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Processo n.º 206/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. A., identificado nos autos, inconformado com o acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 2004 – que negou provimento ao recurso
por si interposto do despacho que indeferiu a arguição de nulidades da decisão
instrutória que o havia pronunciado pela prática de 3 crimes de difamação,
previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal –, e com o acórdão
do mesmo Tribunal de 26 de Janeiro de 2005, que indeferiu o requerimento de
arguição de nulidades daquele primeiro aresto, deles interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da
constitucionalidade das normas dos artigos 308.º, n.ºs 1 e 3, e 379.º, n.º 1,
alínea c), do Código de Processo Penal, e do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º
21/85, de 30 de Julho, “na dimensão normativa aplicada nos acórdãos recorridos”.
2. Em resposta ao convite do relator para especificar a dimensão/interpretação
dada às normas que pretendia ver apreciadas, apresentou o recorrente
requerimento de fls. 1405 a 1409, do seguinte teor:
«1. Sobre a dimensão/interpretação normativa referida no art.º 308.º, n.º 1 e 3,
do CPP, disse o recorrente:
1.1. Na motivação do recurso objecto do acórdão de 24.11.2004, conforme síntese
constante da respectiva conclusão 7ª:
É inconstitucional a norma aplicada no despacho instrutório extraída das
disposições conjugadas do art.º 308º, n.º 1 e 3, segundo a qual pode julgar-se
da suficiência de indícios de instrução criminal sem que, previamente, se
averigúe da existência de ilícito de qualquer natureza, e das causas de exclusão
de ilicitude criminal do art.º 31.º do Código Penal.
E, no corpo da motivação alegou o recorrente, sobre o sentido e alcance da norma
do art.º 308º n.º 1 e 3 do CPP:
Tal norma impõe ao juiz o dever de antes de qualquer outra indagação sobre
indícios de verificação de pressupostos de infracção criminal, decidir sobre
nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.
Tal imposição legal decorre:
Em primeiro lugar, da garantia constitucional de que aos tribunais incumbe
assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
(cfr. art.º 202.º, n.º 2, da CRP).
Em segundo lugar, da garantia constitucional de que o processo criminal assegura
todas as garantias de defesa do cidadão (cfr. art.º 31.º, n.º 1, da CRP).
Em terceiro lugar, da garantia constitucional da Tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações dos direitos, liberdades e garantias pessoais,
consagrada no art.º 20.º n.º 5 da CRP.
Assim:
A norma do art.º 308.º n.º 1 e 3, do CPP, entendida no sentido de que a omissão
de conhecimento de factos que consubstanciam causas de exclusão de ilicitude nos
termos do art.º 31.º do CP, não constitui questão prévia à verificação da
suficiência de indícios de infracção criminal; é inconstitucional por violar as
garantias dos supra referidos artºs. 20.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2,
da Constituição.
Tendo confirmado o despacho recorrido, arguido de nulo por omissão de pronúncia
sobre as causas de exclusão de ilicitude ao art.º 31.º do CP, sem se pronunciar,
concretamente, sobre cada uma das causas de exclusão de ilicitude alegadas na
motivação do recurso, o acórdão recorrido faz, ele próprio aplicação da
sindicada norma do art.º 308.º n.º 1 e 3, do CPP.
Esta norma fora aplicada no despacho instrutório que, pronunciando-se sobre
factos constantes da carta que constitui objecto do inquérito e da instrução,
omitiu pronúncia sobre o facto nela alegado de que a sua apresentação visa
cumprir o imperativo legal constante do art.º 88.º do Estatuto da Ordem dos
Advogados.
1.2. No requerimento de arguição de nulidade do acórdão recorrido, de
24.11.2004, o arguente manteve a alegação de que tal norma é inconstitucional no
respectivo n.º 4.1., a reproduzir aí, e no n.º 4.1.6, o teor da conclusão 7ª da
motivação de recurso para a Relação.
O acórdão de 26.1.2005, ao indeferir, nessa parte, a arguição de nulidade, sem
se pronunciar sobre a arguida omissão de pronúncia sobre as causas de exclusão
de ilicitude do art.º 31.º do CP, assacada ao acórdão de 24.11.2004, voltou a
fazer aplicação da sindicada norma do art.º 308.º, n.º 1 e 3, do CPP.
2. Sobre a dimensão/interpretação normativa referida no art.º 379.º n.º 1, c),
do CPP, disse o recorrente:
2.1. Na motivação do recurso objecto do acórdão de 24.11.2004, conforme síntese
constante da respectiva conclusão 6ª:
Impõe-se conhecer de cada uma e de todas as causas de justificação invocadas no
requerimento de fls. 1191/3, suprindo a nulidade do despacho instrutório, e
julgando-as procedentes.
E no corpo da motivação o recorrente alegou, no respectivo n.º 3, a título de
causas de justificação que antecedem as especialmente previstas no art.º 180.º,
n.º 1 do CP:
O conhecimento de tais causas de justificação constitui questão prévia
relativamente ao conhecimento de quaisquer outras previstas na parte especial do
Código.
As questões prévias do art.º 338.º do CPP, não são apenas as questões de
natureza adjectiva: são também questões de natureza substantiva como a amnistia,
a prescrição etc. (cfr. Maia Gonçalves, CPP, anotado, 13ª edição, p. 663).
As questões prévias devem ser apreciadas tão cedo quanto possível. Apreciar se
ocorrem causa de justificação do art.º 31.º do CP, traduz-se em saber se a
acusação se deve considerar manifestamente infundada (cfr. art.º 311.º do mesmo
diploma).
A pronúncia sobre as causa de exclusão de ilicitude constantes do art.º 31.º do
CP, foi, pois, entendida como uma exigência legal imposta pelo art.º 37.º, n.º
1, alínea c), do CPP, na sua interpretação conforme aos artº.s 20.º, n.ºs 1, 4 e
5, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205º da Constituição.
O acórdão de 24.11.2004, não se pronunciou sobre nenhuma dessas questões. E
também não se pronunciou sobre a suscitada questão da inconstitucionalidade da
dimensão normativa com que fora aplicado o art.º 308.º, n.º 1 e 3, do CPP.
2.2. No requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 24.11.2004, disse o
recorrente:
A aplicação das supra citadas normas dos art.ºs 179º n.º 1, alínea c), do CPP, e
668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2, do CPC, no sentido de o Tribunal dispor
do poder discricionário de resolver ou não, todas as questões que tenham sido
postas à sua apreciação, e de a decisão assim tomada se poder inscrever na ordem
jurídica, não é, obviamente, conforme à CRP. Pelo que essa dimensão normativa de
tais preceitos seria manifestamente inconstitucional.
Sobre a suscitada questão de inconstitucionalidade da norma do art. 308.º, n.º 1
e 3, nos termos sintetizados na conclusão 8.ª, o acórdão arguido é, também,
totalmente omisso. No entanto, o dever legal de apreciar e resolver tal questão
contém-se na previsão da norma do art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. Com
efeito, nos termos do art.º 72.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15.11, os tribunais
encontram-se obrigados a pronunciar-se sobre a suscitada questão de
inconstitucionalidade de normas paliçadas nas suas decisões. Conhecimento que,
aliás, é oficioso ex vi do artº 204º da Constituição.
2.3. Como se vê do acórdão de 26.1.2005, nenhuma das questões suscitadas no
requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 24.11.2004, por omissão de
pronúncia sobre as arguidas causas de exclusão e ilicitude do art.º 31.º do CP,
e sobre a suscitada questão de inconstitucionalidade da norma do art.º 308.º,
n.ºs 1 e 3, do CPP, foi aí apreciada.
Nele é, pois, feita aplicação do art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, com o
sentido de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver ou não, todas
as questões que tenham sido postas à sua apreciação e de a decisão assim tomada
se poder inscrever na ordem jurídica, e não com o sentido de o tribunal se
encontrar vinculado a pronunciar-se nos termos que decorrem da concretização do
disposto nos art.ºs 18º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202º, n.º 2, e 205º da
Constituição.
3. Sobre a dimensão/interpretação normativa do artº 4º, da Lei n.º 21/85, de 30
de Julho, disse o recorrente:
3.1. Na motivação do recurso objecto do acórdão de 24.11.2004 conforme síntese
constante da respectiva conclusão 2ª:
Tal indeferimento consubstancia aplicação das normas do art.º 4º, nº 1, da Lei
n.º 21/85, de 30.7, em desconformidade com a norma do art.º 16º, n.º 2 da
Constituição.
E, no corpo da motivação, o recorrente alegou que a falta de fundamentação de
facto e de direito do não conhecimento das alegadas causas de exclusão de
ilicitude do art.º 31º do CP, viola as normas do artº 97º, n.º 4, do CPP, a
prescrição do artº 4º, nº 1, da Lei 21/85, de 30.7., e a norma do artº 205º, nº
1 da Constituição.
3.2. No requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 24.11.2004, o
arguente manteve, no respectivo 4.1.3. a arguição de que a carência de
fundamentação para a omissão de pronúncia sobre as causas de exclusão de
ilicitude do artº 31º do CP, constitui violação das normas do artº 91 nº 4 da
prescrição do artº 4º, nº 1, da Lei nº 21/85, de 30.7 e a norma do artº 205º, nº
1, da Constituição da República.
3.3. Ora, o Tribunal da Relação em ambos os acórdãos recorridos, exerceu o poder
jurisdicional consignado no artº 4º, nº 1, da Lei 21/85, de 30.7., com o sentido
de que as normas permitem interpretação e aplicação das normas constitucionais e
legais sobre causas de exclusão de ilicitude penal, em desconformidade com a
norma do artº 16º, nº 2 da Constituição.»
3. Com interesse para a decisão importa reter as seguintes ocorrências
processuais:
a) B., S.A., C., D. e E., constituídos assistentes, imputaram a A. a prática de
quatro crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, 187.º e
183.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal, tendo a acusação particular sido
acompanhada pelo Ministério Público que qualificou a conduta do arguido como
preenchendo três crimes de difamação, previstos e punidos nos artigos180.º e
183.º, alínea a), e um crime de ofensa a pessoa colectiva, previsto e punido
pelo artigo 187.°, todos do Código Penal.
b) O arguido requereu a abertura da instrução, que culminou com a pronúncia pela
prática de três crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo180.º, n.º1,
do Código Penal.
c) Arguiu, então, o arguido a nulidade da decisão instrutória, nos termos de
fls. 1191 a 1193, o que foi indeferido por despacho de fls. 1200 e 1201.
d) Deste despacho interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra,
concluindo a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
«1ª – O indeferimento do requerimento de fls. 1191/3, não tem fundamento nem de
facto nem de direito: nenhumas causas de justificação invocadas nesse
requerimento foram apreciadas, e não se encontra motivada a decisão de
considerar estranhas ao objecto do processo as causas de justificação nos n.ºs 3
e 4 do dito requerimento, com violação da garantia do art.º 205.º, n.º 1 da
Constituição;
2ª – Tal indeferimento consubstancia aplicação das normas do art.º 4.º, n.º 1
da Lei n.º 21/85, de 30/7, em desconformidade com a norma do art.º 26.º, n.º 2
da Constituição;
3ª – Ao abrigo do disposto no art.º 669.º, n.º s 2 e 3 do CPC, aplicável ex vi
art.º 4º do CPP, pede-se que o tribunal a quo reforme a decisão recorrida de
fls. 1200;
Caso tal não aconteça,
4ª – Tem o presente recurso que subir imediatamente e com efeito suspensivo do
processo nos termos dos art.ºs 407.º, n.º 2 e 408.º, n.º 1, interpretados em
conformidade com as normas e princípios dos art.ºs 1.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º
5, 32.º, n.º 1 e 202.º, n.º 2 da Constituição.
5ª – A retenção do recurso por se entender que os referidos art.ºs do CPP não
têm a dimensão que o recorrente delas extrai, confere-lhes dimensão normativa
inconstitucional por violar as normas e princípios constitucionais da anterior
conclusão;
6ª – Impõe-se conhecer de cada uma e de todas as causas de justificação
invocadas no requerimento de fls. 1191/3, suprindo a nulidade do despacho
instrutório, e julgando-as procedentes;
7ª – É inconstitucional a norma aplicada no despacho instrutório extraída das
disposições conjugadas do art.º 308, n.ºs 1 e 3, segundo a qual pode julgar-se
da suficiência de indícios de infracção criminal sem que, previamente, se
averigue da existência de ilícito de qualquer natureza, e das causas de exclusão
da ilicitude criminal do art.º 31.º do Código Penal.
8ª – O suprimento das nulidades arguidas no requerimento de fls. 1191/3,
acarreta, necessariamente, a revogação da decisão instrutória.»
e) O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de Novembro de 2004,
negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido com os seguintes
fundamentos:
«Sendo as conclusões do recurso que delimitam o respectivo objecto, vemos que o
recorrente pretende, em primeiro lugar, a reforma do despacho de fls. 1200
[destaque nosso].
Este é do seguinte teor:
“Notificado da decisão instrutória de fls. 1179 e segs. (fls. 1188), veio o
arguido, requerente da instrução, arguir a nulidade de tal decisão por omissão
de pronúncia, nos termos alegados a fls. 1191 a 1193, invocando o disposto nos
Arts. 118º e segs., 379.º n.º 1, al. c); 122º, n.º 3 e 379, n.º 2 do Cód. Proc.
Penal e nos Arts.º 660º, n.º 2, 668º, n.º 1, al. d), 1ª parte 666. n.º 3 do Cód.
Proc. Civil.
A assistente pronunciou-se como consta de fls. 1199, alegando que a proceder a
matéria aduzida como tema da nulidade arguida haveria modificação essencial da
decisão, pelo que não poderia ser conhecida pela primeira instância, nos termos
dos art.s 380.º, n.º 1 al. b), e 379º do Cód. Proc. Penal, e que alguma das
matéria alegadas não têm pertinência para o “thema decidendi”.
Verifica-se a nulidade invocada pelo requerente “quando o tribunal deixa de se
pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (Art. 379º, n.º 1, al. c) do
Cod. Proc. Penal);
Art. 668, n.º 1 al. d) e 666º n.º 3 do Cod. Proc. Civil).
Estando em causa decisão instrutória, as questões que incumbe ao tribunal
apreciar são as relevantes para a decisão a que se refere o n.º 1 e o n.º 3 do
Art. 308º do Cód. Proc. Penal.
O objecto deste processo, como já aludido em anteriores despachos (fls. 917, in
fine; fls. 918 penúltimo parágrafo; fls. 1072), é delimitado pelos factos
alegados na acusação e no requerimento para abertura de instrução sumariados na
pág. 1 e 2 da decisão instrutória).
Alega o requerente que na decisão instrutória não foram apreciadas questões
relativas às causas de justificação que invocou no requerimento para abertura de
instrução.
A eventual verificação das causas de justificação invocadas foi apreciada na
decisão instrutória:
- no que respeita à intervenção do requerimento na qualidade de Advogado (n.º 5
do requerimento em que é arguida nulidade), cfr. página 4 da decisão;
- no que respeita aos interesses legítimos que o requerente pretenderia
satisfazer com a conduta que lhe foi imputada na acusação (n.ºs 1, 2, 6 e 7 do
requerimento em que é arguida nulidade), cfr. páginas 4 a 6, especialmente esta
última, da decisão instrutória – designadamente no que se refere aos direitos à
informação e de participação na vida da sociedade (que não foram exaustivamente
enunciados na decisão instrutória – como pretenderia o requerente: cfr. n.ºs 1,
2, 6 e 7 do requerimento em que é arguida a nulidade – nem tinham de o ser,
atento o objecto de tal decisão, já referido).
Não houve, portanto, omissão de pronúncia relativamente a tais questões.
Relativamente às questões suscitadas pelo requerente sobre os n.ºs 3 e 4,
trata-se de questões estranhas ao objecto deste processo e que portanto não
deveriam ser apreciadas na decisão instrutória, como não foram.
E da decisão instrutória [destaque nosso], na parte que ora interessa, consta:
Invoca o arguido a verificação de causas de justificação susceptíveis de excluir
a aparente ilicitude do seu comportamento.
Relativamente à causa de justificação a que se refere o Art. 154º, n.º 3, do
Cód. Proc. Civil, excludente da ilicitude criminal nos termos do Art.º 31.º, n.º
1, do Cód. Penal (alegada nos artigos 30º a 32º do requerimento para abertura de
instrução, a fls. 785-6), como já referido a fls. 916-917 a propósito da alegada
verificação de excepção de prescrição, importa notar que os factos alegados na
acusação em que se fundamenta a conclusão pela prática de crimes pelo requerente
são apenas os referentes à carta – “fax” de 26 de Março de 2001 e não também os
relativos às peças processuais subscritas pelo arguido enquanto Advogado e na
defesa dos interesses que nessa qualidade tinha o dever de representar.
Alega também o requerente que se verifica a causa de justificação a que se
refere o n.º 2 do Art. 180º do Cód. Penal, nos termos do qual, “a conduta não é
punível quando:
a) a imputação foi feita para realizar interesses legítimos e
b) o agente provar a veracidade da imputação ou tiver fundamento sério para, em
boa [fé] a reputar verdadeira.”
Os pressupostos da referida causa de justificação são cumulativos, como
claramente resulta da letra da citada disposição legal.
Alega o requerente (artigos 33º e seguintes do requerimento, a lis. 786 e segs.)
que é verdade que as medidas propostas em acção de recuperação de empresa se
basearam no balanço de 31 de Julho de 1999, como referiu na carta – “fax”, o que
é confirmado pelo teor dos documentos de fls. 954 e seg.s e pelo depoimento da
testemunha Maia Pinto e relatório pelo mesmo apresentado – fls. 1144-1145 e fls.
1110 e seg.s.
Alega também ser verdade que o balanço em causa (de que foi junta cópia a fls.
798-800 e incluído no já referido relatório) é falso e que tinha fundamento
sério para assim o considerar e para concluir que os assistentes tinham firmado
tal balanço (artigos 340 a 460 do requerimento, a fls. 786 e seg.s).
Não permitem os elementos dos autos extrair conclusões quanto à veracidade ou
falsidade do documento em causa, com o sentido pressuposto no Art. 256º do Cód.
Penal, questão essa que está em investigação em sede própria na sequência das
várias denúncias apresentadas pelo ora arguido (cfr. certidão de fls. 947 e
seg.s. esp. fls. 949, 959, 995 e seg.s. e 1045).
Admite-se, no entanto, que o arguido pudesse, em boa fé, concluir que o que
consta do referido balanço não correspondia à realidade, face às pelo menos
aparentes irregularidades na elaboração do mesmo e as discrepâncias que na
análise que fez constatou entre o conteúdo de tal balanço e o de outros
documentos e que apontou a fls. 787 a 793 (cfr., p. ex.º: a discrepância entre o
que consta do documento de fls. 938 a 943 e o de fls. 798 a 800 no que respeita
à rubrica “dívidas a accionistas”; doc. De fls. 1096 e seg.s relativamente à
qualidade de administradores dos assistentes – cfr. o alegado pelo arguido a
fls. 1082).
Porém, ainda que se entenda resultarem dos aludidos elementos dos autos indícios
da verificação do pressuposto da causa de justificação a que se refere a citada
alínea b) do n.º 2 do Art. 180º do Cód. Penal (fundamento sério para em boa fé
reputar verdadeira a imputação), não pode considerar-se também indiciada a
verificação do requisito exigido pela alínea a): ter sido a imputação feita para
realizar interesses legítimos.
Para que possa afirmar-se a verificação de tal pressuposto da causa de
justificação importa que exista um interesse legítimo do agente e que a
imputação seja adequada e necessária à realização de tal interesse. Com efeito,
para além da letra da repetidamente citada alínea a) do n.º 2 do Art. 180º do
Cód. Penal, importa também ter presente que está em casa ponderação de
interesses, com os limites de adequação e necessidade a que se refere o Art 18º
n.º 2 da Constituição da República Portuguesa uma vez que está em causa a
compressão de direito fundamental (o direito ao bom nome e reputação: Cfr. Art.
26º da Constituição da República Portuguesa).
Como resulta do contexto em que se inserem as afirmações reproduzidas na
acusação (cfr. cópia integral da carta-“fax” junta a fls. 5 a 8 e cópias de
cartas anteriores a fls. 1174 e segs.), os interesses legalmente tutelados que o
arguido pretenderia exercer são os relativos aos seus direitos à informação e à
participação nas assembleias gerais enquanto accionista da assistente sociedade
e nos termos estabelecidos no Cód. das Sociedades Comerciais, designadamente nas
disposições citadas no artigo 33º do requerimento para abertura de instrução
(direitos que têm, anota-se, uma abrangência limitada, como resulta, i.a., dos
Art.ºs 21º, al.s b) e e) e 288º e seg.s do Cód. das Sociedades Comerciais)
Ora, não se vê qual a relação, designadamente de adequação e necessidade, entre
as afirmações que o arguido fez constar da carta-“fax” e que são susceptíveis de
ofender a honra dos assistentes e o exercício dos aludidos direitos à informação
e à participação na vida da sociedade.
Em conclusão, não se indicia a verificação de circunstâncias susceptíveis de
excluir a ilicitude criminal dos factos descritos na acusação susceptíveis de
consubstanciar a prática pelo arguido do crime previsto e punido pelo Art.
180.º, n.º q, do Cód. Penal, sendo portanto efectiva a possibilidade de
condenação em sede de julgamento.”
Pela transcrição acabada de efectuar verifica-se que na decisão instrutória
foram analisadas as causas de exclusão da ilicitude alegadas pelo recorrente.
Há que salientar que a instrução tem por finalidade a “comprovação judicial da
decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou
não a causa a julgamento” (art.º 286º, n.º 1), sendo “formada pelo conjunto dos
actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo” (art.º 289.º), devendo ser
praticados todos os actos com vista à finalidade assinalada (art.º 290.º n.º 1,
todos normativos citados do Cod. Proc. Penal).
Ora, o recorrente encontrava-se acusado pela prática de quatro crimes de
difamação, p. e p. pelos art.s 180.º, 187.º e 183.º, n.º 1, al.s a) e b) do Cod.
Penal.
Veio a ser pronunciado pela prática de três crimes do mesmo tipo legal, mas pela
previsão do art.º 180.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
O recorrente foi pronunciado por ter enviado a carta “fax” em que afirmava a
existência de um falso balanço da assistente que teria determinado as medidas de
reestruturação financeira.
Ora o que pretendia com o requerimento objecto de recurso são factores estranhos
ao tipo legal de crime e que não são excludentes da sua responsabilidade
criminal.
Com efeito, o direito ou não de obter resposta por parte do Presidente da Mesa
da Assembleia Geral, as relações entre advogados, são elementos perfeitamente
despiciendos, perante aquilo que o recorrente afirmou na carta referida no
despacho de pronúncia.
As causas de justificação encontram-se devidamente analisadas, de acordo com o
disposto no art. 180.º, n.º 2 do Cod. Penal.
E não há qualquer omissão de pronúncia, pois a decisão é perfeitamente
explícita, observando todas as provas produzidas, estando, ao contrário, do que
pretende, totalmente fundamentada. Só se compreende a alegada falta de
fundamentação por se pretender esgrimir com todos os argumentos possíveis e
imaginários, o que é natural para um profissional forense que se vê pronunciado.
Mas também esse mesmo vector teria de se ter em consideração para que o
recorrente avaliasse da justeza do decidido.
Isso reflecte-se nas conclusões que formula: pede que se reforme a decisão e
caso tal não aconteça se supra a nulidade do despacho instrutório, julgando
procedentes as causas de justificação invocadas.
A este Tribunal só compete decidir sobre o despacho recorrido, revogando ou
confirmando o seu conteúdo, não sendo admissível pronunciar-se sobre a decisão
instrutória que pronunciou o recorrente não atacável por via do recurso
interposto, como pretende na 7ª conclusão.
Tanto se afigura como suficiente para mostrar a sem razão do recurso.»
f) Pelo requerimento de fls. 1368 a 1379 arguiu o arguido a nulidade do acórdão,
por omissão de pronúncia, e pediu a sua reforma, invocando, além do mais, que
neste aresto foi aplicado o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de
Processo Penal, e 668.º, n.º1, alínea d), e 660.º, n.º 2, do Código de Processo
Civil, com o sentido de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver ou
não, todas as questões que tenham sido postas à sua apreciação e de a decisão
assim tomada se poder inscrever na ordem jurídica, e não com o sentido de o
tribunal se encontrar vinculado a pronunciar-se nos termos que decorrem da
concretização do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202.º,
n.º 2, e 205.º da Constituição.
g) Por acórdão de 26 de Janeiro de 2005 foi indeferida a pretensão do arguido,
por se ter entendido que as causas de justificação encontram-se devidamente
analisadas, de acordo com o disposto no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal, e
não se verificar qualquer omissão de pronúncia, nem a consequente nulidade.
4. Entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso, sendo caso de
proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro, por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do
tipo de recurso em causa.
Com efeito, o recurso de constitucionalidade interposto com fundamento na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso,
para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, pressupõe a aplicação
pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta
norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação,
mediatizada pela decisão recorrida.
5. Não obstante a falta de clareza do requerimento de fls. 1405 a 1409 no que
toca à concretização do objecto do recurso é ainda possível apreender que o
recorrente pretende a apreciação das seguintes questões de constitucionalidade:
a) Do artigo 308.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, entendido no
sentido de que a omissão de conhecimento de factos que consubstanciam causas de
exclusão de ilicitude nos termos do artigo 31.º do mesmo código, não constitui
questão prévia à verificação da suficiência de indícios de infracção criminal,
por violar as garantias dos supra referidos artigos 20.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, e
202.º, n.º 2, da Constituição.
b) Do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, com o sentido
de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver ou não, todas as
questões que tenham sido postas à sua apreciação e de a decisão assim tomada se
poder inscrever na ordem jurídica, e não com o sentido de o tribunal se
encontrar vinculado a pronunciar-se nos termos que decorrem da concretização do
disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202.º, n.º 2, e 205.º, da
Constituição.
c) Do artigo 4.º, nº 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho, com o sentido de que as
normas permitem interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais
sobre causas de exclusão de ilicitude penal, em desconformidade com a norma do
artigo 16.º, n.º 2, da Constituição
Porém, os arestos recorridos não aplicaram as normas em causa com a
interpretação invocada pelo recorrente, como se passa a demonstrar.
6. Quanto à primeira questão – a da norma do artigo 308.º, n.ºs 1 e 3, do Código
de Processo Penal –, tal como o recorrente a coloca, está em causa a sua
aplicação com a interpretação de que “a omissão de conhecimento de factos que
consubstanciam causas de exclusão de ilicitude nos termos do artigo 31.º do
mesmo código, não constitui questão prévia à verificação da suficiência de
indícios de infracção criminal”.
Este entendimento implicaria, pois, que o tribunal pudesse concluir pela
suficiência de indícios de infracção criminal e pronunciar o arguido sem que
antes indagasse da existência de causas de justificação.
Com se referiu no acórdão da Relação de 24 de Novembro de 2004, “a instrução tem
por finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de
arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (artigo
286.º, n.º 1), sendo “formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz
entenda levar a cabo” (artigo 289.º), devendo ser praticados todos os actos com
vista à finalidade assinalada (artigo 290.º n.º 1, todos normativos citados do
Código de Processo Penal).
No caso, o recorrente veio a ser pronunciado pela prática de três crimes de
difamação, previstos e punidos pelo artigo 180.º, n.º1 do Código Penal, “por ter
enviado a carta “fax” em que afirmava a existência de um falso balanço da
assistente que teria determinado as medidas de reestruturação financeira”.
O acórdão recorrido acolheu o entendimento sufragado pelo despacho recorrido de
fls. 1200 [que transcreveu], de que “a eventual verificação das causas de
justificação invocadas foi apreciada na decisão instrutória: - no que respeita à
intervenção do requerente na qualidade de Advogado (...); - no que respeita aos
interesses legítimos que o requerente pretenderia satisfazer com a conduta que
lhe foi imputada na acusação (...), e que as questões suscitadas pelo requerente
sob os n.ºs 3 e 4 são estranhas ao objecto deste processo e que portanto não
deveriam ser apreciadas na decisão instrutória, como não foram.
E, acrescentou-se:
«Ora o que [o recorrente] pretendia com o requerimento objecto de recurso são
factores estranhos ao tipo legal de crime e que não são excludentes da sua
responsabilidade criminal.
Com efeito, o direito ou não de obter resposta por parte do Presidente da Mesa
da Assembleia Geral, as relações entre advogados, são elementos perfeitamente
despiciendos, perante aquilo que o recorrente afirmou na carta referida no
despacho de pronúncia.
As causas de justificação encontram-se devidamente analisadas, de acordo com o
disposto no art. 180.º, n.º 2 do Cod. Penal.»
Ou seja, no acórdão de 24 de Novembro de 2004, assim como no de 26 de Janeiro de
2005, que indeferiu as nulidades imputadas ao primeiro, considerou-se que foram
analisadas todas as questões que poderiam constituir causas de justificação e
tomou-se ainda posição sobre os demais factores invocados pelo recorrente.
O que sucedeu foi que as decisões recorridas adoptaram um entendimento diverso
do pretendido pelo recorrente, pois consideraram que as questões relacionadas
com “o direito ou não de obter resposta por parte do Presidente da Mesa da
Assembleia Geral” e “as relações entre advogados” eram elementos estranhos aos
factos que o recorrente afirmou na carta referida no despacho de pronúncia.
Neste contexto, não é correcta a afirmação de que as decisões recorridas
omitiram ou perfilharam o entendimento de que poderia ser omitido o conhecimento
de factos que consubstanciavam causas de exclusão de ilicitude, previamente à
conclusão da existência de indícios suficientes da infracção criminal. Os
arestos decidiram tais questões, mas em sentido diverso do pretendido pelo
recorrente.
7. Quanto à questão interpretativa da norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c),
do Código de Processo Penal, resulta das decisões recorridas que a mesma não foi
aplicada com o sentido de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver
ou não, todas as questões que tenham sido postas à sua apreciação, pois os
arestos recorridos entenderam ter havido pronuncia sobre as questão colocadas,
tendo em vista o objecto do processo e as finalidades da instrução. A
circunstância de o não terem feito no sentido pretendido pelo recorrente não
integra nem podia integrar a dimensão normativa em causa.
De resto, a questão de saber se as decisões recorridas conheceram efectivamente
de todas as questões é matéria que diz respeito à validade da própria decisão
recorrida e ao mérito dos seus fundamentos, que não cabe no recurso de
constitucionalidade, que é reportado a normas e não às decisões em si mesmas
consideradas.
8. No que se reporta à norma do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho,
a decisão recorrida não se fundamentou neste preceito e muito menos o aplicou
com o sentido de que permite interpretação e aplicação das normas
constitucionais e legais sobre causas de exclusão de ilicitude penal em
desconformidade com a norma do artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, nem tal
faria sentido, porque, o preceito em causa visa afirmar o estatuto de
independência da magistratura judicial – consignando que “Os magistrados
judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a
ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das
decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores” –, e decidir
uma questão relativa à verificação de causas de exclusão da ilicitude em sentido
contrário ao pretendido pelo recorrente, não cabe, ainda que remotamente, no
âmbito de aplicação do preceito em causa.
9. Em face do exposto, ao abrigo do n.º1 do artigo78.º-A da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de
conta.”
2. O recorrente apresentou um requerimento em que arguiu nulidades
desta decisão e sustenta que deve conhecer-se do objecto do recurso de
constitucionalidade, por razões que resume nas seguintes conclusões:
“1ª- O recorrente tem direito a uma decisão jurisdicional de mérito do Tribunal
Constitucional; o acto notificado é inválido por cominação do artigo 3º, n.º 3,
da Constituição.
2ª- Constitui imperativo constitucional que seja mandado notificar o recorrente
para apresentar alegação, e, subsequentemente, se conheça do objecto do recurso,
também por força do princípio da máxima efectividade das normas constitucionais,
e da garantia constitucional do artº 32º, nº 1, da Constituição.
3ª- A falta de cumprimento da norma do artigo 704º, nº 1, do CPC, acarreta a
nulidade processual do artigo 201º, nº 1, do mesmo código, cujo suprimento se
requer, também para que se cumpram os princípios dos artºs. 8º, nº 3, e 9º, n.º
1, do Código Civil, e 224º, nº 3, da Constituição.
4ª- O acto notificado não tem natureza jurisdicional, mas sim administrativa,
por impedimento constitucional de a lei ordinária criar órgãos jurisdicionais
não previstos na Lei Fundamental, sendo inconstitucional a norma do primeiro
segmento do artigo 78.º-A, nº 1, da LTC.
5ª- O acto notificado é nulo nos termos do artigo 134º, nº 2, do CPA, não
obstante o disposto no artº 78º-A, nº 3, da LTC, impondo-se a sua substituição
por outro que cumpra a norma do artigo 704º, nº 1, do CPC.
6ª- O acto notificado faz errada apreciação da factualidade processual ao
concluir que as normas arguidas de inconstitucionalidade não foram aplicadas nas
decisões recorridas.”
O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
“1- A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério.
2- Assim – e em primeiro lugar – nada se alega de relevante, que seja
susceptível de abalar os fundamentos da douta decisão reclamada, no que toca à
evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto.
3- Relativamente às ficcionadas nulidades invocadas, apenas cumpre salientar
que:
- a norma constante do artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil não é
aplicável no domínio do processo constitucional, como aliás, a jurisprudência
deste Tribunal Constitucional vem entendendo reiteradamente;
- carece obviamente de sentido a invocação do “direito a uma decisão de mérito”,
face à inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso;
- é verdadeiramente aberrante a qualificação como “administrativa” de uma
decisão proferida, em processo constitucional, por um juiz conselheiro do
Tribunal Constitucional.”
3. Apesar de o recorrente não o qualificar expressamente como tal, o
requerimento agora apresentado deve ser considerado como consubstanciando
reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, que
é o meio legalmente previsto para reagir contra a decisão sumária e fazer valer
o tipo de argumentos apresentados.
4. Porém, a reclamação não pode obter provimento, sendo manifestamente
destituídas de fundamento todas as questões que o reclamante suscita.
4.1. Em primeiro lugar, não procede a arguição de nulidade fundada na violação
do direito de audição previamente à decisão sumária de não conhecimento do
objecto do recurso, que o reclamante retira do n.º 1 do artigo 704.º e do n.º 3
do artigo 3.º do Código de Processo Civil, nem enferma de inconstitucionalidade
a norma do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC que atribui ao relator competência para
proferir tal decisão. Quer num, quer noutro aspecto, é esta a jurisprudência
constante do Tribunal (cf., por ex., os acórdãos n.ºs 19/99, 80/99, 550/99,
567/99, 223/01, 265/02, 266/02 e 26/04 e 65/2006. Estes dois últimos foram,
aliás, proferidos para apreciar pretensão do ora reclamante).
Como o Tribunal tem constantemente afirmado, as normas constitucionais sobre
competência, organização, funcionamento do Tribunal Constitucional não vedam ao
legislador a possibilidade de criar, considerando a necessidade de
flexibilização do funcionamento do Tribunal, perante recursos que não satisfazem
os necessários pressupostos e requisitos formais ou que são manifestamente
infundados, um processo de tomada de decisão que assente, em primeira mão, e
para o tipo de questões previstas no artigo 78º-A, n.º 1, numa decisão singular.
Decisão esta, aliás, que não se torna definitiva, quando o recorrente reclame,
cabendo então a palavra final à conferência (por unanimidade) ou ao pleno da
secção.
Na verdade, a decisão sumária, prevista no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do
Tribunal Constitucional, tem lugar perante questões relativas à possibilidade de
conhecimento do recurso ou a questões simples, por terem sido objecto de decisão
anterior do Tribunal ou por serem manifestamente infundadas, justificando-se por
uma evidente razão de economia processual, sem qualquer diminuição do conteúdo
garantístico do processo constitucional. Com efeito, fica sempre aberta ao
recorrente a possibilidade de reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 –
apresentando as razões da discordância com a decisão sumária – e, se não se
obtiver unanimidade dos juízes intervenientes na conferência, a decisão caberá
ao pleno da secção.
A afirmação do recorrente de que uma decisão tomada pelo relator a quem o
processo foi distribuído, ao abrigo deste regime legalmente estabelecido no
(sub)capítulo da LTC relativo aos processos de fiscalização concreta é um “acto
não jurisdicional e de natureza administrativa” não tem qualquer vislumbre de
seriedade. É “verdadeiramente aberrante”, como diz o Exmo. Procurador-Geral
Adjunto, a qualificação como “administrativa” de uma decisão tomada no processo
por um juiz do Tribunal, no exercício da função jurisdicional, pela forma
processual legalmente prevista, para resolver uma questão de que lhe cumpre
conhecer.
Nestas condições, não pode considerar-se o regime desse artigo
78º-A, n.º 1, como violador das normas constitucionais que regulam a organização
e funcionamento do Tribunal.
Por outro lado, como constitui jurisprudência constante do Tribunal de que o já
referido acórdão n.º 26/2004 proferido perante idêntica arguição pelo mesmo
recorrente é exemplo, não constitui nulidade a não audição prévia do recorrente
antes de proferida decisão sumária pelo relator, porque essa audição não é acto
legalmente imposto. A decisão sumária prevista na LTC tem uma disciplina
especial e unitária para as situações de não conhecimento e para as decisões de
julgamento sumário do objecto do recurso, não tendo aplicação o disposto no n.º
1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil.
No artigo 78.º-A da LTC está prevista a possibilidade de o relator, nos casos aí
descritos, proferir decisão sumária sem audição prévia das partes. E nada obsta
a que o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, regule de modo
diverso meios processuais paralelos, desde que assegurados os direitos
fundamentais das partes, particularmente os direitos ao contraditório e a um
processo equitativo. Estes estão assegurados pela reclamação a que se refere o
n.º 3 do mesmo artigo 78.º-A, que proporciona ao recorrente oportunidade para
exposição de razões que, no seu entendimento, deveriam conduzir ao conhecimento
do objecto do recurso ou contrariam a decisão de considerar a questão
controvertida como simples ou manifestamente infundada.
Improcedem, pois, as razões que se condensam nas 3ª, 4ª e 5ª
conclusões da reclamação.
4.2. Não decorre de quaisquer normas constitucionais, designadamente daquelas
que o recorrente invoca (artigos 32.º n.º 1, 202.º n.º 2, 204.º, 221.º, 277.º
n.º1 e 280.º n.º 1 da Constituição) a imperatividade de uma decisão que, em todo
e qualquer caso, mande notificar o recorrente para apresentar alegação, nem o
direito a uma decisão que conheça do objecto do recurso independentemente da
verificação dos respectivos pressupostos processuais. O conhecimento do objecto
do recurso de constitucionalidade depende da verificação dos correspondentes
pressupostos e requisitos, nomeadamente daqueles que a própria Constituição
estabelece ou habilita a lei a estabelecer (cfr., no que caso interessa, a
alínea b) do n.º 1 e o n.º 4 do artigo 280.º da Constituição). Ora, a decisão
reclamada fundou-se precisamente na falta do primeiro desses pressupostos de
admissibilidade do recurso interposto: que o recurso tenha por objecto norma que
tenha integrado a ratio decidendi da decisão impugnada. Só a demonstração de que
é erróneo o juízo da decisão sumária sobre a inverificação desse pressuposto –
que, aliás, é daqueles menos propícios a zonas de indeterminação onde possam
desempenhar papel efectivo os princípios processuais que o recorrente invoca –
está errado poderia levar a rever a decisão reclamada.
Tanto basta para julgar improcedentes as conclusões 1ª e 2ª da
reclamação.
4.3. Por último, acompanha-se a apreciação da realidade processual
feita pela decisão reclamada ao concluir que os acórdãos recorridos não fizeram
aplicação do sentido indicado pelo recorrente relativamente a cada uma das
normas que identificou no requerimento de interposição e na resposta ao convite
que lhe foi dirigido nos termos do artigo 75.-A da LTC. Neste domínio, o
recorrente nada de novo alega que seja susceptível de abalar os fundamentos ou
que exija um suplemento de justificação da decisão sumária.
Apenas porque o recorrente atribui a decisão, nesta parte, a lapso de
interpretação do que alegou perante o tribunal a quo, acrescentar-se-á que de
nenhum ponto dos acórdãos recorridos se pode extrair que os juízes que os
subscrevem perfilharam o entendimento do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de
30 de Julho, no sentido de que os juízes não estão obrigados a fundamentar as
suas decisões ou de que não estão vinculados à lei e à Constituição.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o
reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades
de conta.
Lisboa, 27 de Abril de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício