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Processo nº 108/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 20 de Fevereiro de 2006 o relator proferiu a
seguinte decisão: –
“1. A A., S.A., intentou em 5 de Julho de 1999 contra B., Ldª, e pelo
3º Juízo do Tribunal de Círculo de Portimão, acção, seguindo a forma de processo
ordinário, solicitando que a ré fosse condenada a reconhecer que a autora era
proprietária de determinado prédio urbano sito na Senhora do Pé da Cruz ou
Quinta da Horta, na freguesia e concelho de Portimão, devendo-o entregar a esta
‘completamente livre e devoluto de pessoas e bens’ e, além disso, que fosse a ré
condenada a pagar à autora, a título de indemnização pelos danos causados, dados
montantes que alternativamente indicou.
Nessa acção deduziu a ré reconvenção.
Tendo, em 21 de Maio de 2003, sido proferida sentença que, por um lado,
julgou parcialmente procedente a acção, conden[ando] a ré a reconhecer a autora
como proprietária do prédio e entregá-lo a esta última livre e devoluto de
pessoas e bens e a pagar à mesma autora, desde a data da citação e até efectiva
entrega das fracções, o montante mensal de € 8.887,01 e, por outro, julgou
improcedente a reconvenção, recorreu a ré para o Tribunal da Relação de Évora,
apelidando o recurso como de agravo, vindo o mesmo a ser admitido como de
apelação.
Este Tribunal de 2ª Instância, por acórdão de 14 de Janeiro de 2004,
negou provimento à apelação.
Desse aresto requereu a ré «esclarecimentos», pretensão sobre a qual
veio a incidir acórdão lavrado em 20 de Janeiro de 2005.
De ambos os acórdãos recorreu a autora para o Supremo Tribunal de
Justiça, de novo dizendo que o recurso era de agravo.
A convite do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora,
veio a ré esclarecer que pretendia recorrer ‘do Douto Acórdão que negou
provimento ao recurso, já que a decisão sobre o pedido de aclaração, se integra
na mesma decisão’.
Foi então o recurso admitido como de revista, a subir imediatamente,
nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Deste despacho, na parte em que fixou os efeitos de subida da apelação,
pretendeu a ré interpor recurso, que qualificou como de agravo, para o Supremo
Tribunal de Justiça.
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora, por despacho
de 8 de Abril de 2005, não admitiu este recurso, visto que [o] despacho que
fixou os efeitos de subida do recurso de revista interposto unicamente poderia
ser impugnado na alegação atinente ao mesmo.
Produzida a alegação da revista, a ré formulou as seguintes
«conclusões»: –
‘1ª – O tribunal a quo condenou a recorrente para além do que foi pedido,
ordenando a caducidade do arrendamento, que não tinha sido objecto de pedido;
2ª – A caducidade do contrato de arrendamento não é do conhecimento oficioso;
3ª – Não se verificou, no caso dos autos, a caducidade do arrendamento;
4ª – Tendo a recorrida deixado decorrer mais de um ano após a aquisição do
prédio dos autos considera-se renovado autom[a]ticamente o arrendamento da
recorrente nos termos do artº 1057º e 1054º do CC;
5ª – Para ser discutida a subsistência do arrendamento, designadamente para
ser obtida a caducidade do mesmo, o meio processual próprio e específico é a
acção de despejo e não de reivindicação.
6ª – O presente recurso deve ter efeito suspensivo.
A douta decisão recorrida violou entre outras as seguintes disposições: artºs
1054º; 1056º; 1057º; 1029º nº 2; 303º, nº 2 do 333º; 342º; 824º do C. Civ. e
artºs 264º nº 1; 661º e 668º nº 1 d) do CPC pelo que deve ser revogada
julgando-se a presente acção improcedente’.
Anote-se que, no «teor» da alegação, nenhuma asserção se surpreende da
qual se extraia, directa ou indirectamente, implícita ou explicitamente, o
questionamento, do ponto de vista da sua conformidade com a Lei Fundamental, por
banda de norma ou normas ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de Outubro de
2005, confirmado o efeito atribuído ao recurso e negado a revista, veio a ré
requerer a aclaração desse aresto, pedido que veio a ser indeferido por acórdão
de 10 de Janeiro de 2006.
Apresentou então a ré nos autos requerimento em que disse: –
‘B., Lda Recorrente nos autos [à] margem identificados, não se conformando
com o Douto Acórdão; dele pretende interpor recurso para o Tribunal
Constitucional.
Este recurso é de agravo e tem efeito suspensivo.
Este recurso é interposto nos termos do Artº 70º nº 1 e das alíneas b) e f) d[a]
Lei do Tribunal Constitucional.’
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de
31 de Janeiro de 2006, admitiu o recurso interposto por via do transcrito
requerimento.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º
da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não
deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma lei,
a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto
da presente impugnação.
Não se deixa de assinalar que o requerimento de interposição do recurso
para este órgão judicial não obedece minimamente aos requisitos consagrados nos
números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82.
Simplesmente, porque, mesmo que, na sequência de convite a formular nos
termos do nº 6 daquele artº 75º-A, a ora impugnante viesse a indicar,
cabalmente, tais requisitos, do objecto do recurso aqui em apreço não seria
possível conhecer, torna-se claro que a formulação de tal convite representaria
a prática de um acto absolutamente inútil. E, justamente por isso, se não lança
mão do preceituado naquela disposição legal.
2.1. Aqui chegados, é ocasião de explicitar os motivos pelos quais do
objecto da impugnação em causa se não conhece.
Como se viu, o recurso vem ancorado nas alíneas b) e f) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82.
Ora, como sabido é, essa sorte de impugnação demanda, inter alia e como
um dos seus pressupostos, que a «parte» que dele se queira socorrer tenha,
precedentemente ao proferimento da decisão judicial que pretende submeter à
censura deste Tribunal, suscitado uma questão de desarmonia constitucional de
normativo ou normativos que tenha constituído a ratio decidendi (ou uma das
rationes decidendi) dessa mesma decisão.
Como resulta inequivocamente do relato supra efectuado, a ora
recorrente, antes da prolação do acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça,
de todo em todo, não equacionou qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, podendo facilmente fazê-lo na alegação que produziu na revista.
O que vale por dizer que não cumpriu o ónus consubstanciador do
pressuposto a que acima se fez alusão.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em sete unidades de conta.”
Da transcrita decisão solicitou a impugnante a
respectiva aclaração, pretensão que foi indeferida por despacho de 31 de Março
de 2006, despacho esse em que se escreveu: –
“Da decisão lavrada pelo relator em 20 de Fevereiro de 2006 e por
via da qual se não tomou conhecimento do objecto do recurso interposto por B.,
Ldª, do acórdão proferido em 11 de Outubro de 2005 pelo Supremo Tribunal de
Justiça veio a impugnante solicitar a respectiva aclaração, dizendo: –
‘Bb., Ldª Recorrente nos autos [à] margem identificados, vem mui
respeitosamente pedir a aclaração do Douto Despacho.
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 – A recorrente no pedido de aclaração, para o Supremo Tribunal de Justiça, em
relação ao Acórdão invocou a violação da Lei fundamental e alegou.
2 – Assim, não se pode dizer que em nenhuma peça processual foi invocado a
violação da Constituição.
3 – E como se trata de uma omissão [à] refer[ê]ncia a essa peça, impõe-se a
aclaração do Douto Despacho.
Pelo que se requer, nos termos do Artº 669 do C.C.C., a respectiva aclaração.”
É por demais óbvio que nada há a esclarecer na aclaranda decisão.
Na verdade, dela decorre que, precedentemente ao acórdão intentado
recorrer perante este Tribunal, não se surpreende que tivesse a ora solicitante,
em qualquer peça processual por ela apresentada, utilizado qualquer asserção da
qual se extraísse, ‘directa ou indirectamente, implícita ou explicitamente, o
questionamento, do ponto de vista da sua conformidade com a Lei Fundamental, por
banda de norma ou normas ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional’
(negrito agora acrescentado).
A pretensa ‘omissão’ que se pretende ser aclarada não tem, assim,
qualquer suporte, pois que, mesmo que no pedido de aclaração do acórdão tirado
em 11 de Outubro de 2005 a agora peticionante tivesse dito que esse aresto
violou a Constituição, isso, como é a todos os títulos claro, não infirma o que
foi dito na decisão sub specie quando nela se refere, como se viu, que não houve
questionamento da compatibilidade com o Diploma Básico por parte de norma ou
normas do ordenamento ordinário.
Termos em que se indefere o solicitado.”
Notificada deste despacho, fez a B. juntar aos autos o
seguinte requerimento: –
“B., Lda Recorrente nos autos [à] margem identificados vem arguir nulidades do
Douto Despacho, nos termos do Artº 201 do C.P.C com os seguintes fundamentos:
Salvo o devido respeito, o Douto Despacho, não se pronunciou quanto [à]
matéria, omitindo a pronúncia sem razão.
Com efeito, tendo afirmado haver inconstitucionalidade de certas normas,
significa que são incompatíveis com os citados artigos da Constituição. Com o
devido respeito, julga-se que houve omissão de abordagem da matéria suscitada e
que a ser assim conduz [à] verificação de nulidades e [à] consequente anulação
do Douto Despacho.
Pelo que, respeitosamente se argúem com as consequências legais.”
Respondendo a este último requerimento, a A., S.A., veio
sustentar que: –
“1°
Como já vem sendo habitual nos requerimentos, articulados e alegações
apresentados pela recorrente, só dificilmente (e às vezes, de maneira nenhuma)
se consegue entender o que a mesma pretende, se é que pretende alguma coisa,
para além de tempo.
2°
De qualquer forma, embora não se saiba bem do que a recorrente está a falar,
porque não especifica, sempre se dirá que não entende a recorrida ter havido
alguma omissão, não sendo o douto despacho em apreço susceptível de qualquer
reparo.
Entendendo que o que se contem no requerimento supra
transcrito, em boa verdade, representa a manifestação de um inconformismo da
recorrente, seja com a decisão de 20 de Fevereiro de 2006, seja com o despacho
de 31 de Março seguinte (e isso porque nem sequer é identificado qual seja o
despacho a que se reporta tal requerimento), determinou o relator que os autos
fossem submetidos à conferência.
2. Na perspectiva de se intentar atacar a decisão de 20
de Fevereiro de 2006, entende o Tribunal que nada há a censurar quanto à mesma.
Efectivamente, como nessa decisão se assinalou, antes do
proferimento do acórdão desejado recorrer perante este órgão jurisdicional, não
foi suscitada qualquer questão de desarmonia constitucional por parte de norma
ou normas do ordenamento jurídico ordinário, pelo que, nesse contexto, não
poderia ser aberta a via do recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Improcede, assim, essa hipoteticamente vislumbrada
impugnação dirigida a tal decisão.
2.1. Já quanto ao despacho de 31 de Março de 2006 – que
desatendeu a pretendida aclaração da decisão de 20 de Fevereiro anterior –, é
por demais óbvio que o mesmo não padece de qualquer omissão de pronúncia.
Na realidade, nele estão devidamente indicadas as razões
pelas quais se concluiu que a decisão de 20 de Fevereiro de 2006 não enfermava
de qualquer vício de que decorresse uma sua obscuridade, ambiguidade ou
contradição e que, por isso, nada havia a aclarar.
Justamente por isso é desatender essa arguida nulidade.
Em face do que se deixa exposto, indefere-se o
peticionado, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a
taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 8 de Maio de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício