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Processo nº 20/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Do Acórdão nº 168/2006, tirado em 6 de Março do
corrente ano vieram A., S.A., B., S.A., C., S.A., e D., S.A., requerer a
respectiva aclaração e arguir nulidades, solicitando, no final do requerimento
corporizador da arguição, que o mesmo somente fosse apreciado após ser proferida
decisão sobre a aclaração.
1.1. No que à primeira pretensão diz respeito, invocaram
as impugnantes: –
“1. Consideram as Requerentes que parte do acórdão ora em crise padece de uma
obscuridade cujo esclarecimento requerem, nos seguintes termos:
2. A decisão reclamada afirma que o TCA Sul, no aresto posto em crise, admitiu
expressamente que, nos termos do n.º 9 do artigo 284° do CPT (actual artigo 20lº
do Código de Procedimento e Processo Tributário), havendo dação de bens em
pagamento de dividas fiscais, se o valor de tais bens fosse superior ao das
dívidas, resultaria, por força da lei, um crédito a favor do contribuinte (cf.
fls. 1773 dos autos, pg. 10, penúltimo e último parágrafo Da decisão reclamada).
3. O mesmo é dizer que o TCA Sul admitiu expressamente que o referido normativo
faria nascer na esfera jurídica das então Recorrentes um direito de crédito
sobre o Estado Português, correspondente à diferença entre os bens dados em
pagamento e as dívidas extintas através da mesma dação, sendo assim plenamente
aplicáveis à situação em apreço as regras dos referidos n.ºs 9, 10 e 11 do
artigo 284º do CPT,
4. Sendo que tal aplicação só pode ser defendida com o resultado que teve no
acórdão do TCA Sul se se interpretar os n.ºs 9, 10 e 11 daquele normativo como
permitindo que, havendo uma dação em pagamento com bens de valor superior ao das
dívidas existentes, o crédito resultante de tal diferença é livremente
disponível e logo renunciável.
5. Foi desta interpretação da norma que recorreram as Requerentes, o que resulta
claro do recurso apresentado junto deste douto Tribunal, ou seja, entendem as
Requerentes que o requisito da aplicação, pelo acórdão recorrido, da norma cuja
desarmonia com a Lei Fundamental foi suscitada se encontra claramente
preenchido.
6. O que não conseguem as requerentes determinar é qual o sentido da decisão
deste Tribunal Constitucional sobre esta questão, vertida no ponto 2.1 do
acórdão aclarando, isto é, parece claro que a razão de decidir do acórdão do TCA
Sul foi a livre disponibilidade de um crédito constituído nos termos do n.º 9 do
artigo 284º do CPT.
7. O que não acabam as Requerentes de compreender é como tal não resulta de uma
interpretação inconstitucional dos n.ºs 9 e 11, e em particular do n.º 10 do
artigo 284° do CPT, na medida em que aceita que um crédito intransmissível e
impenhorável possa ser livremente renunciável.
8. Na realidade, não resulta claramente esclarecido, esclarecimento que se
requer, se este douto Tribunal acolhe a posição assumida pelo TCA Sul, por forma
a admitir a constituição do credito, mas considerá-lo disponível, e logo,
renunciável, e consequentemente, e apenas consequentemente, interpretando assim
a norma em questão como permitindo a plena validade da cláusula 3.5 do citado
nos autos Acordo Global.
9. Se assim é, não podem a Requerentes deixar de esclarecer, como antes deixaram
dito, quer nas alegações para o TCA Sul, quer na reclamação para a conferência
neste Tribunal Constitucional, que a inconstitucionalidade suscitada reside
exactamente numa tal interpretação dos n.ºs 9, 10 e11 do artigo 284° do CPT, que
permite não só considerar como renunciável um crédito que, por imposição
daquelas disposições legais, é intransmissível e impenhorável, podendo apenas
ser utilizado em futuros pagamentos de impostos ou outras prestações
tributárias, mas, também e ainda considerar conforme à Constituição uma norma
(segmento normativo) vio1adora dos princípios da igualdade perante os encargos
públicos e da garantia da propriedade privada.
Nestes termos, deve o acórdão ser aclarado, esclarecendo-se a referida questão.”
1.2. No que se prende com as arguidas nulidades,
aduziram, em síntese:
- que, tendo sido notificadas em 3 de Março de 2006 da
resposta do Ministro das Finanças à reclamação que as arguentes deduziram da
decisão tomada em 30 de Janeiro de 2006, notificação essa que lhes foi feita
directamente por aquela entidade, foram, no sequente dia 8 notificadas do
arguido aresto;
– que, assistindo às ora arguentes “o direito de
resposta ao requerimento apresentado” por aquele Ministro, a prolação do
acórdão, antes de decorrido o prazo de que dispunham para o exercício daquele
direito, “equivale à denegação de tal direito, em violação expressa do princípio
do contraditório”;
– que o Tribunal não procedeu à notificação da aludida
resposta, sendo que a notificação directamente efectuada pelo citado Ministro,
de todo o modo, não supre a questão de não terem as arguentes desfrutado de
oportunidade para efectuarem pronúncia sobre tal resposta;
- que, nessa resposta, foram tratados pontos atinentes
“ao mérito da questão, como se de alegações em sede de recurso jurisdicional
apresentado do acórdão do TCA Sul se tratasse”, sendo isso vedado “no momento
processual em causa”, e que na mesma peça processual, quanto ao problema de
saber se, no caso, estavam verificados os pressupostos do recurso de
constitucionalidade, não se expendia “uma só palavra”;
- que, com tal resposta, ao se pronunciar ela sobre o
“fundo da questão’”, foram trazidos factos novos relativamente aos quais foi
negado às arguentes a possibilidade de se pronunciarem, factos esses que,
“parece resultar da decisão do Tribunal Constitucional”, aí foram apreciados e
tomados em conta, pois só assim se justificaria a transcrição, no acórdão ora
arguido, de “trechos dessa mesma resposta”;
- que, nesse circunstancialismo, foi cometida uma
nulidade processual prevista no nº 1 do artº 201º do Código de Processo Civil
que “que invalida o subsequentemente decidido”;
– que, de acordo com o acórdão, também o Ministro do
Trabalho e da Solidariedade Social apresentou resposta à reclamação, não tendo
desta sido as arguentes notificadas, quer pelo Tribunal, quer directamente por
ele, pelo que também aqui ocorreu a nulidade processual decorrente da violação
do princípio do contraditório.
1.3. Ouvidos sobre o pedido de aclaração e a arguição de
nulidades, o Ministro das Finanças, sobre o primeiro, pronunciou-se no seguinte
sentido: –
“1. Fundamentos do pedido de aclaração
As requerentes, considerando que o douto Acórdão padece de obscuridade,
pretendem, em síntese, que o Venerando Tribunal esclareça se admite a posição –
que imputam ao TCAS (e que consideram ter sido também imputada pelo Tribunal
Constitucional) – consistente em:
– Reconhecer que o nº 9 do artigo 284° do CPT fez nascer na esfera jurídica das
recorrentes um direito de crédito sobre o Estado Português, correspondente à
diferença entre os bens dados em pagamento e as dívidas extintas através da
mesma dação, sendo assim plenamente aplicáveis à situação as regras
dos nºs 9, 10 e 11 do art. 284° do CPT;
– Que a razão de decidir daquele TCAS foi a livre disponibilidade de um crédito
constituído nos termos do nº 9 do art., 284° do CPT;
– Como considera, então, que tal não resulta de uma interpretação
inconstitucional dos nºs 9 e 11 e em particular do nº 10 do artigo 284° do CPT,
na medida em que este aceita que um crédito intransmissível e impenhorável possa
ser livremente renunciável.
2. A decisão do TC
O douto acórdão confirmou a decisão sumária que havia entendido que ‘O que
constitui ratio decidendi daquela peça processual foi a interpretação de uma
cláusula, contida do Acordo Global e por via da qual as autoras – tendo em conta
que com tal Acordo as «partes» nele intervenientes desejavam pôr cobro,
definitivamente, a todos os diferendos, incluindo dívidas e acções judiciais,
que ocorreram entre elas – renunciavam a um qualquer seu crédito que porventura
viesse a decorrer da dação em pagamento realizada, vincando que, numa situação,
esse seu eventual crédito não assumia características de indisponibilidade’.
3. Nossa análise sobre a pretensão
Como o Ministério das Finanças sempre procurou demonstrar na acção interposta
pelas ora recorrentes, a contratualização do Acordo Global teve um âmbito muito
mais vasto do que a extinção das dívidas fiscais.
E realça-se mais uma vez:
– A matéria de facto considerada provada, em qualquer das duas instâncias dos
tribunais administrativos e fiscais, não é no sentido de os bens dados em dação
terem sido aceites, na negociação do acordo global, por um montante superior aos
das dívidas fiscais;
– Independentemente do valor desses bens, ficou provado que não se encontra
preenchida a condição básica essencial para a discussão teórica pretendida pelas
recorrentes (e que é a de a renúncia a um crédito resultante de os bens dados em
pagamento terem um valor superior aos das dívidas fiscais extintas) porque o
objecto daquele acordo global foi não apenas a extinção das dívidas fiscais mas
de um complexo conjunto de pretensões (por parte do Estado era exigido um
montante global de cerca de 20 milhões de contos muito superior pois à dívida
fiscal)
Sendo assim, parece-nos que a reclamação apresentada pelas recorrentes
corresponde a uma insistência na necessidade de obter um pronunciamento
abstracto do tribunal constitucional sobre uma certa interpretação jurídica cuja
resolução não é directamente útil para a solução da caso concreto, ou seja, é
uma tentativa de obter, mais uma vez, a (re)análise da admissibilidade do
recurso.
Mas não é aceitável parque não existe nenhuma obscuridade a esclarecer, e a
reclamação da decisão sumária deve entender-se definitivamente decidida pela
Acórdão da conferência de 6 de Março de 2006 (nº 4 do artigo 78°-A da lei da
Tribunal Constitucional).”
E, no que se reporta à arguição de nulidade, o indicado
Ministro das Finanças veio apresentar resposta com o seguinte teor: –
“1. Fundamentos da (s) Nulidade (s) invocada (s)
As reclamantes alegam, em síntese:
– Foram notificadas em 3 de Marco de 2006, directamente pela entidade Ministro
das Finanças, da resposta por este apresentada;
– Cinco dias depois foram notificadas do Acórdão do TC sem que o tribunal as
tivesse notificado para responder às novas questões colocadas por aquela
entidade;
– Esta falta de notificação representa uma violação do princípio do
contraditório;
– Mas a resposta apresentada por aquela entidade transcreveu longas partes do
Acórdão recorrido, do TCAS, pronunciando-se detalhadamente sobre a questão de
fundo, o que não era permitido neste momento processual;
– Porque, nesta altura, havia apenas que verificar o preenchimento dos
requisitos de que depende a possibilidade de recurso;
– Assim, enquanto que as recorrentes se limitaram a acentuar o facto de a
verdadeira ratio decidendi do aresto recorrido ter sido não a interpretação de
uma cláusula de um acordo Global entre o Estado português e o Grupo E. mas a
interpretação das normas dos nos 9, 10 e 11 do artigo 248° do CPT, acolhida pelo
acórdão do TCAS segundo a qual o direito de crédito é um direito comum de
crédito sendo renunciável, o Ministro das Finanças não teria dito uma palavra
sobre essa matéria;
– Tendo-se o MF pronunciado sobre a questão de fundo, e tendo trazido factos que
assim foram apreciados pelo Tribunal Constitucional, e tidos em conta na
decisão, este Tribunal ao decidir sem ouvir a outra parte denegou o direito de
resposta das recorrentes, cometendo uma nulidade insuprível, por violação do
princípio do contraditório.
2. Resposta do MF
Respondendo brevemente – não entrando na matéria de fundo, e tentando não perder
(nem fazer perder) tempo – diremos:
– As entidades recorridas foram notificadas de acordo com o princípio do
contraditório para responderem à reclamação apresentada pelas recorrentes mas
estas parece pretenderem que o seu recurso tenha iniciado um processo cujo fim
não se almeja, com réplicas e tréplicas;
– É completamente infundada a argumentação de que a resposta do Ministro das
Finanças discutiu a questão de fundo: isso seria o caso se tivéssemos entrado na
discussão da interpretação dos nos 9, 10 e 11 do artigo 284° do CPT;
– O que foi discutido, sim, foi qual a causa decidendi do douto acórdão
recorrido, do TCAS, questão que foi trazida aos autos pelas recorrentes
(desenvolvida no Parecer do Prof. Gomes Canotilho);
– Quanto à matéria de facto e de direito reproduzida pelo MF, trata-se de
matéria constante do Acórdão recorrido (!) a que o Tribunal Constitucional tinha
acesso não podendo pois dizer-se que se tratava de factos novos...
- De resto, não se julga que a resposta do Ministro das Finanças (humildemente
se admite, apesar de a jurista designada ter respondido com brio profissional,
como sempre tem procurado fazer ao serviço do Estado que serve, e com prazer
intelectual) tenha tido uma influência decisiva (atribuída pelas recorrentes) no
teor do Acórdão pelo qual o Venerando Tribunal Constitucional reiterou a decisão
sumária do Senhor Relator;
– De qualquer forma, a resposta do Ministro das Finanças correspondeu apenas e
só à utilização do direito de intervenção no processo da entidade recorrida e
limitou-se a responder aos argumentos das recorrentes;
– A ‘recordação’ da matéria do douto acórdão do TCAS foi feita na medida em que
é sempre necessário lembrar às recorrentes (ter-se-ão esquecido de forma
irremediável e não querem sequer recordar-se) que fizeram um acordo global de
que resultou a extinção de todas as suas dívidas e não apenas as fiscais...
- E isto não significa entrar na discussão da constituciona1idade de normas do
CPT que permitissem que a renúncia de um crédito adveniente de dação de bens de
valor superior à dívida fiscal dada em pagamento.
Em conclusão, a presente arguição de nulidade deverá ser rejeitada por
totalmente improcedente.”
De seu lado, o Ministro do Trabalho e da Solidariedade
Social, respondendo ao pedido de aclaração, fez escrever que “as requerentes, a
coberto duma pretensa aclaração duma (inexistente) obscuridade daquele, vêm
procurar expressar a sua discordância com o mesmo e provocar uma reapreciação da
questão controvertida quando esta é processualmente inadmissível”, já que, na
“realidade, uma normal leitura do douto Acórdão, dito aclarando, demonstra que
ele não enferma da obscuridade que lhe é imputada”, constituindo “matéria mais
do que assente considerar que a (hipotética) aclaração de uma decisão judicial
não pode constituir a via de provocar a reapreciação da questão de facto e de
direito que dela é objecto quando a mesma é ilegalmente irrecorrível”,
concluindo que “o requerimento em apreço, além de improcedente, se insere no
âmbito do abuso de direito e como tal não pode deixar de ser valorado”.
No que se reporta à arguição de nulidade, esse mesmo
Ministro sufragou o entendimento segundo o qual falece razão às arguentes,
carreando, para tanto, a seguinte fundamentação: –
“1. Salvo o devido respeito, que é muito, por diversa opinião de Vossas
Excelências, falece total razão às requerentes.
2 – Com efeito, o processo não enferma da arguida violação do princípio do
contraditório, já que as respostas das entidades recorridas à reclamação
apresentada para a conferência pelas requerentes não admite[m] novo articulado
destas.
Na sua reclamação, as requerentes expuseram os motivos de facto e de direito por
que a deduziram, constituindo como que a sua correspondente petição.
O direito ao contraditório verifica-se, outrossim, em relação aos requeridos,
que foram notificados para se pronunciarem sobre tal reclamação, o que fizeram.
Tais respostas não têm que ser notificadas ao reclamante pois que nenhuma
disposição legal lhe confere o direito de se pronunciar sobre as mesmas.
O contraditório ocorre em relação à motivação do reclamante, é assegurado pelo
resposta da contra-parte e extingue-se com o que esta venha, ou não, dizer aos
autos.
Não há, pois, qualquer violação do princípio do contraditório estabelecido no
artigo 3.º do CP Civil, nem se mostra afectado o princípio da igualdade das
partes, previsto no seu artigo 3.º-A.
3. Não será, aliás, despiciendo dizer desde já que a Lei do Tribunal
Constitucional não contém qualquer disposição que declare genericamente o Código
do Processo Civil como sua legislação subsidiária, ou que para ele remeta em
termos de determinar a sua aplicação supletiva genérica.
Existem tão só remissões esporádicas, como seja a do seu artigo 48.º, restrita
ao formalismo da distribuição dos processos.
Por isso, os princípios do contraditório e da igualdade das partes só serão aqui
invocáveis enquanto informadores da ordem jurídica portuguesa.
4. Na ausência de tal remissão para o Código de Processo Civil e de qualquer
preceito análogo na citada Lei, não é aplicável nos processos submetidos ao
Tribunal Constitucional o disposto nos artigos 229-A e 260-A do C. P. Civil,
motivo por que o ora respondente lhes não deu, nem dá agora, cumprimento.
5. Dado as respostas das entidades recorridas constituírem o fim da fase dos
articulados (chamar[-lhe-emos] assim), o Tribunal Constitucional não tinha o
dever de as notificar à reclamante, nem estava sujeito ao decurso de qualquer
prazo para decidir como e quando decidiu, pelo que não se verifica mais esta
(suposta) nulidade arguida pelas ora requerentes.”
Cumpre decidir.
2. Vêm as impugnantes peticionar que a questão atinente
à arguição de nulidades somente seja objecto de decisão após ser apreciada a
requerida aclaração.
Entende o Tribunal que isso se não justifica.
Aliás, em boa verdade, se a arguição vier a ser
considerada procedente (e ela refere-se a nulidade procedimental a montante da
ocasio do proferimento do Acórdão nº 168/2006), e desde que considerada como
indiscutivelmente repercutível na decisão pelo mesmo tomada, isso implica a
insubsistência dele, pelo que, nessa figuração, o pedido de aclaração deixará de
ter razão de ser, por isso que a própria decisão aclaranda se tornará, ela
mesma, inválida.
Assim, irá o Tribunal debruçar-se no vertente acórdão,
em primeira linha, sobre a deduzida arguição e, na eventualidade de a vir a
desatender, efectuará pronúncia sobre a intentada aclaração.
Assim: –
2.1. Somente por um lapso (que se afigura como, no
mínimo, pouco desculpável) se pode aceitar o pedido de arguição de nulidades
dirigido a este Tribunal nos termos em que o mesmo se encontra formulado.
Efectivamente, da decisão tomada pelo relator em 30 de
Janeiro de 2006 reclamaram as agora arguentes para a conferência.
É por demais claro que sobre essa reclamação haveriam de
pronunciar-se os recorridos Ministro das Finanças e Ministro do Trabalho e da
Segurança Social, conforme imposto pela obediência ao princípio do
contraditório.
O exercício deste recaía, pois, sobre os recorridos,
tendo-o levado a efeito pela resposta junta aos autos, que vinha encimada com a
menção de se reportar a ambas as entidades, sendo que essa resposta foi,
directamente, notificada às arguentes.
Não se vislumbra minimamente como pode ser defendido o
alegado «exercício do contraditório» sobre uma peça processual que, essa sim,
foi produzida com esteio nesse direito.
E não se lobriga, também minimamente, a existência de
qualquer normativo que, em casos como o sub iudicio, legitime o «direito de
resposta» sobre a «resposta» à reclamação incidente sobre a decisão sumária
proferida pelo relator.
Para além do modo como a resposta se apresentava –
repete-se, encimada como dizendo respeito a ambas as entidades recorridas –, o
Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social apenas fez juntar aos
«requerimento» autónomo em que mais referências não fez do que aquelas que
constam do aresto,
Por fim, só por ligeireza na leitura do aresto ora
arguido se pode afirmar que nele foram tomados em conta quaisquer factos que
teriam sido trazidos na resposta que, mencionada como sendo de ambas as
entidades, foi junta aos autos.
Basta atentar no teor do acórdão em crise para se
concluir em sentido diverso daquele que é propugnado pelas arguentes.
Neste particular, brandem estas últimas com a
circunstância de, no Acórdão nº 168/2006, se efectuar transcrição de “trechos”
da resposta.
Ora, a única transcrição que se surpreende no acórdão é
a seguinte: –
“Tendo sido ouvidos sobre a reclamação os Ministros das Finanças e do
Trabalho e da Solidariedade Social veio o primeiro apresentar «resposta» na qual
formul[ ]ou as seguintes «conclusões»: –
a) O recurso interposto do Acórdão proferido pelo TACS, em 8 de Novembro de
2005, ao pretender o julgamento de constitucionalidade da interpretação dos nºs
9,10 e 11 do artigo 284º do CPT, quando aplicados como descrito pelas quatro
empresas do grupo E., não é susceptível de conduzir à declaração, na acção para
reconhecimento de direito, da invalidade, por inconstitucionalidade, de uma
cláusula através da qual as mesmas empresas renunciaram a um eventual crédito
decorrente do excesso de valor dos bens entregues para pagamento de obrigações
liquidadas por aquelas dações;
b) Na verdade, como foi claramente demonstrado no referido acórdão, no Acordo
Global, assinado entre as empresas do Grupo E. e o Governo (foi homologado por
Resolução de Conselho de Ministros!), a questão fundamental foi a resolução
definitiva e global de todo o contencioso, por via negocial de todos os
diferendos, entre as partes que nele outorgaram;
c) Sendo assim, e porque as compensações a ocorrer entre as duas partes são
muito mais complexas do que, de um lado, o valor dos bens entregues como dação
de bens em pagamento e de outro a extinção das dívidas fiscais, o juízo sobre a
violação de princípios constitucionais invocados mostra-se completamente
injustificável;
d) E injustificada se torna a invocação de violação de um segmento ideal de
norma, construído e apresentado, como tendo sido a ratio decidendi do acórdão do
TCAS recorrido já que a equação financeira que tal construção teórica pressupõe
não corresponde à realmente verificada;
e) Ainda que se entenda que o tribunal a quo tomou posição sobre a
compatibilidade constitucional da extinção de dívidas fiscais com dação de bens
de valor superior à dívida sem que daí resulte um crédito irrenunciável para o
contribuinte, isso não garante o direito ao recurso sobre tal entendimento já
que o recurso sobre a constitucionalidade da norma aplicada em concreto, não
visa apenas propiciar a discussão teórica de questões, por mais interessantes
que elas sejam, se da decisão não resultar a satisfação do interesse do
recorrente em alterar, quanto à questão de fundo, o sentido da decisão
recorrida;
f) Neste caso tal não sucederia já que a verdadeira ratio decidendi do TCAS foi
a interpretação da cláusula de renúncia como uma parte de um acordo de resolução
global de conflitos pelo que a decisão, ora reclamada, de indeferimento do
recurso não redunda em denegação de justiça, e mostra-se acertada;
g) É que o recurso interposto do Acórdão do TCAS não visa, efectivamente, a
inconstitucionalidade de uma norma (ou da respectiva interpretação), mas a
alteração de todo um julgamento de facto e respectiva aplicação de direito,
sendo o referido juízo de constitucionalidade irrelevante para a decisão da
situação concreta.”
Colhe-se, pois, à saciedade, que no Acórdão nº 168/2006
a transcrição nele levada a efeito e conexionada com a resposta das entidades
recorridas somente foi efectuada em termos de relato das vicissitudes
processuais, sendo, de todo em todo, ilegítimo efectuar a presunção (muito
embora tão só aventada, já que as arguentes utilizaram a expressão “parece”) de
que, em face dessa transcrição, o aresto veio a tomar em conta os factos que
teriam sido invocados na resposta, e sem que aduzissem quaisquer outras
específicas razões que suportassem tal presunção.
Desatende-se, desta arte, a arguição deduzida.
2.2. Alcançada a decisão de não atendimento da arguição
de nulidades, é momento de volver a atenção no que tange ao pedido de aclaração.
Adianta-se desde já que o mesmo é desprovido de razão.
Na verdade, o aresto aclarando referiu que o acórdão
lavrado no Tribunal Central Administrativo Sul adoptou o entendimento de que,
havendo dação de bens para pagamento de dívidas fiscais, caso o valor daqueles
fosse superior ao destas, resultava um crédito a favor do devedor contribuinte,
crédito esse que, muito embora pudesse servir para pagamento de futuras dívidas
fiscais, não deixava de ser livremente disponível pelo mesmo contribuinte.
Ora, o que foi dito na decisão do relator e se confirmou
no acórdão cuja aclaração se solicita, foi que aquele entendimento não era
coincidente com o questionamento que, antecedentemente a ser tirado no acórdão
então desejado recorrer, foi sustentado na alegação produzida no recurso para o
Tribunal Central Administrativo Sul e que foi condensado na «conclusão» 30 dessa
alegação.
A questão que, naquela decisão, foi sintetizada em d) do
ponto 2., vindo a sofrer análise no subsequente ponto 2.1., não se postava de
molde idêntico àquele a que se reportava o requerimento de interposição de
recurso, sendo que ficou devidamente assinalado no acórdão ora aclarando que,
tocantemente à «conclusão» 53 da dita alegação, esta dizia respeito a um
problema de imputação de desarmonia constitucional à própria decisão judicial
impugnada e não a uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Não se descortina, assim, qualquer obscuridade
impositora de aclaração, pelo que o seu pedido é desatendido.
Custas pelas impugnantes, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 26 de Abril de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício