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Processo n.º 495/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 18 de
Março de 2005 – com a aclaração resultante do despacho de 28 de Abril de 2005 –
da autoria do Vice-Presidente da Relação de Guimarães, que indeferiu a
reclamação contra a não admissão de recurso interposto da decisão que não
apreciou o pedido de declaração de extinção do procedimento criminal, por
prescrição.
Pretende a recorrente obter a “apreciação da inconstitucionalidade material da
norma contida no nº 3 do art. 335° do Código de Processo Penal de 1987, na
interpretação adoptada pelo douta decisão recorrida, segundo a qual a declaração
de contumácia impede a decisão e apreciação sobre a prescrição do procedimento
criminal, por violação dos princípios do poder punitivo do Estado baseado em
critérios objectivos, protecção dos arguidos contra abusos processuais e defesa
dos interesses legalmente protegidos, consagrados no nºs 1 e 4 do art. 20º, n.º1
do art. 26°, art. 32º e nº 2 do art. 202° da CRP, questão de
inconstitucionalidade que a Recorrente suscitou no recurso não admitido e na
subsequente reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães”.
Após a fase das alegações, foram as partes ouvidas sobre questão prévia,
suscitada pelo relator, assim equacionada:
O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto ao abrigo
da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
depende, para além de outros pressupostos, da aplicação na decisão recorrida,
como sua ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo.
Afigura-se, no entanto, que a decisão ora recorrida não aplicou, como ratio
decidendi, a norma cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente. Com
efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães não terá aplicado a norma contida no
nº 3 do art. 335° do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo
a qual a declaração de contumácia impede a decisão e apreciação sobre a
prescrição do procedimento criminal, conforme se refere no requerimento de
interposição de recurso, pois a norma que a decisão recorrida aplicou terá sido
a contida no n.º 3 do artigo 335º do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual a declaração de contumácia obsta à admissão de recurso de
despacho que decide não apreciar a prescrição do procedimento criminal
relativamente à arguida declarada contumaz.
É, assim, admissível que o Tribunal decida não conhecer do recurso. Nestes
termos, em cumprimento do disposto nos artigos 69º da LTC e 704º n.º 1 do Código
de Processo Civil, devem as partes ser ouvidas para se pronunciarem, querendo,
em dez dias, sobre a questão.
Em resposta, a recorrente veio dizer o seguinte:
Com o devido respeito, a Recorrente discorda da argumentação expendida no douto
despacho em referência na medida em que, o que se pretende que este Tribunal
Constitucional aprecie é, de facto, a interpretação adoptada pelo Presidente do
Tribunal da Relação de Guimarães - que é a que a Recorrente expôs no
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal - da norma contida no
n.º 3 do art. 335º do CPP.
Na verdade, o Ex.mo Sr. Presidente da Relação de Guimarães proferiu a decisão de
considerar legal o despacho reclamado:
“ Só após a caducidade da declaração de contumácia se pode jurisdicionalmente
apreciar e decidir sobre a prescrição do procedimento criminal relativo ao crime
que a acusação imputa ao arguido.
Deste modo e pelos mesmos motivos, neste enquadramento legal também não é
admissível recurso do despacho que impugna a decisão que desatendeu a pretensão
do arguido.'
Ou seja, decidiu que o recurso interposto pela Recorrente para o Tribunal da
Relação de Guimarães não fosse apreciado,
uma vez que (ou apenas porque), interpretou a norma contida no nº 3, do art.
335º CPP no sentido de que a contumácia, porque é causa de suspensão dos
ulteriores termos do processo, impede a decisão e apreciação a prescrição do
procedimento criminal.
Ou seja, a interpretação que está na base da decisão é apenas uma: a contumácia
suspende os ulteriores termos do processo mesmos para efeitos da prescrição.
Ora é esta interpretação que se pretende ver fiscalizada por este Tribunal
Constitucional e não qualquer outra.
O facto de o Presidente da Relação ter decidido no sentido de que não fosse
apreciado o recurso em causa, é um mero efeito ou consequência da interpretação
que fez da norma contida no art. 335º, nº 3 do CPP, que, repete-se, é aquela que
se pretende ver fiscalizada por este Tribunal:
a contumácia, porque é causa de suspensão dos ulteriores termos do processo,
impede a decisão e a apreciação sobre a prescrição do procedimento criminal.
Aliás, esta mesma interpretação foi já efectuada pelo Tribunal de 1ª instância,
que dela extraiu os efeitos conhecidos:
- a decisão de não analisar o requerimento em que se pugnava pela declaração de
extinção do procedimento criminal pelo decurso do prazo prescricional; e
- a decisão de não admitir o recurso interposto deste despacho.
Pelo exposto, deve conhecer -se do objecto do recurso.
Por sua vez, o representante do Ministério Público admite que o Tribunal não
conheça do recurso, pelas razões constantes do aludido despacho.
A decisão recorrida é do seguinte teor:
No processo comum singular n.º 1086/95. 3TBBRG/3.º Juízo Criminal do T.J. da
comarca de Braga, a arguida A. encontra-se acusado pela prática de um crime de
cheque sem provisão p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, al. a) do Dec. Lei n.º
454/91, de 28/12, com referência aos artigos 218.º, n.º 2. alíneas a) e b) do C.
Penal vigente e art. 314.º, alínea c), do C. Penal.
Nos termos do disposto nos artigos 336.º e 337.º do C. Penal, este arguido foi
declarado contumaz, implicando esta declaração, para além de outras sanções, a
suspensão dos termos ulteriores do processo, tendo-se dado cumprimento aos
números 5 e 6 do artigo 337.º do C. Penal (decisão de 18.06.1998).
Em 30.11.2004 o arguido veio ao processo requerer que fosse declarado extinto,
por prescrição, o procedimento criminal respeitante ao crime que lhe é imputado
na acusação.
Esta pretensão foi indeferida com o fundamento em que, encontrando-se suspensos
os termos do processo - art. 335.º, n.º 3, do CPP - será a questão apreciada
logo que o arguido se apresente à justiça, fazendo cessar a contumácia.
Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido B. que motivou e concluiu
que se encontra prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime pelo
qual o recorrente vem acusado.
Todavia, ordenando-se que “aguardem os autos o termo da suspensão determinada
pelo art. 335º. nº 3, do C. Penal “, este recurso não foi admitido.
Contra esta decisão apresentou a recorrente A. a sua reclamação argumentando
assim:
1. O conhecimento do recurso que tem como objectivo se proceda à apreciação do
mérito da questão da prescrição do procedimento criminal, cuja procedência opera
a extinção da instância, porque é uma questão prévia de natureza substantiva e
de conhecimento oficioso, é absolutamente compatível com a declaração de
contumácia.
2. Pretendendo-se com a declaração de contumácia pressionar o arguido a
apresentar-se em juízo com o objectivo de se efectivar a vontade punitiva do
Estado, não faz sentido obrigar-se o arguido contumaz a apresentar-se em juízo,
submetê-lo a uma medida de coacção e a julgamento, já que se trataria de actos
absolutamente inúteis e sem qualquer relevância prática.
A Ex.ma Juíza sustenta o despacho sob reclamação.
Cumpre decidir.
Caracterizando-se a instituição do regime da contumácia como uma forma de fugir
aos inconvenientes do processo de ausentes tradicional e nomeadamente responder
às críticas de que esse anterior sistema era alvo por beneficiar os arguidos
mais afortunados ou mais expeditos na fuga à acção da justiça, os efeitos da
declaração de contumácia estão enunciados no n.º 1 do art. 336.º do C.P. Penal:
- implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou
detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do
art. 320.º do mesmo diploma legal.
Quer isto dizer que, verificados os pressupostos que justifiquem a declaração de
contumácia, uma vez aplicada ao arguido já não poderá ele praticar mais
quaisquer actos no processo enquanto não for detido ou enquanto se não
apresentar.
A suspensão do processo só excepcionalmente finda quando actos urgentes
consignados no art. 320.º do C.P. Penal exijam que, apesar da contumácia
decretada, mesmo assim se não pode diferir para ulterior momento a sua
especificada tramitação.
Actos urgentes são, genericamente, aqueles que contendem com a privação da
liberdade das pessoas ou que se possam considerar indispensáveis à garantia da
liberdade do vulgar cidadão; e neste contexto não está incluído o despacho que
vá apreciar prescrição do procedimento criminal referente ao crime que é
imputado ao arguido na acusação.
Se assim fosse, porque a contumácia tem como intuito a 'desincentivação da
ausência, privilegiando um conjunto articulado de medidas drásticas de
compressão da capacidade patrimonial e negocial do contumaz...', estar-se-ia a
descaracterizar e a desvirtuar o instituto de contumácia e a transtornar o seu
regime-base, concedendo-se uma prerrogativa ao arguido que a unidade do nosso
sistema jurídico não pode tolerar.
Só após a caducidade da declaração de contumácia se pode jurisdicionalmente
apreciar e decidir sobre a prescrição do procedimento criminal relativo ao crime
que a acusação imputa ao arguido.
Deste modo e pelos mesmos motivos, neste enquadramento legal também não é
admissível recurso do despacho que impugna a decisão que desatendeu a pretensão
do arguido.
Igualmente não atenta esta decisão contra os princípios da nossa Lei
Fundamental, como invoca o reclamante.
Pelo exposto, nega-se provimento à presente reclamação.
Este despacho foi objecto da seguinte aclaração:
A. vem requerer a aclaração do nosso despacho proferido no presente processo com
o fundamento em que a transcrição que nele se faz do disposto no n.º 1 do art.
336.º do C.P. Penal se reporta à redacção desse preceito na versão originária do
C.P. Penal e que se encontra revogado pela Lei n.º 59/98, de 25/08.
Assiste inteira razão à requerente.
O preceito do C.P. Penal que deveríamos e queríamos transcrever era o que está
contido no n.º3 do art. 335.º (“a declaração de contumácia...implica a suspensão
dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido, sem
prejuízo dos actos urgentes nos termos do art. 320º.”).
Consignando este normativo legal a mesma doutrina expendida a fundamentar a
decisão que integra o despacho já proferido, denega-se a pretensão da
reclamante, nomeadamente se reafirmando a sua conformidade com a nossa Lei
Fundamental.
Cumpre decidir.
A recorrente afirma que a interpretação da norma contida no n.º 3 do artigo 335º
do Código de Processo Penal que pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional é o de que “a contumácia, porque é causa de suspensão dos
ulteriores termos do processo, impede a decisão e a apreciação sobre a
prescrição do procedimento criminal”.
Importa salientar que a decisão aqui recorrida não é o despacho que não apreciou
o pedido de declaração de extinção do procedimento criminal por prescrição por
não estar cessada a contumácia da recorrente, mas antes o despacho do
Vice-Presidente da Relação de Guimarães que negou provimento à reclamação contra
a decisão de não admissão de recurso interposto contra aquele primeiro despacho.
É certo que no recorrido despacho do Vice-Presidente se discorre sobre se a
apreciação da prescrição é um dos actos que deva ou não ter lugar, face ao n.º 3
do artigo 335º do Código de Processo Penal, enquanto perdure a situação de
contumácia. Mas, fá-lo para transpor as mesmas razões para a decisão de não
admissão do recurso do despacho que decidira não apreciar a prescrição do
procedimento criminal: “ (…) neste enquadramento legal também não é admissível
recurso do despacho que impugna a decisão que desatendeu a pretensão do
arguido”.
Em situação em tudo idêntica, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 477/05,
ponderou:
“Dito de outro modo, o sentido normativo da expressão “a declaração de
contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à
apresentação ou detenção do arguido” operante na decisão recorrida foi o de que
nesses “termos ulteriores” se compreendia o despacho de admissão de recurso da
recusa de apreciar a ocorrência da prescrição. Que assim é torna-se evidente se
atentarmos em que de outro modo o que o Presidente da Relação estaria a decidir
seria o mérito do recurso (: deve ou não apreciar-se imediatamente a prescrição
quando requerida, independentemente da apresentação ou detenção do contumaz) e
não o da reclamação (: deve ou não proferir-se imediatamente despacho a admitir
o recurso da decisão que considerou que a apreciação da prescrição só teria
lugar quando cessasse a contumácia). O decidido quanto a esta questão não é mero
efeito ou consequência jurídica da interpretação que se faz do n.º 3 do artigo
335.º do Código de Processo Penal quanto à oportunidade de apreciação da
prescrição. Existe no despacho recorrido sustentação do entendimento que a
recorrente refere, mas apenas para daí extrair argumento de identidade de razão
(Independentemente do acerto desse raciocínio, seja na sua base de argumentação,
seja na sua transposição para a questão decidenda, que aqui não cumpre
apreciar). Porém, o decidido é fruto de um sentido normativo autónomo que,
servindo-nos dos termos da reclamante, poderia enunciar-se deste modo: “a
suspensão dos ulteriores termos do processo por virtude da contumácia impede a
apreciação do requerimento de interposição do recurso da decisão de recusa de
apreciar a prescrição do procedimento criminal”
Como não é este o sentido normativo que a recorrente pretende submeter a
apreciação do Tribunal Constitucional, o presente recurso não pode prosseguir.”
A idêntica solução chegou também o Tribunal no seu Acórdão 581/05, desta 1ª
Secção.
Assim, constata-se que a ratio decidendi da decisão recorrida é a norma
constante no n.º 3 do artigo 335º do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual a declaração de contumácia obsta à admissão de recurso de
despacho que decide não apreciar a prescrição do procedimento criminal
relativamente à arguida declarada contumaz e não a interpretação normativa que a
recorrente indica, razão pela qual não pode conhecer-se do objecto do recurso.
Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 22 de Março de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Artur Maurício