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Processo n.º 733/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Nos presentes autos, em que figura como reclamante A., melhor identificado nos
autos, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 94/2006, pelo qual
decidiu indeferir a reclamação apresentada e, consequentemente, condenou o
reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça. Tal
Acórdão teve a seguinte fundamentação:
«(…)
5. Antes de mais importa fixar o âmbito da presente reclamação, que não é
inteiramente claro – como não o foi para o Vice-Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça que determinou a remessa dos autos a este Tribunal. É certo que visa
um único despacho, do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que
recusou admitir o recurso de constitucionalidade interposto dos seus anteriores
despachos. O que, importa referi-lo, fez nos seguintes termos:
“temos entendido que a competência do presidente do tribunal superior nos termos
do art.º 688.º do CPC, como decorre deste normativo e dos princípios gerais do
processo civil, limita-se as questões da admissibilidade e do momento de subida
dos recursos.
Exercendo tal competência, por alguns tida por inconstitucional porque,
rigorosamente, não se trata de actividade jurisdicional, não está o presidente
obrigado à rígida observância de critérios legais, devendo antes, numa atitude
prudente, avaliar, em cada caso, se às questões da admissibilidade ou do momento
da subida dos recursos, deve ser apresentada e decidida pelo tribunal superior.
Na verdade, as decisões do presidente, quando favoráveis ao reclamante não são
definitivas, cabendo, sempre, a última palavra à conferência no tribunal
superior (art.º 689.°, n.º 2, do CPC).
Não podem, pois, suscitar-se e pretender que se decidam outras questões no
âmbito deste incidente, para além da referida admissibilidade e do momento da
subida.
Por isso, e uma vez que neste apenso se proferiram já despachos de indeferimento
da reclamação e do requerimento para reforma da anterior decisão, nenhuma outra
questão poderá aqui suscitar-se, nomeadamente, e sem embargo da norma do art.º
70.°, n.º 1, b), da Lei n.º 28/82, a da admissibilidade do recurso para o
Tribunal Constitucional.
Por um lado, a resposta positiva à questão da admissibilidade ou da subida
imediata só se torna definitiva após decisão da conferência, no tribunal
superior que, implícita ou explicitamente, a confirmar.
Por outro, a resposta negativa tem, por sua vez, o efeito de consolidar a
decisão do tribunal a quo que não admitiu, ou reteve, o recurso.”
É igualmente certo que a presente reclamação tem como fundamento a violação da
norma do artigo 70.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e o facto de os
fundamentos do dito despacho invocarem “normas jurídicas (…) inovadoras e
inconstitucionais”, dizendo-se na reclamação:
“É o caso da norma segundo a qual não está o presidente obrigado à rígida
observância de critérios legais, devendo, antes, numa atitude prudente, avaliar,
em cada caso, se as questões de admissibilidade ou do momento da subida dos
recursos, deve ser apresentada e decidida pelo tribunal superior.
Tal norma, extraída do art.º 689.°, n.º 1, do CPC, viola os princípios da
confiança e da segurança jurídica implícitos no princípio do Estado de Direito
consagrado no art.º 2.º da Constituição. Com efeito, segundo ela, os presidentes
dos tribunais superiores podem julgar, em matéria de admissão de recursos
previstos na lei, não segundo normas jurídicas de conteúdo bem determinado, mas
segundo o seu prudente arbítrio – o que deixa o cidadão na eterna incerteza
sobre se o acesso ao direito por via do direito ao recurso consignado na lei à
data da instauração da acção, será ou não assegurado pelos tribunais até ao
termo do processo.
Tal norma viola, pois, também, as normas dos art.ºs 20.°, n.ºs 1 e 4, 202.°, n.º
2, e 203.° da Constituição. Segundo ela, em matéria de recursos os cidadãos não
poderiam contar com a sujeição dos presidentes dos tribunais apenas à norma
jurídica de conteúdo bem determinado, mas sim a critérios pessoais de
conveniência dos respectivos titulares.”
Não se trata, porém, de um recurso de constitucionalidade “autónomo” dirigido a
esta decisão jurisdicional (e nessa medida passível de um tal recurso de
constitucionalidade); isto, embora numa passagem pareça ser exactamente isso que
pretende: “[n]os termos do disposto no art.º 70.º, n.º 3, da LTC, a decisão dos
presidentes dos tribunais superiores competentes para apreciar das reclamações
deduzidas ao abrigo do art.º 688.º do CPC, de não admissão dos recursos
interpostos para os mesmos tribunais superiores, é passível de recurso para o
Tribunal Constitucional.” Trata-se, antes, de uma reclamação quanto à não
admissão ou retenção do anterior recurso, em decisão dita de “não conhecimento”,
mas, até nos termos de anterior jurisprudência deste Tribunal (acórdãos n.ºs
486/05 e 505/05, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
correspondente a um indeferimento do requerimento de recurso para efeito do
disposto no n.º 4 do artigo 76.º e artigo 77.º da Lei do Tribunal
Constitucional.
Surge, pois, na sequência de um anterior recurso de constitucionalidade e
derivada deste: é o que se conclui não só de o reclamante não invocar qualquer
alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional que pudesse
fundar o recurso e, antes, pedir “a revogação do Despacho ora reclamado” (o que
não se compagina com o objectivo de um recurso, mas sim de uma reclamação), mas,
sobretudo, por se ter conformado com o entendimento do Vice-Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça que admitiu a remessa dos autos ao Tribunal
Constitucional como reclamação (e não ter reagido ao pedido de rejeição liminar
da reclamação, formulado pela reclamada).
6. Bem entendida a decisão que é objecto da presente reclamação e o seu
fundamento, diga-se algo sobre o seu objectivo. Tal reclamação visa,
tão-somente, que o recurso de constitucionalidade anteriormente apresentado
perante o Supremo Tribunal de Justiça seja admitido nos seus precisos termos –
isto é, um recurso dirigido contra os dois despachos do Vice‑Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça que antecederam o despacho de não conhecimento do
recurso de constitucionalidade, e visando, ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, a apreciação da
conformidade constitucional das normas do artigo 678.º, n.ºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil.
Ora, como se tem dito em anterior jurisprudência – cfr. v. g. os acórdãos n.ºs
269/94 e 178/95 (publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
respectivamente, no 27.º vol., pp. 1165-1172, e no 30.º vol., pp. 1109-1119):
“este Tribunal nas reclamações, tendo nos autos elementos para isso, deve
decidir se sim ou não se verificam os demais pressupostos do recurso. Exige-o o
facto de a decisão que ele vier a proferir, quando revogue o despacho reclamado,
que é um despacho de indeferimento, fazer caso julgado quanto à admissibilidade
do recurso, como prescreve o artigo 77.º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional.”
Desta forma, o que está em causa na reclamação dirigida à não admissão (“não
conhecimento”) do recurso não é a reapreciação dos fundamentos dessa decisão,
mas a verificação da indevida preterição de um recurso de constitucionalidade.
(Neste sentido, v. g., Acórdãos n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, todos disponíveis
em www.tribunalconstitucional.pt, e os dois últimos também no DR, II Série, de
11 de Março de 1999 e de 15 de Novembro de 2000, respectivamente).
Assim, muito embora, nos termos e com as reservas já referidas, o reclamante
tenha procurado fundamentar a sua reclamação com a impugnação da
constitucionalidade de uma norma que estaria subjacente ao despacho de
indeferimento da arguição de nulidade (para a qual até formulou um preciso
sentido e fixou a origem legal no n.º 1 do artigo 689.º do Código de Processo
Civil), não será de tal norma que cuidará a indagação subsequente, por não ser
essa a actividade jurisdicional associada à decisão das reclamações, mas sim,
apenas, a da determinação da admissibilidade, ou não, do recurso de
constitucionalidade anteriormente interposto.
Caso estejam preenchidos os requisitos desse recurso, a reclamação será
deferida, o recurso admitido, e, então, o recorrente terá ocasião de produzir as
suas alegações sobre as questões de constitucionalidade nele suscitadas. Caso
não estejam preenchidos esses requisitos, a reclamação será indeferida, pouco
importando qual tenha sido a fundamentação da decisão reclamada.
Atendendo aos interesses últimos do reclamante e à fundamentação da reclamação
apresentada pelos reclamantes ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tal
juízo sobre a admissibilidade do recurso é, aliás, o que mais importa.
7. Contra a admissibilidade do recurso de constitucionalidade que o ora
reclamante interpôs contra os despachos do Vice-Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça não depõe – ao contrário do que pretendeu a ora reclamada na
sequência do entendimento daquele – o facto de se visar um despacho “que se
circunscreve à questão da admissibilidade do recurso”, mas sim a falta de
especificação adequada de uma verdadeira questão de constitucionalidade
normativa, resultante do entendimento dado aos n.ºs 1 e 2 do artigo 678.º do
Código de Processo Civil.
Note-se, com efeito, que, embora questione o fundamento da decisão do Tribunal
da Relação quanto à competência territorial, o recorrente não questiona a norma
limitativa do recurso em matéria de competência relativa (a do artigo 111.º, n.º
4, do Código de Processo Civil). E note-se que, embora ponha em causa as normas
dos artigos 678.º, n.ºs 1 e 2, o despacho de não admissão do recurso proferido
no Tribunal da Relação do Porto invocou antes, além daquele n.º 4 do artigo
111.º, o artigo 114.º, n.º 2, e os n.ºs 2 e 3 do artigo 678.º do Código de
Processo Civil (sendo que no caso deste artigo as referências foram ao não
cabimento “em nenhuma das hipóteses previstas” nesses números). Uma vez, porém,
que a norma do n.º 2 do artigo 678.º admite “sempre” o recurso, ainda se poderia
eventualmente entender que a pluralidade de fundamentos autónomos para o
inviabilizar cederia perante uma previsão normativa que o concedesse sempre,
desde que obrigatoriamente entendida de modo a nela incluir o caso dos autos.
Só que tal entendimento – rectius: o entendimento de que, a não ser assim, a
norma do n.º 2 do artigo 678.º do Código de Processo Civil seria
inconstitucional – não foi invocado durante o processo. Pelo contrário, o que
nele se discutiu foi o alcance do recurso, ou a dimensão do caso julgado. Sobre
a inconstitucionalidade das normas dos dois números do artigo 678.º apenas se
escreveu que tal decorria da violação das “normas e [d]os princípios dos art.ºs
2.º, 20.º, n.ºs 1 e 4, 202.º, n.º 2, e 224.º, n.º 3, da Constituição.”,
invocando-se uma série de limitações que o princípio do Estado de Direito
dirigiria às particulares circunstâncias do caso, mas que de modo nenhum se
podem converter numa interpretação sindicável das normas impugnadas.
Ora, como se referiu no acórdão n.º 367/94 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 28.º vol., pp. 147-159), e se repetiu no acórdão n.º 178/95, já
citado, impunha-se que o reclamante tivesse indicado – o que não fez – o
segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito, o sentido ou
interpretação, em suma, que tinha por violador da Constituição:
“De facto, tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma
clara e perceptível (cf., entre outros, acórdão n.º 269/94, Diário da República,
II série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
Escreveu-se a propósito no acórdão n.º 367/94 (Diário da República, II Série, de
7 de Setembro de 1994):
“Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um
preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se
faça.
[...] esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de
forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa
apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em
geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o
sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo,
violar a Constituição.”»
Faltando um dos (necessários) pressupostos do recurso, não pode deferir-se a
reclamação, independentemente do problema de saber se pode considerar-se o
recurso como manifestamente infundado (como sugerido pelo Ministério Público),
por não ser possível fazer derivar das exigências constitucionais um direito de
acesso ao Supremo Tribunal de Justiça “para facultar a controvérsia sobre
matérias de natureza procedimental ou adjectiva”.»
2.Notificado do referido acórdão n.º 94/2006, o reclamante veio dizer o
seguinte:
«1. O requerimento do recorrente, de 20.9.2005, tem por objecto o Despacho do
Ex.m.º Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Julho de 2005. A
decisão final de tal Despacho é de recusa em conhecer do requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, de 4 de Junho 2005.
2. Por determinação legal (cf. art.º 76.°, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro) compete exclusivamente ao tribunal que tiver proferido a decisão
recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso. O incumprimento desta
obrigação legal é insanável.
3. O Despacho do Ex.m.º Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de
Julho de 2005, é ilegal – viola a referida norma do artigo 76.°, n.º 1, da LTC –
e faz aplicação de norma inconstitucional identificada no requerimento de 20 de
Setembro de 2005.
4. O requerimento de 20.9.2005 é expressamente formulado ao abrigo do disposto
no artigo 669.°, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil: é, pois, um
requerimento de reclamação perante o tribunal autor do despacho reclamado
(tribunal a quo) contra o despacho reclamado, e de interposição de recurso
perante o tribunal ad quem.
5. De acordo com o disposto no artigo 669.°, n.º 3, do Código de Processo Civil,
aplica-se à reclamação nele prevista, com as necessárias adaptações, o disposto
no artigo 668.°, n.º 4, do dito Código. Quer isto dizer, salvo melhor
entendimento, que:
· deduzida reclamação em recurso interposto para outro tribunal, é lícito ao
juiz supri-la
· aplicando-se, com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de
recurso, o disposto no art.º 744.° do Código de Processo Civil, isto é,
· se o juiz omitir o despacho de sustentação ou reparação da decisão
recorrida, o relator no tribunal ad quem mandará baixar o processo para que seja
proferido.
6. O Despacho do Ex.m.º Vice-Presidente de 22 de Setembro de 2005, não é de
sustentação nem de reparação do despacho recorrido. Pelo que, impõe-se:
· o cumprimento da norma do artigo 744.°, n.º 5, do Código de Processo
Civil, para que seja cumprida a norma do artigo 76.°, n.° 1, da LTC.
7. O requerimento de 20 de Setembro de 2005 é, formal e explicitamente, um
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, de
decisão – a de 5.7.2005 – em que foi aplicada norma inconstitucional, nele
devidamente explicitada.
8. O requerimento de 20 de Setembro de 2005 não é, nem, salvo o devido respeito,
pode ser entendido, como uma RECLAMAÇÃO deduzida ao abrigo do disposto no artigo
76.°, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para ser decidida nos termos
do artigo 77.° da mesma Lei.
9. As normas do Código de Processo Civil ora invocadas aplicam-se ao recurso de
constitucionalidade ex vi artigo 69.° da LTC.
Depreende-se do ofício que capeia o acórdão n.º 94/2006, que o processo terá
sido distribuído como reclamação (4.ª espécie do art.º 49.° da LTC) quando,
salvo melhor entendimento, o devia ter sido como recurso (3.ª espécie do dito
art.º 49.°).
De acordo como art.º 48.° da LTC, à distribuição de processos são
subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil que regulam a
distribuição nos tribunais superiores, isto é, as previstas nos art.ºs 223.° a
227.° do dito Código.
O erro na distribuição é de conhecimento oficioso.
10. Seja como for, o certo é que, não tendo o recorrente dirigido a esse Alto
Tribunal um requerimento de reclamação ao abrigo das disposições conjugadas dos
artigos 76.°, n.º 4, e 77.° da LTC, mas, ao invés, deduzido uma RECLAMAÇÃO
perante o Ex.m.º Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo e nos
termos do disposto nos art.ºs 669.°, n.ºs 2 e 3, 668.°, n.º 4, e 744°, n.º 5, do
Código de Processo Civil, e atentos os princípios legais e constitucionais do
dispositivo e da autonomia privada, o acórdão n.º 94/2006 não o vincula, e o
recorrente não renuncia ao direito ao recurso interposto da decisão daquele
Ilustre Magistrado que denega justiça e aplica norma inconstitucional.
11. A presente colaboração é imposta pelo artigo 266.°, n.° 1, do Código de
Processo Civil.»
Notificada para responder, disse a entidade reclamada:
«1. O requerimento a que se responde – no qual, aliás, nada chega a ser
requerido – é manifestamente ilegal e impertinente, e assenta numa interpretação
claramente errónea da tramitação ocorrida nos autos.
2. Essa tramitação encontra-se correcta e exaustivamente descrita no douto
Acórdão n.º 94/2006, que o Reclamante, aliás, descabidamente pretende que “não o
vincula”. No que ora mais releva, refere-se aí que o Reclamante, inconformado
com o douto despacho do Exmo. Presidente do S.T.J. de 4.7.2005 (que rejeitou
conhecer do seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional do douto despacho pelo qual se confirmou a não admissão do
recurso interposto do douto Acórdão da Relação do Porto de 10.11.2004 e de um
outro despacho ), apresentou em 20.9.2005 um requerimento que veio a ser
admitido pelo Exmo. Vice-Presidente do S.T.J. em 22.9.2005 como reclamação
contra a não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Sobre a reclamação assim admitida veio a recair o douto Acórdão n.º 94/2006,
pelo qual, não obstante se ter considerado incorrecta a decisão de não
conhecimento da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional,
expressamente se julgou a reclamação improcedente, não se admitindo o mesmo.
4. Sustenta agora o Reclamante, porém, que o seu requerimento de 22.9.2005 não
seria uma reclamação contra a não admissão do recurso, antes integraria um
pedido de reforma do douto despacho de 4.7.2005 no sentido de ser admitido o
recurso interposto para o Tribunal Constitucional. É patente, todavia, que um
tal requerimento jamais poderia ser admitido, pois a única via legalmente
disposta para a impugnação de decisão de não admissão de recurso para o Tribunal
Constitucional é a da reclamação prevista nos art.ºs 76.°, n.º 4, e 77.° da
L.T.C. – e daí que, embora com confessada dificuldade, tenha sido nessa
qualidade que, como se referiu, o requerimento de 20.9.2005 foi admitido pelo
Exmo. Vice-Presidente do S.T.J. no seu douto despacho de 22.9.2005.
5. Refira-se, de resto, que se fosse esse o entendimento efectivamente adoptado
pelo Reclamante, este deveria então ter reagido contra o despacho de 22.9.2005,
o que não fez, pelo que o requerimento a que ora se responde, a ser porventura
entendido como arguição de nulidade processual – o que se admite a mero
benefício de raciocínio –, sempre seria de todo intempestivo.
6. Do exposto resulta, outrossim, serem absolutamente improcedentes e descabidas
as considerações expendidas pelo Reclamante sobre uma pretensa denegação de
justiça pelo Exmo. Vice-Presidente do S.T.J. e sobre um alegado erro na
distribuição ocorrido no Tribunal Constitucional.
7. Dado que a apresentação do requerimento a que ora se responde carece de
qualquer fundamento legal – e que, bem ao invés do exigido pelo n.º 1 do art.º
266.° do C.P.C., norma ao abrigo da qual o requerimento seria apresentado, este
de forma alguma contribui para se obter, com brevidade e eficácia, a justa
composição do litígio –, deverá o mesmo ser desentranhado, condenando-se o
Reclamante pelas custas do incidente anómalo a que deu causa.»
Cumpre apreciar e decidir:
II. Fundamentos
2. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o
julgamento da reclamação de despacho que indefira o requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional cabe à conferência a que se refere o
artigo 78.º-A da mesma Lei. E, por força do disposto no n.º 4 do citado artigo
77.º, essa decisão não pode ser impugnada, formando caso julgado quanto à
admissibilidade do recurso.
Na peça processual que entregou e consta de fls. 130 a 132, o reclamante
limita-se a manifestar a sua discordância relativamente ao sentido da decisão
proferida por este Tribunal, invocando um erro de distribuição do processo no
Tribunal Constitucional uma vez que, diz, “o requerimento de 20 de Setembro de
2005 é, formal e explicitamente, um requerimento de interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional, de decisão – a de 5.7.2005 – em que foi aplicada
norma inconstitucional, nele devidamente explicitada”, pelo que “o requerimento
de 20 de Setembro de 2005 não é, nem, salvo o devido respeito, pode ser
entendido, como uma RECLAMAÇÃO deduzida ao abrigo do disposto no artigo 76.°,
n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para ser decidida nos termos do
artigo 77.° da mesma Lei”.
Reconhecendo que a qualificação do requerimento a apreciar não era clara e
evidente – o que sempre traduziria o não cumprimento dos respectivos ónus pelo
ora requerente –, a questão foi tratada no acórdão n.º 94/2006, no qual se
disse:
«(…)
5. Antes de mais importa fixar o âmbito da presente reclamação, que não é
inteiramente claro – como não o foi para o Vice-Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça que determinou a remessa dos autos a este Tribunal. É certo que visa
um único despacho, do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que
recusou admitir o recurso de constitucionalidade interposto dos seus anteriores
despachos. O que, importa referi-lo, fez nos seguintes termos:
“temos entendido que a competência do presidente do tribunal superior nos termos
do art.º 688.º do CPC, como decorre deste normativo e dos princípios gerais do
processo civil, limita-se às questões da admissibilidade e do momento de subida
dos recursos.
Exercendo tal competência, por alguns tida por inconstitucional porque,
rigorosamente, não se trata de actividade jurisdicional, não está o presidente
obrigado à rígida observância de critérios legais, devendo antes, numa atitude
prudente, avaliar, em cada caso, se as questões da admissibilidade ou do momento
da subida dos recursos, deve ser apresentada e decidida pelo tribunal superior.
Na verdade, as decisões do presidente, quando favoráveis ao reclamante não são
definitivas, cabendo, sempre, a última palavra à conferência no tribunal
superior (art.º 689.°, n.º 2, do CPC).
Não podem, pois, suscitar-se e pretender que se decidam outras questões no
âmbito deste incidente, para além da referida admissibilidade e do momento da
subida.
Por isso, e uma vez que neste apenso se proferiram já despachos de indeferimento
da reclamação e do requerimento para reforma da anterior decisão, nenhuma outra
questão poderá aqui suscitar-se, nomeadamente, e sem embargo da norma do art.º
70.°, n.º 1, b), da Lei n.º 28/82, a da admissibilidade do recurso para o
Tribunal Constitucional.
Por um lado, a resposta positiva à questão da admissibilidade ou da subida
imediata só se torna definitiva após decisão da conferência, no tribunal
superior que, implícita ou explicitamente, a confirmar.
Por outro, a resposta negativa tem, por sua vez, o efeito de consolidar a
decisão do tribunal a quo que não admitiu, ou reteve, o recurso.”
É igualmente certo que a presente reclamação tem como fundamento a violação da
norma do artigo 70.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e o facto de os
fundamentos do dito despacho invocarem “normas jurídicas (…) inovadoras e
inconstitucionais”, dizendo-se na reclamação:
“É o caso da norma segundo a qual não está o presidente obrigado à rígida
observância de critérios legais, devendo, antes, numa atitude prudente, avaliar,
em cada caso, se as questões de admissibilidade ou do momento da subida dos
recursos, deve ser apresentada e decidida pelo tribunal superior.
Tal norma, extraída do art.º 689.°, n.º 1, do CPC, viola os princípios da
confiança e da segurança jurídica implícitos no princípio do Estado de Direito
consagrado no art.º 2.º da Constituição. Com efeito, segundo ela, os presidentes
dos tribunais superiores podem julgar, em matéria de admissão de recursos
previstos na lei, não segundo normas jurídicas de conteúdo bem determinado, mas
segundo o seu prudente arbítrio – o que deixa o cidadão na eterna incerteza
sobre se o acesso ao direito por via do direito ao recurso consignado na lei à
data da instauração da acção, será ou não assegurado pelos tribunais até ao
termo do processo.
Tal norma viola, pois, também, as normas dos art.ºs 20.°, n.ºs 1 e 4, 202.°, n.º
2, e 203.° da Constituição. Segundo ela, em matéria de recursos os cidadãos não
poderiam contar com a sujeição dos presidentes dos tribunais apenas à norma
jurídica de conteúdo bem determinado, mas sim a critérios pessoais de
conveniência dos respectivos titulares.”
Não se trata, porém, de um recurso de constitucionalidade “autónomo” dirigido a
esta decisão jurisdicional (e nessa medida passível de um tal recurso de
constitucionalidade); isto, embora numa passagem pareça ser exactamente isso que
pretende: “[n]os termos do disposto no art.º 70.º, n.º 3, da LTC, a decisão dos
presidentes dos tribunais superiores competentes para apreciar das reclamações
deduzidas ao abrigo do art.º 688.º do CPC, de não admissão dos recursos
interpostos para os mesmos tribunais superiores, é passível de recurso para o
Tribunal Constitucional.” Trata-se, antes, de uma reclamação quanto à não
admissão ou retenção do anterior recurso, em decisão dita de “não conhecimento”,
mas, até nos termos de anterior jurisprudência deste Tribunal (acórdãos n.ºs
486/05 e 505/05, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
correspondente a um indeferimento do requerimento de recurso para efeito do
disposto no n.º 4 do artigo 76.º e artigo 77.º da Lei do Tribunal
Constitucional.
Surge, pois, na sequência de um anterior recurso de constitucionalidade e
derivada deste: é o que se conclui não só de o reclamante não invocar qualquer
alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional que pudesse
fundar o recurso e, antes, pedir “a revogação do Despacho ora reclamado” (o que
não se compagina com o objectivo de um recurso, mas sim de uma reclamação), mas,
sobretudo, por se ter conformado com o entendimento do Vice-Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça que admitiu a remessa dos autos ao Tribunal
Constitucional como reclamação (e não ter reagido ao pedido de rejeição liminar
da reclamação, formulado pela reclamada).(…)»
E ainda que,
«(…)
Ora, como se tem dito em anterior jurisprudência – cfr. v. g. os acórdãos n.ºs
269/94 e 178/95 (publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
respectivamente, no 27.º vol., pp. 1165-1172, e no 30.º vol., pp. 1109-1119):
“este Tribunal nas reclamações, tendo nos autos elementos para isso, deve
decidir se sim ou não se verificam os demais pressupostos do recurso. Exige-o o
facto de a decisão que ele vier a proferir, quando revogue o despacho reclamado,
que é um despacho de indeferimento, fazer caso julgado quanto à admissibilidade
do recurso, como prescreve o artigo 77.º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional.”
Desta forma, o que está em causa na reclamação dirigida à não admissão (“não
conhecimento”) do recurso não é a reapreciação dos fundamentos dessa decisão,
mas a verificação da indevida preterição de um recurso de constitucionalidade.
(Neste sentido, v. g., Acórdãos n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, todos disponíveis
em www.tribunalconstitucional.pt, e os dois últimos também no DR, II Série, de
11 de Março de 1999 e de 15 de Novembro de 2000, respectivamente).
Assim, muito embora, nos termos e com as reservas já referidas, o reclamante
tenha procurado fundamentar a sua reclamação com a impugnação da
constitucionalidade de uma norma que estaria subjacente ao despacho de
indeferimento da arguição de nulidade (para a qual até formulou um preciso
sentido e fixou a origem legal no n.º 1 do artigo 689.º do Código de Processo
Civil), não será de tal norma que cuidará a indagação subsequente, por não ser
essa a actividade jurisdicional associada à decisão das reclamações, mas sim,
apenas, a da determinação da admissibilidade, ou não, do recurso de
constitucionalidade anteriormente interposto.
Caso estejam preenchidos os requisitos desse recurso, a reclamação será
deferida, o recurso admitido, e, então, o recorrente terá ocasião de produzir as
suas alegações sobre as questões de constitucionalidade nele suscitadas. Caso
não estejam preenchidos esses requisitos, a reclamação será indeferida, pouco
importando qual tenha sido a fundamentação da decisão reclamada. (…)»
Nada mais há agora a acrescentar, sendo certo que não é de admitir qualquer meio
impugnatório da decisão que se contém no Acórdão n.º 94/2006.
III. Decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com 15 (quinze) unidades de conta
Lisboa, 10 de Maio de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos