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Processo nº 386/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 8 de Maio de 2006 o relator proferiu a
seguinte decisão: –
“1. Tendo, pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa
(posteriormente sendo os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de
Sintra), interposto A. recurso contencioso de anulação do despacho proferido –
no uso de competência que lhe foi delegada pelo Presidente da Câmara Municipal
da Amadora – em 26 de Julho de 2002 pelo Vereador daquela Câmara, e por
intermédio do qual o recorrente foi intimado a demolir determinada obra que,
anteriormente, tinha sido objecto de embargo, veio, em 20 de Setembro de 2004, a
ser proferida sentença que julgou improcedente o recurso.
Dessa sentença intentou o impugnante recorrer para o Supremo
Tribunal Administrativo, tendo, desde logo, apresentado a sua alegação, na qual
formulou as seguintes «conclusões»: –
‘1- O presente recurso vem interposto de Douta Sentença proferida pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal de Sintra que declarou improcedente o Recurso de
Anulação que interpôs da Decisão do Vereador da Câmara Municipal da Amadora, por
delegação do Presidente da Câmara que o intimou a demolir dois pilares ao nível
do R/C e três ao nível do primeiro andar e respectivas vigas de travamento
construídas em betão armado para suportar a laje de cobertura da oficina de
madeira existente na sua residência.
2- O ora Recorrente não se conforma com a Douta Sentença, considerando que a
mesma, salvo o devido respeito, não tomou em consideração todos os elementos
carreados para os autos, cuja ponderação e análise implicaria necessariamente
uma decisão diferente daquela que afinal veio a ser proferida, violando o
disposto no art. 1º nº 1 al. a) do DL nº 445/91 de 20 de Novembro e actualmente
pelo preceituado no art. 4º nº 2 c) do DL nº 555/99 de 16 de Dezembro.
3- O Recorrente teve necessidade de efectuar algumas reparações de conservação e
de reparação, de forma a criar condições de habitabilidade para si e para a sua
família, pois a casa encontrava-se, de dia para dia, cada vez mais deteriorada e
era necessário assegurar as condições mínimas de habitabilidade do Recorrente e
da sua família.
4- O Recorrente requereu junto da Câmara Municipal da Amadora, ora Recorrida, a
legalização da sua casa, tendo apresentado o respectivo projecto e pediu
autorização para fazer as referidas obras de reparação.
5- O Recorrente fez vários requerimentos junto da Câmara Municipal da Amadora a
solicitar autorização para realizar as mesmas, mas devido à demora da
autorização, teve necessidade de realizar as mesmas.
6- As reparações efectuadas são de pouca dimensão e não alteram em nada a
estética do bairro, nem têm qualquer impacto visual, não são obras novas e
trata-se e tratou-se apenas de reparação do que já existia.
7- Considera o Recorrente que não tem fundamento a Douta Decisão recorrida, pois
contrariamente ao Douto entendimento do Meritíssimo Juiz do Tribunal ‘a quo’,
considera que as referidas reparações não estão sujeitas a licenciamento
municipal.
8- No entanto, a considerar-se, por mera hipótese académica, que se tratam de
obras sujeitas a licenciamento municipal, também é certo que da matéria provada
resulta que o Recorrente solicitou o licenciamento da sua casa de habitação e
das obras de reparação, aguardando a obtenção dos documentos solicitados pela
entidade recorrida (cfr. facto 1º, 2º, 3º e 4º dos factos provados),
9- Também é certo que nos termos do nº 2 do art. 106º do DL 555/99, a demolição
só pode ser ordenada se não for possível a legalização da obra, sob pena dessa
ordem de demolição violar directamente aquele preceito legal. Ainda para mais,
estando em causa a própria casa de habitação do Recorrido e da sua família, a
demolição das reparações efectuadas iria provocar prejuízos incomportáveis para
o Recorrente e para a sua família.
10- Assim, deveria o Douto Tribunal ‘a quo’ ter tido em conta esta questão, ou
seja, de que se trata da casa de habitação do Recorrente e da sua família e que
existe a possibilidade de legalização da obra.
11- A Douta Decisão recorrida também não teve em conta que a demolição decretada
pela entidade recorrida ao Recorrente revela uma desigualdade de tratamento para
com os vizinhos do mesmo que não têm as suas obras legalizadas e que nunca foram
penalizados, ferindo os princípios da igualdade e da proporcionalidade, da
justiça e da imparcialidade, nos termos dos artigos 5º e 6º do Código de
Procedimento Administrativo e dos artigos 13º e 266º nº 2 da Constituição da
República Portuguesa e do art. 48º nº 1 do DL nº 316/95 de 28 de Novembro, quer
por desigualdade de tratamento dos interesses em confronto, quer por sacrificar
desproporcionalmente os interesses do ora Recorrente.
12- Também o Meritíssimo Juiz do Tribunal ‘a quo’, salvo o devido respeito,
deveria ter tido em conta que a decisão recorrida não se apresenta devidamente
fundamentada, violando o disposto no art. 105º do CPA e arts. 268º nº 3 da CRP,
1º nº 1 al. a) e d) do DL nº 256-A/77 de 17 de Junho, [ ] al. a) e c) da 1ª
parte do nº 1 do art. 125º do CPA.
13- Por outro lado, sempre seria manifesta a insuficiência de fundamentação do
despacho recorrido, deficiência essa que o art. 1º nº 3 do DL nº 256-A/77 de 17
de Junho e o nº 2 do art. 125º do CPA, igualmente infringidos, expressamente
equiparam à falta de fundamentação, conforme também o Ac. do ST A de 07/07/83,
in A.D. nº 385, pág. 8.
14- Assim, a Douta Sentença recorrida deveria ter tido em conta que o acto
recorrido enferma de:
a. vício de violação da lei, por inexistência ou ilegalidade dos pressupostos
relativos ao conteúdo do objecto do acto, ou seja, falta dos pressupostos de
facto, na medida em que não estamos perante obras sujeitas a licenciamento, mas
obras de simples conservação;
b. vício de violação da lei, por infringir os artigos 5º e 6º do Código de
Procedimento Administrativo e dos artigos 13º e 266º da Constituição da
República Portuguesa e do art. 48º nº 1 do DL nº 316/95 de 28 de Novembro;
c. vício de forma, por falta ou deficiência da fundamentação, porque a decisão
recorrida não contém as razões e os fundamentos de facto e de direito que o
justificariam, conforme se exige nos artigos 268º nº 3 da Constituição da
República Portuguesa, art. 1º nº 1 alíneas a) e d), 2º e 3º do DL nº 256-A/77 de
17 de Junho, 105º, 124º nº 1 alíneas a) e c) e art. 125° nºs. 1, 2 e 3 do Código
de Procedimento Administrativo.’
Anote-se, por outro lado, que, nessa mesma alegação, não se
surpreende qualquer asserção de onde decorra, directa ou indirectamente, mediata
ou imediatamente, expressa ou implicitamente, a sustentação de que um dado
normativo constante do ordenamento jurídico ordinário (ainda que alcançado por
via de um processo interpretativo incidente sobre determinado preceito) fosse
conflituante com a Lei Fundamental.
Por despacho lavrado em 8 de Novembro de 2004 pelo Juiz do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Sintra, não foi o recurso jurisdicional admitido por
extemporaneidade na respectiva interposição.
De tal despacho reclamou o recorrente para o Presidente do Supremo
Tribunal Administrativo.
No requerimento consubstanciador da reclamação, o impugnante disse,
a dado passo: –
‘(…)
3º.
Nos termos do art. 144º do CPTA, o prazo de interposição de recurso é de 30 dias
e devem ser juntas as respectivas alegações.
Assim,
4º.
Cumpriu o Recorrente o estatuído mo referido preceito legal.
No entanto,
5º.
O Recurso interposto pel[o] ora Reclamante não foi admitido pelo Meritíssimo
Juiz do Tribunal ‘a quo’, com o fundamento de que o mesmo é intempestivo,
porquanto foi deduzido fora do prazo legal, considerando que nos termos do art.
102º d[a] LPTA, os Recursos Ordinários das decisões jurisdicionais se regem pela
Lei de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
6.º
Salvo o devido respeito, não tem fundamento o Douto Despacho, uma vez que são
aplicáveis as disposições legais do CPTA.
7º.
O disposto no art. 5º do DL nº 15/2002 de 2 de Fevereiro viola vários preceitos
legais, nomeadamente os art.s 13º, 16º, 18º e 205º todos da CRP,
Pois,
8º.
Sendo um princípio geral do Direito que a lei só dispõe para futuro, é também um
princípio geral do Direito que aos processos pendentes deve aplicar-se o regime
que se mostrar mais favorável.
9º.
Dúvidas não existem de que as disposições legais do CPTA são mais favoráveis ao
Recorrente.
Acresce que,
10º.
Aquando da entrada em vigor da referida Lei nº 15/2002 de 2 de Fevereiro ainda
não tinha sido interposto este último recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
[pensa-se que se pretendia dizer «Administrativo»].
Pelo que,
11º.
Sempre ao mesmo deveriam ser aplicáveis as disposições legais do CPTA.
(…)’
O Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 20
de Maio de 2005, veio a deferir a reclamação.
Na parte que releva, escreveu-se nesse despacho: –
‘(…)
O Reclamante pretende ver aplicado, ao presente processo, os
‘artigos 140.º e ss, do CPTA’, aprovado pela Lei n.º 15/2002. de 22 de
Fevereiro.
Contudo, o artigo 5.º daquela lei determina que ‘As disposições
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos
que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor’. E o n.º 3 do mesmo
artigo acrescenta que ‘Não são aplicáveis aos processo pendentes as disposições
que excluem recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior, tal
como também não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram
admitidos na vigência da legislação anterior’.
Daqui resulta, com suficiente clareza, que, em matéria de
recursos, não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições do CPTA que
‘excluem recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior’ ou
‘introduzam novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação
anterior’.
Mas daí emerge também uma dúvida, qual seja a de saber se é de
aplicar as disposições do CPTA aos processos pendentes, na parte (por exemplo,
prazo de interposição de recurso e tramitação subsequente) que não respeite à
exclusão de ‘recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior’ ou
à introdução de ‘novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação
anterior’.
Sempre se dirá que o princípio pro actione plasmado no CPC e
consideravelmente alargado no novo CPTA recomenda uma interpretação mais
favorável daquele preceito em vista do acesso ao Direito e a uma tutela efectiva
das posições subjectivas dos particulares.
Assim, perante o avolumar das dúvidas, e uma vez que ‘a decisão
que admita o recurso […] não vincula o tribunal superior’ (cfr. n.º 4 do artigo
678.º do CPC), há que abandonar a posição por nós anteriormente assumida em
casos análogos, para, deste modo, dar a possibilidade ao Tribunal ad quem de
emitir pronúncia definitiva quanto a esta matéria.
(…)’.
Na sequência do despacho de que parte se encontra extractada
(despacho esse devidamente notificado ao impugnante), não veio este apresentar
nos autos qualquer requerimento, vindo o Juiz do Tribunal Administrativo e
Fiscal de Sintra a admitir o recurso.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de14 de Fevereiro de
2006, julgou findo o recurso, por [ ] dele se não poder conhecer em virtude de
ter sido interposto fora de prazo.
Respiga-se desse aresto a seguinte fundamentação que levou ao assim
decidido: –
‘(…)
O n.º 3 do mencionado artigo 5.º, no contexto referido estatui assim:
‘Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem recursos
que eram admitidos na vigência da lei anterior, tal como também não o são as
disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da
legislação anterior’.
Esta norma como é indiscutível tem como objecto a admissibilidade de recursos
jurisdicionais na sucessão dos regimes jurídicos em relação às causas já
iniciadas e determina no sentido da maior segurança e pacificação, que é o de
manter o regime de recursos jurisdicionais existente no momento em que a causa
foi proposta, sem alterações ou excepções de alguma espécie.
Isto, e só isto, se pode retirar da letra do transcrito n.º 3 do artigo 5.º da
Lei 15/2002.
Portanto, ao processamento dos recursos jurisdicionais nos processos pendentes,
que são exclusivamente os recursos jurisdicionais que existiam no regime
anterior e que se mantêm com o mesmo regime, não pode deixar de se aplicar a
regra do n.º 1, da não aplicação das regras novas a processos pendentes à sua
entrada em vigor.
Esta é, aliás, a solução que faz sentido, porque não seria lógico manter os
recursos do regime anterior para os processos já iniciados e depois aplicar ao
processado desses recursos antigos as regras novas.
Isto é, o n.º 3 é perfeitamente consentâneo com a regra do n.º 1, mas já não
seria curial uma especiosa interpretação que se baseasse numa leitura ‘a
contrario’ do n.º 3 para lhe inculcar um sentido oposto ao do seu texto, sem
qualquer base literal, como seria entender que se o dispositivo fala em não
aplicar a lei nova às espécies de recursos jurisdicionais admissíveis em causas
já iniciadas, então nos aspectos restantes (processado, p.e.) o silêncio
significaria que se pretende a aplicação da lei nova.
A clareza e coerência da interpretação deste n.º 3 tem de partir da regra
principal constante do n.º 1 e do entendimento literal que aponta como matéria
única e exclusiva do n.º 3 a regulação dos recursos admissíveis nas causas já
iniciadas. Com estes dois elementos interpretativos todas as dúvidas
desaparecem.
(…)
A posição adoptada quanto à interpretação da norma substantiva que regula a
situação corresponde à jurisprudência firme deste ST A.
Como se disse no Ac. deste STA no Proc. 1064/05, de 14.12.2005:
‘Este STA pronunciou-se já sobre esta matéria sustentando que ‘As disposições do
Código de Processo dos Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos
que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor’ (n.º 1 do art.º 5 da
Lei n.º 15/02, de 22.2) e sublinhando que o n.º 3 deste preceito ‘visa precisar
que, nem mesmo nos casos de eliminação ou inclusão de novos recursos, as
disposições do CPTA serão aplicáveis aos processos pendentes’ (acórdão STA de
3.6.04 no recurso 381/04). Posição reiterada no acórdão de 26.10.04, proferido
no recurso 379/04, quando se afirmou que ‘Com a norma transitória contida no
art.º 5 da Lei n.º 15/2002, de 22.2 (que aprovou o CPTA), quis-se significar que
as disposições do CPTA, com a excepção dos casos enunciados nos seus n.º 2 e 4,
não são aplicáveis aos processos pendentes.’
Assim, aquele n.º 3 limita-se a reafirmar uma situação particular de
inaplicabilidade – a regra geral – da nova regulamentação aos processos
pendentes.
Portanto, tendo o recurso contencioso sido interposto em 16.9.03, era um
processo pendente à data da entrada em vigor do CPTA (1.1.04), sendo-lhe
inaplicável a nova regulamentação, por força do n.º 1, do referido art.º 5. O
recurso jurisdicional interposto nos autos nem é ‘excluído’ nem é ‘novo’, na
apontada terminologia, mas ainda que fosse uma coisa ou outra, ainda assim o
Código lhe seria inaplicável. De resto, nenhuma destas normas interfere,
minimamente que seja, com o prazo de interposição do recurso, que era de 10 dias
(art.º 102 da LPTA e 685, n.º 1 do CPC) e passou a ser de 30 (art.º 144, n.º 1,
do CPT A). Não há aqui que ter em consideração qualquer princípio que favoreça o
acesso ao direito, porquanto os valores que os impõem não estão subjacentes à
falta cometida pela recorrente que resulta de um simples desrespeito de um dos
muitos prazos que as partes devem observar quando colocam a resolução dos seus
problemas nos tribunais.’
Como se vê da transcrição, na jurisprudência, já em significativo número de
decisões das Subsecções deste STA, não existe divergência sobre a matéria da não
aplicação dos prazos da lei nova aos recursos jurisdicionais em processos
pendentes em 1.1.2204, o que constitui também um índice do que se afirmou antes
quanto a não estarmos perante uma questão de tal modo eriçada de dúvidas que
justifique um tratamento afastado da letra da norma e do seu entendimento
lógico, sistemático e finalístico.
(…)’
Deste acórdão que veio o impugnante interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, o que fez mediante requerimento com o seguinte teor: –
‘Venerandos Srs. Drs. Juízes Desembargadores do Tribunal Constitucional
A., Recorrente nos autos supra, tendo sido notificado de Douto Acórdão que
considerou o recurso interposto para além do prazo legalmente permitido, não
conhecendo do respectivo objecto, e não se conformando com o mesmo, dele vem
interpor Recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do disposto no art.
70º nº 1 al. b) e seguintes da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, com a nova
redacção da Lei nº 85/89 de 7 de Setembro, porquanto: ´
1º.
O referido Acórdão é inconstitucional porquanto se fundamenta no art. 5º do DL
nº 15/2002 de 2 de Fevereiro que viola vários preceitos legais, nomeadamente, os
artigos 13º,16º,18º e 205º, todos da CRP.
Pois,
2º.
Sendo um princípio geral do Direito que a lei só dispõe só para o futuro, é
também um princípio geral do Direito que aos processos pendentes deve aplicar-se
o regime que se mostrar mais favorável ao interessado.
3º.
Dúvidas não existem de que as disposições legais do CPTA são mais favoráveis ao
Recorrente.
Acresce que,
4º.
Aquando da entrada em vigor da referida Lei nº 15/2002 de 2 de Fevereiro ainda
não tinha sido interposto este último recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça.
5º.
Mostrando-se o referido regime mais favorável ao Recorrente, deverá aplicar-se
aos presentes as disposições constantes no CPTA, nomeadamente o disposto no art.
144º e seguintes do CPC.
Sendo certo que,
6º.
O princípio ‘pro actione’ plasmado no CPC e consideravelmente alargado com o
novo CPTA recomenda uma interpretação mais favorável daquele preceito em vista
do acesso ao Direito e a uma tutela efectiva das posições subjectivas dos
particulares.
7º.
Aliás, a evolução para este entendimento veio a merecer a consagração de forma
expressa do princípio pro actione no nº 2 do novo CPTA, aprovado pela Lei nº
15/2002, de 22 de Fevereiro.
Além de que,
8º.
Na perspectiva material do direito em causa, os autos mostram que estamos
perante obras que foram efectuadas na casa de habitação do ora Recorrido e que
eram indispensáveis para que o Recorrido e o seu agregado familiar pudessem
habitar na mesma.
Pelo exposto,
9º.
Se requer que os Venerandos Ju[í]zes do Tribunal Constitucional se pronunciem
sobre a inconstitucionalidade do Douto Acórdão recorrido, bem como do disposto
no art. 5º do DL nº 15/2002 de 2 de Fevereiro por violação de vários preceitos
legais, nomeadamente artigos 13º, 16º, 18º e 105º todos da CRP.
10º.
As questões de inconstitucionalidade referidas foram invocadas pelo ora
Recorrente na seguinte peça processual:
– Reclamação apresentada junto do STJ em 6 de Dezembro de 2004’
O recurso foi admitido por despacho exarado em 13 de Março de 2006
pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, vindo os autos a
ser remetidos ao Tribunal Constitucional e aqui dando entrada em 24 de Abril
seguinte.
2. Porque tal despacho não vincula este órgão de administração de
justiça (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se
entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1
do artº 78º-A, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do
objecto da presente impugnação.
Em primeiro lugar, anota-se que não pode constituir objecto do
recurso a «pronúncia sobre a inconstitucionalidade» do acórdão prolatado pelo
Supremo Tribunal Administrativo, sabido como é que tal objecto é constituído por
normas vertidas no ordenamento jurídico infra-constitucional e não por outros
actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale
consideradas.
Admitindo-se, porém, que é intento do recorrente impostar a questão
da apreciação da desarmonia constitucional de certa norma (e ela seria a que se
retiraria do artº 5º da Lei – e não ‘DL’ – nº 15/2002, de 2 de Fevereiro, sendo
certo que não é efectuada qualquer referência a qual dos seus números 1 a 4 se
reporta a questão) é por demais evidente que o que estaria então em causa seria
um dado sentido normativo conferido a algum dos preceitos constantes daquele
artº 5º (que, repete-se, não é minimamente indicado).
Nesta hipotética admissão, contudo, impenderia sobre o impugnante o
ónus de, precedentemente ao proferimento do aresto pretendido recorrer perante o
Tribunal Constitucional e de molde a que a decisão a proferir pelo Supremo
Tribunal Administrativo tivesse de responder a tal questão, indicar
concretamente qual a dimensão interpretativa de um dos concretos preceitos
constitutivos do falado artº 5º que reputava como conflituante com a Lei
Fundamental.
Na verdade, tem de há muito este Tribunal entendido que,
colocando-se em causa a harmonia constitucional de uma dada interpretação
incidente sobre preceito do ordenamento jurídico ordinário, recai sobre quem
posteriormente deseje lançar mão do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do
artº 70º da Lei nº 28/82 o ónus de, antes da prolação da decisão judicial
querida recorrer perante este órgão de fiscalização concentrada da
constitucionalidade, indicar o específico sentido normativo que reputa de
inconstitucional, identicamente recaindo o ónus de, no requerimento de
interposição de recurso, enunciar, de forma clara e precisa, aquele exacto
sentido, não bastando afirmar que o preceito enferma de contraditoriedade com o
Diploma Básico, já que aquele ónus de identificação não tem de ser «transferido»
para o Tribunal Constitucional.
Assim, e exemplificativamente, disse-se no Acórdão nº 178/95
(publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, 1109 a 1119) que:
–
‘(…) tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e
perceptível (cf., entre outros, Acórdão nº 269/94, Diário da República, II
série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
Escreveu-se a propósito no acórdão nº 367/94 (Diário da
República, II série, de 7 de Setembro de 1994):
Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um
preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se
faça.[...] esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser
enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o
Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários
desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para
dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por,
desse modo, violar a Constituição.
(…)’
E, a este propósito, muitas outras decisões tomadas em idêntico
sentido, poderiam ser citadas (cfr., por mais recentes, os Acórdãos números
327/2003 131/2005 e 21/2006, disponíveis em http://www. tribunalconstitucional.
pt/tc/acordaos/).
Ora, nada disto sucedeu no caso sub specie.
Na verdade, num primeiro passo, sublinha-se que o recorrente, após
ter visto deferida a reclamação que apresentou perante o Presidente do Supremo
Tribunal Administrativo – e muito embora no despacho proferido por esta entidade
se realçasse que o deferimento da reclamação não se revestia de força
vinculativa relativamente ao acórdão a lavrar por aquele Alto Tribunal – não
veio aos autos (formulando, por exemplo, um «requerimento complementar» à sua
alegação) colocar o problema de, na sua perspectiva, ser inconstitucional uma
certa dimensão a conferir a um específico preceito do artº 5º da Lei nº 15/2002,
sendo certo que era plausível, até pelos termos constantes daquele despacho e da
jurisprudência que tem sido seguida por aquele Supremo, que o colectivo desse
Tribunal viesse a sufragar um entendimento dos preceitos precipitados no
indicado artigo no sentido de o prazo de interposição do recurso se dever contar
de forma diversa da que foi acolhida no despacho do seu Presidente.
Depois, é de evidência que, ainda que se aceitasse que bastava a
suscitação da questão de desconformidade constitucional na peça reclamatória
para o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, desta sorte não sendo de
exigir ao impugnante que colocasse o problema directamente perante o órgão
jurisdicional a quem cabia a «última palavra» no conhecimento ou não
conhecimento do objecto do recurso querido interpor da sentença exarada no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – o que somente se concebe para
efeitos meramente argumentativos –, o que é certo é que não foi, em tal peça,
suscitado devidamente esse problema, pois que, como se disse já, essa peça foi
totalmente silente, quer quanto à indicação de um específico preceito do artº 5º
da Lei nº 15/2002, quer quanto à forma interpretativa que, na sua óptica, era
tida por inconstitucional, limitando-se a dizer que o ‘disposto no art. 5º do DL
nº 15/2002 de 2 de Fevereiro viola vários preceitos legais, nomeadamente os
arts. 13º, 16º, 18º e 205º todos da Constituição’, sendo certo que no
requerimento de interposição de recurso igualmente se não faz a mínima menção a
algum desses pontos.
Vale isto por dizer que não foi suscitada a questão de
inconstitucionalidade normativa perante o órgão jurisdicional que tinha de
decidir o caso, como ainda, mesmo a admitir-se que bastaria para esse efeito a
suscitação na reclamação endereçada ao Presidente do Supremo Tribunal
Administrativo, a concreta forma como o problema foi equacionado não pode ser
tid[a] como um modo processualmente adequado de suscitação.
Termos em que se não conhece do objecto do recurso, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades
de conta.”
Da supra transcrita decisão reclamou o
impugnante A. nos termos do disposto no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, dizendo no requerimento dela consubstanciador: –
“1.º
A Douta Decisão recorrida vem interposta de Douto Acórdão que considerou o
recurso interposto para além do prazo legalmente permitido, não conhecendo do
respectivo objecto.
2º.
Considerou a Douta Decisão recorrida que os Recursos ordinários das decisões
jurisdicionais se regem pela Lei Processual Civil, com as necessárias
adaptações, ao abrigo do disposto no art. 102º do LPTA.
No entanto,
3º.
Salvo o devido respeito, que é muito, carece de fundamento o conteúdo do Douto
Despacho e Douto Acórdão que o confirmou, uma vez que são aplicáveis as
disposições legais do CPTA.
4º.
O referido Despacho é inconstitucional porque se fundamenta no nº 1 do art. 5º
da lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro que viola vários preceitos legais,
nomeadamente, os artigos 13º, 16º, 18º e 205º, todos da CRP.
Porquanto,
5º.
Sendo um princípio geral de Direito que a lei só dispõe para o futuro, é também
um princípio geral de Direito que aos processos pendentes deve aplicar-se o
regime mais favorável ao interessado.
Ora,
6º.
Dúvidas não subsistem que as disposições legais do CPTA são mais favoráveis ao
ora Recorrente.
Acresce que,
7º.
Quando a Lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro entrou em vigor ainda não tinha sido
interposto este último para o Supremo Tribunal de Justiça.
8º.
Mostrando-se o regime mais favorável ao ora Recorrente deverá aplicar-se aos
presentes as disposições constantes no CPTA, nomeadamente o disposto no art.
144º e seguintes do CPC.
Além de que,
9º.
O princípio ‘pro actione’ plasmado no C PC e consideravelmente alargado com o
novo CPTA recomenda uma interpretação mais favorável daquele preceito com vista
ao acesso do Direito e a uma tutela efectiva das posições subjectivas dos
particulares.
Sendo certo que,
10º.
A evolução para este entendimento veio a merecer a consagração de forma expressa
do princípio ‘pro actione’ no nº 2 do novo CPTA, aprovado pela Lei nº 15/2002 de
22 de Fevereiro.
Acresce que,
11º.
Na perspectiva material do Direito em causa, os autos mostram que estamos
perante obras que foram efectuadas na casa de habitação do ora Recorrente e que
eram indispensáveis para que o mesmo e o seu agregado familiar pudessem habitar
na casa.
12º.
A demolição decretada pela entidade recorrida ao Recorrente revela uma
desigualdade de tratamento para com os vizinhos do mesmo que não têm as suas
obras legalizadas e que nunca foram penalizados, ferindo os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, nos termos do
art. 5º e 6º do CPA e dos artigos 13º e 266 nº 2 da CRP e do art. 48º nº 1 do DL
nº 316/95 de 28 de Novembro, quer por desigualdade de tratamento dos interesses
em confronto, quer por sacrificar desproporcionalmente os interesses do ora
Recorrente.
É que,
13º.
Estando em causa a própria habitação do ora Reclamante e da sua família, a
demolição das reparações efectuadas iria provocar prejuízos incomportáveis para
o mesmo e para a sua família.
14º.
Deveria ter-se tido em linha de conta, na Douta Decisão, que se trata da casa de
habitação do Reclamante e da sua família e que existe a possibilidade de
legalização da obra.
15º.
Salvo o devido respeito, que é muito, os Venerandos Srs. Drs. Juízes
Desembargadores do Supremo Tribunal Administrativo não tiveram em conta que a
Lei Constitucional exige a aplicação do regime processual de admissão de recurso
jurisdicional mais favorável, em caso de sucessão de leis no tempo.
Nesta conformidade,
16º.
Devem os Venerandos Srs. Drs. Juízes Desembargadores do Tribunal Constitucional
pronunciarem-se sobre a inconstitucionalidade do Douto Despacho recorrido, bem
como do disposto nos nºs. 1 e 3 do art. 5º da Lei no 15/2002 de 22 de Fevereiro,
por violação de vários preceitos legais, nomeadamente artigos 13º, 16º, 18º e
105º, todos da CRP.
Assim,
17º.
Deve a presente Reclamação ser recebida e, a final, entender-se pela procedência
do Recurso, pelos motivos invocados.”
Ouvido sobre a reclamação, o Vereador da Câmara
Municipal da Amadora veio sustentar que a mesma deve ser julgada improcedente,
invocando que “o recorrente não aduz qualquer argumento, susceptível de colocar
em causa a douta decisão que antecede”, não só não demonstrando “ter suscitado a
questão da inconstitucionalidade de qualquer norma, junto do douto Supremo
Tribunal Administrativo, como” continuando “pura e simplesmente a demonstrar a
sua discordância com o douto acórdão de 14/02/2006, proferido por aquele Supremo
Tribunal, que julgou extemporâneo o recurso interposto”, pelo que, assim,
continua “a não equacionar de forma correcta a questão, e a utilizar de forma
abusiva e inadequada o presente meio processual”.
Cumpre decidir.
2. Basta ler os termos do requerimento acima
extractado para se concluir, inequivocamente, que no mesmo não é carreado
qualquer fundamento tendente a infirmar o que foi expendido na decisão em crise
e que conduziu à não tomada de conhecimento do objecto do recurso.
Efectivamente, na reclamação em apreço
limita-se o impugnante a, praticamente, reiterar o que fora dito aquando do
intentado recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão prolatado no Supremo
Tribunal Administrativo, não se lobrigando um mínimo argumento que seja
destinado a contraditar a corte de razões da decisão de 8 de Maio de 2006.
E, porque este órgão de administração de
justiça não vislumbra motivos que levem a pôr em causa o que em tal decisão foi
escrito (e isto mesmo a entender-se que a reclamação de uma decisão proferida
nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82 não tem de ser fundamentada de
molde a serem expostas as razões por que se discorda da decisão reclamada –
cfr., em sentido contrário, o Acórdão deste Tribunal nº 293/2001, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), indefere-se a reclamação, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos