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Processo n.º 358/06
Plenário
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira requer, ao
abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciação
preventiva da constitucionalidade de normas constantes do decreto legislativo
regional que «Altera o Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de
Janeiro, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos
estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da
Madeira», aprovado pela Assembleia Legislativa em sessão plenária de 22 de Março
de 2006 e recebido, para os efeitos previstos no artigo 233.º da CRP, no dia 30
do mesmo mês.
O requerente suporta o pedido nos fundamentos seguintes:
«II - A participação democrática no ensino e o seu
enquadramento constitucional e legal
1 – (…).
2 - Regendo sobre a participação democrática no ensino dispõe a Constituição no
artigo 77° que “os professores e alunos têm o direito de participar na gestão
democrática das escolas nos termos da lei” (nº 1), e outrossim que “a lei regula
as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais,
das comunidades e das instituições de carácter científico na definição da
política de ensino” (nº 2).
3 - Não obstante existir uma grande margem de conformação legislativa na
definição do conceito de “gestão democrática das escolas” por parte do
legislador ordinário, segundo o entendimento prevalecente na doutrina emerge de
tal conceito um núcleo essencial segundo o qual se pressupõe que a “gestão
escolar não compete, no todo ou em parte, ao titular do estabelecimento escolar
(Estado, etc.), ou a alguém por ele nomeado, mas sim a órgãos próprios da
escola, eleitos pela colectividade escolar, com participação de professores e
alunos”. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 375).
4 - Em ordem à densificação e concretização do imperativo constitucional da
gestão democrática das escolas, foi editada a Lei nº 46/86, de 14 de Outubro
(Lei de Bases do Sistema Educativo), ulteriormente alterada pelas Leis nºs
115/97, de 19 de Setembro e 49/2005, de 30 de Agosto, a qual, nos seus artigos
46º a 49º, na numeração resultante da Lei nº 49/2005, rege sobre a administração
do sistema educativo.
5 - No artigo 46º, subordinado à epígrafe “Princípios gerais” prescreve-se no n°
1 que “a administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno
respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a
consecução de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da
formação social e cívica” (Sublinhado acrescentado).
6 - E no artigo 48º, sob o título de administração e gestão dos estabelecimentos
de educação e ensino, determina-se no nº 2 que “em cada estabelecimento ou grupo
de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se
por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no
processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada
nível de educação e ensino”. (Sublinhados acrescentados).
7 - Por seu turno, no nº 4 do mesmo preceito, dispõe-se que “a direcção, de cada
estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é
assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os
representantes de professores e alunos e pessoal não docente, e apoiada por
órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo
modalidades a regulamentar para cada nível de ensino” (Sublinhados
acrescentados).
8 - Os princípios da democraticidade e da participação de todos os interessados
no processo educativo e na vida das escolas plasmados na Lei de Bases do Sistema
Educativo, vieram a ser desenvolvidos, nomeadamente, pelo Decreto-Lei nº 43/89,
de 3 de Fevereiro, reportado ao Regime de autonomia das escolas oficiais dos 2º
e 3º ciclos do ensino básico e secundário, pelo Decreto-Lei nº 172/91, de 10 de
Maio, versando sobre o Regime de direcção, administração e gestão dos
estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, e
pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio – depois alterado por apreciação
parlamentar, pela Lei nº 24/99, de 22 de Abril – que definiu o Regime de
autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação
pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respectivos
agrupamentos (doravante, Regime de autonomia).
9 - Este diploma, então editado para valer como lei geral da República, esteve
na génese, como parâmetro de referência, do requerimento originador do já citado
acórdão nº 161/2003 [Diário da República, I Série – A, de 6 de Maio], no qual
aliás se procedeu a um aprofundado escrutínio da materialização daqueles
princípios traduzidos no plano da autonomia, administração e gestão dos
estabelecimentos de educação nele contemplados.
10 - Entre os princípios orientadores da administração das escolas cumpre aqui
destacar a “democraticidade e participação de todos os intervenientes no
processo educativo”, bem como a “representatividade dos órgãos de administração
e gestão da escola, garantida pela eleição democrática de representantes da
comunidade educativa” sendo que os órgãos próprios de administração e gestão das
escolas, concretamente a Assembleia, o Conselho executivo ou director, o
Conselho pedagógico e o Conselho administrativo, devem obedecer na sua estrutura
e modo de funcionamento àqueles princípios [Cfr. artigos 4º, nº 1, alíneas a) e
c) e artigo 7º do Regime de Autonomia].
11 - E, na sequência lógica da concretização destes princípios, prescreve-se no
artigo 19º nº 1 deste diploma que “os membros do conselho executivo ou o
director são eleitos em assembleia eleitoral, a constituir para o efeito,
integrada pela totalidade do pessoal docente e não docente em exercício efectivo
de funções na escola, por representantes dos alunos no ensino secundário, bem
como por representantes dos pais e encarregados de educação”.
12 - Nos artigos seguintes define-se a disciplina correspondente ao sistema de
eleição, provimento e homologação dos resultados eleitorais, regime de duração e
cessação do mandato. (Cfr. artigos 20º a 23º do mesmo Regime de Autonomia, com
as alterações introduzidas pela Lei nº 24/99).
13 - Ora, como já se referiu, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira aprovou o Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, que aprovou o regime
de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de
ensino públicos da Região Autónoma da Madeira (doravante, Regime de autonomia
regional) nos termos do qual e por força das disposições conjugadas dos artigos
17º a 29º, deste regime se estatuiu, diferentemente, dos princípios consagrados
no artigo 19º do Regime de Autonomia, que a direcção executiva ou director fosse
recrutada mediante concurso promovido pela direcção executiva ou director
cessantes. Na impossibilidade de recrutar a direcção executiva, competiria então
ao Secretário Regional de Educação proceder à respectiva designação, ouvido o
conselho de comunidade educativa.
14 - Todavia, o Tribunal Constitucional, no já citado Acórdão 161/2003, e no
quadro da competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais
anterior à revisão constitucional de 2004 (Lei Constitucional n° 1/2004, de 24
de Julho), pronunciou-se no sentido de a forma de recrutamento dos membros da
direcção executiva – concurso em lugar de eleição – não se harmonizar com os
princípios relativos à democraticidade e participação de todos os intervenientes
no processo educativo e à representatividade dos órgãos de administração e
gestão das escolas como concretização do artigo 77º da Constituição e do artigo
45º da Lei n° 46/86, declarando, consequentemente, as respectivas normas
ilegais, com força obrigatória geral.
III - O decreto legislativo regional e as normas agora levadas
à sindicância desse Tribunal
1 - A Assembleia Legislativa, “ao abrigo da alínea c) do nº 1 e do nº 4 do
artigo 227º da Constituição da República Portuguesa conjugados com a alínea e)
do nº 1 do artigo 37º e do artigo 81º, do Estatuto Político-Administrativo da
Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, na
redacção dada pela Lei nº 130/99, de 21 de Agosto, e pela Lei nº 12/2000, de 21
de Junho, e no desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada
pela Lei nº 46/86, de 14 de Outubro e alterada pela Lei nº 115/97, de 19 de
Setembro” aprovou o decreto legislativo regional que, pelo seu artigo 1º,
procedeu à alteração de diversas normas do Decreto Legislativo Regional n°
4/2000/M, podendo suscitar-se relativamente a algumas delas dúvidas sobre a sua
legitimidade constitucional.
2 - Com efeito, e desde logo, as alterações introduzidas nos preceitos relativos
à designação do Conselho Executivo, criando uma disciplina normativa muito
próxima daquela que foi declarada ilegal pelo Acórdão nº 161/2003, parecem
contrariar os princípios nucleares a este respeito enunciados nas pertinentes
bases da Lei nº 46/86.
3 - Em conformidade com a nova redacção dada ao nº 1 do artigo 17º do Decreto
Legislativo Regional nº 4/2000/M, “O Conselho Executivo ou Director é
seleccionado mediante procedimento desencadeado pelo Conselho da Comunidade
Educativa e promovido pelo Conselho Executivo ou Director cessante” (Sublinhado
acrescentado).
4 - Depois de se regular a disciplina procedimental da selecção do Conselho
Executivo ou Director (artigos 18º a 21º) dispõe-se no artigo 22º, sempre
daquele diploma, que as candidaturas serão apreciadas por uma comissão
constituída para o efeito, composta por três ou cinco docentes do quadro do
respectivo estabelecimento de ensino designados pelo Conselho da Comunidade
Educativa.
5 - Os critérios de selecção dos candidatos – avaliação curricular e apreciação
do projecto de acção para a escola – são definidos nos artigos 24º a 28º,
rematando-se no artigo 28º com a deliberação da comissão e no artigo 29º com a
decisão final que pertence ao Conselho da Comunidade Educativa, o qual nomeia e
dá posse ao Conselho Executivo ou director, cabendo no entanto desta decisão
recurso hierárquico com efeito suspensivo para o secretário regional da
Educação.
6 - A tudo isto acresce a circunstância, tal como se prescreve no artigo 17º, nº
7, que “na impossibilidade de seleccionar o Conselho Executivo, compete ao
Secretário Regional de Educação proceder à respectiva designação, ouvido o
Conselho da Comunidade Educativa”. (Sublinhado acrescentado).
7 - Do mesmo modo a norma do artigo 71º relativa à Comissão Executiva
Instaladora, comporta um quadro prescritivo igualmente susceptível de entrar em
colisão com os princípios enunciados nas assinaladas bases da Lei n° 46/86.
8 - Efectivamente, segundo o nº 1 deste preceito “as escolas básicas e
integradas e os estabelecimentos dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e
secundário em fase de instalação serão geridos por uma Comissão Executiva
Instaladora constituída por três ou cinco elementos, consoante o número de
alunos nos termos do artigo 14º, designados por despacho do Secretário Regional
de Educação” (Sublinhado acrescentado).
9 - Estas comissões executivas manter-se-ão em funções por um período máximo de
dois anos, tendo como programa a instalação dos órgãos de administração e gestão
de acordo com o estabelecido neste diploma (nº 3 e 6, do mesmo artigo 71º).
IV - Os poderes das regiões autónomas e a correspondente
autonomia legislativa
1 - Como é sabido a Lei Constitucional nº 1/2004 alterou alguns dos
condicionamentos até então vigentes relativamente à autonomia legislativa
regional, suprimindo, além do mais, o conceito de interesse específico e
afastando o instituto das leis gerais da República, razão pela qual o juízo a
proferir pelo Tribunal Constitucional sobre a questão que agora lhe é submetida,
haverá de confrontar-se com um quadro jurídico-normativo substancialmente
distinto daquele que vigorava aquando da aprovação do Acórdão nº 161/2003.
2 - Em conformidade com o artigo 227º, nº 1, alínea a) da Constituição, as
regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes
poderes, a definir nos respectivos estatutos: (a) Legislar no âmbito regional em
matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não
estejam reservadas aos órgãos de soberania; (b) Desenvolver para o âmbito
regional os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei
que a eles se circunscrevam.
3 - Por seu turno, nos termos do artigo 228º nº 1, da Constituição, “a autonomia
legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no
respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos
órgãos de soberania”, sendo que, por força do artigo 46º da Lei Constitucional
nº 1/2004, “até à eventual alteração das disposições dos estatutos
político-administrativos, prevista na alínea f) do nº 6, do artigo 168º, o
âmbito material da competência legislativa das respectivas regiões é o constante
do artigo 8º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e
do artigo 40º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da
Madeira”.
4 - Contrariamente ao que acontecia no quadro constitucional anterior à entrada
em vigor da Lei Constitucional nº 1/2004, a Assembleia Legislativa, por força do
disposto no artigo 227º, nº 1, alínea c) dispõe de competência para “desenvolver
para o âmbito regional os princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos
contidos em lei que a eles se circunscrevam”, mesmo quando, como na situação em
apreço acontece, tais bases – bases do sistema de ensino – se inscrevam no
âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da
República.
5 - Como tem sido assinalado pela doutrina, o princípio da reserva legislativa
de bases gerais, por um lado assegura a intervenção legislativa primária da
Assembleia da República e por outro lado, permite ao Governo e às Assembleias
Legislativas, mesmo sem autorização legislativa, legislar sobre a respectiva
matéria, fixadas que estejam as bases gerais através de lei parlamentar. Sob um
ponto de vista material, as leis de bases constituem directivas e limites dos
decretos-lei e dos decretos legislativos de desenvolvimento: directivas, porque
definem os parâmetros materiais, isto é, os princípios e critérios a que o
Governo e as assembleias legislativas regionais devem sujeitar-se no
desenvolvimento das referidas leis; limites, porque o desenvolvimento pelo
Governo [artigo 198º, nº 1, alínea c)] e pelas assembleias legislativas
regionais [artigo 227º, nº 1, alínea c)] das leis de bases deve manter-se dentro
das normas fixadas nas bases da Assembleia da República. (Cfr. J.J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed., p. 749).
6 - A Constituição não contém uma definição do que sejam as bases ou bases
gerais de certa e determinada matéria, confiando à Assembleia da República uma
margem de discricionariedade na delimitação da sua própria competência
legislativa, devendo porém sublinhar-se que o Parlamento “fica adstrito a
imprimir um conteúdo útil, uma densificação suficiente, uma direcção específica
à lei a emitir; e se se cingir a preceitos vagos, imprecisos, muito gerais, em
branco, frustrará o próprio sentido da reserva e cometerá desvio de poder
legislativo a que se seguirá a inconstitucionalidade orgânica dos actos que os
outros órgãos (o Governo ou as Assembleias Legislativas regionais) vierem a
fazer”. (Cfr. Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada,
Tomo II, Coimbra Editora, 2006, p. 265).
7 - Mas, não obstante essa omissão, tanto a jurisprudência constitucional como a
doutrina, são concordantes no sentido do que deverá entender-se por bases gerais
de um determinado regime ou sistema normativo o quadro dos princípios básicos
essenciais daquela regulamentação, as opções político-legislativas fundamentais,
as grandes linhas, os princípios reitores ou orientadores, em suma, a
regulamentação de princípio, por constituir ou co-envolver uma redefinição de
princípios jurídicos. (Cfr. por todos, Acórdão nº 142/85, de 30 de Julho de
1985, Acórdãos do Tribunal Constitucional 6º vol., pp. 81 e ss., Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 3ª ed., Coimbra Editora, 2004, pp. 375
e ss., J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, cit., pp. 504 e ss.).
8 - Será que à luz destes princípios, do conjunto de regras informadoras da
disciplina a observar na intercomunicabilidade entre as leis de bases e os
diplomas que as desenvolvem, as normas especificadas, ou ao menos alguns dos
seus segmentos, não dispõem de legitimidade constitucional?
V - As normas objecto do pedido face à
autonomia legislativa regional
1 - No âmbito da administração do sistema educativo definido pela Lei de Bases
do Sistema Educativo na sua actual versão (Lei nº 49/2005) foram oportunamente
destacados os artigos 46º (Princípios gerais) e 48º (Administração e gestão dos
estabelecimentos de educação e ensino) e de entre estes os princípios
respeitantes às regras de democraticidade e de participação a que deve obedecer
a administração e gestão do sistema de ensino (artigo 46º, nº 1) e à exigência
de a direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos
básico e secundário ser assegurada por órgãos próprios, para os quais são
democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não
docente (artigo 48º, nºs 2 e 4).
2 - Será que as normas respeitantes à selecção do Conselho Executivo ou
Director, muito em especial os artigos 17º, nºs 1 e 7, 28º e 29º (se bem que
todas as demais respeitantes ao processo de selecção e nomeação, pese embora o
seu carácter instrumental, devam também ser consideradas) respeitam a
nuclearidade essencial daqueles princípios da Lei de Bases ou, e ao contrário,
os afrontam estabelecendo uma disciplina divergente das opções
político-legislativas fundamentais ali assumidas?
3 - E idêntica pergunta caberá formular relativamente à Comissão Executiva
Instaladora a que se reporta o artigo 71º, desde logo a propósito da forma da
sua designação atribuída a um membro do Governo Regional.
4 - O direito de participação na gestão democrática das escolas assegurada aos
professores e alunos bem como o direito de participação das associações de
professores, de alunos, de pais e das instituições de carácter científico,
consagradas no artigo 77º da Constituição, encontram-se perfeitamente
densificados nos correlativos princípios da Lei nº 46/86.
5 - Não se deve nem pode porém ignorar que a disciplina de designação do
Conselho Executivo ou Director, tal-qualmente foi definida no diploma sob
sindicância, terá porventura sido inspirada nos artigos 18º e ss. do Decreto-Lei
nº 172/91, que aprovou, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido na
Lei nº 46/86, o regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar.
6 - E a designação do director executivo, nos termos daquele decreto-lei, é
efectuada mediante concurso promovido pelo presidente do conselho da escola,
cabendo a este órgão indicar de entre os seus membros uma comissão que elabora
proposta de seriação de candidatos.
7 - Simplesmente, e com algum significado distintivo, não são aqui previstas
tanto a possibilidade de a selecção do conselho executivo pertencer a um membro
do Governo Regional (artigo 17º, nº 7, do diploma em apreço), como igualmente,
para a mesma entidade caber recurso hierárquico com efeito suspensivo da decisão
do Conselho da Comunidade Educativa relativa à designação do Conselho Executivo
ou Director recurso este que poderá vir a ser decidido com base em critérios que
não sejam de mera legalidade como decorre do artigo 167º, nº 2, do Código do
Procedimento Administrativo.
8 - Ora, na decorrência do exposto e tendo em consideração as diversas
implicações e fundadas dúvidas que aqui se comportam, submete-se a sua
apreciação ao pronunciamento do órgão supremo de administração da justiça em
matéria jurídico-constitucional.
9 - E, de harmonia com o unânime entendimento jurisprudencial e doutrinal, (Cfr.
por todos o Acórdão nº 175/97, de 4 de Março de 1997, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 36º vol., pp. 103 e ss., Jorge Miranda - Rui Medeiros, ob. e
loc. cit. e Gomes Canotilho, ob. e. loc. cit.), a ser dada como verificada por
esse Tribunal uma violação das bases do sistema educativo inseridas na reserva
absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, as normas
questionadas do artigo 1º do Decreto Legislativo Regional que procedeu à
alteração do Decreto Legislativo Regiona1 nº 4/2000/M, de 31 de Janeiro,
sofrerão do vício de inconstitucionalidade orgânica».
2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 7 de Abril de 2006 e o
pedido foi admitido na mesma data.
3. Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da LTC, o Presidente da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pronunciou-se nos seguintes
termos:
«(…) merece-nos o pedido um enquadramento preliminar fundamentado no facto do
Diploma ora objecto de apreciação assentar numa convicção, já alicerçada no
anterior Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31 de Janeiro, de que o
quadro constitucional e legal Português comporta a existência de Regiões
Autónomas dotadas de competência política e legislativa própria e
concomitantemente que o regime a versar por aqueles diplomas, não colidindo com
os limites constitucionais e detendo de Estatutos Políticos e Administrativos
onde a matéria do Ensino surge como de interesse regional (artigo 40º do EPAM
Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto), os mesmos com aquela se conformarem.
Acrescerá nesta decorrência que a actual revisão (6ª) da Constituição da
República Portuguesa datada de 2004, veio alargar ainda mais as competências
legiferantes desta Assembleia Legislativa (neste sentido v. redacção constante
do artigo 228° conjugado com o artigo 225°) e impondo claramente como limites
apenas a Constituição e as Leis de valor constitucional, além da necessidade de
conformação às matérias constantes do Estatuto Político Administrativo,
desiderato que como demonstraremos se encontram reunidos pelo Diploma em apreço.
Não podemos também deixar de abordar o facto de o acórdão mencionado no Pedido
(acórdão n.º 161/2003, de 25 de Março) desse Douto Tribunal ter assentado
fundamentalmente em limites, hoje já derrogados, como se viu supra com a
alteração da Constituição as competências desta Assembleia Legislativa o
particular de algumas normas do Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31
de Janeiro, ter disposto contra uma Lei Geral da República o Decreto-Lei n.º
l15-A/98, de 4 de Maio, e ter concluído pela existência da ilegalidade de
algumas normas do diploma não pondo em crise no entanto a sua existência e o
quadro competencial constitucional/estatutário desta Assembleia Legislativa na
sua concepção, como agora com o Pedido se parece de resto, querer vir a extrair.
Por todos estes motivos deve entender-se o Diploma como resultado de uma
convicção em legislar ao abrigo de competência legislativa própria e num quadro
competencial que assim o permite, maximizado de resto pela última Revisão
Constitucional, contemplando-se um modelo que venha a fazer corresponder uma
matriz regional própria, na senda do previsto no artigo 43°, n.º3 da Lei de
Bases do Sistema Educativo, que identifique e valorize as escolas da Região no
Sistema Educativo do todo nacional, não devendo concomitantemente e ao contrario
do que o Pedido com o elevado respeito pretende fazer, ser apreciado à luz de
considerações produzidas pelo Acórdão que enquadrou essas matérias em termos
competências derrogados e claramente mais restritivos.
(…) Ora para além dos limites paramétricos da Constituição da Republica e do
Estatuto Político Administrativo da Região, o actual quadro normativo
respeitante às matérias a regular nesta Região Autónoma continuam a ter como
limite também, o previsto no Decreto-Lei n.º 364/79, de 4 de Setembro, cujo
alcance de, e sem prejuízo de uma leitura e interpretação a ser feita, à luz das
recentes evoluções jurisprudenciais e doutrinárias, o deve ser necessariamente
feito, numa óptica de actualidade das matérias da educação, onde a perspectiva
de descentralização e autonomia conferida às escolas o também deve ser, até por
maioria de razão concedida a uma Região dotada de Autonomia Administrativa e
também Política com poderes legislativos próprios.
Ainda assim e regressando ao citado Decreto-Lei n.º 364/79, de 4 de Setembro,
deve considerar-se que o presente diploma com o mesmo se conforma, isto porque
não se colide com a reserva por este prevista dos princípios gerais de gestão
dos estabelecimentos até porque aquela perspectiva hermenêutica antes referida
importa aqui realizar e porque o seu “cruzamento” interpretativo com aquilo que
a Lei de Bases sobre esta matéria dispõe e antes se identificou, além
naturalmente, dos poderes acrescidos na área legislativa que foram alcançados
pela Região com a última Revisão da Constituição.
O Decreto Legislativo Regional e as normas agora levadas à sindicância desse
Tribunal
Como já anteriormente se referiu as alterações que se pretendem inserir vêm de
encontro à experiência colhida nos últimos cinco anos de implementação do modelo
criado pelo Decreto Legislativo Regiona1 n°4/2000/M, visando a melhoria da
organização e funcionamento das escolas, valorização essa que este regime legal
conseguiu trazer aos estabelecimentos de Ensino, bem patenteados pelas
afirmações e posições públicas assumidas pelos titulares dos órgãos criados no
âmbito deste modelo, com ênfase para a Direcção Executiva, órgão de mera Gestão
do estabelecimento ou, como o actual Diploma veio a classificar, de Conselho
Executivo, subordinados às grandes linhas de “política educativa da Escola”
traçadas pelo órgão de Direcção (Conselho da Comunidade Educativa) e cujo
alcance deste se limita, dentro das balizas criadas por aquele, a executar
aquelas “políticas” e gerir o funcionamento da Escola, num quadro cada vez mais
exigente sob o ponto de vista legal, financeiro e organizacional da Função
Pública, sem deixar de sublinhar no entanto, a preponderância que deve existir,
dos critérios de natureza pedagógica, pelo que se continua, na senda do modelo
criado, a exigir que os titulares deste órgão executivo sejam docentes ainda que
com formação específica ou experiência na área da Administração Escolar.
Com isto, cumpre-se o consubstanciado na actual Lei de Bases do Sistema
Educativo (artigo 45º, em especial o n° 4, que dispõe: “-A direcção de cada
estabelecimento (...) assegurada por órgãos próprios, para os quais são
democraticamente eleitos (...)” -sublinhado nosso-.
De resto poder-se-á afirmar que esta perspectiva que claramente constitui a
matriz deste modelo e que aqui se poderá distanciar do modelo previsto a nível
nacional, encontra os alicerces para além da forma como encara o previsto na
citada Lei de Bases, também na doutrina que assume aquela distinção prevista no
artigo 45° da citada Lei de Bases, quer naquilo que se poderia afirmar como
núcleo de posição do actual acervo normativo e interpretativo do quadro Jurídico
Administrativo e Civilista Português, no que tange à necessária distinção com
consagração legal entre as funções de Direcção e Gestão e sobretudo da
preponderância do órgão que desempenha aquelas na selecção do outro que venha a
exercer estas, sempre numa lógica que não assentando numa legitimidade igual
(por exemplo a da eleição directa de ambos) poderia gerar.
Ora, aqui a forma de selecção mais consentânea com a qualidade técnica e
pessoal das funções a desempenhar é aquela que o presente diploma aponta, uma
selecção baseada numa análise curricular ponderada com uma apreciação de um
projecto de acção do candidato, num enquadramento todo ele centrado na escola
através de uma Comissão de apreciação constituída por docentes e monitorizada
pelo órgão de direcção (Conselho da Comunidade Educativa) cuja “palavra” final
no respeita à decisão da escolha, nomeação e conferir posse ao órgão de gestão,
é determinante e exclusivo. Neste sentido Vidé as conclusões nºs. 27, 55 e 67 do
Parecer no 3/97 do Conselho Nacional de Educação, proferido a propósito do
Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos estabelecimentos de Educação e
Ensino consagrado no Decreto-lei nº 115-A/98).
Assim sendo não pode, como o Pedido pretende, concluir que se encontram
afectados, atingidos ou contrariados os “princípios nucleares a este respeito
enunciados nas pertinentes bases da Lei n° 46/86”. É que ao manter-se uma
eleição assente no método d'Hondt para um órgão de Direcção (Conselho da
Comunidade Educativa) e no qual se encontram representados TODAS as
sensibilidades da Escola e do qual emana através de recrutamento outro órgão,
claramente de competências mais limitadas e de mera gestão (conselho
executivo/director) não pode afirmar-se que assim sendo se contraria o princípio
enformado pelo artigo 45° da Lei de Bases, na exacta medida em que aquele APENAS
invoca (como aliás é compreensível na medida que é o corresponde à “filosofia”
constante em último lugar dos princípios constitucionais de democraticidade e
pluralismo) o órgão de DIRECÇÃO da escola (no Diploma, o Conselho da Comunidade
Educativa; no diploma nacional – Decreto-Lei 115-A/98- a Assembleia).
Noutra senda mas claramente também pouco compreensível não se aceitam as
dúvidas apresentadas pelo Pedido relativamente aos artigos 17°, nº7 e 71º do
Diploma. É que sendo estas de natureza excepcional, logo apenas em situações
perfeitamente delimitadas e nunca impedindo de aplicação as regras gerais
constantes do Diploma, têm a sua existência prevista no caso da impossibilidade
de recrutamento do órgão de gestão na compreensível necessidade de garantir um
pleno funcionamento da escola nos seu propósitos gestionários e técnicos que um
“vazio” seria pior resultado e na convicção de que, sendo este órgão escolha
(recrutamento) pelo outro exactamente este passo assim sendo já se encontra
esgotado e não seria minimamente atendível “regressar” ao ponto de novo
recrutamento. De resto, e com “filosofia” semelhante dispõe o modelo nacional ao
apontar para a criação de uma comissão provisória de nomeação apenas do Director
Regional (artigo 57° do citado DL n° 115-A/98). Acresce ainda, que esta norma já
existe de sentido semelhante no DLR n° 4/2000/M não sindicada pelo Acórdão T.C.
n° 161/2003 nem suscitada pelo Pedido de fiscalização da constitucionalidade
sucessiva formulada ao tempo pelo Senhor Ministro da República.
O mesmo valerão estas considerações para o que diz respeito às Comissões
Instaladoras. Trata-se de situações de natureza excepcional de “arranque” das
Escolas onde nem sequer os corpos docente e não docente se encontram na maioria
das vezes completamente assegurados e que pelo período de instalação do
estabelecimento uma “equipa” necessariamente designada e que com experiência
proceda ao completo pôr em funcionamento e as estruturas, se justifica. De resto
esta é a prática dos serviços públicos, não colide sequer com o aplicar das
restantes regras do Diploma nem com o facto de logo terminado o período de
instalação, reunidas as condições de quadros de pessoal se assegure o pleno
funcionamento da escola e o recrutamento do Conselho executivo após eleição do
Conselho da Comunidade Educativa. Também aqui, “filosofia” semelhante dispõe o
modelo nacional ao apontar para que as novas escolas tenham um processo de
instalação e dando competência uma vez mais apenas ao director Regional (artigos
10º e 11° do citado Decreto-Lei n.º 115-A/98)
As normas objecto do Pedido face à Autonomia Legislativa Regional
Por todo o exposto somos a concluir:
1 - As regras constantes do Diploma e que versam sobre a selecção do Conselho
Executivo/Director são de natureza instrumental e não colidem com os princípios
enformadores da Lei de Bases com os quais se conformam no particular de garantir
no órgão de Direcção (Conselho da Comunidade Educativa) a existência de
democraticidade máxime garantida através da eleição e representação aqui de
todos os “actores” do estabelecimento.
2 - No caso das Comissões Instaladoras a forma de designação é decalcada na
regra constante destas figuras em todos os serviços públicos em regime de
instalação. É uma norma excepcional e apenas se encontra prevista para o órgão
de mera gestão do estabelecimento (Conselho Executivo/Director).
3 - Não existirá também colisão com as regras legais o facto de caber recurso
de mera apreciação da legalidade para o Secretario Regional. De resto deve
dizer-se que compete ao Conselho da Comunidade Educativa homologar o processo de
selecção, conduzido por uma comissão nomeada por este e no seu seio, e conferir
a posse ao Conselho Executivo/Director, pelo que esta intervenção se reduz a
este nível ao contrário por exemplo do modelo nacional onde a homologação e
posse é conferida pelo Director Regional.
4 - De resto, o facto de se afirmar no Pedido que se trata da mesma entidade a
que é feito o recurso no caso das comissões instaladoras, não colherá na medida
em que nestas estamos perante casos excepcionais.
Por tudo isto não podemos seguir e sempre com elevado respeito não acatamos a
existência de inconstitucionalidade orgânica por parte do diploma que que altera
o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31 de Janeiro, que aprovou o
Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos de Educação e
de Ensino Públicos da Região Autónoma da Madeira, por não existir, como supra
amplamente demonstrado qualquer violação das bases do sistema educativo
constantes da Lei n.º 46/86. Para finalizar e dando “corpo” de resto ao previsto
nesta Lei ao se ter legislado nesta Assembleia com este alcance pretendeu-se
como alias já se tinha feito na redacção inicial do Decreto Legislativo Regional
n.º 4/2000/M em: “Assegurar o direito à diferença mercê do respeito pelas
personalidades e pelos projectos individuais da existência, bem como da
consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas” (artigo 3° alínea
d) da citada Lei de Bases)».
II. Fundamentação
1. O presente pedido tem como objecto a apreciação preventiva da
constitucionalidade de normas do artigo 1.º do decreto legislativo regional que
«Altera o Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de Janeiro, que
aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de
educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira», por violação do
artigo 164.º, alínea i), da CRP. É tempestivo e é formulado por quem tem
legitimidade (artigos 278.º, n.ºs 2 e 3, da CRP e 57.º, n.º 1, da LTC).
O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira começa por
requerer «a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas adiante
especificadas, decorrentes do decreto legislativo regional que “Altera o Decreto
Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de Janeiro, que aprovou o regime de
autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino
públicos da Região Autónoma da Madeira”», concluindo, no ponto 9 do título V do
pedido (As normas objecto do pedido face à autonomia legislativa regional), que
as «as normas questionadas do artigo 1º do Decreto Legislativo Regional que
procedeu à alteração do Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de
Janeiro, sofrerão do vício de inconstitucionalidade orgânica».
Embora resulte do título III (O decreto legislativo regional e as normas agora
levadas à sindicância desse Tribunal) e do ponto 8 do título IV do pedido (Os
poderes das regiões autónomas e a correspondente autonomia legislativa) que as
«normas especificadas» são decorrentes dos artigos 17.º, n.º 1, 18.º a 21.º,
22.º, 24.º a 28.º [27.º], 28.º, 29.º, 17.º, n.º 7, e 71.º, n.ºs 1, 3 e 6, do
Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, na redacção aprovada em 22 de Março
de 2006, as «normas questionadas» – as que, do ponto de vista do requerente,
«sofrerão do vício de inconstitucionalidade orgânica» – são apenas as constantes
dos artigos 17.º, n.ºs 1 e 7, 28.º, 29.º e 71.º
Estas são as normas que, de facto, são «questionadas» pelo requerente (cf.
título V do pedido). Para além de só no ponto 1 do título V do pedido haver
especificação dos artigos da Lei de Bases do Sistema Educativo que importa
confrontar, é só nos pontos 2 e 3 deste mesmo título que o requerente se
interroga sobre se as normas respeitantes à «selecção do Conselho Executivo ou
Director, muito em especial os artigos 17º, nºs 1 e 7, 28º e 29º» e à forma de
«designação» da «Comissão Executiva Instaladora a que se reporta o artigo 71º»
respeitam os princípios contidos nos artigos 46.º, n.º 1, e 48.º, n.ºs 2 e 4,
daquela Lei. Se respeitam «a nuclearidade essencial» dos «princípios
respeitantes às regras de democraticidade e de participação a que deve obedecer
a administração e gestão do sistema de ensino (artigo 46º, nº 1) e à exigência
de a direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos
básico e secundário ser assegurada por órgãos próprios, para os quais são
democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não
docente (artigo 48º, nºs 2 e 4)» ou se, «e ao contrário, os afrontam
estabelecendo uma disciplina divergente das opções político-legislativas
fundamentais ali assumidas».
É certo que, para além destas normas, são apontadas também «todas as demais
respeitantes ao processo de selecção e nomeação, pese embora o seu carácter
instrumental». Contudo, «uma interpretação razoável do pedido faz com que se
delimite o seu objecto às normas concretamente questionadas, isto é, àquelas em
relação às quais são apresentados os fundamentos que justificam, no entendimento
do requerente, a declaração de inconstitucionalidade» (Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 258/2006, não publicado).
1.1. Os artigos de onde decorrem as «normas questionadas» têm a seguinte
redacção:
«Artigo 17.º
Selecção
1 - O Conselho Executivo ou Director é seleccionado mediante procedimento
desencadeado pelo Conselho da Comunidade Educativa e promovido pelo Conselho
Executivo ou Director cessante.
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)
7 - Na impossibilidade de seleccionar o Conselho Executivo, compete ao
Secretário Regional de Educação proceder à respectiva designação, ouvido o
Conselho da Comunidade Educativa.
8 - (…).
Artigo 28.º
Deliberação da comissão
1 - Terminada a aplicação dos critérios de selecção, a comissão elabora no prazo
de dez dias úteis, a proposta de deliberação a apresentar ao Conselho da
Comunidade Educativa, com a indicação obrigatória da candidatura mais adequada
nos termos do artigo anterior, para o cargo, e procede à audição por escrito das
candidaturas, de acordo com o estipulado no Código de Procedimento
Administrativo.
2 - A notificação contém a indicação do local e horário de consulta do processo.
Artigo 29.º
Decisão final
1 - A deliberação que contém a proposta referida no n.º 1 do artigo anterior,
acompanhada dos demais documentos constantes do processo, é submetida à decisão
do Conselho da Comunidade Educativa, que nomeia e dá posse ao Conselho Executivo
ou Director.
2 - Da decisão referida no número anterior cabe recurso hierárquico com efeito
suspensivo, a interpor no prazo máximo de cinco dias úteis, para o Secretário
Regional de Educação.
Artigo 71.º
Comissão Executiva Instaladora
1 - As escolas básicas e integradas e os estabelecimentos dos 2.º e 3.º ciclos
do ensino básico e secundário em fase de instalação serão geridos por uma
Comissão Executiva Instaladora constituída por três ou cinco elementos,
consoante o número de alunos nos termos do artigo 14.º, designados por despacho
do Secretário Regional de Educação.
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)».
1.2. Os artigos 46.º, n.º 1, e 48.º, n.ºs 2 e 4, da Lei de Bases do Sistema
Educativo – Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela
Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e com as alterações e aditamentos
introduzidos pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, republicada e renumerada
nesta data – têm a seguinte redacção:
«Artigo 46.º
Princípios gerais
1 - A administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno
respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a
consecução de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da
formação social e cívica.
2 - (…)
3 - (…).
Artigo 48.º
Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino
1 - (…)
2 - Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a
administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de
participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as
características específicas de cada nível de educação e ensino.
3 - (…)
4 - A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos
básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são
democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não
docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e
noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
5 - (…)
6 - (…)
7 - (…)
8 - (…)
9 - (…)».
2. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou o diploma que
altera o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, invocando o artigo 227.º,
n.º 1, alínea c), da CRP e, em obediência ao disposto no n.º 4 do mesmo artigo,
a «Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de
Outubro, e alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro».
2.1. Estamos perante um decreto legislativo regional de desenvolvimento de uma
lei de bases da exclusiva competência da Assembleia da República, emitido na
sequência de um poder que as assembleias legislativas das regiões autónomas
passaram a ter, a partir da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho.
Este poder traduz-se no desenvolvimento para o âmbito regional dos princípios ou
das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se
circunscrevam, também em matérias reservadas à competência da Assembleia da
República. Reportando-nos ao pedido em apreciação, a Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira passou a poder desenvolver para o âmbito regional as
leis de bases do sistema de ensino, matéria que se inscreve na reserva absoluta
de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 164.º, alínea i),
da CRP).
De facto, até à sexta revisão constitucional era de concluir, acompanhando a
fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 161/2003 (Diário da
República, I Série, de 6 de Maio), que as assembleias legislativas regionais não
tinham poder para desenvolver as leis de bases em matéria de sistema de ensino.
Escreveu-se então:
«Nos poderes das regiões autónomas, de acordo com o artigo 227.º, n.º 1, alínea
c), inclui-se o de 'desenvolver, em função do interesse específico das regiões,
as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da
República, bem como as previstas nas alíneas f), g), h), n), t) e u) do n.º 1 do
artigo 165.º'. Encontra-se, assim, excluída a possibilidade de as regiões
desenvolverem uma lei de bases da reserva absoluta de competência da Assembleia
da República, como acontece com a lei prevista, hoje, na alínea i) do artigo
164.º da CRP, relativa às bases do sistema de ensino.
Com efeito, apesar de a Revisão Constitucional de 1989 ter reconhecido poderes
muito amplos às regiões autónomas no sentido do desenvolvimento de leis de bases
da Assembleia da República, a competência para desenvolver a lei de bases do
sistema de ensino cabe ao Governo [artigo 201.º, n.º 1, alínea c)]. Neste
sentido se pronunciam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, sublinhando que
'até à última revisão constitucional, discutia-se se as regiões autónomas
poderiam emitir decretos legislativos de desenvolvimento de leis de bases da AR,
tendo o TC decidido no sentido negativo, contrariando uma parte da doutrina
(AcTC n.º 326/86). A LC n.º 1/89 veio, porém, reconhecer-lhes tal poder, em
termos muito amplos (n.º 1/c), tendo excluído apenas o caso da lei de bases do
sistema de ensino, que é matéria da reserva absoluta da competência da AR (art.
167.º/i), que continua a só poder ser desenvolvida por decreto-lei do Governo
(art. 201.º-1/c)' (ob. cit., nota XI ao artigo 229.º, p. 855).
Assim, nesta matéria, os poderes legislativos das regiões autónomas estão
particularmente limitados, ao ser atribuído ao Governo o desenvolvimento das
leis de bases sobre o sistema de ensino, nos termos do preceituado no já citado
artigo 198.º, n.º 1, alínea c)».
Com a entrada em vigor da Lei Constitucional n.º 1/2004, são por todos
assinaladas alterações significativas ao nível do poder legislativo das regiões
autónomas, com incidência também na alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP
(sobre estas alterações, cf. Vitalino Canas, Constituição da República
Portuguesa (após a sexta revisão constitucional – 2004), aafdl, 2004, p. 22 e
s., Jorge Miranda, «A autonomia legislativa das regiões autónomas após a revisão
constitucional de 2004», SCIENTIA IVRIDICA, N.º 302, 2005, p. 204 e ss., Maria
Lúcia Amaral, A Forma da República. Uma introdução ao estudo do direito
constitucional, Coimbra Editora, 2005, p. 376 e s., e Jorge Bacelar Gouveia,
Manual de Direito Constitucional, volume II, Almedina, 2005, p. 977 e ss.; na
jurisprudência do Tribunal Constitucional, cf. os Acórdãos n.ºs 246/2005, Diário
da República, I Série, de 21 de Junho de 2005, 376/2005, Diário da República, II
Série, de 19 de Agosto de 2005, e 415/2005, Diário da República, I Série, de 1
de Setembro de 2005).
Para além da eliminação do critério do «interesse específico das regiões» e da
explicitação do critério do «âmbito regional», há um alargamento da «competência
legislativa complementar» (Jorge Miranda, loc. cit., pp. 205 e 213) das regiões
autónomas, cujas assembleias legislativas passaram a poder desenvolver para o
âmbito regional os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos
em leis que a eles se circunscrevam, sem as limitações anteriormente previstas
na alínea correspondente, concorrendo com o Governo, face ao disposto na alínea
c) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP (abonam neste sentido as anotações de Jorge
Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora,
2006, anotação aos artigos 198.º, ponto VII, e 112.º, pontos X, XIII, XV e XVI).
2.2. Perante este novo poder legislativo, o que importa apreciar é se as «normas
questionadas» pelo requerente respeitam as «opções político-legislativas
fundamentais respeitantes à matéria» do sistema de ensino (cf. Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 197/91, Diário da República, II Série, de 13 de
Setembro de 1991), sob pena de vício de inconstitucionalidade orgânica. As bases
do sistema de ensino inserem-se na reserva absoluta de competência legislativa
da Assembleia da República (artigo 164.º, alínea i), da CRP), pelo que há ofensa
de limite de competência constitucionalmente estabelecido, quando aquelas opções
são violadas (para a qualificação do vício, cf., na doutrina, Gomes Canotilho,
ob. cit., p. 758 e s., Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional3, tomo V,
Coimbra Editora, p. 378, Vieira de Andrade/Ricardo Ferrão, Organização do Estado
Português, Centro de Estudos e Formação Autárquica, 2003, p. 60, e Jorge
Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., anotação ao artigo 112.º, ponto XVI; na
jurisprudência do Tribunal Constitucional, cf. Acórdãos n.ºs 142/85, Diário da
República, II Série, de 7 de Setembro de 1985, 92/84, Diário da República, I
Série, de 7 de Novembro de 1984, 197/91 e 174/93, Diário da República, II Série,
de 1 de Junho de 1993. Cf., ainda, Acórdãos n.ºs 423/87, Diário da República, I
Série, de 26 de Novembro de 1987, 473/89, Diário da República, II Série, de 26
de Setembro de 1989, 175/97, Diário da República, I Série, de 24 de Abril de
1997, 161/2003 e 69/2004, Diário da República, I Série, de 29 de Setembro de
2004).
Note-se, o que é sublinhado pelo requerente, que algumas normas do Decreto
Legislativo Regional n.º 4/2000/M, em parte correspondentes às questionadas no
presente pedido, foram declaradas ilegais por este Tribunal, com força
obrigatória geral, por contrariarem os princípios fundamentais do regime de
autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e
dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de
Maio (Acórdão n.º 161/2003).
Tratava-se, então, de aferir da legalidade de tais normas, em sede de
fiscalização abstracta sucessiva, num enquadramento jurídico-constitucional
distinto – o anterior à Lei Constitucional n.º 1/2004 – que, para além de não
atribuir ao legislador regional poder para desenvolver leis de bases em matéria
de sistema de ensino, impunha o respeito pelos princípios fundamentais das leis
gerais da República (artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP, na
versão da Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro). Razão pela qual
coube ao Tribunal Constitucional aferir da legalidade de tais normas, tendo como
parâmetro o diploma do Governo que desenvolveu o regime jurídico estabelecido
pelo artigo 45.º [hoje artigo 48.º] e pela alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º
[hoje artigo 62.º] da Lei de Bases do Sistema Educativo – o Decreto-Lei n.º
115-A/98, de 4 de Maio, alterado pela Lei n.º 24/99, de 22 de Abril, emitido
para valer como lei geral da República, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do
artigo 198.º da CRP.
Nos presentes autos, no enquadramento jurídico-constitucional vigente, o
parâmetro relevante para a questão da inconstitucionalidade orgânica é a própria
Lei de Bases do Sistema Educativo, a qual passou a poder ser desenvolvida pelo
Governo e pelas assembleias legislativas das regiões autónomas. Não pode, pois,
transpor-se para os presentes autos o então decidido naquele Acórdão de 2003.
Dada a própria natureza das leis de bases – «leis consagradoras dos princípios
vectores ou das bases gerais de um regime jurídico, deixando a cargo do
executivo [e do poder legislativo regional] o desenvolvimento desses princípios
ou bases» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição7,
Almedina, p. 752) – é até facilmente configurável que aqueles órgãos desenvolvam
de forma diferente a matéria relativa à administração e gestão dos
estabelecimentos de educação e ensino, respeitadas as opções
político-legislativas fundamentais daquela Lei – lei de valor reforçado, à luz
do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 112.º da CRP, que é aplicável a
todo o território nacional. Como assinala Jorge Miranda (loc. cit., p. 210),
apesar de a revisão de 2004 ter suprimido «todas as referências a leis gerais da
República, em parte pelas dificuldades que a noção levantava, em parte por se
julgar que era redutora da autonomia legislativa regional», isso «não significa,
entretanto, que elas tenham desaparecido do sistema, porque não deixa de haver –
nem podiam desaparecer – leis aplicáveis a todo o território nacional» (no
sentido do eventual reaparecimento das leis gerais da República como «categoria
doutrinal», já Vitalino Canas, ob. cit., p. 22).
3. As «normas questionadas» pelo requerente – as decorrentes dos artigos 17.º,
n.ºs 1 e 7, 28.º, 29.º e 71.º do Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, na
redacção aprovada em 22 de Março de 2006 – podem agrupar-se, face à inserção
sistemática respectiva e ao seu conteúdo, considerando o procedimento de
selecção do Conselho Executivo ou Director – artigos 17.º, n.º 1, 28.º e 29.º; a
designação do Conselho Executivo na impossibilidade de selecção do mesmo –
artigo 17.º, n.º 7; e a designação da Comissão Executiva Instaladora – artigo
71.º, n.º 1.
Importa confrontar as normas assim agrupadas com os artigos que integram o
capítulo VI da Lei de Bases do Sistema Educativo (Administração do sistema
educativo) – artigos 46.º a 49.º Em especial, com os «princípios gerais»
consagrados no n.º 1 do artigo 46.º e com as «regras» estabelecidas nos n.ºs 2 e
4 do artigo 48.º (Jorge Miranda, «Sobre a participação democrática no ensino», O
Direito, Ano 123.º, 1991, p. 491 e s.), segundo a especificação do requerente.
3.1. Relativamente às normas sobre o procedimento de selecção do Conselho
Executivo ou Director, importa reter que esta selecção ocorre mediante
procedimento desencadeado pelo Conselho da Comunidade Educativa e promovido pelo
Conselho Executivo ou Director cessante – artigo 17.º, n.º 1; que compete a uma
comissão aplicar os critérios de selecção e elaborar proposta de deliberação a
apresentar ao Conselho da Comunidade Educativa – artigo 28.º; que a decisão
final é do Conselho da Comunidade Educativa – artigo 29.º, n.º 1; e que desta
decisão cabe recurso hierárquico com efeito suspensivo para o Secretário
Regional da Educação – artigo 29.º, n.º 2.
Trata-se de um procedimento de selecção do Conselho Executivo ou Director e não
de um procedimento de eleição (seja directa ou indirecta), o que é assumido pelo
órgão autor das normas, nomeadamente quando destaca que há «selecção baseada
numa análise curricular ponderada com uma apreciação de um projecto de acção do
candidato, num enquadramento todo ele centrado na escola através de uma Comissão
de apreciação constituída por docentes e monitorizada pelo órgão de direcção
(Conselho da Comunidade Educativa)».
O parâmetro relevante para o confronto deste procedimento de selecção do
Conselho Executivo ou Director com a Lei de Bases do Sistema Educativo é o
constante do artigo 48.º, n.º 4, desta Lei, quando dispõe que a direcção de cada
estabelecimento dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos
próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de
professores, alunos e pessoal não docente. Concretamente, por se estabelecer
aqui, como regra específica comum às escolas de ensino básico e de ensino
secundário, «a eleição democrática para os órgãos próprios de direcção de
representantes de professores e de pessoal não docente» (Jorge Miranda, O
Direito, p. 492), o que coloca, de imediato, a questão de saber se também ao
órgão em causa nos presentes autos – o Conselho Directivo ou Director – cabe
assegurar a direcção dos estabelecimentos dos ensinos básico e secundário.
Competindo ao Conselho Executivo ou ao respectivo Presidente ou Director, entre
outras competências, definir o regime de funcionamento da escola, elaborar o
projecto de orçamento, elaborar o plano anual de escola e aprovar o respectivo
documento final, gerir as instalações, espaços e equipamentos, bem como outros
recursos educativos, proceder à selecção e recrutamento de pessoal docente e não
docente, salvaguardado o regime legal de concursos, exercer o poder hierárquico
em relação ao pessoal docente e não docente e exercer o poder disciplinar em
relação aos alunos (artigos 15.º, n.º 2, alíneas a), b), c), i) e k), e 16.º,
n.º 1, alíneas c) e d), do Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, na
redacção já aprovada), é de concluir que a direcção dos estabelecimentos dos
ensinos básico e secundário é assegurada também pelo Conselho Executivo.
As epígrafes do capítulo II e das secções I e II deste capítulo e os artigos
6.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, com as
alterações introduzidas pelo artigo 1.º do decreto legislativo regional,
aprovado em 22 de Março de 2006, não têm, pois, só por si, a virtualidade de
subtrair o Conselho Executivo ou Director à regra da eleição democrática,
nomeadamente quando definem o Conselho da Comunidade Educativa como «o órgão de
direcção responsável pela definição da política educativa de escola previsto no
nº 4 do artigo 45º [artigo 48.º, depois da renumeração resultante da Lei n.º
49/2005] da Lei de Bases do Sistema Educativo» e o Conselho Executivo como «o
órgão de gestão das escolas nas áreas pedagógica, cultural, administrativa e
financeira» (itálicos aditados).
Pelo exposto, é de concluir que as «normas questionadas» relativas ao
procedimento de selecção do Conselho Executivo ou Director não respeitam uma das
opções político-legislativas fundamentais consagradas na Lei de Bases do Sistema
Educativo – a eleição democrática dos órgãos que asseguram a direcção dos
estabelecimentos dos ensinos básico e secundário (artigo 48.º, n.º 4) –, o que
gera um vício de inconstitucionalidade orgânica.
3.2. Atendendo ao juízo de inconstitucionalidade formulado no ponto anterior
relativamente às normas sobre o procedimento de selecção do Conselho Executivo,
o n.º 7 do artigo 17.º é, consequentemente, inconstitucional, já que dispõe
sobre a impossibilidade desta selecção.
3.3. Relativamente à designação da Comissão Executiva Instaladora, prevista no
artigo 71.º, n.º 1, importa reter que a designação tem lugar por despacho do
Secretário Regional de Educação, pelo que o parâmetro da Lei de Bases do Sistema
Educativo a considerar é o constante do n.º 4 do artigo 48.º, quando dispõe que
a direcção de cada estabelecimento dos ensinos básico e secundário é assegurada
por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os
representantes de professores, alunos e pessoal não docente.
Dada a natureza excepcional e necessariamente transitória das situações que
levam à designação de Comissão Executiva Instaladora – escolas básicas e
integradas e estabelecimentos dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e secundário
em fase de instalação – é de concluir, porém, que não valem aqui as exigências
contidas naquela norma da Lei de Bases, não obstante caber a esta Comissão
assegurar a direcção daqueles estabelecimentos.
Assim, nesta parte, importa concluir pela não violação da Lei de Bases do
Sistema Educativo.
III. Decisão
Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do artigo 1.º do decreto legislativo
regional que altera o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31 de
Janeiro, aprovado em 22 de Março de 2006, na parte em que dá nova redacção aos
artigos 17.º, n.ºs 1 e 7, 28.º e 29.º, por violação do artigo 164.º, alínea i),
da Constituição da República Portuguesa;
b) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 1.º do decreto
legislativo regional que altera o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de
31 de Janeiro, aprovado em 22 de Março de 2006, na parte em que dá nova redacção
ao artigo 71.º, n.º 1.
Lisboa, 27 de Abril de 2006
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Maria Helena Brito
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Paulo Mota Pinto
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira –
vencido quanto à alínea a)
da decisão, nos termos da declaração que junto.
Benjamim Rodrigues
(vencido de acordo com a declaração anexa)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Perante o problema que lhe é colocado, o Tribunal afastou, e a meu ver bem, a
doutrina que prevaleceu no acórdão 161/2003, por entender que o actual artigo
227º n.º 1 alínea c) da Constituição confere às Regiões Autónomas competência
idêntica e paralela à do Governo quanto ao desenvolvimento para o âmbito
regional das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se
circunscrevem.
Não se coloca, portanto, em primeira linha, qualquer problema de competência,
pois não há dúvida de que se inclui nas atribuições das Assembleias Legislativas
das Regiões Autónomas, por força da Lei Constitucional n.º 1/2004 (DR 173 SÉRIE
I-A de 2004-07-24), que introduziu a sexta revisão constitucional, o poder
legislativo para emitir o diploma em análise.
A questão restringe-se, portanto, a saber se as normas do diploma regional se
harmonizam – conforme é imposto pela alínea i) do artigo 164º da Constituição –
com os princípios adoptados pela Lei de Bases do Sistema Educativo, na versão
resultante da Lei n.º 49/2005 de 30 de Agosto.
Interessa começar por notar que, nos termos do n.º 5 do artigo 51º da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), o Tribunal só pode
conhecer das normas cuja apreciação tenha sido requerida no pedido. Acontece
que, no presente caso, a especificação dessas normas não é totalmente clara, o
que obrigou o Tribunal a liminarmente solucionar o problema do âmbito da sua
análise, restringindo-a às normas contidas nos artigos 17º n.ºs 1 e 7, 28º,
29º, e 71º do diploma regional. Ficaram, por isso, fora do objecto do pedido as
normas que disciplinam em geral o sistema educativo regional, e as que definem a
competência e estabelecem a composição e o método de recrutamento de outros
órgãos que integram a direcção da escola.
Daqui resulta que as normas analisadas são as que se reportam à composição e
processo de selecção do conselho executivo e da comissão instaladora, órgãos que
efectivamente não incluem representantes eleitos de professores ou de alunos;
todavia, essas normas não revelam a sistematização global dos órgãos de direcção
previstos no diploma regional, o método adoptado para a escolha dos seus membros
e o universo onde estes são recrutados, e até os níveis competência que é
atribuída a cada um daqueles órgãos, aferição que se me afigura ser
absolutamente essencial para solucionar o problema colocado ao juízo do
Tribunal.
Tomando como parâmetro as normas constantes dos artigos 46º n.º 1 e 48º n.ºs 2 e
4 da Lei de Bases do Sistema Educativo, designadamente o n.º 4 do artigo 48º –
'a direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos
básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são
democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos, e pessoal não
docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e
noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino' –
entendo que não é legalmente proibido que a direcção de cada estabelecimento de
ensino seja composta por mais do que um órgão, desde que algum desses órgãos
detenha efectivamente poderes de direcção e inclua representantes de
professores, alunos, e pessoal não docente, 'democraticamente eleitos'.
Ora, no diploma regional prevê-se justamente uma direcção da escola repartida
por diversos órgãos, um dos quais – o conselho da comunidade educativa –, aquele
que é o 'responsável pela definição da política educativa da escola', é composto
por representantes de professores, dos encarregados de educação, dos alunos, e
do pessoal não docente, recrutados pelo método de eleição (artigos 6º a 12º).
Entendo, por isso, que esta disciplina dá cumprimento ao citado parâmetro da Lei
de Bases.
Sou, enfim, de parecer que as normas questionadas não contendem com a referida
Lei, razão pela qual não acompanho a solução adoptada na alínea a) da decisão.
Carlos Pamplona de Oliveira
1 – Votámos vencido pelos fundamentos que, abaixo, sucintamente, se enunciam.
2 – Antes de mais, queremos deixar registado que não é de passar em
claro, em face da natureza do concreto processo, a profusão de que padece o
requerimento dirigido ao Tribunal Constitucional e que o obrigou a desenvolver
um grande esforço no sentido de inferir, com o grau de certeza exigível, quais
as normas que, efectivamente, corporizavam o efectivo pedido efectuado pelo
requerente.
3 – Em contrário da posição tomada no acórdão, não teríamos tomado
conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade.
Na verdade, dado o alargamento, na revisão constitucional de 2004,
da competência das regiões autónomas para “desenvolver, no âmbito regional, as
bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevam”,
constante da actual alínea c) do n.º 1 do art. 227.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP), em termos competenciais que correspondem aos do
Governo da República, como, aliás, se aceita no acórdão, o vício de que poderia
padecer o decreto legislativo regional, em causa, seria o de ilegalidade e não o
de inconstitucionalidade.
A Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro – Lei de Bases do Sistema de
Ensino (LBSE) – deve qualificar-se, no actual quadro constitucional, como uma
lei de valor reforçado, na medida em que se integra na categoria das que alude a
parte final do n.º 3 do art. 112.º da CRP – leis que “sejam pressuposto
normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas”.
No seguimento dos contributos doutrinais e jurisprudenciais
adensados no Acórdão n.º 374/2004, publicado no Diário da República II Série, de
30 de Junho de 2004, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59.º vol., p. 71,
tal caracterização como lei de valor (constitucionalmente) reforçado de uma lei
de bases que se integre na competência da Assembleia da República, prevista na
alínea i) do art. 164º da CRP, deve, hoje, após a revisão de 1997, ter-se por
resolvida.
Ora, é certo que “a infracção de lei de valor reforçado envolve
inconstitucionalidade. Mas trata-se de inconstitucionalidade indirecta – tal
como a contradição entre lei interna e tratado ou entre regulamento e lei”
(Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, 2ª edição, p. 351).
Deste modo, a inconstitucionalidade não surge, no caso,
imediatamente, como ofensa directa de “uma norma constitucional de fundo, de
competência ou de forma” (itálico aditado), mas como consequência da
ilegalidade.
As normas, em causa, violariam, directa e imediatamente, normas de
lei de valor reforçado – a LBSE – pelo que sofreriam, assim, de ilegalidade.
Por virtude desse alargamento da competência das regiões autónomas,
constante da referida alínea c) do n.º 1 do art. 227.º da CRP, na revisão de
2004, para desenvolver, nos mesmos termos que o pode fazer o Governo da
República, as leis de bases, ocorreu, correspondentemente, uma dilatação do
âmbito da hipótese de ilegalidade, cuja inconstitucionalidade pode ser apreciada
pelo Tribunal Constitucional, que se encontra recortada na alínea b) do n.º 1 do
art. 281.º da CRP.
Todavia, a legitimidade dos Representantes da República, constante
da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, para requererem ao Tribunal
Constitucional a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, não foi
ampliada de modo a abranger, também, tais casos.
Daí que o pedido, apenas, possa ser efectuado (podendo
descortinarem-se boas razões para a opção constitucionalmente feita) por
qualquer dos órgãos referidos nas alíneas anteriores do mesmo número.
Constituindo questão de ilegalidade, mesmo que se admitisse a
conversão em pedido de declaração de ilegalidade do pedido de declaração de
inconstitucionalidade, sendo que a jurisprudência do Tribunal caminha em sentido
oposto, por respeito ao princípio da vinculação ao pedido (cf. sobre o ponto,
entre outros, o Acórdão n.º 624/97, publicado no Diário da República II Série,
de 28 de Novembro de 1997, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 38.º vol., p.
73, e os arestos nele referidos, e o Acórdão n.º 295/2004, publicado no Diário
da República I-A Série, de 27 de Maio de 2004, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 59.º vol., p. 37), sempre careceria o requerente de legitimidade
para o efectuar.
Desta sorte, não teríamos conhecido do pedido.
4 – Para além do que vai dito, discordámos, ainda, da tese, sobre
que assenta o acórdão, de que as normas, em causa, violam o art. 46.º e, maxime,
o art. 48.º, n.º 4, da LBSE, na redacção vigente à data do exercício do poder
legislativo regional.
É que não conseguimos descortinar – mesmo aceitando, por inteiro, um
dos pressupostos de que parte o acórdão, de que “bases” correspondem às “opções
político-legislativas fundamentais respeitantes à matéria” do sistema de ensino
–, que as normas em questão contrariem as “bases do sistema de ensino”,
definidas pela referida LBSE, no que aqui importa, ou seja, “as bases” relativas
à “administração do sistema de ensino” e à “administração e gestão dos
estabelecimentos de educação e ensino” (art. 46.º e 48.º).
Assim, temos como certo que o legislador da LBSE, ao enunciar tais
“bases”, mais não quis do que concretizar o direito da “participação democrática
no ensino”, na sua vertente de “direito a participar na gestão democrática das
escolas”, afirmado, já à altura da edição da LBSE, no art. 77º da CRP.
Ao fazê-lo, não poderia o legislador da LBSE ignorar a profunda
discussão que, então, se travava na sociedade portuguesa, quanto à necessidade
de diferenciação das valências do ensino, mormente, no que importa aos caminhos
a seguir quanto aos ensinos técnico-profissional, profissional e básico, depois
de passada a utopia de que o ensino secundário tinha uma natureza,
essencialmente, elitista.
Ora, deixando de parte a questão, pela desnecessidade da sua
abordagem e pela sua especificidade, mesmo do ponto de vista constitucional, das
“bases” relativas ao sistema de ensino superior (cf. nºs 6 a 9, na versão
originária do art. 48.º - então art. 45.º - da LBSE, e art. 76º da CRP), tinha o
legislador da LBSE inteira consciência que a administração e gestão dos
estabelecimentos de ensino básico, do ensino secundário, do ensino
técnico-profissional e do ensino profissional se colocava em termos materiais
completamente diferentes, por bem diversos serem os interesses públicos a
satisfazer, em cada um destes domínios.
Por outro lado, não desconhecia o legislador que a administração do
ensino estava estratificada, em termos completamente diferentes, consoante os
níveis de ensino, vindos do regime político anterior ao 25 de Abril: enquanto,
no ensino básico (até ao 4.º ano), entre a organização administrativa central
(direcção-geral) e os estabelecimentos de ensino existiam estruturas distritais
(direcções escolares) e concelhias (delegações escolares), que acompanhavam, de
próximo, a sua administração e gestão, já o mesmo não se passava nos outros
níveis, em que inexistiam estruturas intermédias.
Por isso, ao fazer as suas opções políticas fundamentais, a LBSE
quedou-se, no domínio que importa, pela adopção de conceitos assaz elásticos ou
alargados, “de administração e gestão do sistema educativo” (art. 46.º) e de
“administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino” (art. 48.º),
que pudessem vir a abranger toda a realidade, na óptica da satisfação do
respectivo interesse público da administração do ensino público, que o
funcionamento do sistema e dos diferentes estabelecimentos postulariam.
Daí que a LBSE não tenha efectuado qualquer destrinça entre as
funções jurídico-materiais que devessem ser enquadradas nos conceitos de
administração, gestão ou direcção dos estabelecimentos e, muito menos, feito
qualquer exigência no sentido da fixação do número e natureza, funcional ou
orgânica, dos órgãos de administração e gestão, a prever por diploma de
desenvolvimento e das competências a atribuir a cada um deles.
A LBSE limitou-se, em rectas contas, a enunciar os princípios gerais
ou as linhas vectoras fundamentais, que o legislador do diploma de
desenvolvimento devia respeitar, no que respeita à administração e gestão do
sistema de ensino ou dos estabelecimentos de ensino, como é próprio de uma lei
de bases.
Tais são as razões pelas quais quer o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10
de Maio (art. 5.º), quer o referido Decreto-Lei n.º 115-A/98 (art. 7.º do Regime
de Autonomia por ele aprovado) – diplomas que procederam, ambos, ao
desenvolvimento da LBSE – se limitam a considerar como sendo “órgãos de
direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino”, os diferentes
órgãos que enunciam, sem os acoplar ao desempenho de funções materiais
concretamente determinadas.
É que, em bom rigor, o prosseguimento de qualquer actividade do
estabelecimento de ensino, centre-se ela nas relações internas ou externas, ou
seja levada a cabo por qualquer órgão do estabelecimento de ensino, poderá
incluir-se, em termos latos, no conceito de exercício de poderes de
administração, gestão ou de direcção do estabelecimento.
Quer isto dizer que a LBSE não impôs que os órgãos de direcção,
administração e gestão dos estabelecimentos de ensino obedecessem a determinado
número ou figurino pré-conformados, nem estabeleceu qualquer modelo de
repartição de atribuições e de competências entre eles, deixando a regulação
dessas matérias para os diplomas de desenvolvimento.
Neste âmbito, o que a LBSE exige é que a administração, gestão ou
direcção dos estabelecimentos de ensino seja assegurada por órgãos próprios dos
mesmos estabelecimentos e não por órgãos exteriores a eles, “para os quais são
democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não
docente” (art. 48º, n.º 4).
Deste modo, há que notar, em primeiro lugar, que a LBSE não
estabelece, ao contrário do suposto pela tese que fez vencimento, a existência
de qualquer distinção entre funções de direcção versus funções de administração
e de gestão dos estabelecimentos de ensino, para efeitos de impor que os membros
do órgão que desempenhe funções de direcção tenham de ser constituídos, apenas,
por representantes de professores, democraticamente eleitos.
Aliás, o acórdão não assume, sequer, a definição de qualquer
critério, material ou orgânico, de distinção entre as diversas funções –
administração, gestão e direcção –, como tão pouco explica como é que cinge a
exigência da eleição dos membros dos Conselhos Executivos ou Director, à luz da
interpretação que faz do referido art. 48.º, n.º 4, da LBSE, apenas, aos
representantes dos professores, omitindo os representantes dos alunos e pessoal
não docente, quando o pedido de inconstitucionalidade se baseia, precisamente,
na violação do art. 48.º, n.º 4 (no seu todo), da LBSE, e, neste, se abrangem,
também, os representantes dos alunos e pessoal não docente.
Que a LBSE não opera qualquer distinção entre as referidas funções,
para o apontado efeito, resulta do facto de no n.º 2 do mesmo artigo 48.º se
dispor que “em cada estabelecimento ou grupos de estabelecimentos de educação e
ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e
de participação de todos os implicados no processo educativo”, com o que tem em
vista a subordinação de todos os órgãos às mesmas referidas regras.
É certo, como se disse, que a LBSE estabelece que, para os órgãos
próprios do estabelecimento, “são democraticamente eleitos os representantes de
professores, alunos e pessoal não docente”.
Porém, o que ela já não diz – deixando essa matéria para o
legislador de desenvolvimento – é que tipo de participação democrática terão,
nesses órgãos, tais representantes de professores, alunos e pessoal não docente,
eleitos democraticamente, ou em que moldes é que deverá processar-se a
participação, nesses órgãos, desses representantes eleitos, sendo que, como se
sustenta, foi deixada ao legislador de desenvolvimento a liberdade de opção
quanto ao número de órgãos que devem prosseguir as atribuições de administração,
gestão e direcção.
Ora o tipo de participação, em caso de opção, pelo legislador de
desenvolvimento, por mais do que um órgão, pode expressar-se em diversos modos.
A título de exemplo: pode consubstanciar-se, apenas, numa eleição para a
formação de um colégio que proceda, depois, à eleição ou designação dos membros
dos órgãos de administração, gestão e direcção; pode traduzir-se numa eleição
perspectivada para a assumpção directa da qualidade de membros do órgão de
administração, gestão ou direcção, podendo este resultar, na totalidade ou não,
apenas da participação de tais representantes (é o que se passa com o Conselho
da Comunidade Educativa, no decreto regional, ou a Assembleia de Escola e o
Conselho Executivo, no regime do DL. n.º 115-A/98), ou pode consistir, ainda, na
participação democrática em procedimento de selecção, desenvolvido no seio do(s)
órgão(s) anterior(es), dos membros de outro(s) órgão(s) de administração, seja a
selecção destes levada a cabo por eleição ou por concurso (como é o caso do
Conselho Executivo ou Director, no diploma regional, e do Conselho Pedagógico,
no regime do DL. n.º 115-A/98 e no do diploma regional).
Note-se que só o primeiro e ultimo tipos de participação dos
representantes, eleitos democraticamente, podem justificar, sem ofensa da LBSE,
a não inclusão dos representantes dos alunos e pessoal não docente no Conselho
Executivo, como tem acontecido em todos os diplomas de desenvolvimento, como nos
DLs. nº 172/91 e 115-A/98.
Ao legislador de desenvolvimento foi, pois, deixada livre a opção
política de concentrar, centrar ou repartir esses poderes entre os diversos
órgãos, no caso de enveredar por uma solução de existência de vários, contanto
que, pelo menos, uma parte dos membros de um desses órgãos seja eleita
democraticamente por representantes de professores, alunos e pessoal não
docente, podendo os outros membros de outros órgãos ser determinados mediante
procedimento de selecção desenvolvido no seio do órgão constituído com base
naquela eleição, nada impedindo, todavia, que esta selecção venha a assentar
sobre uma regra de eleição (eleição indirecta) ou sobre uma regra de concurso.
Uma tal solução permite assegurar o “pleno respeito pelas regras de
democraticidade e de participação” dos professores, alunos e pessoal não
docente, nos órgãos de administração, gestão e direcção do estabelecimento de
educação ou de ensino.
E é o que se passa no caso do decreto regional em que se integram as
normas impugnadas, como decorre do que abaixo se dirá.
5 – Mesmo admitindo a distinção de funções de direcção das demais,
como raciocina o acórdão, ainda assim, chegamos a solução diferente da que
aportou. Examinado o diploma regional em causa, constata-se que o
órgão que tem o essencial ou dimensão nuclear dos poderes de administração,
gestão e direcção dos estabelecimentos de ensino é o Conselho da Comunidade
Educativa, já que lhe cabem, além de outros, os poderes para “aprovar o projecto
educativo, acompanhar e avaliar a sua execução”, “aprovar o regulamento interno
da escola”, “dar parecer sobre o plano anual de escola, verificando da sua
conformidade com o projecto educativo”, “requerer aos restantes órgãos as
informações necessárias para a realização eficaz do acompanhamento e a avaliação
a todo o funcionamento da instituição, bem como para lhes dirigir recomendações,
com vista ao desenvolvimento do projecto educativo e ao cumprimento do plano
anual da escola” (art. 8.º do diploma regional em apreciação), constituir a
comissão de docentes do quadro do respectivo estabelecimento de ensino para
apreciação das candidaturas ao Conselho Directivo ou Director (art. 22º e ss. do
diploma) e deliberar sobre a candidatura ao Conselho Executivo ou Director a ter
como graduada em 1º lugar e nomear e dar posse aos seus membros (art. 29.º), e,
maxime, para fazer cessar, no final do ano escolar, o mandato dos membros do
Conselho Directivo ou do Director (art. 30º do diploma regional em apreciação).
Ora, o Conselho da Comunidade Educativa é um órgão em que os
representantes dos professores, alunos e pessoal não docente, que o integram,
são todos eleitos, directa e democraticamente, pelo que se mostra inteiramente
satisfeita a “opção política fundamental”, acima dilucidada.
Anote-se, aliás, que o modelo se aproxima, de forma clara, do que o
referido DL. nº 172/91 havia adoptado. Também, aí, cabia ao conselho de escola
“eleger o director executivo, destituí-lo ou renovar o seu mandato” (art. 8.º) e
nunca se suscitaram quaisquer dúvidas sobre a conformidade com a LBSE de um tal
modo de eleição indirecta do órgão em causa.
Na presente situação, o regime, no seu essencial, apenas, diverge na
circunstância de a nomeação do Conselho Directivo ou do Director, por banda do
Conselho da Comunidade Educativa, se fundar em um processo de avaliação das
qualidades dos candidatos e dos projectos de acção, no exercício dos cargos,
durante o mandato, desenvolvido no seu seio e preparado por uma comissão
composta por três ou cinco docentes do quadro do respectivo estabelecimento de
ensino por ela designados, com, pelo menos 5 anos de serviço, e, na sua
inexistência, por docentes com maior graduação profissional (o que denota uma
opção fundada em razões de excelência de qualidades).
Como se constata, é sempre um órgão eleito democraticamente e
integrado por representantes dos professores, alunos e pessoal não docente (o
Conselho da Comunidade Educativa) quem nomeia os membros do Conselho Directivo
ou Director e é uma comissão de docentes, por ele igualmente designada, quem
procede ao exame de todo o processo de candidatura preparatório da sua
deliberação.
A circunstância de esta deliberação poder ser objecto de recurso
administrativo hierárquico (art. 29.º, n.º 2, do decreto regional) é
absolutamente improcedente, dado tratar-se de um recurso de mera legalidade,
cujos pressupostos podem ser totalmente sindicados jurisdicionalmente.
Não se vê, pois, que não estejam completamente salvaguardados os
princípios da democraticidade, participação e representatividade, definidos pela
LBSE.
6 – Mas, para além do que vem sendo dito, importa notar que o
acórdão, independentemente de se ver forçado a descaracterizar (o que não lhe
está vedado) a qualificação dos poderes de direcção e gestão atribuídos ao
Conselho da Comunidade Educativa e ao Conselho Executivo (cf. art.ºs 6.º e 13.º
do diploma regional), vê o essencial dos poderes de direcção em actos que não
têm essa estrita natureza.
Senão vejamos. O que traduz o essencial dos poderes de direcção é,
sem sombra de dúvida, a definição do Projecto Educativo. Ora, ele cabe ao
Conselho da Comunidade Educativa (em paralelo com o que se passa com a
Assembleia de Escola, no regime do DL. n.º 115-A/98). Outro dos instrumentos
essenciais de direcção do estabelecimento é o Regulamento Interno, dado
disciplinar todo o funcionamento interno do estabelecimento. A sua definição
cabe, também, ao mesmo Conselho da Comunidade Educativa (o mesmo se passa no
regime do DL. n.º 115-A/98).
Note-se, aliás, que estes são dois dos pilares com base nos quais o
DL. nº 115-A/98 construiu o regime de autonomia das escolas. Daí que, ao definir
o regime de funcionamento da escola, a que se apega a tese da maioria, o
Conselho Executivo mais não está a fazer do que dar mera execução a esses dois
instrumentos. É certo que existe um terceiro, que é o Plano Anual de
Actividades, cuja elaboração cabe, de facto, ao Conselho Executivo. Todavia,
sucede que este está não só subordinado às orientações do projecto educativo,
como tem de colher o parecer quer do Conselho Pedagógico, quer do Conselho da
Comunidade Educativa, como, finalmente, de sujeitar-se à fiscalização deste
órgão, no que tange à sua execução. A gestão dos espaços e equipamentos
escolares decorre de uma simples actividade de administração e de gestão
executiva.
Por fim, a contratação do pessoal docente e não docente, dentro dos
estritos termos legais em que a mesma é consentida, representa uma actividade de
mera gestão de quadros humanos e o exercício do poder hierárquico apenas desvela
a existência de uma relação de hierarquia, mas já não é idónea para qualificar
se a actividade em que se inserem os agentes sujeitos a essa hierarquia é de
natureza directiva quanto à actividade que é desenvolvida pelo estabelecimento
ou de simples gestão.
7 – Por último, cabe referir que a norma do n.º 7 do art. 17.º do diploma
regional pode conviver perfeitamente com um regime de designação dos membros do
Conselho Executivo, tal como o entende o acórdão, na medida em que o mesmo não
remete para os números anteriores.
Também por aí, esse preceito não estará afectado do vício considerado.
Consequentemente, concluiríamos pela conformidade com a LBSE de
todas as normas impugnadas.
Benjamim Rodrigues