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Processo nº 940/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal de Trabalho de Bragança,
em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a Companhia de Seguros A.,
SA foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal, de 19 de Outubro
de 2005.
2. O Tribunal de Trabalho de Bragança indeferiu pedido de remição obrigatória da
pensão fixada à sinistrada B., recusando a aplicação da norma resultante do
artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é
independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades
parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, por violação do artigo 59º,
nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“Veio a seguradora responsável, a fls. 49, requerer a remição da pensão devida à
sinistrada B., alegando que a mesma se tornou obrigatoriamente remível por ser
inferior a seis vezes a remuneração mínima nacional garantida à data da sua
fixação e por se enquadrar no regime previsto no art. 74° do D.L. 143/99, de
30/4, na redacção do D.L. 382-A/99 de 23/9.
Notificada para se pronunciar, a sinistrada declarou que não aceita
a remição da sua pensão, pretendendo que esta lhe seja paga mensalmente.
A Digna Magistrada do M.ºP.º emitiu parecer desfavorável à pretensão
da requerente, conforme douta promoção de fls. 61, face à oposição da
sinistrada.
Cumpre decidir.
Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° n.º 1
als. a) e b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de
acidentes ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no
artigos 41º n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as
pensões anuais devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões
vitalícias que não sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal
garantida mais elevada à data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados,
independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e
parcial inferior a 30%.
Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 (n.º
convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da
fixação da pensão não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a
fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não
colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada
pelo STJ no seu Acórdão n° 4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
Ora, no caso dos autos a sinistrado está afectada de incapacidade
permanente parcial para o trabalho de 35%, sendo a pensão em causa devida desde
5/1/1980. Por sua vez, o seu valor era de 15.960$00 (E 79,61), ou seja, era
inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada
estabelecida pelo D.L. 480/80 de 15/10, que era de 9.000$00 (E 44,89).
Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à
remição obrigatória da pensão.
Contudo, como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional, as
normas dos artigos 56° n° 1 al. a) e 74° do D.L. 143/99 de 30/4 são
inconstitucionais por violação do direito à justa reparação por acidente de
trabalho ou doença profissional, consagrado no art. 59° n° 1 al. f) da
Constituição, quando interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória
total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes
nos casos em que estas excedam 30%.
Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n°
56/2005 do Tribunal Constitucional publicado no Diário da República, II Série,
n° 44 de 3/5/2005, doutamente relatado pelo Exmº Conselheiro Paulo Mota Pinto,
no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado art. 74° do D.L.
143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito de pensões de
reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as
situações de total ou elevada incapacidade permanentes:
«(...).
5- No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 54, págs. 313-321) escreveu-se, a propósito, então, do
artigo 56° do Decreto-Lei n.º 143/99, que a “filosofia subjacente” à remição
obrigatória de pensões prevista no seu n.° 1, segundo dois diferentes critérios
– o do montante diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de
incapacidade laboral, nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de
pensões, prevista no seu n.º 2, era:
“[...] a de permitir que a compensação correspondente à pensão
fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional,
não impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter-se em
capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a
permitida pela mera percepção de uma renda anual.
Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma
incapacidade diminuta, a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o
será em casos de maior gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada
a álea inerente, a aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de
incapacidade de trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no
montante da pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir
ou não a remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.”
Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela
salvaguarda, no n.º 2 do artigo 33° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, de um
limite máximo à remição parcial em situações de “incapacidade igual ou superior
a 30%” (“desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da
remuneração mínima mensal garantida mais elevada”), e pela inexistência de
previsão de “ um capital de remição”, no artigo 17° da Lei n.º 100/97, para
situações em que a incapacidade fosse superior a 30%. (...)
Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão
recorrida contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74° do
Decreto-Lei n.º 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n.º
382-A/99, e na interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o
Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi,
justamente, o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade
elevada, “só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado
contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição
obrigatória, em casos como o sub judice”.
Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da
ponderação reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 302/99 (publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode
ler:
“o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a
compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a
infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais
acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença
profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte
do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na
retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não
apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação
correspondente à pensão que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o
montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se
degrada com o passar do tempo - possa ser ‘transformada’ em capital, a fim de
ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que
a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo quantitativo não pode permitir
qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da
entidade responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por
força da própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até
10%) e o montante da pensão for reduzido. Outrotanto se não passará quando em
causa se postarem acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade
seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do
trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao
menos, a sua digna subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é,
necessariamente, de mais elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e
por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de
trabalho.
Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou
actuaria desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então
compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral
Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de
aplicação do capital de remição”.
Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em
que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado,
porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o
correspondente à percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em
virtude de ser aleatória, comporta riscos.
E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se
situa em maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o
legislador, para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece,
não autorize a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma
limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.”
Neste acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível
em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre
a conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas
pensões “a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis”, e
julgou-as inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos
13°, n.º 1, 59°, n.º 1, alínea f), e 63°, n.º 3, da Constituição.
No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está
em causa a limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto
quantitativo da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição {que
redundava – disse-se –, “verdadeiramente, na consagração de uma discriminação
materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança
social proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa
reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional
[artigo 59°, n° 1, alínea f), do diploma básico]”}, mas antes a limitação a
continuar a receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para
todas as pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais
permanentes que excedam 30%.
Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda
numa limitação do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar
a receber a pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a
receber –, a qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tomaria
precário e limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando
vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.
(...).
Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição
total obrigatória –isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma
pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a
30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de
trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59°, n.º 1, alínea f), da
Constituição.
(...).»
Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada
valem igualmente para o art. 56° n° 1 al. a) quando interpretado no sentido de
impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do
titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores
a 30% ou por morte, na medida em que, ao impor uma limitação ao direito do
sinistrado ou do beneficiário legal poder optar, ou pela remição, ou, antes,
pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual, tal interpretação põe
em causa o principio constitucional do direito à justa reparação por acidente de
trabalho ou doença profissional estabelecido no art. 59° n° 1 al. f) da
Constituição.
Pelo exposto, considerando que a sinistrada nestes autos declarou
não aceitar a remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por
inconstitucional, por violação do art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, a norma
resultante do art. 56° n° 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada
no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30% ou por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida
remição obrigatória da pensão fixada nestes autos à sinistrada B..
3. Notificado para alegar, o Ministério Público formulou as seguintes
conclusões:
«1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do
decidido no acórdão n° 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da
justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no
artigo 59°, n° 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que
se traduz em impor ao trabalhador/sinistrado – contra a sua vontade expressa no
processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente
do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% –
de incapacidade laboral.
2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas
anteriormente à vigência do Decreto-Lei n° 143/99 (previstas no artigo 74°),
como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma
legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em
consequência da remição da pensão – certos trabalhadores receberem um capital
indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes
continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não
objecto de remição.
4 – Porém, a norma constante do artigo 56°, n° 1, alínea a) do
Decreto-Lei n° 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, a
remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais
permanentes superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da justa
reparação de danos causados por acidentes laborais.
5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de
inconstitucionalidade constante da decisão recorrida».
4. A recorrida não alegou, depois de notificada para o efeito.
II. Fundamentação
O presente recurso tem como objecto a norma resultante do artigo 56º, nº 1,
alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no
sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30%.
O Tribunal de Trabalho de Bragança recusou a aplicação desta norma, com
fundamento no disposto no artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da
República Portuguesa, num processo em que a sinistrada, afectada de incapacidade
permanente parcial para o trabalho de 35%, por via de acidente laboral ocorrido
em 1980, declarou não aceitar a remição da pensão por si auferida, na sequência
de requerimento feito pela seguradora responsável.
Sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso, pode
ler-se no Acórdão o Tribunal Constitucional nº 58/2006 (não publicado) o
seguinte:
«Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face
à situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de
trabalho ocorrido em 18 de Junho de 1975 – que se considerasse aplicável o
disposto no artigo 74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1,
alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi expressamente
recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela decisão recorrida,
pelo que é a questão da sua conformidade constitucional que constitui objecto do
presente recurso, embora circunscrita à dimensão susceptível de aplicação ao
caso concreto, isto é, enquanto determina a remição obrigatória de pensões
anuais devidas a sinistrados de acidentes de trabalho que não sejam superiores
a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da
fixação da pensão, em casos em que do acidente resultou incapacidade parcial
permanente do sinistrado superior a 30%. Ficam, assim, excluídas as dimensões
normativas reportadas a situações em que o beneficiário da pensão não seja o
sinistrado e/ou aos casos em que ocorreu a morte do sinistrado.
Relativamente à dimensão que constitui objecto do presente recurso,
há apenas que reconhecer que são para aqui inteiramente transponíveis as
considerações que levaram à emissão de juízos de inconstitucionalidade, por
violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República
Portuguesa, da norma do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril,
na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado
no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas
por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em
que estas incapacidades excedam 30%, constantes do Acórdão n.º 56/2005 (cuja
fundamentação foi transcrita na sentença recorrida, em passagem reproduzida no
precedente relatório) e das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, e que
culminaram com a declaração, com força obrigatória geral, da
inconstitucionalidade dessa norma constante do Acórdão n.º 34/2006.
Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em
vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores
devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do
respectivo labor, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais
acentuada e, assim, não afecta significativamente a continuação do desempenho
da sua actividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão
que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada
com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser
aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a
mera percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir
qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa
estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a
capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir
salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de
complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da
reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no
momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto
proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à
percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta
riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição
significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos
arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a
assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna
precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando
vítimas de acidente de trabalho.
Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da
vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade
parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à
justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1,
alínea f), da Constituição.
Resta consignar, relativamente aos Acórdãos n.ºs 379/2002, 21/2003 e
60/2003, citados na alegação do Ministério Público, que os juízos de não
inconstitucionalidade da norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei
n.º 143/99, neles emitidos, se reportaram apenas à alegada violação do princípio
da igualdade, tendo o Acórdão n.º 60/2003 reproduzido a fundamentação do Acórdão
n.º 379/2002, que, tal como o Acórdão n.º 21/2003, incidiu sobre caso em que
ocorrera a morte do sinistrado e o beneficiário da pensão era um seu familiar,
constituindo, assim situação diversa da ora em apreço».
É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se
reitera.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a),
do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a
remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades
parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas
incapacidades excedam 30%;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no
que diz respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Março de 2006
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão ao entender que a norma impugnada, impondo a remição obrigatória
total de uma pensão resultante de acidente de trabalho ocorrido em 1980, ofende
o artigo 59º n.º 1 alínea f) da Constituição, por atingir elementos essenciais
da pensão infortunística que fora já fixada, prejudicando de forma inadmissível
a segurança e a previsibilidade do direito à justa reparação. Com efeito, a
forma como a pensão foi integrada no património do beneficiário durante o
período de tempo durante o qual foram sendo regularmente pagas as prestações
pecuniárias devidas a este título, condiciona, de certa forma, o próprio modo de
vida do interessado, conferindo-lhe o direito a não sofrer, independentemente da
sua vontade ou da ocorrência de uma causa superveniente, inesperadas alterações
no montante, na periodicidade, e na regularidade do processamento desses abonos.
Foi, aliás, nesta perspectiva que assinei o Acórdão n.º 34/2006, no qual estava
em causa o artigo 74º do mesmo Decreto-Lei n.º 143/99, ou seja, o regime
transitório para a remição obrigatória de pensões anteriormente atribuídas.
Carlos Pamplona de Olioveira