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Processo nº 216/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são
recorrentes A., B., C. e D. e recorridas a Câmara Municipal de Portimão e E.,
S.A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão daquele
Supremo Tribunal, de 17 de Junho de 2003, ao abrigo do disposto no artigo 70º,
nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC).
2. Em 29 de Março de 2006, foi proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC), pela qual se decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso, com os
seguintes fundamentos:
«1. Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, em consonância com o
disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República
Portuguesa, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da LTC).
No caso presente, em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo
75º-A da LTC, os recorrentes identificaram as peças processuais nas quais “esta
questão [a questão de inconstitucionalidade] foi suscitada”.
Para averiguar se os recorrentes cumpriram o ónus da suscitação prévia da
questão de constitucionalidade, o Tribunal só pode, porém, atentar, naquilo que
os recorrentes sustentaram em sede de alegações de recurso para o Supremo
Tribunal Administrativo, uma vez que o pedido de reforma de uma decisão – salvo
situação excepcional, no caso não invocada e não verificada –, já não é um meio
atempado para suscitar a questão de inconstitucionalidade.
Bem se compreende que assim seja: “a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se
antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto
de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que
pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão
(de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de
1992).
2. Na página 2, nº 3, f., das alegações de recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo, os recorrentes afirmaram que:
«f) A norma aplicada pela Sentença recorrida que determina a irrecorribilidade
do acto administrativo viola o conteúdo essencial de diversos princípios e
direitos fundamentais dos Recorrentes, designadamente o princípio do Estado de
Direito, da igualdade, da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos, da
proporcionalidade e o direito fundamental de propriedade privada (artigo 62° da
Constituição) (…)».
Afirmam depois que a norma cuja inconstitucionalidade invocaram “tinha ficado
descrita nas alíneas anteriores dessa mesma pág. 2” (cfr. supra, ponto 3. do
Relatório).
É manifesto que na alínea f), indicada pelos recorrentes, não foi identificada
qualquer norma – na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa
interpretação – cuja inconstitucionalidade seja questionada. Por outro lado, ao
contrário do sustentado pelos recorrentes, tão pouco tal norma ficara
identificada nas alíneas anteriores da página 2 das alegações de recurso (cfr.
supra, ponto 3. do Relatório).
De resto, não é sequer indicada a disposição legal a que se referem os
recorrentes, quando, em sede de recurso de constitucionalidade, “a norma sujeita
a fiscalização aparece sob a veste de um texto, de um preceito ou disposição
(artigo, base, número, parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que
ela há-de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” (Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p.
166).
Pelo exposto, não pode dar-se por observado o ónus da suscitação da questão de
inconstitucionalidade, durante o processo, de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC)».
3. Desta decisão vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, nos
termos do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, sustentando que:
«(…) a. Que a única norma aplicada na Sentença da 1ª Instância quanto à
irrecorribilidade do acto impugnado foi o art. 25°, n° 1, da LPTA – cfr. alínea
a) do número anterior desta Reclamação;
b. Que ao referirem “A norma aplicada pela Sentença recorrida que
determina a irrecorribilidade do acto administrativo” na pág. 2, f.) das
Alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de 23.10.2002, os
Recorrentes não poderiam estar a referir-se a outro preceito que não ao art.
25°, n° 1, da LPTA, único aplicado pela Sentença recorrida – cfr. alínea b) do
número anterior desta Reclamação;
c. Que a invocação da inconstitucionalidade suscitada na referida
alínea f), pág. 2, das Alegações de recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo de 23.10.2002, foi feita imediatamente após (à laia de conclusão)
a caracterização da norma que delimita os actos administrativos judicialmente
impugnáveis (actos destacáveis lesivos, actos externos, não tendo que ser
horizontalmente definitivos), que a Sentença recorrida havia violado – cfr.
alínea b) do número anterior desta Reclamação;
d. Que o Acórdão recorrido compreendeu perfeitamente a que norma e
inconstitucionalidade os Recorrentes se pretendiam referir, pois na sua parte
decisória referiu expressamente o art. 25º, n° 1, da LPTA e o art. 268°, n° 4,
da Constituição – cfr. alínea c) do número anterior desta Reclamação;
e. Que quando o Tribunal Recorrido ainda podia e devia conhecer
dessa inconstitucionalidade, os Recorrentes precisaram com todo o detalhe a
norma cuja inconstitucionalidade invocavam – cfr. alínea d) do número anterior
desta Reclamação.
8. Destas conclusões e quanto ao que aqui interessa, importa reter o
seguinte:
a. que a norma cuja inconstitucionalidade ficou invocada retira-se
sem qualquer esforço de uma única página das Alegações de recurso dos
Recorrentes e da Sentença aí recorrida (se necessário fosse, ter-se-ia que
invocar (i) o elemento sistemático da interpretação, aplicável aos textos
legais, às decisões judiciais e aos escritos das partes, e (ii) o art. 236° e
239° do CC) – cfr. conclusões a., b. e c. do número anterior desta Reclamação;
b. que o Tribunal recorrido, única entidade a quem importava entender
a inconstitucionalidade suscitada, compreendeu de pleno essa questão no próprio
Acórdão recorrido e, em qualquer caso, quando ainda a podia e devia conhecer –
cfr. conclusões d. e e. do número anterior desta Reclamação;
B. O pedido de reforma de um Acórdão pode ser, em determinados casos,
um meio atempado de suscitar a questão de inconstitucionalidade e neste caso
parece sê-lo.
Ainda que este Venerando Tribunal não adira à argumentação que ficou exposta nos
números antecedentes, parece-nos que também por esta razão deve ser conhecido o
objecto do recurso interposto.
9. Um dos requisitos de admissibilidade do presente recurso, nos
termos do art. 72°, n° 2, da LTC, exige que a questão da inconstitucionalidade
da norma haja sido suscitada “de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer”.
A jurisprudência deste Venerando Tribunal tem considerado que o momento normal
para suscitar a questão da constitucionalidade é o das alegações para o tribunal
recorrido. No entanto, esta jurisprudência também tem entendido que o pedido de
reforma da decisão recorrida pode ser, em determinados casos, um meio atempado
de suscitar a questão de inconstitucionalidade.
A Decisão Sumária reclamada considerou que, neste recurso, o pedido de reforma
do Acórdão recorrido “já não é um meio atempado para suscitar a questão de
inconstitucionalidade”.
10. Salvo o devido respeito, parece-nos que não é assim. Este
entendimento suporta-se em duas razões:
a. a primeira, prende-se com o facto de o Acórdão recorrido ter
confirmado a Sentença da 1ª Instância aduzindo um aspecto que esta Sentença não
havia invocado.
Na verdade, a Sentença de 25.05.2002 não admitiu o recurso contencioso
interposto por ter considerado o acto administrativo impugnado irrecorrível, por
ser um acto preparatório e não lesivo (cfr. 1º e 3º parágrafos da pág. 5 dessa
Sentença).
No Acórdão recorrido, de 17.06.2003, para além deste carácter preparatório e
dessa não lesividade, invocou ainda que o acto administrativo impugnado “não
produz quaisquer efeitos externos lesivos”(l° parágrafo da última página deste
Acórdão).
Assim, a constatação de que, pelo menos formalmente, foi invocado no Acórdão
recorrido um fundamento – a produção de efeitos externos – que não havia sido
utilizado pela Sentença da 1ª Instância.
Foi precisamente por isso, por ter constatado que a norma aplicada nas duas
instâncias não era exactamente a mesma, que no n° 14 do pedido de
reforma/arguição de nulidade por omissão de pronúncia de 03.02.2005, os
Recorrentes vieram dizer que “Em qualquer caso, idêntica ou com outra
formalização, também é inconstitucional a norma aplicada no Acórdão sub judice”
Deste modo, porque esta nos parece ser uma daquelas situações em que o pedido de
reforma pode constituir um desvio à regra de que a inconstitucionalidade deve
ser suscitada antes de ser proferida a decisão recorrida (nestas situações – em
que a norma aplicada nas duas instâncias não foi exactamente a mesma, o
recorrente, como é natural, não teve oportunidade de suscitar a
inconstitucionalidade da norma aplicada na última instância antes dessa
decisão), este recurso deverá ser admitido.
b. a segunda razão prende-se com o facto de o Acórdão recorrido não
se ter pronunciado sobre a questão da inconstitucionalidade normativa suscitada
pelos Recorrentes nas alegações de recurso dirigidas a esse Tribunal com base
num erro sobre os pressupostos quanto ao âmbito das conclusões das Alegações dos
Recorrentes (cfr. Acórdão de 17.05.2005 e n°s. 1 a 4 do Requerimento dos
Recorrentes de 07.06.2005).
Foi precisamente por ter sido cometida esta nulidade por omissão de pronúncia
que os Recorrentes, em conjunto com o pedido de reforma de 03.02.2005, vieram
arguir essa nulidade e reforçar a tese da inconstitucionalidade da norma
aplicada na Sentença recorrida que o Acórdão recorrido não havia conhecido.
Deste modo, o Tribunal recorrido teve 3 situações em que deveria ter conhecido a
inconstitucionalidade invocada e não conheceu: (i) no Acórdão recorrido de
17.06.2003 que conheceu das Alegações de 23.10.2002; (ii) no Acórdão de
17.05.2005 que conheceu o pedido de reforma/arguição de nulidade de 03.02.2005;
e (iii) no Acórdão de 10.01.2006 que conheceu do pedido de reforma de
07.06.2005.
Considerando este circunstancialismo processual, parece-nos que os Recorrentes
cumpriram o dever/critério do referido art. 72°, n° 2, da LTC, pois por diversas
vezes suscitaram a questão da inconstitucionalidade que nos ocupa “de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer” O que não pode admitir-se é os
Recorrentes ficarem prejudicados pelo facto de no Acórdão recorrido ter sido
cometida a referida nulidade por omissão de pronúncia.
De facto, para além das Alegações de 23.10.2002, a questão de
inconstitucionalidade foi colocada de forma clara a perceptível no pedido de
reforma/arguição de nulidade de 03.02.2005 e no pedido de reforma de 07.06.2005,
de modo a que o douto Tribunal recorrido tivesse o dever de a conhecer. Apenas
porque aquele não o fez no Acórdão recorrido é que os Recorrentes se viram
obrigados a levantar novamente a questão da inconstitucionalidade da única forma
que tinham à sua disposição: arguição de nulidade por omissão de pronúncia e
subsequente pedido de reforma.
11. Este entendimento, sai ainda reforçado por duas ordens de
considerações:
a. a ratio legis do requisito previsto no art. 72°, n° 2, da LTC
“visa a obtenção de uma decisão susceptível de ser impugnada perante o TC, de
forma a evitar que este, ao conhecer da questão sem a certeza de a mesma ter
sido pelo menos implicitamente ponderada, se substitua à instância recorrida,
desta forma ultrapassando os seus poderes de cognição e desnaturando o próprio
sentido de recurso que é a reavaliação de anterior decisão” (Guilherme da
Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, 2ª ed.,
págs. 47 e 48). Ora, neste processo esta situação não se verificava, pois o que
se deparou a este Venerando Tribunal foi a invocação de uma
inconstitucionalidade é um efectivo e assumido não conhecimento da questão de
inconstitucionalidade por parte do Tribunal recorrido
b. por outro lado, nesta situação processual o poder jurisdicional do
Tribunal a quo não se esgotou com a prolação do Acórdão recorrido. De facto, o
art. 668°, n° 1, d), do CPC permite às partes invocarem a nulidade da Sentença
“quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” e,
nesses casos, o Tribunal deve decidir, a posteriori a questão de que não
conheceu. Desta forma, não pode dizer-se que com o Acórdão recorrido se tenha
esgotado o poder jurisdicional do Tribunal recorrido (arts. 666°, n° 2, e 668°,
n° 1, d), do CPC). Se assim fosse, deixaríamos questões tão relevantes como a
omissão de pronúncia num vazio jurídico-processual, numa clara violação do
direito fundamental dos cidadãos ao Direito e a uma tutela jurisdicional
efectiva (art. 20° da CRP).
Nestes precisos termos, o Acórdão deste Venerando Tribunal, de 22.10.2004: “Uma
das características da reforma do processo civil de 1995/1996 foi a atenuação da
rigidez do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à
matéria da causa logo que proferisse sentença, constante do artigo 666.°, n.° 1,
do CPC. Essas alterações manifestaram-se em dois níveis: na possibilidade de o
juiz suprir nulidades da sentença arguidas em recurso dela interposto (artigo
668.°, n.° 4) e de proceder à sua reforma (artigo 669.°, n.° 2), mesmo que tal
implicasse modificação da decisão de mérito”.
Nestes termos, porque com o Acórdão recorrido não se encontrava esgotado o poder
jurisdicional do Tribunal a quo, no sentido de que este podia e devia conhecer
ainda da arguição de nulidade por omissão de pronúncia, e porque não se encontra
verificada a letra e ratio legis do art. 72°, n° 2, da LTC, deve ser alterada a
douta Decisão Sumária reclamada e conhecido o objecto deste recurso».
4. Notificadas desta reclamação, as recorridas não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária que é objecto desta reclamação concluiu pelo não conhecimento
do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na
inobservância do ónus da suscitação da questão de inconstitucionalidade, durante
o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
Com a fundamentação da decisão reclamada há que reafirmar a inobservância deste
ónus, tendo presente que esta decisão não se cingiu à passagem da peça
processual indicada pelos então recorrentes, em cumprimento do disposto na parte
final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, e que os pontos 2., 6. a 8., 12 a 18., 19
a 21. e 22. a 25. das alegações de recurso (cfr. fls. 464 e 247, 251 a 253, 258
a 261, 262 a 265 e 267 a 269 dos autos), agora indicados pelos reclamantes,
também não invalidam o juízo então formulado.
Em sede de recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da LTC, importa ter presente que, «quando se pretenda
questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é
indispensável que a parte identifique expressamente essa interpretação ou
dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar
inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respectivos
destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma
não pode ser aplicada com tal sentido.
Não é, deste modo, como vem reiteradamente decidindo o Tribunal
Constitucional, forma idónea e adequada de suscitar uma questão de
inconstitucionalidade normativa a simples invocação de que seria
inconstitucional (…) certa ou certas normas legais na interpretação que a
decisão das instâncias lhes conferiu, não suficientemente definida ou precisada
pelo recorrente (…), cabendo sempre à parte que pretende suscitar adequadamente
uma questão de inconstitucionalidade normativa o ónus de especificar qual é, no
seu entendimento, o concreto sentido com que tal norma ou normas foram realmente
tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende impugnar perante o
Tribunal Constitucional» (Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, 3,
2004, p. 8).
2. Com a fundamentação da decisão reclamada, importa ainda reafirmar que o
incidente pós-decisório que os reclamantes referem – arguição de nulidade por
omissão de pronúncia –não é meio idóneo e atempado para suscitar uma questão de
inconstitucionalidade (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional
nº 61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992), não se
reconduzindo a situação dos presentes autos aos “casos anómalos” em que o
recorrente não teve oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade durante o processo e que, por isso mesmo, justificam que
seja salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade, dispensando-o de
levantar a questão antes de ser proferida a decisão recorrida: “o interessado
não teve a possibilidade de suscitar a questão em virtude de não lhe ter sido
dada qualquer oportunidade para intervir no processo antes da decisão”; o
interessado interveio no processo, mas “a questão da inconstitucionalidade só
pôde colocar-se perante um circunstancialismo ocorrido já após a sua última
intervenção processual e antes da decisão”; “ao interessado não foi exigível que
antevisse a possibilidade de aplicação da norma ao caso concreto, de modo a
impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão” (cf. Guilherme da
Fonseca/Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional2, Coimbra
Editora, p. 52 e Acórdão do Tribunal Constitucional nº 334/2005, não publicado).
Quanto a este último caso, é de salientar que o decidido pelo Acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Junho de 2003, louva-se em
jurisprudência anterior sobre a matéria.
3. Por último, importa destacar que a conclusão de que o incidente pós-decisório
não é meio idóneo e atempado para suscitar uma questão de inconstitucionalidade
em nada se relaciona com o facto de a decisão recorrida não ter apreciado tal
questão. Se, durante o processo, for colocada, de forma adequada e atempada, ao
tribunal recorrido uma questão de inconstitucionalidade, o Tribunal
Constitucional aprecia-a, ainda que este tribunal o não tenha feito (assim, a
título meramente exemplificativo, pois que se trata de jurisprudência uniforme,
cfr. Acórdão nº 318/90, Diário da República, II Série, de 15 de Março de 1991).
Como os reclamantes não contrariaram o sustentado na decisão sumária,
demonstrando que suscitaram adequada e atempadamente, durante o processo, a
questão de inconstitucionalidade que pretendiam ver apreciada, resta concluir
pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte ) unidades
de conta.
Lisboa, 28 de Junho de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício