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Processo n.º 958/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
A fls. 386 dos autos foi proferido, pelo relator, o seguinte despacho:
A., LDA, foi, em tempo oportuno, notificada para, nos termos do n.º 1 do artigo
75º-A da LTC, identificar as normas cuja conformidade constitucional pretendia
impugnar através do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da LTC. Nada tendo esclarecido no prazo de que dispunha, foi proferida
decisão sumária de não conhecimento do seu recurso.
É desta decisão que a recorrente reclama, requerendo que ainda lhe seja
permitido vir a apresentar 'resposta' ao aludido convite. Para tanto, invoca o
justo impedimento resultante de haver atempadamente juntado ao processo um
requerimento que, por lapso seu, nada tinha a ver com o assunto nela tratado, o
que veio a fundamentar a decisão de não conhecimento do recurso.
O justo impedimento constitui, no entanto, um evento não imputável à parte, ou
seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto – n.º 1
do artigo 146º do Código de Processo Civil. Acontece que, no caso em presença, a
interessada não alega que tenha ocorrido qualquer evento, que lhe não seja
imputável, obstativo da omitida actividade processual.
Tal é suficiente para concluir não ser possível dar por verificado o
impedimento.
Indefere-se, por isso, o requerido.
Inconformada, A., LDA reclama para a conferência, dizendo:
1. Resulta a presente reclamação da decisão do Exmo Juiz Conselheiro Relator que
indeferiu o requerimento do reclamante, apresentado a 18/01/2006.
2. O ora reclamante apresentou o requerimento na sequência da notificação do
despacho de 05/01/2006, que julgou deserto o recurso interposto da decisão do
Tribunal Central Administração Sul, de 05/09/2005.
3. O recurso foi julgado deserto como resultado da alegada falta de resposta ao
convite feito por este douto Tribunal, para que a recorrente enunciasse as
normas que, em concreto, pretendia impugnar .
4. O ora reclamante explanou no seu requerimento que não podia o recurso
interposto ser julgado deserto com tal fundamento, dado que este se tratava de
uma inverdade.
5. A resposta ao despacho de 12/12/2005 que requeria que fossem enunciadas as
normas que se pretendiam impugnar, foi enviada a 20/12/2005, pelas 18:45:08, por
correio electrónico, conforme documentos 1 e 2 que foram juntos ao requerimento
em questão.
6. Tal como bem se explicou no requerimento, a mensagem foi enviada, nos termos
do disposto na Portaria n° 642/2004 de 16/6, para o endereço
processos@tribconstitucional.pt.
7. A mensagem foi enviada com sucesso, como se comprova pela análise dos
referidos Doc. n° 1 e 2.
8. O servidor do Tribunal Constitucional nunca devolveu a mensagem enviada para
o endereço processos@tribconstitucional.pt
9. Não obstante o reclamante ter logrado fazer prova de que tinha,
efectivamente, sido enviado um documento dirigido ao presente processo, entendeu
o Exmo. Juiz Conselheiro Relator reiterar a sua decisão, indeferindo o
requerimento.
10. Ora, apesar de, lamentavelmente, ter sido anexado o documento errado, não
podia o recurso em questão ser julgado deserto por falta de resposta ao despacho
proferido.
11.0 requerente manifestou tempestivamente o seu desígnio de responder ao
convite feito por este Tribunal, a 12/12/2005.
12. Era perfeitamente perceptível que o erro cometido se tratou de um erro
involuntário.
13. O documento enviado por correio electrónico, no dia 20/12/2005, pertencia a
outro processo da recorrente, do qual o reclamante também é mandatário.
14.O documento anexado estava identificado como 'Requerimento de revisão do acto
de liquidação adicional da matéria colectável de IRC dos exercícios de 1993 a
1996'.
15. Contudo, a identificação do objecto do MDDE em questão, correspondia ao
presente processo, e indicava que a peça processual enviada, se tratava da
'Resposta ao despacho'.
16. Havia, portanto, uma clara incongruência entre a identificação do objecto do
MDDE e a identificação do documento anexado, e os serviços do Tribunal
Constitucional nunca alertaram o ora reclamante para este lamentável lapso.
17. Ora, de acordo com o dever de colaboração do tribunal para com as partes, os
serviços deste douto Tribunal tinham obrigação de alertar o reclamante para esta
situação.
18. Conforme, doutamente, explica o Prof. Dr. Miguel Teixeira de Sousa, “O dever
de colaboração do tribunal para com as partes desdobra-se em quatro deveres
essenciais: a) um é o dever de esclarecimento; b) outro é o dever de prevenção;
c) um terceiro é o dever de consultar as partes; d) e, finalmente, o dever de
auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou
faculdades ou no cumprimento de ónus ou deveres processuais”
19. O serviços deste Tribunal não deram, portanto, cumprimento a qualquer um
destes deveres essenciais, conforme, naturalmente se esperaria que o fizessem.
20. Ao não darem conhecimento do erro existente ao reclamante os serviços deste
douto Tribunal praticaram uma grave omissão, donde resulta a inevitável violação
do tão caro princípio constitucional do direito ao acesso aos Tribunais para
defesa de direitos, previsto no art. 20° da CRP .
21. A falta de comunicação ao reclamante de que se tinha cometido um erro na
junção do requerimento aos autos, gerou a limitação do direito de defesa da
recorrente, perante este Tribunal direito este que se encontra abrangido pelo
direito de acesso aos tribunais.
22. Conforme, doutamente, explicam os Professores Drs. J. J . Gomes Canotilho e
Vital Moreira, 'a violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de
vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não
observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a
impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando
prejuízos efectivos para os seus interesses'.
23. Por todo o exposto, não pode o recurso em questão ser julgado deserto por
falta de resposta ao despacho de 12/12/2005.
24. A resposta da recorrente ao despacho supra mencionado foi enviada por
correio electrónico e efectivamente recebida por este Tribunal, conforme se
juntou prova.
25. Tal como bem se explicou no requerimento apresentado, a Marca Do Dia
Electrónica (MDDE) é o equivalente digital ao correio postal registado, tendo
como característica principal o comprovativo temporal do acto de envio do
correio electrónico.
26. Em relação ao correio electrónico normal este serviço adiciona um
comprovativo temporal de envio, emitido por uma terceira entidade de confiança
independente (CTT), assim como um comprovativo da integridade e não repúdio do
conteúdo do correio electrónico (assunto, remetente, destinatários, corpo
principal da mensagem), permitindo que o remetente e destinatários tenham a
garantia e prova que o correio electrónico não sofreu alterações.
27. Destarte, não pode o direito de acesso aos tribunais da recorrente ser
limitado e violado por um erro que deveria ter sido, necessariamente, comunicado
ao reclamante mandatário da recorrente, e não o foi, incompreensivelmente.
28. Pelas razões expostas, R. a revogação da decisão do Exmo Juiz Conselheiro
Relator, e que se aceite a peça processual que se julgava enviada e recebida
pelo Tribunal Constitucional.
Requer-se assim, e face ao exposto, que seja revogado o despacho que julgou o
recurso em questão deserto, e, bem assim, decidida a admissão da resposta ao
despacho nos exactos termos em que se julgava enviada para o endereço
processos@tribconstitucional.pt, no dia 20/12/2005, conforme prova produzida.
O reclamante não tem razão.
Na verdade, perante o convite que lhe foi dirigido para que esclarecesse, nos
termos do n.º 1 do artigo 75º-A da LTC, quais as normas que pretendia impugnar
no seu recurso, matéria cujo conhecimento é essencial ao recebimento do recurso,
a reclamante veio juntar um documento que, não tendo a ver com este processo,
nada esclareceu sobre a matéria, assim frustrando a utilidade daquele convite.
Foi, por isso, proferida decisão de não conhecimento do objecto recurso, da qual
a recorrente reclamou, invocando o justo impedimento. Também a reclamação foi
indeferida.
É do despacho que assim decidiu (e que se acha acima transcrito) que a
reclamante requer que recaia acórdão.
Na formulação da presente reclamação, a reclamante abandona a invocação de justo
impedimento para justificar o pedido de que lhe seja concedida uma nova
oportunidade de apresentação da peça processual que diz pretender apresentar.
Não se torna, portanto, necessário, analisar este argumento inicialmente
apresentado pela reclamante.
Agora, argumenta que havendo 'uma clara incongruência entre a identificação do
objecto do MDDE e a identificação do documento anexado', os serviços do Tribunal
Constitucional 'de acordo com o dever de colaboração do tribunal para com as
partes', tinham 'obrigação' de alertar o reclamante para esta situação, razão
pela qual 'não pode o direito de acesso aos tribunais da recorrente ser limitado
e violado por um erro que deveria ter sido, necessariamente, comunicado ao
reclamante mandatário da recorrente, e não o foi, incompreensivelmente'.
Trata-se de outro equívoco da reclamante.
Os serviços de secretaria deste Tribunal não devem – não lhes é permitido –
proceder a qualquer avaliação do conteúdo substantivo das pretensões formuladas
pelas partes, numa perspectiva de melhor tutela do direito que o recorrente
pretende fazer valer; não têm esse poder de censura, por razões tão evidentes
que dispensam explicação.
As partes, gozando de completa liberdade de modulação do seu direito, e da
correspondente liberdade de actuação processual, são plenamente responsáveis
pelas peças que apresentam no processo, e pela preclusão que, quanto à
oportunidade processual concreta, estas determinam.
É, pois, sobre a parte que recai a responsabilidade pelo resultado da sua
própria actividade processual, não sendo lícito transferir essa responsabilidade
para os serviços de secretaria que efectivamente são totalmente alheios a essa
actividade.
Decide-se, por isso, indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 17 de Maio de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos