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Processo nº 842/05
2ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., B. e C., todos identificados nos autos, recorrem para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão proferido
pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 5 de Julho de 2005, que
negou provimento ao recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido pela
3ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo, do mesmo STA, que, por seu
lado, negara provimento aos recursos contenciosos interpostos pelos mesmos
recorrentes do despacho n.º 40/2000, de 29 de Março, do Presidente do Tribunal
de Contas, que aprovou a lista de transição de pessoal para o Corpo Especial de
Fiscalização e Controlo, nas carreiras de Auditor, Consultor, Técnico
Verificador Superior e Técnico Verificador, do quadro da Direcção Geral do
Tribunal de Contas.
2 – Os recorrentes pedem a apreciação da questão de inconstitucionalidade da
norma constante do art. 32º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 440/99, interpretada na
acepção de “distinguir entre os titulares de cargos dirigentes da Direcção Geral
do Tribunal de Contas (beneficiando os contadores-gerais e os contadores chefes
e excluindo os outros cargos dirigentes da regra automática de transição para as
carreiras do corpo especial)”, pretextando que a mesma viola “o princípio da
igualdade previsto no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, uma vez
que a distinção operada não tem qualquer fundamento material razoável, objectivo
e racional”.
3 – Alegando sobre o objecto do recurso, no Tribunal Constitucional, os
recorrentes concluíram o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
«1ª O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Pleno da
Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em 5 de
Julho de 2005, na parte em que negou provimento ao recurso jurisdicional
interposto pelos Recorrentes, aplicando a norma constante do art. 32º, n.º 3 do
Decreto-Lei n.º 440/99, de 2 de Novembro;
2ª Entendem, no entanto, os Recorrentes que a mencionada norma – que foi
aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo -, ao distinguir entre os
titulares de cargos dirigentes da Direcção-Geral do Tribunal de Contas
(beneficiando os contadores-gerais e os contadores-chefes e excluindo os outros
cargos dirigentes da regra automática de transição para as carreiras do corpo
especial) é inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no
art. 13º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a distinção
operada não tem qualquer fundamento material razoável, objectivo e racional.
3ª Com efeito, diferentemente da regra geral de transição prevista nos números 1
e 2 do art. 32º do Decreto-Lei n.º 440/99, de 2 de Novembro, a regra de
transição ínsita no n.º 3 do art. 32º daquele diploma, assenta não num critério
funcional, mas num critério orgânico, em termos tais que a transição para as
carreiras de auditor e consultor opera de forma automática em virtude da
titularidade de um cargo dirigente, in casu, os cargos de contador-geral ou de
contador-chefe;
4ª Ora, o que surpreende nesta norma é o facto de a mesma restringir os tipos de
cargo dirigente – apenas se aplica aos cargos de contador-geral ou de
contador-chefe -, excluindo outro tipo de cargos dirigentes – como é o caso dos
cargos de director de serviços e de chefe de divisão – sem que se consiga apurar
o critério que determinou que somente os detentores daqueles cargos fossem
contemplados na previsão da norma;
5ª Aliás, ao dispor nesse sentido, a norma do art. 32º, n.º 3, do Decreto-Lei
n.º 440/99 acaba mesmo por violar o princípio previsto no art. 30, n.º 2, al. M)
da Lei n.º 98/97, de acordo com o qual, todo o pessoal dirigente da
Direcção-Geral (e dos serviços de apoio das secções regionais), sem excepção,
deveria integrar o corpo especial de fiscalização e controlo.
6ª Não foi este, no entanto, o entendimento do Tribunal “a quo”. Com efeito, de
acordo com o Acórdão recorrido, a distinção entre os titulares de cargos
dirigentes da DGTC, prevista na norma do n.º 3 do art. 32º do Decreto-Lei n.º
440/99, fundar-se-ia numa alegada diferença de conteúdo funcional entre os
cargos de contador-geral/director de serviços e contador-chefe/chefe de divisão;
7ª Ora, e salvo o devido respeito, ao distinguir o cargo de contador-geral e de
contador-chefe dos cargos de director de serviços e chefe de divisão com base
numa alegada diferença entre funções de apoio técnico-operativo e funções
instrumentais, o Tribunal recorreu a conceitos que, claramente, não existiam –
pelo menos com esse sentido -, na DGTC antes da entrada em vigor do Decreto-Lei
n.º 440/99;
8ª Exemplo do que se acaba de dizer é, desde logo, o facto de à data da entrada
em vigor do Decreto-Lei nº 440/99 existirem contadores-gerais e
contadores-chefes na DGTC também com funções instrumentais;
9ª Com efeito, basta atentar na Contadoria-Geral dos Serviços Administrativos e
no Gabinete de Estudos que eram chefiados por contadores-gerais e cujas
contadorias estavam a cargo de contadores-chefes (cfr. Artigos 3º, números 1 e
2, 4º do Decreto-Lei n.º 56/79, de 29 de Março, e artigos 26º e 29º do
Decreto-Lei n.º 478/80, de 15 de Outubro).
10ª O que acabámos de escrever decorre dos próprios diplomas aplicáveis, não
carecendo, portanto, de prova;
11ª Houve assim dirigentes que, independentemente do tipo de funções exercidas,
foram desde logo abrangidos pela regra de transição automática prevista no n.º 3
do art. 32º do Decreto-Lei n.º 440/99, ou seja os contadores-gerais e
contadores-chefes, enquanto que outros dirigentes, como os Recorrentes, não o
foram simplesmente porque a denominação do seu cargo dirigente era diferente
daqueles;
12ª Não existe, assim, nenhum fundamento material para a diferença de tratamento
prevista na norma do n.º 3 do art. 32º do Decreto-Lei n.º 440/99 entre os cargos
de contador-geral e contador-chefe e director de serviços e chefe de divisão,
respectivamente;
13ª O arbítrio da distinção efectuada é tanto ou mais evidente quando se
constata que a criação de cargos dirigentes com a denominação específica de
contador-geral e contador-chefe na DGTC tem a sua origem na história do próprio
Tribunal e dos seus serviços de apoio, tendo-se tentado, ao longo dos anos, que
estes cargos fossem equiparados a director de serviços e chefe de divisão;
14ª Deste modo, a norma do art. 32º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 440/99 é
inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13º da
Constituição.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis e com o douto suprimento de V.
Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso de constitucionalidade
e revogar-se o acórdão recorrido, com a todas as legais consequências».
4 – Por seu lado, a autoridade recorrida contra-alegou defendendo o juízo de
não inconstitucionalidade, feito pelo acórdão recorrido, e concluindo do
seguinte modo:
«1ª - Os nºs 1, 2, 3, 4 e 6 do DL n.º 440/99, aprovam o critério de
transição para as carreiras do corpo especial de fiscalização e controlo da
DGTC, ou seja, as carreiras de auditor, consultor e de técnico verificador
superior.
2ª - A normação contida naquele preceito legal respeita à transição para
as aludidas carreiras dos técnicos superiores.
3ª - O n.º 3 do mesmo normativo legal contém uma presunção legal, qual
seja a de que, do facto da titularidade dos cargos de contador-geral e
contador-chefe por técnicos superiores, deve retirar-se a ilação inilidível de
que estes exercem as funções das referidas carreiras do corpo especial de
fiscalização e controlo, previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 32º daquele diploma
legal.
4ª - O recorrente A. esteve sempre ligado aos serviços de informática, a
recorrente B., aos serviços de biblioteca e arquivo e o recorrente C., aos
serviços de gestão de pessoal (cfr. Acórdão, al. G) da matéria de facto dada
como assente, pág. 16).
5ª - Estes recorrentes não exerciam, pois, funções de controlo,
auditoria da gestão financeira (referida al. G) da matéria de facto dada como
assente).
6ª - As funções dos cargos de contador-geral e contador-chefe integram
as áreas dos departamentos de apoio técnico operativo, diferentemente das
funções dos recorrentes, uma vez que estas se inscrevem nas áreas dos
departamentos de apoio instrumental (cfr. Art. 30º, n.º 2, als. A) a c) da Lei
n.º 98/97, de 26/8, e art. 5º, n.º 2, als. A) a e) do DL n.º 440/99).
7ª - A transição prevista no n.º 3 do art. 32º do DL n.º 440/99,
assenta, como igualmente assentam as previstas nos nºs 1 e 2 do mesmo preceito,
num “critério funcional” e não, como em erro pretendem os recorrentes, em
qualquer “critério orgânico” (artigos 30, nºs 2, als. A), b) e c) da Lei nº
98/97, e artigos 5º, nºs 2, 3 e 4 e 32º, nºs 1, 2, 3, 4 e 6 do DL n.º 440/99).
8ª - Face ao que antecede, o pressuposto material necessário da
transição para as carreiras do corpo especial de fiscalização e controlo da DGTC
é o exercício de funções de apoio técnico-operativo, por técnicos superiores,
presumindo-se que as exercem os técnicos superiores titulares dos cargos de
contador-geral e contador-chefe.
9ª - Os recorrentes pretendem discutir neste alto Tribunal, através das
conclusões 8ª e 9ª do seu recurso, matéria de facto que não foi firmada na
instancia competente para a apreciar, pelo que dela não pode conhecer-se nesta
sede restrita que é à matéria de direito, no domínio da constitucionalidade da
norma aplicada pelo acórdão recorrido.
10ª - O n.º 3 do artigo 32º DL n.º 440/99, mostra-se em conformidade com o
princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, n.º 1, da CRP, tratando por
igual situações funcionais iguais e distintamente as desiguais, improcedendo, em
consequência, o vício de inconstitucionalidade que lhe foi assacada pelos
recorrentes.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso».
5 – Na parte útil à compreensão da questão de constitucionalidade, o acórdão
recorrido discreteou do seguinte modo:
«Como resulta da alínea g) da matéria de facto fixada, os Recorrentes A. e B.
eram directores de serviços e o Recorrente C. era terceiro chefe de divisão, o
primeiro sempre ligado aos serviços de informática, a segunda aos serviços de
Biblioteca e Arquivo e o terceiro ao Serviço de Gestão do Pessoal, não exercendo
funções de controlo, auditoria ou gestão financeira.
No que concerne a estes Recorrentes, o acto recorrido negou a sua transição
para a carreira de consultores do corpo especial de fiscalização e controlo,
como pretendem, por entender que não preenchiam o pressuposto da regra de
transição prevista no n.º 2 do art. 32º do Decreto-Lei n.º 440/99 de as funções
que exerciam serem consideradas “funções de consultadoria para apoio directo ao
Tribunal e às equipas de auditoria no âmbito dos demais serviços”.
A primeira questão colocada por todos estes Recorrentes é a de que o
transcrito nº 3 do art. 32º é materialmente inconstitucional, por ofender o
princípio da igualdade, pelo que o acto recorrido, que o aplicou, enferma de
vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
No art. 13º da C.R.P. estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos
perante a lei.
Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o
tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados
igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os
que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas
discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento
material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam
distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e
racional.
No caso em apreço, os Recorrentes defendem que o referido n.º 3 do art. 32º
tem carácter discriminatório por restringir os tipos de titulares de cargos
dirigentes que transitam para as carreiras de auditor e consultor,
designadamente limitando essa transição aos titulares de cargos de
contador-geral e de contador-chefe e não abrangendo os titulares de outros tipos
de cargos dirigentes, como é o caso dos cargos de director de serviço e de chefe
de divisão.
As carreiras de auditor e consultor para que, nos termos do referido n.º 3 do
art. 32º, transitavam os técnicos superiores que desempenhassem, há mais de três
anos, funções de contador-geral e de contador-chefe, são «carreiras altamente
qualificadas» em que são executadas funções de controlo e consultadoria de alto
nível [art. 30º, nº 2, alínea a), b) e c), da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto,
que o Decreto-Lei n.º 440/99 desenvolveu].
Sendo assim, justificava-se que para a transição para aquelas carreiras fosse
exigida uma prévia experiência profissional em funções de controlo e
consultadoria, pois ela era, presumivelmente, uma garantia da aptidão
profissional necessária para o exercício dessas exigentes funções.
E, consequentemente, terá justificação bastante a distinção entre os
funcionários que exerciam e não exerciam, antes da reestruturação dos serviços
de apoio do Tribunal de Contas operada pelo Decreto-Lei nº 440/99, funções nas
áreas de controlo e consultadoria.
4 – Assim, a questão de saber se ocorre violação do princípio constitucional
da igualdade reconduz-se a apurar se existia ou não no conteúdo funcional dos
cargos de contador-geral e contador-chefe actividade naquelas áreas de controlo
e consultadoria que não existisse nos outros cargos de dirigentes,
designadamente os de director de serviços e chefe de divisão.
Nos termos dos arts. 26.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 478/80, de 15 de Outubro,
que reestruturou o quadro de pessoal da Direcção-Geral do Tribunal de Contas,
aos contadores-gerais competia dirigir, coordenar e orientar as actividades das
contadorias-gerais como unidades orgânicas de apoio técnico ao Tribunal de
Contas e aos contadores-chefes competia a direcção da contadoria que lhe estiver
confiada, em articulação com as outras contadorias, segundo a orientação
definida pelo respectivo contador-geral.
No acórdão recorrido, entendeu-se, que
– na sequência da entrada em vigor da Lei nº 86/89, de 8/9, que
aprovou a reforma do Tribunal de Contas, foi proferido o Despacho DP n.º 217/91,
de 30/9, do respectivo Presidente, no qual se definem as atribuições das
Contadorias de Contas, da Contadoria-Geral do Visto e do Gabinete de Estudos
donde ressalta a função de auxiliar de forma directa o Tribunal de Contas no
exercício das suas funções de controlo financeiro (arts. 1º a 3º do Anexo II do
referido Despacho)»;
– as funções dos directores de serviços e chefes de divisão do
quadro da Direcção-Geral do Tribunal de Contas não se inscrevem na área da
competência fiscalizadora e de controle financeiro do Tribunal. São antes,
funções de natureza instrumental não directamente ligada àquelas áreas, as quais
constituem o núcleo da competência material do Tribunal de Contas;
– que o Recorrente A. esteve sempre ligado aos sucessivos organismos
que, dentro do Tribunal, asseguram a organização e gestão informática dos
respectivos serviços, exercendo funções completamente diferentes das do
contador-geral;
– que a Recorrente B. directora de serviços do Serviço da
Biblioteca, Documentação e Arquivo Histórico da Direcção-Geral do Tribunal de
Contas e antes chefe de divisão do Arquivo-Geral e Biblioteca da DGTC, e que o
respectivo conteúdo funcional é muito diverso das categorias de contador-geral
ou de contador-chefe;
– que o Recorrente C. era chefe de divisão da Divisão de Formação e
do anterior Serviço de Gestão de Pessoal, funções meramente instrumentais que
não têm a ver essencialmente com a área de fiscalização e controle.
Isto é, entendeu-se no acórdão recorrido que os cargos de contador-geral e
contador-chefe tinham, efectivamente, na estrutura funcional da Direcção-Geral
do Tribunal de Contas, conteúdos funcionais distintos dos cargos de director de
serviços e chefe de divisão.
Trata-se, aqui, de juízos formulados no acórdão recorrido sobre o conteúdo
funcional efectivo dos cargos referidos, não formulados com base na
interpretação de normas legais e, por isso, a sua correcção não pode ser
controlada por este Pleno, que, no presente recurso jurisdicional tem poderes de
cognição limitados a matéria de direito. Pela mesma limitação dos poderes de
cognição desta formação, não tendo sido dados como provados os factos que os
Recorrentes afirmam (nas conclusões 6.ª e 7.ª das suas alegações), não podem
eles ser tidos em conta na apreciação dos recursos.
A equiparação entre os cargos de contador-geral e contador-chefe para efeitos
de vencimentos, não significa uma identidade de conteúdo funcional nem impõe uma
igualdade de tratamento para efeitos de transição de carreiras em que o que
releva é a adequação da experiência funcional anterior ao conteúdo funcional das
novas carreiras.
Por outro lado, o facto de a alínea m) do n.º 2 do art. 30º da Lei n.º 98/97
estabelecer que o pessoal dirigente da Direcção-Geral e dos serviços de apoio
das secções regionais integra o corpo especial de fiscalização e controlo
previsto na alínea a), não impõe que todos o pessoal dirigente transite para as
carreiras de auditor ou consultor, pois naquele corpo especial inclui-se também
a carreira de técnico verificador, como se refere na alínea a) do mesmo número.
Sendo assim, em face dos juízos de facto formulados pela Secção no acórdão
recorrido, tem de se considerar assente que existia, efectivamente, uma
diferença de conteúdo funcional, a nível de apoio directo às funções de controlo
levadas a cabo pelo Tribunal de Contas, entre os cargos de contador-geral e
contador-chefe, por um lado, e as dos cargos de directores de serviços e de
chefes de divisão, por outro, pelo que não se pode afirmar que a distinção entre
esses cargos, para efeitos de transição, consubstanciada no art. 32º do
Decreto-Lei n.º 440/99, careça de justificação objectiva e racional, pois é
compreensível que, na determinação dos termos em que se deverá efectuar a
transição de funcionários para novas carreiras, se atenda à realidade da sua
anterior actividade funcional e à preparação que ela presumivelmente proporciona
para o exercício das funções próprias dessas novas carreiras,
Assim, não pode considerar-se materialmente inconstitucional o referido n.º 3
do art. 32º, pelo que o acto recorrido não enferma do vício de violação de lei
que os Recorrentes jurisdicionais lhe imputam.
[…]».
Cumpre conhecer do recurso.
B – Fundamentação
6 – Como resulta do relatado, os recorrentes impugnam constitucionalmente a
norma constante do art. 32º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 440/99, de 2 de Novembro
(diploma que aprovou o estatuto dos serviços de apoio do Tribunal de Contas), na
medida em que tal preceito distingue, dentre os titulares de cargos dirigentes
da Direcção-Geral do Tribunal de Contas – entre os quais se contam os cargos de
directores de serviço e de chefes de divisão, exercidos pelos recorrentes –, e
para efeitos de transição automática para as carreiras de auditor ou consultor,
os actuais técnicos superiores que sejam titulares, há mais de três anos, do
cargo de contador-geral ou de contador-chefe.
Entendem os recorrentes que o preceito em causa excluiu “sem fundamento
material razoável, objectivo e racional” da regra automática de transição para
as carreiras do corpo especial de auditor e consultor dos serviços de apoio do
Tribunal de Contas os titulares de cargos de director de serviços (exercidos
pelos primeiros dois recorrentes) e de chefe de divisão (exercido pelo último
recorrente) que tal como os titulares do cargo de contador-geral e de
contador-chefe pertenciam à categoria de técnicos superiores e detinham essa
qualidade há mais de três anos (desde 1995) e que tal exclusão afronta o
princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição.
O artigo 32º do Decreto-Lei n.º 440/99, em que se integra a norma
constitucionalmente sindicada, dispõe do seguinte jeito (transcreve-se a
totalidade do artigo para melhor apreensão do sentido da norma questionada, dado
a mesma se apresentar como uma adição normativa relativamente às situações
reguladas nos números anteriores para a transição automática para as carreiras
de auditor e consultor):
«Artigo 32.º
Transição do pessoal técnico superior
1 – Os actuais assessores principais, assessores e técnicos superiores
principais, todos com nove ou mais anos de serviço na carreira técnica superior,
com a classificação de Muito bom, que exerçam funções no âmbito dos serviços
operativos de fiscalização prévia e de fiscalização sucessiva transitam para a
carreira de auditor para escalão correspondente ao tempo de serviço detido na
carreira que exceda nove anos.
2 – Os actuais assessores principais, assessores e técnicos superiores
principais, todos com nove ou mais anos de serviço na carreira técnica superior,
com classificação de Muito Bom, que exerçam funções de consultadoria para apoio
directo ao Tribunal e às equipas de auditoria no âmbito dos demais serviços
transitam para a carreira de consultor para escalão correspondente ao tempo de
serviço detido na carreira que exceda nove anos.
3 – Transitam ainda para as carreiras de auditor ou consultor os
actuais técnicos superiores que sejam titulares, há mais de três anos, do cargo
de contador-geral ou de contador-chefe.
4 – Os técnicos superiores não abrangidos nos números anteriores que
realizem auditorias e outras acções de controlo ou que desenvolvam funções de
consultadoria para apoio ao Tribunal e às equipas de auditoria transitam para a
carreira de técnico verificador superior de acordo com a tabela de transição
constante do mapa anexo ao presente diploma».
Reflectindo sobre o estado actual da substancialidade do problema da
igualdade, e com ponderação da doutrina e jurisprudência nacionais e
estrangeiras, afirmou-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003
(publicado no Diário da República I Série-A, de 17 de Junho de 2003),
recuperando, em diversos passos do seu discurso, abundante argumentação de
jurisprudência anterior:
“[…]
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema
constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125),
o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles
competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Ob. Cit., pág.
129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos
cidadãos e, por outro lado, da “atribuição aos preceitos constitucionais
respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria,
traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei
regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades
públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional
(artigo 18º, nº 1, da Constituição)”(cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº
186/90, publicado no Diário da República II Série, de 12 de Setembro de 1990).
[…]
1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação
do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento,
“razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não
sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do
acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores
constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94. Ponto
é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a
discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar,
diz-nos j.c.vieira de andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de
controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos
nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988,
e os já citados nºs. 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a
plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de
destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento
jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas
postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”). A
diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o
arbítrio (cfr., a este propósito, gomes canotilho, in Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 124, pág. 327; alves correia, O Plano Urbanístico e o
Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; Acórdão nº 330/93).
Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e
redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual
de direito igual (cfr. gomes canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do
Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; alves correia, ob. Cit., pág. 402) o que
pressupõe averiguação e valoração casuísticas da “diferença”” de modo a que
recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e
diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
[…]
“[…] O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade
impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira
e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham
tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de
tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos
constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram
destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88,
186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988),
p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. E 411 e ss.,
respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, jorge miranda, Manual de Direito
Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., gomes canotilho, Direito
Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e gomes canotilho e vital moreira,
Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.]”.
[…]
Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á
depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito a partir do
fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio
(Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.
Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se
poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger
Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio,
Gerhard Leibholz (cf. f. alves correia, O plano urbanístico e o princípio da
igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por maria
da glória ferreira pinto: “[E]stando em causa (…) um determinado tratamento
jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais
situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela ‘ratio’ do
tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim
a atingir com o referido tratamento jurídico. A ‘ratio’ do tratamento jurídico
é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”
(cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘carregada’ de sentido?,
sep. Do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais
adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de
qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da
igualdade, indissoluvelmente ligado à ‘ratio’ do tratamento jurídico que o
determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a ‘ratio’ do tratamento jurídico
exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro,
para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão
entre o critério adoptado e a ‘ratio’ do tratamento jurídico. Assim, se se
pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao
princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar
isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram
menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o
critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável
à subsistência familiar numa determinada sociedade” (ob. Cit., pp. 31-32).
[…]».
As normas constitucionalmente impugnadas fazem parte das regras definidas
pelo Decreto-Lei n.º 440/99, de 2 de Novembro, para a transição do pessoal
técnico superior para o quadro da nova organização e estrutura da Direcção-Geral
do Tribunal de Contas, cuja conformação foi levada a cabo pelo diploma, e
segundo o aí invocado, “no desenvolvimento dos princípios e regras estabelecidos
nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 30º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto”.
Ora, de acordo com o estipulado no n.º 2 deste artigo – e cingindo-nos à
parte útil ao conhecimento da questão de constitucionalidade –, tais nova
organização e estrutura deviam observar os seguintes princípios e regras:
“a) Constituição de um corpo especial de fiscalização e controlo, integrando
carreiras altamente qualificadas de auditor, consultor e técnico verificador, a
exercer, em princípio, em regime de exclusividade;
b) O auditor executa funções de controlo de alto nível, nomeadamente a
realização de auditorias e outras acções de controlo nas diversas áreas da
competência do Tribunal;
c) O consultor executa funções de consultadoria de alto nível, nomeadamente
de estudo e investigação técnico-científica para apoio ao Tribunal e às equipas
de auditoria;
d) O técnico verificador executa funções de estudo e aplicação de métodos e
processos científico-técnicos, nomeadamente no âmbito da instrução de processos
de fiscalização prévia e sucessiva;
…
…
n) […]”.
Resulta, pois, destes preceitos – e o acórdão recorrido não deixou de o
acentuar – que as carreiras de auditor e consultor, da nova estrutura da
Direcção-Geral do Tribunal de Contas, para as quais os recorrentes pretendem
transitar, “são carreiras ‘altamente qualificadas’ em que são executadas funções
de controlo e consultadoria de alto nível”.
Por outro lado, distrai-se, também, dos nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 440/99
que o legislador subordinou a transição para as categorias de auditor e
consultor por banda do pessoal enquadrado nas categorias aí referidas (actuais
assessores principais, assessores e técnicos superiores principais)
cumulativamente às seguintes condições: i) nove ou mais anos de serviço na
carreira técnica superior; ii) com a classificação de Muito bom; exercício, em
tais categorias de origem, de funções “no âmbito dos serviços operativos de
fiscalização prévia e de fiscalização sucessiva” ou “de consultadoria para apoio
directo ao Tribunal e às equipas de auditoria no âmbito dos demais serviços”.
Mas, como decorre do preceito cuja norma se impugna, ao usar a expressão
verbal “transitam ainda […]”, tal justificação foi igualmente, assumida pela
norma constitucionalmente sindicada, tendo, aí, o legislador considerado, ainda,
como satisfazendo, igualmente, essas mesmas exigências indiciadoras de aptidão
para o exercício das funções altamente qualificadas de auditor (relembre-se:
funções de controlo de alto nível, nomeadamente a realização de auditorias e
outras acções de controlo nas diversas áreas da competência do Tribunal de
Contas – e de consultor (repita-se: funções de consultadoria de alto nível,
nomeadamente de estudo e investigação técnico-científica para apoio ao Tribunal
e às equipas de auditoria) “os actuais técnicos superiores que sejam titulares,
há mais de três anos, do cargo de contador-geral ou de contrador-chefe” (norma
impugnada).
Ora, o primeiro aspecto que, a este respeito, importa acentuar é que não cabe
nos poderes do Tribunal Constitucional exercer qualquer censura acerca da
eleição feita pelo legislador sobre os requisitos que, segundo a sua óptica,
constituirão garantia da existência de aptidão profissional para o exercício das
funções altamente qualificadas, atribuídas às categorias de auditor e consultor.
Trata-se de matéria abrangida pela sua discricionariedade
normativo-constitutiva, que apenas é passível de um controlo “feito a partir do
fim que [tais normas] visam alcançar, à luz do princípio da proibição do
arbítrio (Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade”, nos
termos acima enunciados.
Nesta perspectiva, o que importa agora apurar é saber se os técnicos
superiores que exerceram funções de directores de serviço (que tal era a
categoria dos recorrentes A. e B.), de chefe de divisão, de contador-geral ou de
contador-chefe – admitido o exercício de funções nessas categorias pelo mesmo
período (de três anos), como é o caso – satisfazem as mesmas exigências
pressupostas como índices desveladores da aptidão para o exercício do cargo nas
novas categorias de auditor e de consultor.
A realização de uma tal comparação, tendo por base o referente normativo de
comparação ou o tertium comparationis, pressupõe, necessariamente, a indagação
de qual seja, normativamente, o conteúdo e o seu nível das funções que cabia a
cada uma dessas categorias de funcionários.
Quanto a esta matéria, todavia, o Tribunal Constitucional encontra-se
vinculado à determinação a que, em face do direito infraconstitucional, o
acórdão recorrido aportou, constituindo o resultado da fixação a que chegou,
seja por via da sua actividade de interpretação da lei infraconstitucional, seja
por mor do julgamento de facto efectuado sobre a materialidade das concretas
funções exercidas, um dado normativo ou um pressuposto jurídico para o órgão
concentrado de fiscalização de constitucionalidade.
Nesta senda de raciocínio, não tem o Tribunal Constitucional competência para
emitir qualquer pronúncia sobre a veracidade da existência das situações de
facto, de que os recorrente dão notícia nas conclusões 8ª e 9ª das suas
alegações, e sobre a sua hipotética relevância para, no plano do direito
infraconstitucional, apontar no sentido de haver contadores-gerais e contadores
chefes que exerciam, tal como os recorrentes, funções instrumentais.
Ora, concernentemente àquele juízo normativo, o acórdão recorrido considerou,
quer por via de um juízo próprio, quer por via da aceitação do julgado na
decisão então sob recurso, que:
- os directores de serviços e de chefes de divisão, conquanto integrados na
carreira dos técnicos superiores, “não exerciam [exercendo] funções de controlo,
auditoria ou gestão financeira”;
- “na sequência da entrada em vigor da Lei nº 86/89, de 8/9, que aprovou a
reforma do Tribunal de Contas, foi proferido o Despacho DP nº 217/91, de 30/9,
do respectivo Presidente, no qual se definem as atribuições das Contadorias de
Contas, da Contadoria-Geral do Visto e do Gabinete de Estudos donde ressalta a
função de auxiliar de forma directa o Tribunal de Contas no exercício das suas
funções de controlo financeiro (arts. 1º a 3º do Anexo II do referido
Despacho)”;
– “as funções dos directores de serviços e chefes de divisão do quadro da
Direcção-Geral do Tribunal de Contas não se inscrevem na área da competência
fiscalizadora e de controle financeiro do Tribunal. São antes, funções de
natureza instrumental não directamente ligada àquelas áreas, as quais constituem
o núcleo da competência material do Tribunal de Contas”;
– “o Recorrente A. esteve sempre ligado aos sucessivos organismos que, dentro
do Tribunal, asseguram a organização e gestão informática dos respectivos
serviços, exercendo funções completamente diferentes das do contador-geral”;
– “a Recorrente B. directora de serviços do Serviço da Biblioteca,
Documentação e Arquivo Histórico da Direcção-Geral do Tribunal de Contas e antes
chefe de divisão do Arquivo-Geral e Biblioteca da DGTC, e que o respectivo
conteúdo funcional é muito diverso das categorias de contador-geral ou de
contador-chefe”;
– “o Recorrente C. era chefe de divisão da Divisão de Formação e do anterior
Serviço de Gestão de Pessoal, funções meramente instrumentais que não têm a ver
essencialmente com a área de fiscalização e controle”.
Em contraponto, relativamente aos contadores gerais e contadores-chefes, a
decisão agora recorrida ajuizou que:
- “[N]nos termos dos arts. 26.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 478/80, de 15 de
Outubro, que reestruturou o quadro de pessoal da Direcção-Geral do Tribunal de
Contas, aos contadores-gerais competia dirigir, coordenar e orientar as
actividades das contadorias-gerais como unidades orgânicas de apoio técnico ao
Tribunal de Contas e aos contadores-chefes competia a direcção da contadoria que
lhe estiver confiada, em articulação com as outras contadorias, segundo a
orientação definida pelo respectivo contador-geral”, correspondendo essas
funções a “conteúdos funcionais distintos dos cargos de directores de serviço e
de chefe de divisão”;
- a “equiparação entre os cargos de contador-geral e contador-chefe para
efeitos de vencimentos, não significa uma identidade de conteúdo funcional nem
impõe uma igualdade de tratamento para efeitos de transição de carreiras em que
o que releva é a adequação da experiência funcional anterior ao conteúdo
funcional das novas carreiras”;
- […] “o facto de a alínea m) do n.º 2 do art. 30º da Lei n.º 98/97
estabelecer que o pessoal dirigente da Direcção-Geral e dos serviços de apoio
das secções regionais integra o corpo especial de fiscalização e controlo
previsto na alínea a), não impõe que todo o pessoal dirigente transite para as
carreiras de auditor ou consultor, pois naquele corpo especial inclui-se também
a carreira de técnico verificador, como se refere na alínea a) do mesmo número”.
Contrastados os conteúdos funcionais de uma e outra das categorias em
presença (contador geral e contador-chefe, por um lado, e director de serviço e
chefe de divisão, por outro) com o tertium comparationis acima caracterizado,
corporizador da “ratio do tratamento jurídico que se lhes pretende dar”, havemos
de chegar à conclusão que a exclusão da regra de transição automática,
consagrada no n.º 3 do art. 32º do Decreto-Lei n.º 440/99, dos directores de
serviço e dos chefes de divisão se não revela material e
axiológico-funcionalmente infundada.
Na verdade, como se diz no acórdão recorrido, enquanto aos primeiros competia
“dirigir, coordenar e orientar as actividades das contadorias-gerais como
unidades orgânicas de apoio técnico ao Tribunal de Contas” e “a direcção da
contadoria que lhe estava [estiver] confiada, em articulação com as outras
contadorias, segundo a orientação definida pelo respectivo contador-geral”, e
tais funções são de considerar, dentro da conformação da referida regra de
transição, como indiciadoras de aptidão para o exercício das funções altamente
qualificadas de auditor e de consultor, por situadas nas áreas de controlo e
consultadoria, já o mesmo não se poderá dizer relativamente aos segundos cujo
conteúdo funcional é estranho à qualquer experiência nessas áreas.
Temos, portanto, de concluir que a norma impugnada não viola o princípio
constitucional da igualdade e que o recurso deve improceder.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 32º do Decreto-Lei
n.º 440/99, de 2 de Novembro, e, consequentemente, negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 8 de Março de 2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos