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Processo n.º 458/05
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Procurador-Geral da República requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1,
alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e
do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a apreciação e
declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma
constante do n.º 3 do artigo 51.º do Estatuto da Aposentação, na redacção
emergente da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por violação do princípio da
confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no
artigo 2.º da CRP.
Esta norma dispõe o seguinte:
«Artigo 51º
Regimes especiais
1 – ...
2 – ...
3 – Sem prejuízo de outros limites aplicáveis, a pensão de aposentação do
subscritor sujeito ao regime do contrato individual de trabalho determina-se
pela média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos últimos
três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações
equivalentes.
4 – (Anterior n.º 3)».
2. Para fundamentar o pedido, o Procurador-Geral da República
apresenta os seguintes argumentos:
- a norma a que se reporta o presente pedido veio estabelecer um regime especial
para a determinação da pensão de aposentação do subscritor da Caixa Geral de
Aposentações sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, mandando
atender à média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos
últimos três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações
equivalentes;
- o estabelecimento deste regime especial envolve derrogação das
regras gerais vigentes em sede de determinação da pensão de aposentação dos
subscritores da Caixa Geral de Aposentações, nomeadamente, nos artigos 46.º e
48.º do Estatuto da Aposentação, que consideram relevante a média mensal das
remunerações percebidas pelo subscritor nos dois últimos anos e que incluem os
ordenados, salários, gratificações, emolumentos, subsídio de férias, subsídio de
Natal e outras retribuições – previstas no n.º 1 do artigo 6.º – «com excepção
das que não tiverem carácter permanente» (artigo 48.º do Estatuto);
– este regime especial, inovatoriamente estabelecido, afecta, em termos
claramente desfavoráveis, os direitos e expectativas dos subscritores sujeitos
ao regime do contrato individual de trabalho, ao ampliar o período temporal
relevante para o cálculo da média mensal das remunerações auferidas e, muito em
particular, ao excluir de tal cômputo retribuições periódicas e permanentes que
sempre haviam sido consideradas relevantes para a determinação da remuneração
mensal do interessado, degradando o valor da respectiva pensão de aposentação;
– tal regime é imediatamente aplicável, nos termos regulados nos
n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro,
independentemente da extensão da carreira contributiva dos interessados;
– afectando, consequentemente, em termos gravosos e intoleráveis, as
legítimas expectativas dos agentes sujeitos ao regime do contrato individual de
trabalho, carecendo manifestamente de fundamento material a exclusão da base de
cálculo das pensões de aposentação de remunerações periódicas – os subsídios de
férias e de Natal – que sempre foram considerados, para todos os efeitos, como
incluídas no conceito de «retribuição» ou remuneração, relevando de pleno para o
cálculo da pensão;
– e sendo certo que o trabalhador sujeito ao regime do contrato
individual de trabalho com a Administração Pública sempre foi realizando, ao
longo de toda a carreira contributiva, descontos que incidiram sobre o valor
daqueles «subsídios», criando-lhe a expectativa legítima e perfeitamente fundada
de que, no momento da aposentação, tais subsídios – como toda a remuneração
percebida regularmente e objecto de descontos – seria relevante para o cálculo
da pensão a que teria direito;
– ora, ao estabelecer tal alteração inopinada nos mecanismos de
cálculo da pensão de aposentação dos subscritores sujeitos ao regime de contrato
individual de trabalho, degradando substancialmente o valor da mesma, o
legislador afectou, em termos intoleráveis, o princípio da confiança, ínsito no
princípio do Estado de direito democrático, afirmado no artigo 2º da
Constituição da República Portuguesa, levando a que a pensão de aposentação
outorgada a tais subscritores não represente a exacta e plena contrapartida de
todos os descontos efectuados pelo agente ao longo da sua carreira contributiva.
3. Notificado, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da
República ofereceu o merecimento dos autos e juntou cópia dos Diários da
Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao
diploma em que se integra a norma em apreciação.
4. Debatido o memorando apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal, nos termos
do n.º 2 do artigo 39.º e do artigo 63.º da LTC, e fixada a orientação sobre as
questões a resolver, cumpre formular a decisão.
II – Fundamentação
5. É vasta a jurisprudência deste Tribunal sobre o princípio constitucional da
protecção da confiança, que o requerente considera violado pela norma do n.º 3
do artigo 51.º do Estatuto da Aposentação, na redacção da Lei n.º 1/2004, de 15
de Janeiro. Interessa recordar alguma desta jurisprudência, nomeadamente a que
se relaciona com o domínio das pensões de aposentação ou realidades congéneres.
