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Processo n° 1009/2005
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A. e como
recorrida o Banco B., SA, é submetido à apreciação do Tribunal Constitucional a
norma do artigo 863° do Código Civil, interpretada no sentido de “sendo a mesma
entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma (...), o
trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a
créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma”.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu
do seguinte modo:
I) O Recorrente entende que a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça,
proferida no Acórdão, ora recorrido, sobre a aplicação da figura da remissão
abdicativa, no decurso da relação laboral do Recorrente, é inconstitucional. Com
a celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho, foi estipulado uma
compensação pecuniária que, como se provou, se destinou apenas a compensar a
perda de rendimentos advenientes da passagem à reforma.
II) Ainda assim, o Tribunal entendeu que os créditos reclamados na presente
acção judicial se encontravam remitidos pela quitação incluída no acordo.
Contudo, há que ter em atenção que o Recorrente desconhecia a existência dos
créditos ora reclamados, e que não pôde alterar qualquer cláusula do acordo,
além de que se encontrava numa relação laboral profundamente degradada, e sabia
que era a sua entidade patronal quem lhe iria fixar o valor da sua reforma.
III) Assim, no caso dos autos, considera-se inconstitucional a aplicação do
art.° 863° do Código Civil no decurso da relação laboral, porquanto o Recorrente
assinou o referido “acordo” no decurso da sua relação laboral, ou seja, em 28 de
Setembro de 2001, para produzir efeitos em 1 de Novembro de 2001 (factos
assentes B)), violando, assim, o art. 59°, n° 1 a) da CRP.
IV) Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2 1/09/2004, supra
transcrito.
V) Por isso, o Recorrente entende que será sempre, inconstitucional, por
violação dos art.°s 59º, nº 3, e nºs 1 e 4 do art.° 63° da Constituição, a
interpretação que determina que sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o
contrato de trabalho e a reforma (discricionária quanto ao momento e montante),
o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a
créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma, sendo
obviamente nulo e de nenhum efeito o acordo em contrário.
VI) Ora, a questão fundamental aqui é saber se a cláusula de quitação contida no
“Acordo” abrangia os créditos reclamados na presente acção.
VII) Após alguma divergência entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da
Relação de Lisboa quanto à forma de cessação do contrato de trabalho do ora
Recorrente – por caducidade ou por revogação – o Supremo Tribunal de Justiça
veio dar razão ao Recorrente, no sentido de considerar que, através do “acordo”,
o contrato de trabalho cessou por caducidade.
VIII) Contudo, mantém a interpretação que o art.° 8° da LCCT é aplicável ao caso
dos autos, integrando, assim, a figura da remissão abdicativa.
IX) Ora, cumpre-nos desde já discordar desta interpretação.
X) Na realidade, a invalidez reconhecida ao Recorrente resulta do ACTV!
XI) A reforma dos bancários é a que resulta do ACTV!!!
XII) As condições e o quantum da reforma é questão diversa!!!!
XIII) E foi isto que foi objecto do “Acordo” de cessação do contrato.
XIV) Por isso parece pacífico que o contrato de trabalho terminou por
caducidade!!!
XV) Aliás, como muito bem é referido no parecer do Prof. Doutor Pedro Romano
Martinez, supra transcrito.
XVI) Por outro lado, encontra-se provado o seguinte nos presentes autos:
“SS) Numa reunião da Administração da ré com a Comissão de Quadros e Técnicos
Reformados que teve lugar em Maio de 2002, o Presidente do Conselho de
Administração da ré, Sr. Dr. C. referiu que os montantes constantes dos Acordos
semelhantes ao especificado nas Alínea B) e C) foram para compensar a perda de
rendimentos que adviria com a passagem à reforma antes dos 65 anos”.
XVII) Ou seja, está provado que os valores atribuídos a título de compensação
destinavam-se exclusivamente a compensar a perda de rendimentos adveniente da
passagem à reforma antes dos 65 anos. Como se pode, então, afirmar, que nesse
valor está também incluído o valor de recalculo da isenção de horário de
trabalho?
XVIII) Tanto mais que o Recorrente desconhecia a existência do referido crédito,
pelo que é impossível dar quitação de algo que desconhece existir, quanto mais
não seja, por motivos de boa fé.
XIX) Ora, é mais que óbvio que a compensação não inclui o valor peticionado na
presente acção, pelo que não pode ser, em caso algum, procedente a remissão
abdicativa alegada pela Recorrida.
XX) Como bem se pronunciou o Senhor Professor Doutor Monteiro Fernandes (página
8 do referido parecer).
XXI) Pelo que, não é aceitável a construção elaborada no Acórdão, que considerou
estarmos perante uma verdadeira remissão abdicativa.
XXII) Caso contrário, o art. 8º n.° 4 da LCCT seria absolutamente
inconstitucional, por violação do art. 59º, n.° 3 da Constituição.
XXIII) Pois se o trabalhador não tem liberdade para reclamar créditos, porque
continua ao serviço da entidade empregadora e estamos perante uma desigualdade
entre as partes, onde está a tutela do salário, prevista no art° 59º, 3 da
Constituição?
XXIV) Por outro lado, no caso dos autos, estamos perante uma relação jurídica
“sui generis” que não pode ser ignorada e que determina a prevalência de uma das
partes sobre a outra.
XXV) É a mesma entidade jurídica que tutela a relação laboral e que vem tutelar
a relação previdencial, o que permite, desde já, afirmar a posição que não
existe liberdade negocial, nem contratual, sendo aberrante aceitar‑se que, no
decurso da relação laboral, o trabalhador possa renunciar a créditos salariais.
XXVI) Ora, é inconstitucional a posição que admite que o trabalhador, no decurso
da relação laboral, pode renunciar a todos e quaisquer créditos laborais.
XXVII) Na realidade, quando o A. requereu o depoimento de parte da Administração
da Ré, na pessoa do seu Presidente, pretendia, obviamente, que esta fosse
confrontada com a afirmação proferida na reunião havida com a Comissão de
Quadros e Técnicos Reformados, onde for expressamente declarado que os montantes
constantes dos Acordos de Rescisão eram meras compensações pecuniárias face à
perda de rendimentos que advém entre a data da “invalidez’ simulada e os 65
anos, data efectiva da Reforma, nos termos do ACTV.
XXVIII) Aliás, e de acordo com o mui bem elaborado parecer do Prof.° Doutor
António Monteiro Fernandes, a fis 10, passa-se a citar:
“...apesar da Jurisprudência do STJ ter por vezes, considerado que estipulações
deste tipo podem integrar a figura da “remissão abdicativa” por parte do
trabalhador. Todavia, essa opinião tem assente no pressuposto de se tratar de
acordos posteriores à cessação do contrato, o que não sucede no caso sob
análise. Cfr., por exemplo, o Ac. do STJ 6/6/94. em Ac. Dout. 396, 1461.”
XXIX) E continuando a citar:
“provou-se nos autos que a chamada “compensação global” teve por finalidade
atenuar o prejuízo (a “perda de rendimentos”) resultante de o empregado deixar
de receber a sua remuneração para passar a auferir uma “mensalidade de reforma”
diminuída pelo facto de não ter atingido a idade da reforma por velhice (65
anos)”
XXX) E concluindo.
“A estipulação, no acordo analisado, da “compensação pecuniária de natureza
global” a pagar pelo CCP ao seu empregado não é de molde a preencher o substrato
factual da presunção estabelecida pelo art.° 8°/4 do DL 64-A/89”
XXXI) E,
“Em consequência, não está o trabalhador impedido de exigir e fazer valer
eventuais créditos emergentes do contrato de trabalho a que, com o mencionado
acordo, se quis por termo.
XXXII) Pelo que não houve remissão abdicativa, e não se encontra extinta a
obrigação da Recorrida.
XXXIII) Tal como muito doutamente se sustenta no AC RL de 26.02.2003
(www.dgsi.pt).
XXXIV) Atente-se em recente acórdão do Tribunal Constitucional – acórdão
600/2004, DR n.° 277, de 25 de Novembro de 2004, onde esta questão, similar à
dos autos foi tratada de modo claro:
“... Também não releva o facto de serem eventualmente possíveis outros
enquadramentos jurídicos para a situação: assim, «se o credor abdica do seu
direito por troca de uma prestação diferente, que recebe no acto da abdicação,
não há entre as partes uma remissão, mas uma dação em cumprimento» (pode ler-se
em Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., Coimbra, 1981, p.
216). E, no entender de João Leal Amado (A Protecção do Salário, Coimbra, 1993,
pp. 223 e 224), «a remissão (...) pressupõe que o credor conhece o seu direito,
tem consciência da sua existência, sabe que ele ainda se encontra insatisfeito,
e pressupõe, também, que o credor quer extinguir esse crédito, tem vontade de o
abandonar, de dele se demitir (...). Acontece que nada disto se passa, em
princípio, com as declarações ora em apreço. Ao contrário: o trabalhador
emite-as porque desconhece a existência de qualquer crédito seu ainda por
satisfazer – ao declarar nada mais ter a exigir da entidade patronal, ele não
pretende extinguir o seu crédito, ele julga que o seu crédito já se encontra
extinto (...). Não há aqui, portanto, a mínima intenção de renunciar ao que quer
que seja – não estamos, afinal, perante uma declaração de vontade, mas antes
perante uma mera declaração de ciência».
XXXV) Bem como, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21/09/2004.
XXXVI) Ora, chegamos, agora, ao cerne da questão, ou seja, saber se é
inconstitucional a aplicação do art.° 863° do Código Civil no decurso da relação
laboral, porquanto o Recorrente assinou o referido “acordo» no decurso da sua
relação laboral, ou seja, em 28 de Setembro de 2001, para produzir efeitos em 1
de Novembro de 2001 (factos assentes B)), e, consequentemente, se a figura da
remissão abdicativa, nos presentes autos, é inconstitucional.
XXXVII) Em primeiro lugar, e reafirmando o supra exposto, há que ter em atenção
que estamos perante um caso sui generis.
XXXVIII) A entidade patronal é a mesma que fixa as condições de reforma.
XXXIX) Ou seja, é a mesma entidade patronal que regula a relação laboral, que
fixa as condições de reforma e que, como não bastasse, regula a relação
previdencial!
XL) No mesmo “acordo” em que termina a relação laboral com o trabalhador, mas
celebrado, ainda, no decurso da relação laboral, a sua entidade patronal
fixou-lhe as condições da reforma!!!
XLI) Pelo que, a capacidade de negociação do trabalhador está fortemente
diminuída e condicionada.
XLII) Em segundo lugar, não estamos a tratar de uma qualquer dívida, mas sim de
créditos, salariais, não se podendo obviar a questão de que o salário está
relacionado com questões de ordem pública e social.
XLIII) Em terceiro e último lugar, ao aplicar o art.° 863° do CC à obrigação da
entidade patronal de pagar o salário ao seu trabalhador, violou‑se o disposto no
art.° 59°, 1, a) da Constituição – inconstitucionalidade que ora se argúi, com
as legais consequências, dado a inexistência de liberdade contratual em face do
enquadramento factual aplicável ao caso sub judice.
XLIV) Ora, e ainda que se considere – erradamente – que o autor já não se
encontrava numa situação de subordinação jurídica psicoloqicamente inibidora da
reclamação dos créditos reclamados na presente acção, a verdade é que essa
subordinação tanto existia que o “acordo” foi assinado em 28 de Setembro de
2001, para produzir efeitos em 1 de Novembro de 2001 (factos assentes B)).
XLV) No decurso da relação laboral!
XLVI) Nestes casos, como se vem ponderando na jurisprudência e na doutrina,
nomeadamente no acórdão do STJ, de 24.11.04, disponível em www.stj.pt, supra
transcrito.
XLVII) Por último se dirá que, relativamente a esta problemática da remissão
abdicativa, urge citar o Prof. Vaz Serra, em “Remissão, reconhecimento negativo
de dívida e contrato extintivo de relação obrigacional bilateral”, BMJ, n° 43,
bem como interessará também citar o mesmo Ilustre Professor, expressamente
quanto à quitação, no seu estudo “Do cumprimento como modo de extinção das
obrigações”, BMJ, n° 34, pág. 175 e 176.
XLVIII) Por outro lado, e em concordância com o acima dito, Francisco Manuel de
Brito Pereira Coelho, em “A Renúncia Abdicativa no Direito Civil (algumas notas
tendentes à definição do seu regime).
XLIX) Assim, os princípios enunciados mostram-se aplicáveis ao caso dos autos,
na medida em que nele está em discussão a verificação de créditos que a Ré não
reconhece sequer que existam e que, a verificar-se agora, por força da decisão a
proferir, que existem, não se vê como pudesse ser o objecto de uma remissão
abdicativa numa declaração de quitação, ainda que “genérica” como a do n° 3 da
Cláusula Quarta do Acordo.
L) Por fim, e de acordo com o supra alegado, o Recorrente tem direito ao
recalculo da isenção de horário de trabalho, para que seja integrado na mesma as
importâncias auferidas a título de prémios de produtividade e mérito, senhas de
gasolina, cartão de crédito para utilização pessoal com plafond anual, uso
pessoal do carro de serviço e as comparticipações nos lucros, uma vez que esse
direito não se encontra extinto pela percepção da quantia global outorgada com o
“acordo”, nem pela suposta declaração remissiva contida no mesmo documento.
LI) Quer a atribuição de prémios de produtividade e mérito, senhas de gasolina,
cartão de crédito para utilização pessoal com plafond anual, uso pessoal do
carro de serviço e as comparticipações nos lucros, constitui retribuição, nos
termos e para os efeitos do art.° 249° do Código do Trabalho.
LII) Assim, e tendo em atenção o prescrito no ACTV, assim como aquilo que consta
do Parecer da Inspecção-Geral do Trabalho, a isenção de horário de trabalho tem
de ser calculada sobre a remuneração mensal efectiva do trabalhador, e não sobre
vencimento base e diuturnidades, pelo que, estando provado o carácter de
retribuição das prestações supra referidas, não pode senão entender-se, como fez
a sentença do Tribunal de 1ª Instância, que todas aquelas têm de ser incluídas
no cálculo da isenção de horário de trabalho.
LIII) Assim sendo, as prestações recebidas a título de retribuição integram –
obviamente – o conceito de remuneração mensal efectiva. Como bem se pronunciou o
Senhor Inspector-Geral do Trabalho, no parecer junto com a petição inicial como
documento 1, se a R. liquida o valor da isenção de horário de trabalho com base
apenas no vencimento base e diuturnidades, faz os cálculos com base na
retribuição mínima mensal, e não com base na retribuição mensal efectiva, o que
viola claramente o disposto no ACTV.
LIV) Prevendo o ACTV uma forma especial de cálculo da isenção de horário de
trabalho, com base na retribuição mensal efectiva, e não com base na retribuição
mínima mensal, deve a Recorrida liquidar o valor correspondente à diferença
entre o valor efectivamente pago a título de isenção de horário de trabalho e o
valor que deveria ter sido liquidado a esse título.
LV) Além disso, se o valor pago ao Recorrente, a título de senhas de gasolina
para uso pessoal, de cartão de crédito para uso pessoal, prémio de produtividade
e mérito, etc., integra o conceito de retribuição, obviamente, passa a ter
tutela da lei, dado o seu carácter periódico e constante ao longo dos anos.
LVI) Se é retribuição não pode ser retirado e resulta da lei, pelo que, também,
com este fundamento deve integrar o cálculo da IHT.
LVII) Por fim e quanto à suposta declaração remissiva, atente-se no parecer
junto aos autos, e subscrito pelos Senhores Professor Doutor Romano Martinez e
Dr. Guilherme Dray (pg. 31).
LVIII) No caso dos autos, o “prémio” pago pela Recorrida não teve qualquer
ligação com eventuais créditos salariais, sendo apenas e tão só uma compensação
pecuniária que visou compensar a perda de rendimentos entre a idade da reforma
do Recorrente e os 65 anos, idade legal de reforma, que se operou por força da
reforma antecipada do Recorrente.
LIX) E se a compensação pecuniária atribuída não tem natureza global, não
engloba todos os créditos. Ou seja, a presunção constante do art.° 8º, 4 da LCCT
(que nem sequer seria de aplicar ao caso, por estarmos perante uma caducidade do
contrato, e não uma pura rescisão por mútuo acordo) está plenamente ilidida.
LX) Por fim, e contrariamente ao que tem sido entendido pelas várias instâncias
judiciais, no presente processo, o Recorrente não teve qualquer outra opção que
não fosse a de optar pela reforma.
LXI) Aliás, retirar as funções a um trabalhador, e responder-lhe que se não
quiser esperar que lhe sejam atribuídas funções pode sempre reformar-se é um
claro mobing, até porque não estamos a falar de uma espera de dias ou mesmo
semanas – pois tinham passado meses, e a situação parecia não ter resolução num
futuro próximo.
LXII) Pelo que, e nessa medida, o Recorrente foi, de facto, coagido a assinar o
referido “acordo”, nos termos estipulados pela Requerida, sem qualquer
possibilidade de negociação.
LXIII) Pelo exposto, o Acórdão de que ora se recorre, ao aplicar o art. 863° do
CC, violou o disposto no artigo 59°, 1, a) da Constituição.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ter provimento,
e o art. 863° do Código Civil considerado inconstitucional por violação do art.
59° n° 1 a) da CRP, se aplicado no decurso das relações laborais e sendo a
entidade jurídica que tutela a relação laboral a mesma que, posteriormente, vem
a tutelar a relação previdencial, com as legais consequências.
A recorrida contra-alegou, pugnando o não provimento do recurso e juntando três
acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa para demonstração da existência de uma
declaração de renúncia abdicativa.
O recorrente, por sua vez, veio, nos termos do artigo 526º do CPC, responder aos
referidos documentos, sustentando a sua não aplicação ao caso sub judice.
A recorrida requereu, então, o desentranhamento do requerimento do recorrente
por ser processualmente inadmissível, nos termos dos artigos 517º, nº 2, 542º,
543º, nº 1 e 554º, nº 1, todos do Código Civil.
2. O Tribunal Constitucional já apreciou questão substancialmente idêntica à
que constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Com efeito, no Acórdão n° 600/2004 o Tribunal Constitucional decidiu não julgar
inconstitucional a norma do n.° 1 do artigo 863° do Código Civil, quando
aplicada a um acordo de remissão complementar do da cessação de um contrato de
trabalho por reforma antecipada do trabalhador, fundada em invalidez.
Para tanto, entendeu o Tribunal o seguinte:
6. Entende o recorrente que a inconstitucionalidade de tal norma resulta da sua
contrariedade ao disposto nos artigos 17.° e 59.º, n.° 1, alínea a), da
Constituição, mas apenas na medida em que o contrato de remissão seja celebrado
entre um trabalhador e a sua entidade patronal por ocasião da cessação do seu
contrato de trabalho.
Não se vê, porém, como é que a possibilidade de o credor remitir a dívida por
contrato com o devedor, nessas condições (isto é, por ocasião da cessação do
contrato, ou, mais precisamente: antes de operar a caducidade do contrato de
trabalho mas para produzir efeitos depois desta), possa contender com o direito
à “retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade”,
consagrado na alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição, mesmo admitindo
que, nos termos do igualmente invocado artigo 17.° da Lei Fundamental, o regime
de direitos, liberdades e garantias lhe seja aplicável.
Aliás, o já referido regime do n.° 4 do artigo 8.° da Lei da Cessação do
Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, correspondente ao
artigo 394°, n.° 4, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 99/03, de 27 de
Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003) contém, no que importa, uma
estatuição de efeitos semelhantes à que ora está em causa, e nunca foi julgado
inconstitucional. Precisando melhor, a recondução da declaração de quitação
total (transcrita no n.° 1 do Relatório) ao instituto da remissão abdicativa,
afastado que foi o seu enquadramento na compensação pecuniária de natureza
global prevista naquele dispositivo, em razão de o contrato de trabalho ter
cessado por caducidade (decorrente de invalidez) e não de acordo de cessação do
contrato de trabalho por acordo entre trabalhador e entidade patronal, não
altera a sua compatibilização constitucional.
Ora, só se percebe a imputação de inconstitucionalidade ao regime da remissão
desde que se pressuponha uma série de circunstâncias qualificativas desse
contrato: que o credor (o trabalhador) tenha direito a importâncias que excedem
as que o devedor (a entidade patronal) lhe paga a troco dessa declaração de
total quitação, e que a declaração de vontade do credor (trabalhador) não seja
plenamente esclarecida quanto aos direitos que lhe assistem, ou, sendo-o, não
seja totalmente livre (por ser condicionada pela necessidade ou interesse de
receber a parte da dívida que o devedor – a entidade patronal – se dispõe a
pagar-lhe). Esse é, aliás, o sentido do parecer junto aos autos, se bem que
omisso quanto à desconformidade constitucional de um entendimento diverso.
Porém, tirando o facto de, perante estas circunstâncias, a declaração do credor
(o trabalhador) poder ser anulável por erro ou, mesmo, nos termos do artigo
282.° do Código Civil, e de, em todo o caso, ser incerto o direito às prestações
que o trabalhador se arroga (por o tribunal não ter chegado a avaliá-lo), a
eventual lesão a tal direito sempre decorreria da concorrência dessas condições,
e não, só por si, da norma a que se pretende imputá-la.
7. Acresce que a protecção dos direitos do trabalhador, que se invoca para
pretender excluir a remissão abdicativa da esfera pós‑relação laboral, impediria
que estes formulassem por si o juízo sobre a celebração de tais contratos, sem
que se imponha, legal ou constitucionalmente, qualquer presunção de que o seu
juízo livre e informado – quando o não seja a ordem jurídica faculta-lhes
mecanismos de invalidação de tais contratos – lhes será necessariamente
prejudicial, com a concomitante imposição de uma indisponibilidade restritiva da
liberdade contratual de ambas as partes.
Além disto, como se pressupõe no regime do artigo 8° do Regime Jurídico aprovado
pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, e como alega o recorrido, com a dissolução do
vínculo laboral (por caducidade, no caso dos autos) tende a dissipar-se a
situação de subordinação jurídica e económica que justifica a indisponibilidade
de (certos) direitos do trabalhador – como, aliás, demonstra, por exemplo, a
solução adoptada na matéria, próxima, da prescrição (só os direitos disponíveis
são prescritíveis), a qual não é admissível no decurso do contrato de trabalho,
mas se torna possível depois da cessação deste (cf. J. Leal Amado, ob. cit. pp.
216-217) –, aproximando‑se decisivamente a situação do credor/ex-trabalhador
face ao devedor/ex-entidade patronal da situação de outros credores face a
outros devedores (em que pode igualmente existir uma diferença fáctica de poder
económico).
E, obviamente, pelo menos na falta de circunstâncias qualificativas (que não
estão aqui em causa), a norma impugnada não é inconstitucional – nem o
recorrente pretende que seja – na sua aplicação a todos esses casos de outros
credores.
Conclui-se, pois, que não subsiste qualquer fundamento para a
inconstitucionalidade da interpretação normativa impugnada.
Tais considerações são aplicáveis nos presentes autos.
O recorrente desenvolve, porém, argumentos no sentido de demonstrar a
inconstitucionalidade do artigo 8°, n° 4, da Lei da Cessação do Contrato de
Trabalho. No entanto, uma vez que tal preceito não integra o objecto do presente
recurso de constitucionalidade, já que não foi indicado no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, não pode o Tribunal
Constitucional ponderar tais considerações.
Por outro lado, a circunstância de a entidade que “tutela a relação laboral” ser
a mesma que “tutela a relação previdencial” não influencia o juízo de não
inconstitucionalidade a formular, já que de modo algum os termos do acordo
celebrado poderão influenciar o exercício do direito à reforma do recorrente.
Assim, remete-se para a fundamentação do Acórdão n° 600/2004
(www.tribunalconstitucional.pt), concluindo-se pela não inconstitucionalidade da
norma do artigo 863º do Código Civil interpretada no sentido de ser aplicável a
um acordo complementar do da cessação de um contrato de trabalho.
3. Quanto ao pedido de desentranhamento do requerimento do recorrente,
afigura‑se inútil, em face do presente julgamento.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido;
b) Indeferir o requerimento de fls. 1066 e 1067.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 UCs
Lisboa, 2 de Maio de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos