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Processo n.º 915/05
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1.Por despacho do Tribunal de Trabalho de Bragança de 15 de Julho de 2005, de
fls. 92 e seguintes, foi indeferido o pedido, formulado pela Companhia de
Seguros A., S. A., de remição obrigatória da pensão fixada nos autos ao
sinistrado B., considerando que este declarou não aceitar a remição.
Para o efeito, o referido despacho recusou a aplicação, “por
inconstitucional, por violação do art. 59º, n.º 1 al. F) da Constituição,[d] a
norma resultante do art. 56º n.º 1 al. A) do D.-L.143/99, de 30/4, quando
interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é
independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades
parciais permanentes superiores a 30% ou por morte”.
Tal juízo de inconstitucionalidade fundamentou-se, como expressamente se
afirma no despacho em causa, na jurisprudência deste Tribunal, designadamente no
Acórdão n.º 56/2005, publicado no Dário da República, II série, de 3 de Maio de
2005, cujo juízo de inconstitucionalidade se entendeu que valia “igualmente para
o art. 56º n.º 1 al. A)”.
2. Notificado do despacho citado, o Ministério Público recorreu para este
Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação “do disposto no artº 56 n.º
1. a) , do DL 143/99 de 30/4 «quando interpretado por forma a impor a remição
obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões
atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por
morte»”.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, nas
quais começou por observar que, estando em causa uma pensão devida desde momento
muito anterior à lei em questão, o caso presente “teria necessariamente de
passar pela aplicação do regime transitório plasmado no artigo 74º do
Decreto-Lei n.º 143/99”. No entanto, como acrescentou, não podendo o Tribunal
apreciar senão a conformidade constitucional de normas cuja aplicação a decisão
recorrida afastou por inconstitucionalidade, terá tal apreciação que versar
sobre o artigo 56º, n.º 1, a), mas deixando de fora a parte relativa à “remição
de pensões atribuídas ‘por morte’, já que não é esta a situação concreta que
ocorre no caso dos autos”.
Procedeu, seguidamente, à análise da jurisprudência constitucional relativas
às diferentes normas dos artigos 56º e 74º do citado Decreto-Lei n.º 143/99,
realçando o acórdão em que se louvou a decisão recorrida, o acórdão n.º 56/05, e
admitiu que “perante a firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do
acórdão n.º 56/05, (…) deva reponderar-se efectivamente o juízo de não
inconstitucionalidade emitido quanto à norma constante do artigo 56º, n.º 1,
alínea a) do Decreto-Lei n.º 143/99, submetendo tal norma ao parâmetro
constitucional da justa reparação dos acidentes de trabalho (…)”, na dimensão em
causa no presente recurso.
Concluiu as alegações do seguinte modo:
“1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no
acórdão n.° 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa
reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo
59°, n° 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se
traduz em impor ao trabalhador/sinistrado – contra a sua vontade expressa no
processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente
do seu montante pecuniário –visam compensar graus elevados – superiores a 30% –
de incapacidade laboral.
2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente
à vigência do Decreto-Lei n.° 143/99 (previstas no artigo 74°), como às pensões
decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja
remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da
remição da pensão – certos trabalhadores receberem um capital indemnizatório,
que passam a administrar livremente, enquanto os restantes continuam a receber
uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não objecto de remição.
4 – Porém, a norma constante do artigo 56°, n.° 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º
143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição
obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidaês parciais permanentes
superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da justa reparação de danos
causados por acidentes laborais.
5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida”.
A recorrida não alegou.
4. Cumpre começar por delimitar o objecto do recurso, tendo em conta, quer a
restrição feita pelo recorrente nas alegações, quer a circunstância de estar em
causa a recusa de aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 56º do Decreto-Lei
n.º 143/99 a acidentes ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor (o
acidente ocorreu em 1960). Como observa o Ministério Público, o Tribunal
Constitucional não pode deixar de ter este preceito como referência, por não lhe
caber interferir na escolha do direito ordinário aplicável efectuada pelo
tribunal recorrido.
Traduz-se tal objecto, então, na norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo
56º do Decreto-Lei n.º 143/99, quando interpretada no sentido de impor a remição
obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30%, e correspondentes a acidentes ocorridos antes da data da sua
entrada em vigor.
5. Sucede que foi entretanto aprovado o acórdão n.º 292/2006 (ainda inédito), no
qual se decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do disposto na alínea f)
do nº 1 do artigo 59º da Constituição, o conjunto normativo constante do nº 1 do
artº 33º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea a) do nº 1 do artº 56º
do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretados no sentido de
imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões
cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal
garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de
acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%
e ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei”.
Para o efeito, o acórdão conjugou a justificação constante do recente acórdão
n.º 34/2006 (Diário da República, I série A, de 8 de Fevereiro de 2006), que,
remetendo para a fundamentação do acórdão n.º 56/2005, declarou a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral “da norma constante do artigo
74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção emergente do
Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a
remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades
parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas excedem
30%, por violação do artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República
Portuguesa” com a circunstância de se tratar da aplicação do disposto nos
artigos nº 1 do artigo 33º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea a)
do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, a acidentes
anteriores:
“Recentemente, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 34/2006 (disponível
em www.tribunalconstitucional.pt) declarou a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, por violação da alínea f) do nº 1 do artigo 59º da
Constituição, a norma constante do artº 74º do Decreto-Lei nº 143/99, quando
interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões
vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do
trabalhador/sinistrado, nos casos em que elas excedam 30%.
Sendo evidente que uma tal declaração de inconstitucionalidade teve por alvo um
normativo que não é o aqui em questão (tratava-se, pois do artº 74º e de
incapacidades parciais permanentes superiores a 30%), o problema que se põe é o
de saber – sendo certo que aquele artigo não deixa de ter como referente o
regime estabelecido para a remição de pensões prescrito no artº 56º – se o
fundamental da argumentação que conduziu a essa declaração poderá cobrar plena
aplicação na análise da norma que agora se aprecia, e numa hipótese em que a
incapacidade parcial permanente foi fixada em 30%, a pensão é de reduzido
montante (recte, não é superior a seis vezes a remuneração mínima mensal
garantida mais elevada à data da sua fixação) e o trabalhador manifestou
oposição à remição.
(…)
1. Da jurisprudência tirada pelo Tribunal Constitucional em matéria de
apreciação da conformidade ou desconformidade com a Constituição relativamente à
remição de pensões devidas por infortúnios laborais retira-se que tem, numa
primeira linha, sido dado relevo à tutela da autonomia da vontade do trabalhador
vítima de acidente laboral ou de doença profissional que lhe impôs uma
diminuição acentuada da sua capacidade para o trabalho, pois somente ele poderá
ponderar se é do seu interesse continuar a perceber determinado quantitativo
vitalício representativo daquela pensão ou se, pelo contrário, a perda da sua
capacidade de ganho pode ser compensada com um capital ou um eventual rendimento
do capital decorrente da remição. E isto desde que a pensão que tenha sido
atribuída seja representativa do asseguramento de um rendimento susceptível de
garantir uma existência minimamente condigna.
Outrotanto, e ainda segundo aquela jurisprudência, não sucede se em causa se
colocarem situações de acidentes de trabalho ou doenças profissionais que não
demandaram acentuada perda de capacidade de trabalho.
É que, em tais situações, o lesado pode ainda desempenhar o seu labor e a
compensação pelo infortúnio que sofreu – ponderando os consabidamente diminutos
montantes das pensões atribuídas nesses casos, a natural degradação valorativa
da moeda e a sempre tendencial elevação dos custos – facilmente poderá, ao ser a
pensão vitalícia «transformada», pela remição num dado capital, ser considerável
como uma «justa reparação» ancorada no direito que é conferido pela alínea f) do
nº 1 do artigo 59º da Constituição.
(…)
6. Como se viu, a situação sub iudicio cura da pretensão de remição de uma
pensão atribuída por um acidente de trabalho do qual resultou para o trabalhador
uma incapacidade permanente para o trabalho de 30%.
Neste conspecto, a corte argumentativa que conduziu à declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral vertida no Acórdão nº 34/2006,
poderia não ser globalmente transponível para o caso em apreço, já que se não
trata de uma incapacidade parcial permanente superior a 30%.
Ainda assim, mesmo nesta perspectiva, não se vá sem dizer que o raciocínio que
formou o «fio condutor» daquele aresto foi o de, porque a pensão, nas situações
de “acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal
sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e,
reflexamente, a possibilidade de auferir um salário condigno com ao menos, a sua
digna subsistência” [constituindo, pois, a pensão um “complemento à parca (e por
vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de
trabalho”) e porque “a aplicação de um capital – ainda que no momento em que
essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto
proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à
percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser
aleatória, comporta riscos”, haveria que se atender, por forma a ser respeitado
direito consagrado na alínea f) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, à vontade
expressa pelo trabalhador e não a uma “imposição do risco do capital a receber”,
a qual “limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando
vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional”.
Ora, reportando-se a situação em espécie a um acidente de trabalho de que
resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%, não se poderá desconsiderar
a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos
artigos 33º da Lei nº 100/97 e 56º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99,
entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são
aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%.
E, nesse contexto, poder-se-ia enveredar por um raciocínio semelhante ao que foi
prosseguido no Acórdão 34/2006.
6.1. No entanto, como acima se viu, o despacho ora impugnada só pode ser
entendido como tendo considerado a situação que tinha que decidir como se ela se
reportasse a um acidente de trabalho ocorrido já na vigência daqueles diplomas
(e não a pensão fixada no domínio de lei anterior, caso em que cobrava aplicação
a norma do artº 74º do Decreto-Lei nº 143/99) e estando em questão uma pensão
cujo valor, à data da atribuição, não era superior a seis vezes a remuneração
mínima mensal garantida mais elevada, opondo-se o trabalhador à remição.
De onde dever concluir-se que, para o caso em apreciação, em que se depara uma
oposição do trabalhador, não servirá a jurisprudência deste Tribunal tirada a
propósito da não insolvência constitucional das dimensões normativas reportadas
à alínea a) do nº 1 do artº 56º do Decreto-Lei nº 143/99 (cfr. Acórdãos acima
citados).
Assim sendo, o problema que cumpre equacionar não se coloca tanto ao nível de
uma confrontação com o princípio da igualdade (cujo parâmetro foi o utilizado
nos citados acórdãos), mas sim, mais acentuadamente, com o direito à justa
reparação consagrado na alínea f) do nº 1 do artigo 59º do Diploma Básico.
Vale isto por dizer que a pergunta cabida para a solução da questão é a de saber
se ofende aquele normativo a remição imposta pela alínea a) do nº 1 do artº 56º
do Decreto-Lei nº 143/99, se em causa estiver uma pensão de valor não superior a
seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da sua fixação,
atribuída por um acidente de trabalho ou doença profissional que acarretou uma
incapacidade parcial permanente não inferior a 30%, opondo-se a tanto o
trabalhador.
Ora, estando em causa um direito constitucionalmente conferido aos
trabalhadores, e porque se não trata de um infortúnio laboral de que redundou
uma perda de capacidade laboral inferior a 30%, não obstante o montante da
pensão (tido por reduzido pelo legislador ordinário), entende-se, com a entidade
recorrente, que a dimensão normativa daquele preceito que agora se analisa, ao
não devolver ao trabalhador “a sua livre opção sobre o modo como pretende ser
ressarcido” das consequências da incapacidade que o afecta (que o próprio
legislador ordinário considera não serem de pequena monta, justamente por não
ser inferior a 30%) deixa de privilegiar “em última análise, o valor ‘autonomia’
da vontade que, em regra, deverá funcionar como parâmetro fundamental nesta
sede”.
E, assim sendo, são, para a situação em presença, transponíveis, quanto ao ponto
conexionado com a relevância da autonomia da vontade do trabalhador, as
considerações que têm sido utilizadas pela jurisprudência deste Tribunal para
alcançar juízos de inconstitucionalidade quanto à remição de pensões e a que
acima se aludiu”.
6. Tem plena aplicação ao caso dos autos este julgamento, efectuado no citado
acórdão n.º 292/2006.
Na verdade, e como ali se explica, não releva, do ponto de vista da
constitucionalidade das normas em apreciação, a circunstância de, então, se
tratar de uma pensão atribuída por uma incapacidade de 30% e de aqui ocorrer uma
incapacidade superior a 30%.
Para além disso, também está agora em causa a aplicação do disposto na alínea a)
do n.º 1 do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99 a acidentes ocorridos à data da
sua entrada em vigor (cfr. Artigo 41º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, que faz
reportar a produção de efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a
regulamentar, e que foi o Decreto-Lei n.º 143/99), em nada alterando a questão
de que nos ocupamos a não inclusão, no objecto do presente recurso, do n.º 1 do
artigo 33º da Lei n.º 100/97, que estabelece o princípio da remição obrigatória
das “pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser
regulamentados”.
A aplicação a acidentes anteriores – no caso, em 1960 – suscita, na verdade, a
dúvida da compatibilização da norma em apreciação com as exigências do princípio
da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, pois se trata da
aplicação de um regime “que prevê consequências jurídicas para situações que se
constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se mantêm nessa data”
(acórdão n.º 232/91, Diário da República, II série, de 17 de Setembro de 1991.
Ver, ainda, acórdãos n.ºs 287/90, Diário da República, II série, de 20 de
Fevereiro de 1991 e 467/2003, Diário da República, II série, de 19 de Novembro
de 2003, e jurisprudência neles citada).
Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, isto não significa,
naturalmente, que exista qualquer “direito à não frustração de expectativas
jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou
relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não
está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo ou
das pensões, por exemplo (…). Cabe saber se se justifica ou não na hipótese da
parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um ‘investimento na confiança’ na
manutenção do regime legal (…)” (citado acórdão n.º 287/90).
Significa, antes, que não será consentânea com tal princípio a aplicação de uma
lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se “a confiança do cidadão
na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for
violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso,
com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer
sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque,
tendo tal confiança, nesse caso, maior ‘peso’ ou ‘relevo’ constitucional do que
o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o
conflito se resolva daquela maneira” (mesmo acórdão n.º 232/91); dito por outras
palavras, será inconstitucional se “atingir de forma inadmissível, intolerável,
arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as
pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” (acórdão n.º 486/97, Diário
da República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
Ora, no caso presente, impor ao beneficiário de uma pensão actualizável
correspondente a um acidente ocorrido em 1960 a sua substituição por um capital
de remição, obrigando-o a providenciar pela respectiva aplicação em termos de
garantir, em idêntica medida, a sua subsistência, afecta de forma inaceitável a
expectativa que legitimamente fundou na manutenção de um regime legal que lhe
permitiu organizar a vida contando com o pagamento periódico e vitalício daquela
quantia.
É certo que a obrigatoriedade de remição traz óbvias vantagens para a
seguradora, obrigada a pagar repetidamente e durante um longo período de tempo
inúmeras pensões de reduzido montante; e que, por essa via, o novo regime se
explica facilmente por critérios de racionalidade económica. Não se vê, todavia,
que tais vantagens sejam aptas a prevalecer sobre o risco que dela poderá
resultar para a subsistência do beneficiário, que confiou, nos termos expostos,
na manutenção da pensão.
Deve assim concluir-se pela inconstitucionalidade da norma que constitui o
objecto do presente recurso, por violação conjugada do disposto na alínea f) do
n.º 1 do artigo 59º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao
princípio Estado de Direito (artigo 2º da Constituição).
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56º
do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor,
independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo
montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida
mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de
trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e
ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 17 de Março de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Bravo Serra (com declaração
idêntica à que apus no acórdão hoje tirado no Processo n.º 890/2005)
Gil Galvão (com a declaração de que votei a decisão pelos fundamentos do acórdão
N.º 34/2006, que igualmente subscrevi).
Artur Maurício
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060322.html ]