No Acórdão nº 99/99 (in Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1999,
pp. 4772 ss., e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 433 e ss.),
o Tribunal Constitucional teve ensejo de se debruçar sobre a constitucionalidade
da norma do n.º 5 do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo
artigo 7.º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, que veio determinar que, no
cálculo da pensão de aposentação, sempre que a média das remunerações exceda a
remuneração base legalmente fixada para o cargo de Primeiro-Ministro, será a
remuneração mensal relevante reduzida até ao limite daquela.
Confrontando essa norma com o princípio constitucional da confiança, o Tribunal
começou por recordar o que antes dissera no Acórdão nº 287/90, deixando afirmado
o seguinte:
«Como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (publicado no Diário da República, I
Série, de 20 de Fevereiro de 1991):
“Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no
sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma
inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos
cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado
de direito democrático (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de
12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pp. 11 e
segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no
Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da
República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça,
n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional,
designadamente através dos Acórdãos nºs. 17/84 e 86/84, publicados nos 2º e 4º
vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs.,
respectivamente).”
E no mesmo Acórdão n.º 287/90, transcrito depois no Acórdão n.º 285/92,
publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992,
salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas
legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível,
arbitrária ou demasiadamente onerosa. A “ideia geral de inadmissibilidade”
deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:
“a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível,
quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve
recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado,
a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18º da
Constituição desde a 1ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente
onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se
excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.”
[…]. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de
um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de
aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto
que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação
da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).
Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem
a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de
tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um
dado regime da aposentação antes de certo momento.
Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria
expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem
razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o
legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação.
Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma
previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o
regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à
data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E,
por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente
alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao
interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem
ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças
poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da
aplicação.
Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa
afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que,
ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em
causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas não pudessem contar – justamente, por, como o
legislador esclareceu já no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem
contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou
desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso
dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem
à aposentação.
Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos
a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a
receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o
interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa
(assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamentos ou de
montante superior).
Como já decorre do que se disse, a argumentação baseada no facto de o recorrente
ter efectuado pagamentos obrigatórios à Caixa Geral de Aposentações incidentes
sobre a sua remuneração mensal global, quando ainda não vigorava o limite das
remunerações mensais relevantes para cálculo da pensão de aposentação,
introduzido em 1993 com o n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, não
pode proceder (limite, esse, que, aliás, se refere à remuneração relevante para
efeito do cálculo da pensão e que apenas por virtude do artigo 48º do Estatuto
da Aposentação contende com a que é considerada para efeitos de contribuições
para a Caixa Geral de Aposentações). É que, como se disse, o regime da
aposentação não se fixa no momento em que as contribuições são efectuadas, mas,
nos termos do referido artigo 43º, quando se verificam os pressupostos que dão
origem à aposentação (sendo, aliás, também por esta aposentação que o
interessado adquire direito à pensão mensal vitalícia).
Não se pode, portanto, sequer afirmar que a alteração legislativa introduzida
pela Lei n.º 75/93 tenha eficácia retroactiva, uma vez que, nos termos do artigo
43º do Estatuto da Aposentação, o regime da aposentação não se encontrava à data
da entrada em vigor dessa alteração ainda fixado (e também não sendo viável
sustentar que a norma do artigo 43º do citado Estatuto, sobre o momento da
fixação do regime da aposentação – cuja constitucionalidade, aliás, não foi
impugnada –, permita uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou
demasiadamente onerosa das alterações legislativas do regime da aposentação).
[...]. Saliente-se ainda que, como já se referiu - na sequência da
jurisprudência anterior deste Tribunal -, mesmo a eficácia retroactiva da lei só
será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se
prevalentes, devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade,
explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no
n.º 2 do artigo 18º da Constituição desde a 1ª revisão.
E deve dizer-se, quanto à motivação da mutação legislativa de 1993, que,
objectivamente, ela não deve desligar-se da situação da evolução de receitas e
despesas da segurança social. Como é notório, o prolongamento da esperança de
vida, a alteração da relação entre pensionistas e contribuintes para o regime e
a fixação de pensões de aposentação bastante elevadas ameaçam de ruptura o
regime de segurança social, sendo compreensíveis a introdução de reformas que
limitem os gastos e aumentem as receitas. Por outro lado, sabe-se que a medida
em causa foi igualmente ditada por razões de proporcionalidade e de harmonização
das retribuições pagas pelo Estado, afectando também todos os seus trabalhadores
no activo, incluindo titulares de órgãos de soberania.
[…]. Conclui-se, assim, que nem as expectativas legítimas do recorrente podem
ter sido afectadas de forma inadmissível ou arbitrária pela norma em apreço, nem
essa afectação nem a evolução legislativa deixou de se fundar na necessidade de
salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos e prevalentes.
Como concluía o Acórdão n.º 287/90 (e o Acórdão n.º 285/92 repetiu):
“Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à
manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a
factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado
alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das
pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes.” (itálico
aditado)».
Registe-se, por outro lado, que, no Acórdão n.º 580/99 (in Diário da
República, II Série, de 21 de Fevereiro de 2000, pp. 3517 ss., e Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 45º vol., pp. 237 e ss.), ao debruçar-se sobre um
problema de fixação do valor da pensão de aposentação, o Tribunal não só
reconheceu que «o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração
do quadro normativo vigente num dado momento histórico» como fez entrar, para a
aferição da constitucionalidade das opções legislativas, um critério de
razoabilidade.
Por sua vez, no Acórdão nº 173/2001 (in Diário da República, II
Série, de 7 de Junho de 2001, pp. 9648 ss., e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 49º vol., pp. 635 e ss.), o Tribunal confrontou com o princípio
da confiança as normas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º do Estatuto da Aposentação,
relativas à inscrição na Caixa Geral de Aposentações do pessoal ao serviço dos
gabinetes ministeriais. Nesse acórdão, afirmou-se a ideia, já firmada em
anterior jurisprudência (v. g., no Acórdão nº 99/99), segundo a qual deve
atender-se à lei em vigor no momento do exercício de um determinado direito ou
faculdade, inexistindo, no caso então apreciado, qualquer expectativa legítima
anterior àquele momento. Assim:
«Saber se houve violação do princípio da protecção da confiança, passa,
justamente, por saber se, no caso, havia direitos adquiridos que o legislador
tivesse que deixar intocados.
Vejamos, então:
Este Tribunal tem sempre entendido que, fora do domínio penal, em que a
retroactividade in peius é constitucionalmente inadmissível (cf. o artigo 29º,
nºs 1, 3 e 4, da Constituição), do domínio fiscal, em que ninguém pode ser
obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva (cf. artigo 103º, n.º
3, da Constituição) e, bem assim, fora do domínio das leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias, em que a lei não pode ser retroactiva (cf. o
artigo 18º, n.º 3, da Constituição), uma lei retroactiva não é, em si mesma,
inconstitucional [cf., entre outros, o acórdão n.º 95/92 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, volume 21º, páginas 341 e seguintes)]. Fora dos domínios
apontados, uma lei retroactiva (ou uma lei retrospectiva) só será
inconstitucional, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos,
que é o que sucede quando ela afecta, “de forma inadmissível, arbitrária ou
demasiado onerosa”, direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos
cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de
segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de
Direito, do qual se exige que organize a “protecção da confiança na
previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida” (cf. o acórdão n.º
330/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 17º, páginas 277 e
seguintes).
Por conseguinte, apenas uma retroactividade (ou uma retrospectividade)
intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária (é dizer:
insuportável) os direitos e expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos,
viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático
[cf., por último, os acórdãos 329/99 e 321/2000 (Diário da República, II série,
de 20 de Julho de 1999 e de 8 de Novembro de 2000, respectivamente)].
Pois bem: a partir do momento em que passou a poder ser contado, para efeitos de
aposentação, o tempo de serviço prestado como membro de um gabinete ministerial,
os interessados adquiriram o direito de pedir que, para esse efeito, se lhes
contasse o tempo em que exerceram tais funções sem se poderem inscrever na Caixa
Geral de Aposentações. Mas o exercício desse direito de contagem de tempo de
serviço para o efeito indicado pressupõe, obviamente, o pagamento à Caixa das
quotas correspondentes a esse tempo de serviço ainda não pago.
Só esse direito, porém, os interessados adquiriram, e não também o direito de
pagarem as quotas em dívida como se, quando exerceram as referidas funções,
pudessem ter-se inscrito na Caixa, nem tão-pouco o direito de pagarem essas
quotas como se tivessem formulado o pedido de contagem de tempo de serviço num
momento em que a lei, que regulava a regularização dessa dívida de quotas, era
mais favorável.
De facto, tratando-se de um direito cujo exercício está na inteira
disponibilidade dos interessados, que podem exercê-lo ou não, consoante nisso
vejam ou não vantagem, só no momento em que é deferido o pedido destes para que
se lhes conte, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço que antes lhes
não foi contado, é que eles passam a ser devedores de quotas à Caixa. Ora, essa
dívida, nascendo nesse momento, há-de naturalmente reger-se pela lei que esteja
em vigor quando os interessados formulam o referido pedido, e não por qualquer
outra que, anteriormente, tenha disposto sobre a matéria.
Mas, sendo isto assim, a lei – ou seja: a norma constante do n.º 3 do artigo 13º
do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pela Lei n.º 30-C/92, de 28
de Dezembro) – conjugada com a norma que consta do n.º 1 do artigo 1º do mesmo
Estatuto (na sua redacção inicial), este na interpretação de que o exercício de
funções de secretário de um gabinete ministerial, ao tempo em que o recorrente
as exerceu, não conferia o direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações –
não privou os interessados de qualquer direito adquirido; é dizer: não os privou
do direito, que, entretanto, adquiriram, de pedir que, para efeitos de
aposentação, lhes seja contado o tempo de serviço prestado num momento em que a
lei o não considerava relevante para o referido efeito. E também os não privou
de qualquer expectativa juridicamente fundada – expectativa traduzida no facto
de a dívida de quotas à Caixa ser calculada do modo prescrito no n.º 1 do artigo
13º do Estatuto da Aposentação (ou do n.º 3 desse artigo 13º, na redacção
anterior à da Lei n.º 30-C/92) –, uma vez que, achando-se a contagem desse tempo
de serviço na disponibilidade dos interessados, tal expectativa só pode dizer-se
juridicamente fundada a partir do momento em que o interessado formula esse
pedido de contagem do tempo de serviço ainda não pago.
A norma aqui em apreciação só pode, aliás, dizer-se retroactiva, na medida em
que manda contar tempo de serviço prestado numa época em que o mesmo não contava
para efeitos de aposentação. Ou seja: só é retroactiva, na medida em que concede
um direito.
Por isso, a referida norma não viola o aludido princípio da confiança».
Mais recentemente, o Tribunal voltou a recordar os termos em que
concretizou jurisprudencialmente o princípio constitucional da protecção da
confiança e da segurança na ordem jurídica. Assim, no Acórdão nº 353/2005,
publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Julho de 2005, pp. 10909 e
ss., em matéria fiscal, lembrou-se:
«(…) como este Tribunal, por tantas vezes, tem sustentado, o princípio
condensado no artigo 2º da Constituição postula “uma ideia de protecção da
confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do
Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das
pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas” (cfr., por
entre muitos outros, o Acórdão nº 303/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 17º volume, pp. 65 a 95).
E, para se continuarem a utilizar as palavras do citado aresto, em face daquela
ideia, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária
ou demasiado opressiva, àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a
comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de
direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela Lei Básica”.
Também teve o Tribunal ocasião de dizer, no Acórdão nº 17/84 (citados Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 2º volume, 375 a 382), que “o cidadão deve poder
prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele
e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua
actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim
permaneça em todas as suas consequências jurídicas relevantes”.
Porém, porque a ordem jurídica não é, nem pode ser, imutável, há que reconhecer
ao legislador uma ampla margem de liberdade conformadora, como será o caso da
adopção de medidas que, no domínio procedimental ou adjectivo, tornem este mais
eficaz e célere, com os inerentes benefícios para a prossecução da própria
actividade do Estado, medidas essas que, sob pena de perder de vista a
consecução desses objectivos, haverão de aplicar-se a situações já passadas ou
em curso.
Ponto é que, como se depara límpido e resulta da jurisprudência deste Tribunal,
a normação posterior (cfr., por exemplo, Acórdão nº 86/84, nos Acórdãos ..., 4º
volume, pp. 81 a 133) não venha, acentuada ou patentemente, a alterar o conteúdo
das situações de facto já alcançadas como consequência do direito anterior».
6. O Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72,
de 9 de Dezembro, tem sido objecto de diversas modificações, a mais recente das
quais resultante da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, que estabelece
mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o
regime geral de segurança social, no que respeita às condições de aposentação e
cálculo das pensões, mas que não incidiu especificamente sobre a norma em
apreciação.
A Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, veio estabelecer um regime que se afasta das
regras gerais previstas nos artigos 46.º e seguintes do Estatuto da Aposentação
que, até à data da entrada em vigor dessa Lei, eram aplicáveis também aos
subscritores inscritos na Caixa Geral de Aposentações que se encontrassem
sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho. Com efeito, na redacção
anterior à intervenção legislativa cujo conteúdo é agora parcialmente sindicado
na perspectiva da constitucionalidade – note-se que a norma agora em causa já
foi anteriormente objecto de um pedido de declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral, por alegada violação da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que o
Tribunal apreciou e não acolheu no acórdão n.º 374/2004, publicado no Diário da
República, II Série, de 30 de Junho de 2004, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 59º vol., pp. 71 e ss. – o artigo 51.º do Estatuto da
Aposentação não contemplava, em nenhuma das regras especiais que estabelecia
para determinação da remuneração mensal relevante para o cálculo da pensão, a
hipótese de o subscritor estar sujeito ao regime do contrato individual de
trabalho, pelo que o regime geral seria aplicável aos interessados com vínculo
dessa natureza.
Para o requerente, esta inovação afecta, em termos claramente desfavoráveis, os
direitos e expectativas deste conjunto de subscritores, degradando o valor da
respectiva pensão de aposentação, ao ampliar o período temporal relevante para o
cálculo da média mensal das remunerações auferidas e, muito em particular, ao
excluir de tal cômputo retribuições periódicas e permanentes que sempre haviam
sido consideradas relevantes para a determinação da remuneração mensal do
interessado.
7. Nos termos do artigo 46.º do Estatuto da Aposentação, o direito à pensão
mensal vitalícia adquire-se no momento da aposentação e «em função da
remuneração mensal e do número de anos e meses de serviço de subscritor» (artigo
46.º, parte final). Foi sobre o factor de cálculo remuneração mensal relevante
(ou remuneração atendível), afastando a regra do n.º 1 do artigo 47.º, que
incidiu a inovação legislativa posta sob observação.
Na determinação da remuneração mensal para efeitos de cálculo da pensão de
aposentação, o artigo 47.º dispõe que:
«1 – Para determinar a remuneração mensal atende-se às seguintes parcelas, que
respeitem ao cargo pelo qual o subscritor é aposentado:
a) O ordenado ou outra retribuição base de carácter mensal, ou a duodécima parte
da que for estabelecida por ano ou corresponder ao número de dias de serviço
anual, quando fixada por dia ou hora;
b) A média mensal das demais remunerações percebidas pelo subscritor nos dois
últimos anos e que devam ser consideradas nos termos do artigo seguinte.
2 - …
3 - …
4 - …
5 - …».
Como se vê, no regime geral – abstracção feita das recentes regras emergentes da
Lei n.º 60/2005, bem como daquelas outras que, já antes, nos termos do
Decreto‑Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto, sujeitavam o cálculo da pensão de
aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 às
normas legais do regime geral da segurança social, que não interferem com o
problema de constitucionalidade que cumpre resolver –, o cálculo da pensão de
aposentação é efectuado com base em duas parcelas: a retribuição base [n.º 1,
alínea a)] e a média das demais remunerações nos últimos dois anos [n.º 1,
alínea b)]. A primeira parcela tem natureza necessária e corresponde à
retribuição base do cargo pelo qual o subscritor é aposentado. Coincide com a
retribuição estipulada, não resultando do apuramento de qualquer média. A
segunda tem natureza eventual, dependendo de o subscritor ter ou não recebido
outras remunerações sujeitas a quota para aposentação e que devam ser
consideradas nos termos do artigo 48.º. Só esta parcela da remuneração mensal
relevante se obtém mediante o cálculo de uma média.
Por sua vez, o artigo 48.º dispõe que «[A]s remunerações a
considerar para os efeitos do artigo anterior serão as abrangidas pelo n.º 1 do
artigo 6.º, com excepção das que não tiverem carácter permanente, das
gratificações que não forem de atribuição obrigatória, das remunerações
complementares por serviço prestado no ultramar e das resultantes da acumulação
de outros cargos». E o n.º 1 do artigo 6.º, sob a epígrafe «Incidência da
quota», faz incluir no conceito de remuneração os subsídios de férias e de
Natal, bem como outras prestações, agora excluídas pelo n.º 3 do artigo 51.º, na
redacção da Lei n.º 1/2004. Assim, determina o artigo 6.º, n.º 1: «[P]ara
efeitos do presente diploma e salvo disposição especial em contrário,
consideram-se remunerações os ordenados, salários, gratificações, emolumentos, o
subsídio de férias, o subsídio de Natal e outras retribuições, certas ou
acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes ao cargo ou cargos exercidos
(…)».
Tal significa, por conseguinte, que na quota para a aposentação (no
«desconto», a que se refere o artigo 5.º do Estatuto) se integram, de acordo com
o preceituado no artigo 6.º, n.º 1, «o subsídio de férias, o subsídio de Natal e
outras retribuições, certas ou acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes
ao cargo ou cargos exercidos (…)». Em contrapartida, estão excluídos do conceito
de «remuneração», para este específico efeito, «o abono de família, as ajudas de
custo, os abonos ou subsídios de residência, de campo, de transportes, de
viagens ou caminhos, para falhas, para despesas de representação, para vestuário
e outros de natureza similar» (n.º 3 do artigo 6.º).
É, portanto, certo que a Lei n.º 1/2004, no que concerne ao regime
especial aplicável à pensão de aposentação dos subscritores sujeitos ao regime
do contrato individual de trabalho, introduziu um aspecto inovatório: o cálculo
da pensão passou a efectuar-se pela média mensal das remunerações sujeitas a
desconto auferidas nos últimos três anos, enquanto de acordo com as regras
gerais, anteriormente também aplicáveis a estes subscritores, a pensão é
calculada a partir de duas parcelas: (1) o ordenado ou outra retribuição base
[alínea a) do artigo 47.º, n.º 1] e (2) a média mensal das demais remunerações
percebidas pelo subscritor nos últimos dois anos. A diferença consiste em que,
enquanto no regime anterior havia uma parcela certa, que equivalia à retribuição
base do subscritor no momento da aposentação (grosso modo, o último “ordenado”
no activo), a que acrescia a média de eventuais remunerações acessórias nos
últimos dois anos, agora a base do cálculo passou a ser a média das remunerações
nos últimos três anos e já não a última retribuição base, com aquele eventual
acréscimo.
Já o mesmo não sucede – ou, pelo menos, não pode afirmar-se com o mesmo grau de
certeza – quanto ao outro aspecto que o requerente tem por inovatório e
desfavorável a este grupo de subscritores e que consiste na exclusão dos
subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes da determinação da
remuneração mensal relevante. Na verdade, tomando por bom o entendimento da
jurisprudência dos tribunais administrativos quanto a saber em qual das alíneas
do n.º 1 do artigo 47.º tais subsídios “relevam” para aquela determinação, a
afirmação expressa dessa exclusão não tem o efeito desfavorável ao subscritor
que o requerente pressupõe.
Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, confrontado com a
questão de saber como enquadrar, para efeito da determinação da remuneração
mensal relevante como factor de cálculo da pensão, os subsídios de férias e de
Natal recebidos pelo subscritor, os quais tinham passado a integrar o elenco das
remunerações passíveis de quota para aposentação, após a precipitação no n.º 1
do artigo 6.º do Estatuto da Aposentação, pelo artigo 8.º da Lei n.º 30-C/92, de
28 de Dezembro, da regra avulsa que vinha sendo inserida em sucessivas leis
orçamentais, firmou jurisprudência no sentido de que tais subsídios são de
considerar como remuneração base (artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de
Junho), entrando, assim, na alínea a) do n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto da
Aposentação. Segundo este entendimento, no sistema geral de cálculo da pensão de
aposentação, é indiferente que o “ordenado” de carácter mensal seja pago doze,
treze ou catorze vezes por ano; a consideração autónoma dos subsídios de férias
e Natal, computando-os na alínea b) do n.º 1 do artigo 47.º para influir, por
essa via, no cálculo da pensão mensal vitalícia, sendo esta paga em catorze
mensalidades, representaria um duplo benefício (Acórdão da Secção do Contencioso
Administrativo, de 14 de Março de 1995, Proc. 34 934, publicado no Apêndice ao
Diário da República, de 18 de Julho de 1997, p. 2597 e ss.; jurisprudência
sempre reiterada, como se pode ver dos acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 26
de Setembro de 1995, Proc. 36 048, de 21 de Novembro de 1995, Proc. 36 042, e de
9 de Maio de 1996, Proc. 36 041, publicados respectivamente no Apêndice, de 27
de Janeiro de 1998, p. 6950 e ss., de 30 de Abril de 1998, p. 8961 e ss., e de
23 de Outubro de 1998, p 3318 e ss., e, mais recentemente, no acórdão de 9 de
Junho de 2005, Proc. 680/05, do Tribunal Central Administrativo Sul, in
http://www.dgsi.pt).
8. Importa, então, entrar na questão de constitucionalidade, sendo certo que,
para quem adira a esta interpretação do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação,
o problema só se coloca na medida em que a média mensal das remunerações dos
últimos três anos (artigo 51.º, n.º 3) seja inferior à soma do vencimento do
cargo pelo qual se verifica a aposentação com a média das remunerações
acessórias dos últimos dois anos (não entrando, repete-se, os subsídios de
férias e Natal para o cálculo de qualquer dessas médias). Efeito desfavorável
que não é absolutamente certo que sempre ocorra. Mas que pode aceitar-se como
altamente provável na generalidade dos casos, desde logo por virtude da
actualização anual das remunerações dos subscritores da Caixa Geral de
Aposentações.
De qualquer modo, na maior extensão desse efeito desfavorável ao subscritor
pressuposta pela argumentação do requerente ou neste outro de mais reduzida
expressão quantitativa, considera-se que não existem razões para que o Tribunal
se afaste da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99 (cit.), em que estava em
causa uma questão em tudo semelhante à colocada no presente processo: a de saber
se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão
de aposentação afecta expectativas – e, mais precisamente, expectativas
legítimas – dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
Para alcançar a conclusão de que não existe, neste domínio, uma expectativa
legítima dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o citado Acórdão nº
99/99 teve presente, desde logo, a norma do artigo 43.º do Estatuto da
Aposentação, que dispõe:
«1 – O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação
existente à data em que:
a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não
dependa de verificação de incapacidade;
b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o
parecer desta, quando a lei especial o exija;
c) O interessado atinja o limite de idade;
d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal
definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação
equivalente.
2 – O disposto no nº 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de
aposentação, a situações anteriores.
3 – …».
Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º é claro na determinação de que é
no momento da aposentação – ou, mais rigorosamente, no momento em que se
verifique qualquer das situações previstas nas alíneas a) a d) daquele n.º 1 –
que se fixa, com base na lei em vigor nesse momento, o respectivo regime.
Significa isto, como sublinhou o Acórdão n.º 99/99, que não possuem os
subscritores da Caixa Geral de Aposentações no activo qualquer expectativa
legítima na imutabilidade ou fixidez do statu quo vigente, antes não podendo
deixar de contar, por força do que está expressamente preceituado no artigo 43.º
do Estatuto da Aposentação, com eventuais alterações do regime jurídico da
aposentação. Em bom rigor, só no momento em que se aposentar – di-lo claramente
aquela norma – será possível ao subscritor conhecer, nos seus precisos contornos
e em toda a sua complexidade, as regras que lhe irão ser aplicáveis. E, como se
afirmou no Acórdão nº 99/99, «(…) a impossibilidade de previsão de uma mudança
só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se
estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança,
designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o
regime da aposentação». Ora - prossegue o Acórdão nº 99/99 -, «o artigo 43.º do
Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de
possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação
se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se
verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, por outro lado,
este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em
sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente),
ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à
constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda
que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim,
desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas
legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não
fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse
uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das
normas não pudessem contar – justamente por, como o legislador esclareceu já no
artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da
aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem
poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se
verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação».
Afigura-se manifesto que não existe qualquer expectativa dos subscritores digna
de tutela pelo Direito que tenha sido intoleravelmente atingida por ter passado
a ser relevante para o cálculo da pensão a média das remunerações do último
triénio em vez do quantitativo correspondente ao vencimento do cargo pelo qual
se verifica a aposentação acrescido da média das demais retribuições do último
biénio. Na verdade a pretensa «expectativa» dos subscritores não se baseia em
qualquer contribuição que hajam feito, mas tão-só numa noção difusa de
manutenção ou cristalização do statu quo do regime da aposentação em todas as
suas vertentes – ideia que, no limite, inviabilizaria toda e qualquer
intervenção reformadora do legislador neste domínio.
Decisivamente, não pode afirmar-se, sem mais, que os trabalhadores possuam uma
expectativa a que o cálculo da pensão de aposentação seja efectuado sempre da
mesma maneira ao longo da sua carreira contributiva. Ponto é que as alterações
que venham a ser introduzidas não importem, à luz de critérios de
proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão de tal forma grave ou profunda
na «confiança no sistema» que os trabalhadores depositaram durante a sua
carreira contributiva.
A convocação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade para averiguar
de eventuais violações do princípio da confiança já foi efectuada por este
Tribunal, como se viu, podendo referir-se os já citados Acórdãos n.º 287/90 e
n.º 580/99 ou, mais remotamente, o Acórdão nº 141/85 (in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 6.º vol., pp. 39 ss.). Ora, o abandono do critério da
retribuição base do cargo pelo qual se verifica a aposentação como factor de
referência e o alargamento de dois para três anos do período relevante para a
determinação da média, atenta a sua reduzida dimensão temporal, a ampla
liberdade de conformação reconhecida ao legislador e, mais decisivamente, a
circunstância de os trabalhadores não beneficiarem, no quadro da Constituição,
de um qualquer direito à «imutabilidade do sistema» são factores que militam no
sentido de se poder concluir que a alteração introduzida não afectou, de forma
absolutamente intolerável ou desproporcionada, quaisquer expectativas dignas de
tutela jurídica dos trabalhadores e, portanto, o princípio da confiança, ínsito
no princípio do Estado de direito democrático.
9. No que especificamente se refere ao segmento normativo que, de modo expresso,
exclui do cálculo da média mensal os subsídios de férias e de Natal, nenhuma
questão autónoma se coloca para quem perfilhe a interpretação do n.º 1 do artigo
47.º do Estatuto da Aposentação assumida pela referida jurisprudência dos
tribunais administrativos. A exclusão expressa na actual fórmula de cálculo não
afasta a correspectividade substancial entre a incidência de descontos sobre
tais subsídios e a prestação previdencial que anteriormente existia, na medida
em que a média que constitui a remuneração atendível é calculada à razão de doze
mensalidades e a pensão é paga catorze vezes por ano.
Mas mesmo para quem assim não entenda, interessa notar que não existe qualquer
direito adquirido a que o cálculo da pensão de aposentação se faça de uma dada
forma em concreto, designadamente no que toca à inclusão dos subsídios de Natal
e de férias.
À semelhança do que se concluiu no Acórdão nº 99/99 (cit.), também
aqui é possível afirmar-se que não são postos em causa os direitos
constitucionalmente consagrados no artigo 63.º da Lei Fundamental, porquanto se
mantém o direito à segurança social e o direito ao recebimento de uma pensão de
aposentação, estando apenas em causa a base remuneratória sobre a qual esta é
calculada. E desta alteração não resulta também que a pensão se veja reduzida a
um valor irrisório, susceptível de se poder afirmar que, na prática, os
pensionistas deixaram de beneficiar de um direito à segurança social em sentido
verdadeiro e próprio.
Por outro lado, a intervenção do legislador – a quem, sublinhe-se, o
Tribunal sempre reconheceu uma ampla margem conformadora neste domínio – não
veio pôr em causa a contribuição de todo o tempo de trabalho para o cálculo da
pensão de aposentação. Com a alteração introduzida pela Lei n.º 1/2004, não se
cria, de modo algum, uma situação em que tempo de trabalho prestado pelo
subscritor deixe de ser relevante para o cálculo da pensão de aposentação. E o
único constrangimento que a Constituição coloca neste domínio é o de proibir que
parcelas do tempo de trabalho deixem de ser relevantes no cálculo da pensão. O
n.º 4 do artigo 63.º da Lei Fundamental não impõe que todas as contribuições
tenham uma repercussão directa no cálculo da pensão e, muito menos, que haja uma
correspectividade necessária, directa e absoluta entre o valor da pensão e o
montante dos descontos. A Constituição da República proscreve, tão-só, a
«inutilização» de tempo de trabalho prestado para efeitos de cálculo da pensão
(cf., a este propósito, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, em esp. p. 340; Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005,
em esp. pp. 637 ss.).
Como este Tribunal afirmou recentemente no Acórdão nº 675/2005 (in
Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2006) “a Constituição da
República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a
exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do
montante das pensões de reforma, o montante da retribuição efectivamente
auferida pelo trabalhador no activo. Na verdade, a Constituição não define e não
concretiza o conteúdo do direito à segurança social, nem estabelece prazos para
essa concretização, remetendo para a lei, através do artigo 63.º, n.º 2, essa
tarefa. Daqui decorre que não procede a leitura da expressão “todo o tempo de
trabalho” como tendo de incluir, em si, a expressão “toda a remuneração mensal”
realmente auferida pelo trabalhador durante o tempo de trabalho. Pode – e, numa
certa perspectiva, haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária
consideração de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de
utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos
rendimentos realmente auferidos (incluindo remuneração base e outros rendimentos
complementares) durante o tempo de trabalho”.
De facto, independentemente da precisa qualificação jurídica de
prestações como os subsídios de Natal ou de férias e outras – isto é, abstraindo
da questão de saber se as mesmas integram ou não o conceito de «remuneração»
(cfr. a discussão do problema in José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação.
Anotado – Comentado - Jurisprudência, Coimbra, 2003, pp. 35ss., e o Acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo de 26-9-1995, sumariado in ult. ob. cit., p.
188) –, é assente que não tem de existir uma correspectividade necessária e
obrigatória entre tudo o que se paga e tudo o que se recebe em termos de pensões
de reforma ou de aposentação (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
de 1-7-1997, sumariado in ult. ob. cit., p. 190; cfr. ainda, no mesmo sentido, o
Acórdão nº 99/99, cit., onde se diz, a dado passo: «deve reconhecer-se que não
existe uma relação directa entre os descontos a efectuar para a Caixa Geral de
Aposentações e a pensão de aposentação a receber. E compreende-se que assim
seja, tanto podendo, desde logo, o interessado ser prejudicado como beneficiado
com a falta desta relação directa (assim se a pensão for globalmente de montante
inferior àqueles pagamentos ou de montante superior»).
Assim, por tudo o exposto e à luz da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99,
que o Tribunal não vê razões para alterar, conclui-se que a norma sub judicio,
em qualquer dos segmentos impugnados, não afronta o artigo 2.º da Constituição
da República.
III – Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar a
inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 51.º do Estatuto da
Aposentação, na redacção emergente da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro.
Lisboa, 9 de Maio de 2006
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Paulo Mota Pinto
Bravo Serra
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Maria João Antunes
Artur Maurício