencionada decisão final, assim confirmando a sentença da 1ª instância.
Neste mesmo acórdão de 5 de Dezembro de 2005 foram ainda julgados dois
recursos interlocutórios. Para o que agora interessa, foi negado provimento ao
recurso interposto, a fls. 917, do despacho de fls. 867, de 1 de Março de 2005,
que indeferira o 'requerimento de fls. 830 e 831', com o qual os ora recorrentes
pretenderam, 'ao abrigo do disposto pelo artigo 340º do Código de Processo
Penal, que fosse notificado o demandante civil (…) para que viesse juntar aos
autos toda a documentação contabilística da sua empresa relativa ao ano fiscal
de 1995'.
O despacho de fls. 867 baseara-se no disposto nas alíneas a) e c) do n.º
4 do citado artigo 340º para indeferir o requerido, justificando por que motivo
considerava que 'o requerimento probatório apresentado' era 'dilatório e
supérfluo', no caso concreto.
O Tribunal da Relação de Guimarães, ao negar provimento ao recurso deste
indeferimento, disse, nomeadamente:
'Não se diga, como chegou a alegar-se no recurso da decisão final (…),
que o artº 340º do CPP é inconstitucional, na parte do disposto no seu n.º 4,
als. a) e c), por do respectivo teor resultar «uma restrição e limitação das
garantias constitucionais consagradas do direito à defesa do arguido».
(…) Arguir esta disposição de inconstitucionalidade, quanto às matérias
das alíneas a) e c) é o mesmo que pretender inclui no direito constitucional à
defesa os requerimentos de prova irrelevantes ou supérfluos e os meramente
dilatórios'.
E, depois de descrever sucessivos requerimentos de prova, o acórdão
acrescentou: 'Temos, assim, que ao primitivo deferimento do Tribunal, para a
produção da prova requerida, sucedeu-se uma escalada de diligências quanto ao
âmbito das provas a apresentar, sem que (…) o motivo em que assentou, pelo
menos, a última diligência requerida, tivesse a solidez necessária para
convencer o tribunal da sua justificação.
(…) Há um momento limite para apresentação de documentos, que é o do
artigo 165º, n.º 1, do C.P.P. Tal vale para os requerimentos para junção aos
autos de documentos em poder da parte contrária. A junção até ao encerramento da
audiência é, já, excepcional, só valendo para os documentos que não tenha sido
possível juntar até ao momento próprio; encerramento do inquérito ou da
instrução. Porém, uma coisa é realizar diligências para junção de documentos que
se sabe que existem e que não foi possível juntar antes, outra coisa é promover
diligências de investigação sobre uma possível existência de documentos, em
pleno decurso da audiência de julgamento'.
2. Ainda Inconformados, os arguidos A. e C. vieram interpor recurso do
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de Dezembro de 2005 para o
Tribunal Constitucional, “nos termos do art. 70º, n.º 1, alínea b) e seguintes
da Lei do Tribunal Constitucional”, invocando que “tal acórdão aplicou, à
semelhança da sentença da 1ª instância que o mesmo apreciou, a norma do art.
340º do Código de Processo Penal, maxime o seu n.º 4, alíneas a) e c), cuja
inconstitucionalidade foi pelos recorrentes expressamente invocada na Motivação
do recurso interposto da sentença final do Tribunal de 1ª Instância que os
condenou, por considerarem que tal norma viola o princípio constitucionalmente
consagrado da defesa do arguido, plasmado no artigo 32º, n.º 1, da CRP”.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Em primeiro lugar, cumpre observar que, como se sabe, não se inclui no âmbito
possível do recurso de constitucionalidade fazer qualquer apreciação sobre a
forma como foi aplicado as autos o prescrito nas alíneas a) e c) do n.º 4 do
artigo 340º do Código de Processo Penal,.
Não tem, pois, cabimento verificar se, como os recorrentes afirmam na motivação
apresentada no recurso interposto para a Relação de Guimarães, “ao ter
indeferido o requerimento de prova dos arguidos com fundamento no n.º 4, alíneas
a) e c), do artigo 340 do CPP, a Exa. Juiz do Tribunal a quo mediatizou
interpretativamente na sua decisão, os preceitos cuja inconstitucionalidade se
invocou, ferindo de inconstitucionalidade a douta sentença, por violação dos
princípios da legalidade, da garantia do contraditório, da igualdade de armas e
da presunção da inocência e acesso à justiça consagrados nos artigos 20º, n.º 1,
32º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP” (cfr. fls. 952-953).
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas
destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas,
ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão
recorrida, e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da
Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados
no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
4. Resta, assim, saber se violam as garantias de defesa consagradas no n.º 1 do
artigo 32º da Constituição as normas das alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 340º
do Código de Processo Penal, cujo texto é o seguinte:
Artigo 340ª
(Princípios gerais)
(…)
'4. Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
(…)
c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória'.
Ora, sobre estas mesmas normas se pronunciou já o Tribunal Constitucional, no
seu acórdão n.º 171/05 (Diário da República, II série, de 6 de Maio de 2005),
concluindo no sentido de 'não julgar inconstitucional o n.º 4 do artigo 340º do
Código de Processo Penal', em termos que se subscrevem.
5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão
sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Assim, nos termos e pelos fundamentos constantes do acórdão n.º 171/05,
decide-se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo
340º do Código de Processo Penal;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão
recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
2. Inconformados, os recorrentes reclamaram para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da
decisão sumária e a consequente continuação do recurso.
Em síntese, sustentam que o recurso não deveria ter sido julgado por remissão
para o acórdão n.º 171/2005, por não estar em causa, no presente recurso, a
norma então apreciada.
A diversidade de normas resultaria, em seu entender, de serem diferentes 'os
argumentos invocados para a alegada inconstitucionalidade' nos dois casos; de,
no caso presente, não ter sido questionada 'toda a norma do n.º 4 do artigo 340º
do Código de Processo Penal, mas tão só das normas contidas nas alíneas a) e c)
do referido preceito'; de, no recurso julgado pelo acórdão 171/2005, ter sido
questionada a indeterminação da expressão 'se for notório que', enquanto, no
recurso agora interposto, estar antes em causa a 'indeterminação e sentido vago
dos preceitos aí plasmados (provas 'irrelevantes' ou 'supérfluas' e ainda
finalidade 'dilatória'), indeterminação que conduz a colocar 'no livre arbítrio
do Julgador o seu preenchimento', ou seja, 'as garantias de defesa do arguido';
e de, no caso presente, se tratar de 'documentação contabilística na posse do
ofendido', o que implicava que 'só por intermédio do Tribunal' podia ser obtida,
assim conduzindo a que o arguido fique definitivamente impossibilitado de
demonstrar a sua inocência.
Concluíram a reclamação da seguinte forma:
'Concluindo, a situação em apreciação no Acórdão para que remeteu a Exma. Juíza
Cons.a Relatora, o qual fundamentou a sua decisão sumária, nos seus fundamentos,
aprecia questão relativamente diversa daquela que constitui a do presente
recurso:
1. Por ter sido alegada inconstitucionalidade de diferentes normas;
2. Por serem diferentes os argumentos invocadas para a alegada
inconstitucionalidade da norma em apreciação no Acórdão para que se remeteu e a
alegada nos presentes autos;
3. Por, nos presentes autos, do indeferimento das diligências probatórias
requeridas pelos arguidos, ter resultado a impossibilidade de estes apresentarem
a requerida prova, que consideraram essencial para a sua defesa, pois que o
carreamento da mesma para os autos não estava na sua disponibilidade,
Acabando a remissão para tal Acórdão por não constituir apreciação da
inconstitucionalidade efectivamente invocada pelos recorrentes, e nem mesmo
fundamentação adequada à decisão de improcedência do Recurso, nos termos dos
arts. 156°, n° 1 e 158°, n°1 do C.P.C., por remissão do art. 69° da LTC.'
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do
indeferimento da reclamação, desta forma:
'1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, a argumentação dos reclamantes em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, dada a evidente analogia, do ponto de vista
jurídico-constitucional, entre o objecto do presente recurso e o precedente
constante do Acórdão n° 171/05.
3 – Resultando as diferenças, pretensamente apontadas, não de qualquer
diferenciação normativa, mas da peculiar e concreta situação de cada processo.
4 – Acresce que – a nosso ver – o recurso sempre seria de perspectivar como
manifestamente infundado, já que do princípio das garantias de defesa não pode
resultar a preclusão do poder/dever do juiz de dirigir activamente o processo,
rejeitando o que for inútil, impertinente e dilatório.
5 – E não cabendo naturalmente no âmbito de um recurso de fiscalização concreta
a apreciação casuística de tais pressupostos em termos de valorar cada decisão
proferida pelo juiz nos termos e com o objectivo da norma questionada.'
3. Com efeito, a reclamação é improcedente.
Desde logo, é improcedente porque não é exacto que não tivesse sido apreciada
pelo acórdão n.º 171/2005 a norma que constitui o objecto do presente recurso.
Em primeiro lugar, porque é irrelevante a circunstância de, agora, não estar em
causa todo o n.º 4 do artigo 340º do Código de Processo Penal mas, apenas, as
suas alíneas a) e c); isso apensa significa que o objecto do recurso
primeiramente julgado era mais vasto que o do segundo.
Em segundo lugar, porque é igualmente irrelevante, para este efeito,
naturalmente, que os reclamantes não tenham posto em causa o requisito da
notoriedade ou que, no caso concreto, a prova recusada tivesse, na sua
perspectiva, peso decisivo na organização da defesa.
Quanto ao primeiro ponto, cumpre observar que, no requerimento de interposição
de recurso, os reclamantes questionaram as normas das alíneas a) e c) do n.º 4
do artigo 340º do Código de Processo Penal, sem restringirem o âmbito do recurso
à apreciação de qualquer dos requisitos delas constantes – entre ao quais figura
o da notoriedade.
Seja como for, o acórdão n.º 171/2005 não se limita a apreciar tal condição,
antes se pronunciando sobre a globalidade dos requisitos, como se pode verificar
pela respectiva leitura.
Em particular, o acórdão n.º 171/2005 afastou a acusação de que o modo como são
definidos tais requisitos permita o 'livre arbítrio do julgador' na apreciação
do respectivo 'preenchimento'.
Quanto ao segundo ponto, e como se observou, quer na decisão reclamada, quer na
resposta do Ministério Público, o Tribunal Constitucional não pode ir avaliar
se, no caso concreto, a prova recusada era ou não indispensável à defesa. Tem,
portanto, plena aplicação a afirmação, feita no acórdão n.º 171/2005, de que 'há
que distinguir o indeferimento de diligências probatórias requeridas e a
situação de impossibilidade de o arguido «apresentar a prova que entende
essencial para a sua defesa»'. O recurso de constitucionalidade versa sobre
normas e não permite ao Tribunal Constitucional apreciar as decisões que as
aplicaram.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação e, consequentemente, confirma-se a
decisão de negar provimento ao recurso.
Custas pelos reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 5 de Maio de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060296.html ]